4/14/2025

Jacinto (Conto), de Bruno Seabra

 

JACINTO

Das reminiscências que posso colher dos meus primeiros anos, concluo que fui incrédulo desde a mais tenra infância.

Aos quatro anos de idade, já eu duvidava muito.

Lembro-me ainda, como se as lesse ontem, de todas aquelas historietas fantásticas, com que minha boa ama me acalentava. Lembro-me também que nunca eriçou-se-me um só fio dos cabelos com ouvir-lhe a descrição de tantas cenas de almas do outro mundo, de que abundavam as suas historietas. Pois não era porque ela não tivesse queda natural para descrever um fantasma, não era; que um fantasma, posto entre os vivos por minha ama, era para fazer sair às carreiras o mais destemido do grupo.

Avanço mesmo a dizer que, se ela dispusesse de uma educação literária, equivalente à dose de espírito fantástico que possuía, o Brasil podia a esta hora gabar-se de ter sido o berço de uma escritora rival de Anna Radcliffe.

Entretanto, eu a escutava tranquilo e não perdia a ocasião de arregalar os meus olhinhos para o canto mais escuro da alcova, com suma curiosidade de ver algum fantasma, enquanto ela própria fechava os seus.

Se, porém, a mãe Claudina (assim chamava-se ela) não teve lógica bastante para convencer-me que depois desta vida há uma outra, onde ab eterno reinam os espíritos, pudera ao menos gabar-se que foi ela com as suas historietas quem me ensaiou o espírito no gosto fantástico.

Aos vinte anos, eu deixava em meio o melhor de um poema ou a mais interessante página de um tratado de filosofia para ler um conto fantástico, ainda que fosse de folhinha. Os contos de Hoffmann, os de Anna Radcliffe, o Orlando Furioso, as Mil e umas noites, e eram, ingenuamente falando, os chefs-d’œuvres da minha pequena estante. Os mais livros estavam mal arrumados nos últimos raios dela, considerados por mim livros de pouco mais ou menos.

Numa sala, num baile, numa soirée, deixava de escutar os pormenores do romance de uma morena ou loira, de dezoito anos, para ouvir tagarelar uma velha que tivesse sessenta vezes visto amanhecer o dia de São Silvestre, no intuito de ouvir-lhe também uma história de almas do outro mundo, de tantas que só as velhas sabem. Nessa idade, mais ou menos, nas verdes asas da esperança, vim ter a este Rio de Janeiro.

Seja dito de passagem, seis meses depois as asas de tal esperança estavam negras como as asas de um corvo...

Aqui, pois, Mafoma de nova espécie, à procura de um teto, cujo agasalho acomodasse mais as minhas algibeiras de estudante do que meu próprio corpo, depois de correr Ceca e Meca, fui hospedar-me nos fundos de umas águas-furtadas, cuja metade havia mais tempo ocupava um tal Sr. Marçal, com quem vim a tomar conhecimento.

Era o Sr. Marçal um homem tratável, alto, magro, de olhos encovados e ainda em cima lânguidos, e de cútis crestada, sem dúvidas, pelos sóis de quarenta e oito a cinquenta anos que representava já ter vivido. Fora para um volume de quatrocentas páginas, oitavo francês, tipo mignon, se eu me propusesse a escrever circunstanciadamente a respeito do meu companheiro de teto, e por isso direi em uma palavra que o Sr. Marçal era um mágico... mas o Sr. Marçal não era simplesmente um mágico. À magia, juntava ele o conhecimento profundo da onomatomancia ou ciência anagramática, que outrora, entre os discípulos de Pitágoras, esteve em alta voga. Como o filho de Jacó, ele interpretava os sonhos mais exóticos.

A astronomancia tão respeitada no Oriente, a bibliomancia, a quiromancia ou ciência dos boêmios, em que li algures ter sido grande o rei Salomão, e que Aristóteles e outros reverenciavam; a fisiognomia ou ciência de Lavater, a que devemos a descoberta da frenologia pelo dr. Gall etc., eram ciências, teórica e praticamente, de dia e de noite, estudadas pelo Sr. Marçal, e das quais ele provava quando se quisesse tirar inquestionável aproveitamento.

Assim, quando um indivíduo desejava saber o que lhe aguardava o futuro, ia ter com o Sr. Marçal e ele lho dizia tim-tim por tim-tim, já fazendo diversas transposições das letras de que se compunha o nome próprio do crédulo, e com elas formando outras palavras, que só ele traduzia; já pela influência do signo sob que tivesse o consultante vindo ao mundo; já fazendo-o abrir com estilo mágico a Bíblia, e tirando hipóteses para os seus cálculos da primeira frase ou palavra que lhe ficasse à esquerda etc.

