O
DIA AZIAGO
Isidro
Mangue é o último descendente de uma heroica e robusta geração de pescadores.
Nasceu no Mucuripe, onde vivia seu pai, oriundo do Aracati, o qual viera, na
seca de 45, buscar na Fortaleza os recursos que minguaram de todo naquele ano
terrível por todos os pontos da província.
Homens
fortes e trabalhadores, nunca conheceram outro mister que a tarrafa ou o anzol;
e este último, por certas rixas de sua esposa, mulher birrenta, deixou a
pitoresca povoação de Mucuripe, seu berço, e veio para a cidade estabelecer-se
no arraial Moura Brasil, continuando sempre no afanoso labor dos seus maiores.
E como lhe houvessem corrido de bem as coisas, de pobre pescador de anzol
fez-se dono de jangada.
Mal
rompia a aurora, lá se ia ele mar em fora, a pescar todos os dias da semana,
exceto aos domingos, por ser dia do Senhor, e às sextas-feiras, por ser um dia
aziago e muito caipora.
Uma
bela manhã, porém, numa sexta-feira, apesar de todos os rogos e conselhos da
mulher, dispôs-se a ir ao mar, à pesca dos pargos que abundavam em magotes, lá
para muito longe, pras bandas da risca.
Fora
bem-sucedido, e nunca em sua vida fizeram tão abundante pescaria: os dois
samburás da jangada estavam cheios, completamente repletos.
Isidro
radiava de contente; e de volta já avistava sua mulher no alpendre limpo da
casinha branca, como sempre a esperá-lo, de pé, nos dias em que ele ia ao mar.
De repente, à meia légua da beira da praia, vê arremessar-se à sua jangada um peixe
monstruoso, que, de guelras abertas, encarava-o com um olhar de fogo de
verdadeiro demônio.
Pela
primeira vez em sua vida aquele homem forte teve medo de morrer! E ele, que
estava tão acostumado a desafiar a morte nos furores do mar e do vento, do
trovão e do raio, pensou que era chegado talvez o seu dia; e, súbito, teve uma
ideia: lançar ao monstro o peixe que
havia morto; e fê-lo.
Aquilo,
porém, não era peixe, era o diabo,
era com certeza alguma tentação do cão. E depois de ter atirado à água toda a
pesca, sem mais uma isca, via sempre à sua frente o terrível cetáceo, que,
investindo e dando rabanadas à jangada, olhava-o desesperadamente; e então
esmorecido o pobre Isidro encomendou-se a Deus, disposto a morrer.
Relanceando
o olhar, viu pendurada ao banco de popa da jangada a cabaça em que ele
costumava guardar as provisões e teve uma última lembrança: deitá-la ao monstro.
Arrolhou-a
bem e atirou-a.
Mal
caiu n’água a cabaça que flutuava, o peixe botou-se a ela; e aos saltos do
monstro a cabaça voava aqui e ali à flor das águas.
Aproveitando
esse acontecimento que foi a sua salvação, Isidro fugiu do bicho e pôde finalmente abicar à terra.
A
mulher que esperava-o já, havia muito, vendo-o de cabelos em pé, os olhos
esbugalhados, todo agitado, num tremor convulsivo, perguntou o que lhe havia
acontecido. Ele, depois de narrar todo o fato, ainda trêmulo, benzeu-se,
dizendo: mulher, sexta-feira é um dia ziágua;
aquilo foi obra do capeta... qual peixe, qual nada, aquilo com certeza era o
Cão! Ao que ela também, benzendo-se, acrescentou: não era peixe, era o Cão!...
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