4/13/2025

Lopes Filho (Conto), de O dia aziago

 

O DIA AZIAGO

Isidro Mangue é o último descendente de uma heroica e robusta geração de pescadores. Nasceu no Mucuripe, onde vivia seu pai, oriundo do Aracati, o qual viera, na seca de 45, buscar na Fortaleza os recursos que minguaram de todo naquele ano terrível por todos os pontos da província.

Homens fortes e trabalhadores, nunca conheceram outro mister que a tarrafa ou o anzol; e este último, por certas rixas de sua esposa, mulher birrenta, deixou a pitoresca povoação de Mucuripe, seu berço, e veio para a cidade estabelecer-se no arraial Moura Brasil, continuando sempre no afanoso labor dos seus maiores. E como lhe houvessem corrido de bem as coisas, de pobre pescador de anzol fez-se dono de jangada.

Mal rompia a aurora, lá se ia ele mar em fora, a pescar todos os dias da semana, exceto aos domingos, por ser dia do Senhor, e às sextas-feiras, por ser um dia aziago e muito caipora.

Uma bela manhã, porém, numa sexta-feira, apesar de todos os rogos e conselhos da mulher, dispôs-se a ir ao mar, à pesca dos pargos que abundavam em magotes, lá para muito longe, pras bandas da risca.

Fora bem-sucedido, e nunca em sua vida fizeram tão abundante pescaria: os dois samburás da jangada estavam cheios, completamente repletos.

Isidro radiava de contente; e de volta já avistava sua mulher no alpendre limpo da casinha branca, como sempre a esperá-lo, de pé, nos dias em que ele ia ao mar. De repente, à meia légua da beira da praia, vê arremessar-se à sua jangada um peixe monstruoso, que, de guelras abertas, encarava-o com um olhar de fogo de verdadeiro demônio.

Pela primeira vez em sua vida aquele homem forte teve medo de morrer! E ele, que estava tão acostumado a desafiar a morte nos furores do mar e do vento, do trovão e do raio, pensou que era chegado talvez o seu dia; e, súbito, teve uma ideia: lançar ao monstro o peixe que havia morto; e fê-lo.

Aquilo, porém, não era peixe, era o diabo, era com certeza alguma tentação do cão. E depois de ter atirado à água toda a pesca, sem mais uma isca, via sempre à sua frente o terrível cetáceo, que, investindo e dando rabanadas à jangada, olhava-o desesperadamente; e então esmorecido o pobre Isidro encomendou-se a Deus, disposto a morrer.

Relanceando o olhar, viu pendurada ao banco de popa da jangada a cabaça em que ele costumava guardar as provisões e teve uma última lembrança: deitá-la ao monstro.

Arrolhou-a bem e atirou-a.

Mal caiu n’água a cabaça que flutuava, o peixe botou-se a ela; e aos saltos do monstro a cabaça voava aqui e ali à flor das águas.

Aproveitando esse acontecimento que foi a sua salvação, Isidro fugiu do bicho e pôde finalmente abicar à terra.

A mulher que esperava-o já, havia muito, vendo-o de cabelos em pé, os olhos esbugalhados, todo agitado, num tremor convulsivo, perguntou o que lhe havia acontecido. Ele, depois de narrar todo o fato, ainda trêmulo, benzeu-se, dizendo: mulher, sexta-feira é um dia ziágua; aquilo foi obra do capeta... qual peixe, qual nada, aquilo com certeza era o Cão! Ao que ela também, benzendo-se, acrescentou: não era peixe, era o Cão!...

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