Ainda não para aqui todo o saber do Sr. Marçal.

Ele compunha filtros contra a melancolia, preservativos de frouxidão de nervos e nostalgia, amavios infalíveis para os amantes, amuletos contra os feitiços e talismãs contra as desventuras etc.

Possuía ainda todos os segredos do magnetismo, e presumo que seria capaz de magnetizar até o próprio Mesmer.

Fui testemunha ocular do seguinte fato.

Lá pelo nosso bairro moravam juntas três mênades dos tempos modernos, para as quais não havia remédio que sanasse o mal com que elas tanto se deleitavam — o vinho.

A própria polícia que, rival das pílulas de Mr. Holloway, também é uma espécie de panaceia, desenganada da incurabilidade de semelhante mal, já as tinha abandonado. Aquelas mulheres! aquelas mulheres!

Todos os vizinhos diziam ter sido feito para elas o “Deus os fez e o diabo os ajuntou” — frases que as velhas repetem quando falam de dois bem-casados de gênios e feitos iguais.

Uma noite — dir-se-ia que, para as três criaturas, era a noite de juízo —, estavam elas no meio da rua, e, ao contrário das mênades da fábula, que se enfeitavam com cachos de hera, trazia cada qual por enfeite um cacete de vara e meia.

Aos cambaleios descompassados das pernas e aos movimentos grotescos dos braços, soltavam das bocas um enxame de palavras, cada qual mais obscena.

Passa por elas o Sr. Marçal; as mulheres implicam com o homem, dirigem-lhe de um jato um cento das tais palavras, e avançam para ele com os cacetes em pino.

Para o mágico, fita-as e faz-lhes algumas momices com as mãos. Todos os curiosos pasmaram, e não foi para menos.

Em dois segundos, as três indomáveis mulheres dormiam placidamente, em pé, como dorme um sultão no seu fofo e perfumado leito. Tinha-as magnetizado o Sr. Marçal.

Não ficou só nisso, e não foi só por isso que aqui trouxe este fato.

Foi o mais importante que, desse dia avante, nunca mais ninguém viu aquelas mulheres levarem aos lábios sequer um bago de parreira, quanto mais uma gota do licor que tantas culpas deixa às costas de Noé.

Vê-se claramente que o magnetismo extingue a sede do vinho.

Aos sectários de Mesmer os meus emboras por tamanha descoberta. Era, sobretudo, da nigromancia, ou arte de evocar os espíritos, em que o Sr. Marçal dizia-se um completo thebh, que em chim significa sábio.

Com aquela condescendência trivial, com que ali pelas ruas um desconhecido para a um nosso aceno e nos dá o fogo do seu charuto, o espírito, qualquer que ele fosse, vinha, estivesse onde estivesse, a um aceno do Sr. Marçal. Quando soube que o mágico dispunha de mais esta qualidade, não me pude suster, que não desse um pulo de contente, dizendo para mim mesmo: “Agora, sim, senhor, podemos travar conhecimento com uma alma do outro mundo e atirar a dúvida para um canto.”

Eu zombava!

Entretanto, desejava ansiosamente ter um pé para acreditar! Que Pirro não dará todo o seu sangue a quem repartir com ele as crenças do velho Sócrates?

Tomei a resolução de divertir-me à minha custa, e, em dia de mais paciência, fui bater à porta do nigromântico.

Aquele gabinete, todo forrado de encarnado, com o seu quê de misterioso e lúgubre, como uma sala maçônica; um esqueleto humano, que ficava logo à entrada, e o aspecto grave do mágico fariam calafrios a quem não estivesse como eu familiarizado em lá entrar e sair. Entrei com familiaridade, e, sendo do mesmo modo correspondido pelo Sr. Marçal, não me demorei em tocar-lhe a respeito do que me levava à sua presença.

— Ora, meu amigo e Sr. Marçal — disse-lhe depois de concisa divagação —, venho pedir-lhe hoje um grande favor: faz-mo?

— Se estiver ao meu alcance, com muito boa vontade — respondeu-me ele.

— Está...

— Então o que vem a ser?

— Olhe, Sr. Marçal, eu não sei se já reparou, eu sou cético.

— Cético?

— Absolutamente cético.

— Que anomalia... na sua idade... ou é agora porque está arrufado com o mundo?

— Pelo contrário, estou em boa harmonia... Quem me dera que eu nunca saísse dele...

— Então por que é cético? desde quando o é?

— Desde que nasci.

— É célebre... o amigo estudou filosofia?

— Sim, senhor.

— Que seita adotou?

— Eu sei, Sr. Marçal! Eu sou uma porção de filósofos a um tempo... Sou Aristipo, Pirro, Zeno, Xenofonte, Diógenes, Antístenes, Epicuro etc. etc.

