O
VALE DA MORTE
Havia
aproximadamente um mês que o barão Jorge Léon de Savernay, levado por seu gênio
ardente e aventuroso, desembarcara na capital das possessões holandesas na
Malásia.
O barão de
Savernay era um perfeito gentleman, de figura elegante e modos distintos.
Esgrimia e
atirava ao alvo como um mestre d’armas; de florete em punho era temido por
todos os clubmen de Paris, e de
pistola seria capaz de meter uma bala em uma borboleta voando.
Dava a vida
pelas aventuras românticas, gostava de viajar, possuía um rendimento de doze
mil libras e ocupava-se unicamente em gastá-las.
Não é, pois,
de admirar que com um tal gênio o vamos encontrar a alguns milhares de léguas
distante de Paris, na célebre ilha de Java, a terra das feras e dos venenos,
dos tigres e dos rinocerontes, da mancenilha e da bou-oupas.
Um dia, no seu
clube, ouvira o barão de Savernay falar no famoso Vale da Morte, em Java, do qual disseram coisas de arrepiar os
cabelos, mas de ordem a despertar desejos em uma natureza como a sua.
Nesse vale,
denominado Grevo-Oupas na língua
indígena e cercado de terrenos vulcânicos, desprendem-se incessantemente gases
tão deletérios, que um cão aí não chega a durar vinte minutos, lhe haviam dito.
Em seu fundo
plano e inteiramente destituído de vegetação encontram-se, em vez de árvores,
esqueletos humanos, ossadas de animais ferozes e de aves, pode-se dizer,
marmorizadas, tal é a aparência que tomam deste mineral.
Entretanto,
por um contraste da natureza, se no seu fundo não cresce o mais insignificante
indivíduo do reino vegetal, nas colinas escarpadas que o circundam ostenta-se a
mais soberba e luxuriante vegetação.
O vale tem
forma oval, cerca de uma milha de circunferência, e, para ser atravessado em
seu maior comprimento, é necessário que se ande apressado, pois nenhum homem
resiste ali com vida meia hora.
Depois dessa
assustadora exposição feita pelo narrador, o barão esteve alguns momentos
pensativo, e afinal exclamou:
—
Pois eu sou capaz de me demorar meia hora no Vale da Morte e sair de lá vivo!
Uma estrondosa
gargalhada acompanhou as palavras do gentil-homem, visto todos considerarem seu
dito uma requintada fanfarronada.
Léon de
Savernay passou o olhar altivo por toda a assembleia, que se calou como por
encanto, e em seguida retorquiu, insolentemente:
—
Há quem se atreva a duvidar do que afirmei?
Ninguém ousou
responder.
—
Pois bem — continuou ele —, se há quem
duvide de minhas palavras e quer certificar-se de como sei cumprir o que digo,
acompanhe-me até Java e verá que não sou um fanfarrão.
“Amanhã sigo
para a Austrália”, acrescentou, lançando um olhar de provocante desprezo por
toda a sala.
*
* *
Em um pavilhão
de bambus, rodeado de cortinas de algodão riscado, edificado no jardim do hotel
em que se hospedara na Batávia, estava o barão de Savernay conversando com a
mais formosa madrilena que o céu de Espanha vira nascer.
O francês
desfazia-se em amabilidades para com a espanhola, por quem se sentia
perdidamente apaixonado.
Em cumprimento
à sua palavra, o barão de Savernay, logo depois de sua chegada à ilha de Java,
tratou de ir ao Vale da Morte.
Essa excursão
foi feita em companhia de outras pessoas, entre as quais achava-se Mercedes de
Ayala, a formosa madrilena.
Sentados agora
no interior do pavilhão de bambus, rodeado de cortinas de algodão riscado, ela
exprobava docemente o barão por sua temerária empresa de meter-se por dez
minutos no Vale da Morte, onde teria ficado para sempre se ela não o fosse
arrancar da área mortífera, já desfalecido.
Quando meses
depois o caprichoso barão voltou a Paris, trazendo de presente ao seu clube uma
ossada de rinoceronte que parecia feita do mais alvo mármore, trazia consigo a
convicção de que mesmo no Vale da Morte,
onde a vida animal não dura vinte minutos e onde não medra o mais insignificante
espécimen do reino vegetal, pode brotar e viver o amor, o que provava
apresentando nos salões do Faubourg Saint-Germain Mercedes de Ayala, agora
baronesa de Savernay.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025
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