4/12/2025

O Vale da Morte (Conto), de Sérgio Cardoso

 

O VALE DA MORTE

Havia aproximadamente um mês que o barão Jorge Léon de Savernay, levado por seu gênio ardente e aventuroso, desembarcara na capital das possessões holandesas na Malásia.

O barão de Savernay era um perfeito gentleman, de figura elegante e modos distintos.

Esgrimia e atirava ao alvo como um mestre d’armas; de florete em punho era temido por todos os clubmen de Paris, e de pistola seria capaz de meter uma bala em uma borboleta voando.

Dava a vida pelas aventuras românticas, gostava de viajar, possuía um rendimento de doze mil libras e ocupava-se unicamente em gastá-las.

Não é, pois, de admirar que com um tal gênio o vamos encontrar a alguns milhares de léguas distante de Paris, na célebre ilha de Java, a terra das feras e dos venenos, dos tigres e dos rinocerontes, da mancenilha e da bou-oupas.

Um dia, no seu clube, ouvira o barão de Savernay falar no famoso Vale da Morte, em Java, do qual disseram coisas de arrepiar os cabelos, mas de ordem a despertar desejos em uma natureza como a sua.

Nesse vale, denominado Grevo-Oupas na língua indígena e cercado de terrenos vulcânicos, desprendem-se incessantemente gases tão deletérios, que um cão aí não chega a durar vinte minutos, lhe haviam dito.

Em seu fundo plano e inteiramente destituído de vegetação encontram-se, em vez de árvores, esqueletos humanos, ossadas de animais ferozes e de aves, pode-se dizer, marmorizadas, tal é a aparência que tomam deste mineral.

Entretanto, por um contraste da natureza, se no seu fundo não cresce o mais insignificante indivíduo do reino vegetal, nas colinas escarpadas que o circundam ostenta-se a mais soberba e luxuriante vegetação.

O vale tem forma oval, cerca de uma milha de circunferência, e, para ser atravessado em seu maior comprimento, é necessário que se ande apressado, pois nenhum homem resiste ali com vida meia hora.

Depois dessa assustadora exposição feita pelo narrador, o barão esteve alguns momentos pensativo, e afinal exclamou:

— Pois eu sou capaz de me demorar meia hora no Vale da Morte e sair de lá vivo!

Uma estrondosa gargalhada acompanhou as palavras do gentil-homem, visto todos considerarem seu dito uma requintada fanfarronada.

Léon de Savernay passou o olhar altivo por toda a assembleia, que se calou como por encanto, e em seguida retorquiu, insolentemente:

— Há quem se atreva a duvidar do que afirmei?

Ninguém ousou responder.

— Pois bem — continuou ele —, se há quem duvide de minhas palavras e quer certificar-se de como sei cumprir o que digo, acompanhe-me até Java e verá que não sou um fanfarrão.

“Amanhã sigo para a Austrália”, acrescentou, lançando um olhar de provocante desprezo por toda a sala.

* * *

Em um pavilhão de bambus, rodeado de cortinas de algodão riscado, edificado no jardim do hotel em que se hospedara na Batávia, estava o barão de Savernay conversando com a mais formosa madrilena que o céu de Espanha vira nascer.

O francês desfazia-se em amabilidades para com a espanhola, por quem se sentia perdidamente apaixonado.

Em cumprimento à sua palavra, o barão de Savernay, logo depois de sua chegada à ilha de Java, tratou de ir ao Vale da Morte.

Essa excursão foi feita em companhia de outras pessoas, entre as quais achava-se Mercedes de Ayala, a formosa madrilena.

Sentados agora no interior do pavilhão de bambus, rodeado de cortinas de algodão riscado, ela exprobava docemente o barão por sua temerária empresa de meter-se por dez minutos no Vale da Morte, onde teria ficado para sempre se ela não o fosse arrancar da área mortífera, já desfalecido.

Quando meses depois o caprichoso barão voltou a Paris, trazendo de presente ao seu clube uma ossada de rinoceronte que parecia feita do mais alvo mármore, trazia consigo a convicção de que mesmo no Vale da Morte, onde a vida animal não dura vinte minutos e onde não medra o mais insignificante espécimen do reino vegetal, pode brotar e viver o amor, o que provava apresentando nos salões do Faubourg Saint-Germain Mercedes de Ayala, agora baronesa de Savernay.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025

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