— Pelo amor de Deus! nenhum desses charlatães presta para coisa alguma. Um dedo de Platão vale mais do que as cabeças deles todas juntas...

— Ora, aí está como são as coisas! Sou completamente oposto à seita de Platão. Ainda não posso crer que o homem tenha alma, e, de mais a mais, imortal. Minha ama, como Platão; um sem-número de velhas com quem tenho conversado, e quantos livros de contos fantásticos tenho lido, não me fizeram mudar de opinião. Post vitam nihil est, quem me arredar disto deita uma lança em África.

— Pois aqui estou eu que o farei, e com os fatos mais palpáveis.

— Anda por aí o favor que lhe venho pedir, Sr. Marçal. Desejo conversar com uma alma do outro mundo, a ver se tomo caminho; o senhor quer evocá-la?

— Sim, senhor.

— Quando há de ser?

— Quando quiser.

— Pois vá feito; seja hoje mesmo.

— Vá feito.

— À meia-noite?

— À meia-noite certamente.

— Está dito.

— Dito.

— Nunca deixarei — continuou o bom nigromântico — de dar crenças aos incrédulos. Quem as dá, dá a mais valiosa esmola e faz um bem que só Deus recompensará. Posso gabar-me de ter lutado com os caprichos dos mais exigentes incrédulos e, graças a Deus, ainda uma só vez não cansei antes de vencê-los.

Há três dias aqui esteve um senhor que declarou-se-me incrédulo até as pontinhas dos cabelos, e, no fim de duas horas, daqui saiu crédulo, crédulo a causar dó.

Diga lá o nome do seu defunto, amigo ou parente, cuja alma hei de evocar esta noite.”

— É indispensável essa cláusula?

— Certamente.

— Espere, deixe-me então lembrar de alguém... já achei... há de ser ele. Escute, Sr. Marçal. Eu tive um tio materno chamado Gregório, que foi o único anacoreta da minha família.

“Quando eu nasci já o tio Gregório não existia, mas todos os meus parentes falavam-me dele. Diziam-me que ele aos trinta anos morava só em uma casinha sita num dos arrabaldes mais isolados lá da nossa terra. Que fora casado com uma viúva, que, para isso, insinuado por ele, envenenara o próprio marido.

“Três meses depois de casado, enviuvou, morrendo-lhe a mulher abrasada por uma combustão espontânea. Daí começou meu tio pouco a pouco a emagrecer e tomando a mania de conversar sozinho, até que afinal não fez mais caso dos parentes, e quando se deu com ele tinha professado o anacoretismo.

“Soube-se ainda que em todas as sextas-feiras, à meia-noite, saía da casinha que meu tio ocupava um animal, que grunhia como porco, e cuja cabeça seria perfeitamente a de um cavalo, se não sustentasse duas enormes pontas, retorcidas como parafusos.

“Os olhos pareciam dois archotes deitando chispas fosforescentes, e o resto do corpo era negro como carvão e felpudo como o de um bode.

Por onde passava aquele animal tresandava a enxofre, que sufocava. No dia seguinte amanhecia o tio Gregório mais pálido do que nunca, magro como um esqueleto, e com as unhas e dentes verdes como azinhavre.

Isto durou seis meses seguros.

Já ninguém queria habitar no bairro do tio Gregório, desgraça que fosse: já, ainda os mais civilizados, não lhe davam o bom-dia; enfim, todos fugiam-lhe como se foge de um leproso, quando, de uma sexta-feira em diante, nunca mais soube-se dele.

Quero ouvir, pois, esta noite a alma do tio Gregório, perguntar-lhe o que fizeram-lhe do corpo, e pedir-lhe certas informações da vida além-túmulo.”

— Pois, à meia-noite em ponto — disse-me o Sr. Marçal —, lá irá ter a seu quarto a alma do seu parente. É preciso não ter luz e não fechar a porta.

— Essa não seja a dúvida: deixo a porta encostada, apago a vela, deito-me e, se pegar no sono, a alma do tio Gregório me acordará?

— Há de acordá-lo.

— Muito obrigado, Sr. Marçal; até amanhã.

— Até amanhã.

— Com que então — disse comigo, saindo do gabinete do Sr. Marçal —, vou conhecer esta noite o defunto tio Gregório, graças ao condão do lítuo do meu vizinho?

Ri-me da minha lembrança, e deixei correr o resto do dia entretido com os meus afazeres.

À noite, ao recolher-me às minhas águas-furtadas, já não me lembrava do pacto que fizera de manhã com o nigromântico.

Entrei, fechei a porta do quarto, despi-me, enchi a transbordar o meu velho cachimbo, acendi-o, deitei-me e abri um livro para conciliar o sono.

Dez minutos depois, pesavam-me as pálpebras como se eu tivesse tomado ópio.

Despedi-me do cachimbo, fechei o livro e apaguei a vela.

Estava pega, não pega no sono, quando inesperadamente veio-me à ideia que tinha o vizinho nigromântico à minha esquerda.

— Ai — refleti —, que cabeça esta minha! não deve tardar por aí a alma do tio Gregório, e eu não fechei a porta? Pois ela que entre pela fresta.

E, sem dar maior importância à lembrança, fui pensando... pensando... e peguei no sono.

Dormi.

Sonhei.

Sonhei que, sem saber explicar como, subira até o ápice de uma montanha árida e íngreme.

Via à direita o oceano imenso, tal qual ele o é, e à esquerda, uma vasta e deserta planície. Afigurou-se-me impossível descer daquelas alturas. Olhei em redor de mim, não vi ninguém! Sondei o sítio e não dei com o mais pequeno sinal por que concluísse ter antes de mim chegado até ali uma criatura.

Pouco a pouco, o sol foi descambando. Camadas de nuvens negras foram-se aglomerando por todo o espaço.

A norte e sul, qualquer lado que tomava para o horizonte, eu o via escurecendo.

Tentei gritar socorro, socorro, muito socorro! debalde! faltava-me ar! faltava-me luz! faltavam-me as forças!

Anoiteceu!

Tateando pelas trevas, pude enfim abrigar-me a uma árvore que ali topei.

Sentei-me bem junto a seu tronco, esperando que amanhecesse. Pisado pelo horroroso daquela situação, fatigado de esperar pela manhã, adormeci.

Sonhei que despertava no espaço, preso aos dentes de um vampiro, que, sem dúvida, fazia pouso na árvore cujo tronco me servira de encosto.

Oh! como eu estava longe da terra! Que posição a minha!

Restava-me escolher de dois males um! Um e outro era uma irremediável sentença de morte!

Ou morrer devorado pelo vampiro, ou daquelas alturas atirar-me à terra, aonde, no fim de um século, chegaria dividido em átomos! Lutei com o animal.

Empreguei quanta força me foi possível.

Venci-o.

Ele abriu a enorme boca e deixou cair a presa!

Jesus!

Lá venho eu rolando pelo espaço abaixo... e leva-me a breca o tombo... se não desperto no meu leito...

Acordei sobressaltado, o coração batia-me fortemente...

Abri os olhos... nada... o quarto estava tão escuro que eu não acreditava ter os olhos abertos!

Sinto que alguém está de pé junto à minha cabeceira.

Quis falar... mas a língua tornou-se insensível à vontade.

Quis mover os braços... tinha-os paralisados!

— Quem é? — pude enfim perguntar.

— Eu — ouvi distintamente —, eu, que mandaste evocar, um espírito do outro mundo. Aqui estou, ouve, e crê. Mandaste evocar o espírito de um teu parente que nunca existiu, eu vim na falta dele. Queres descortinar os mistérios dos túmulos? Embalde te cansarás. Crê e fica-te.

— E tu quem és? — perguntei, sentindo-me ir desfalecendo.

— Jacinto.

Ouvi e não soube mais de mim.

Acordei, cheio de impressão, às sete horas da manhã.

Vesti-me e fui ter com o nigromante.

— Ora viva! — exclamou o Sr. Marçal, vindo ao meu encontro: — Então o amigo queria experimentar-me?

— Como assim? — repliquei-lhe.

— Disse-me que tinha tido um tio chamado Gregório, e bem podia eu gastar toda a noite evocando o espírito do tal seu tio, e ainda a esta hora não se teria ele movido.

— É verdade, Sr. Marçal, perdoe-me; foi uma peça de estudante, eu nunca tive semelhante tio.

— Isso vi eu, evocando o espírito três vezes baldadamente.

— Mas eu ouvi... ou sonhei...

— Ora, pois não! então o senhor havia de pregar-me uma peça para não ter desforra? Quando vi que o tal seu tio não tinha alma, porque ainda não nasceu, evoquei a alma do último defunto seu conhecido, e ela aqui esteve e para lá encaminhei-a, um quarto justinho depois da meia-noite.

— E por onde entrou ela, se eu esqueci-me de deixar a porta aberta?

— Pois ainda põe dúvida? Os espíritos entram à vontade pelo buraco de uma fechadura, ainda que seja estreito como o fundo da mais fina agulha.

Fingi concordar com o que dizia o nigromante, e saí pensando seriamente a respeito.

— Jacinto... Jacinto... — repetia para mim, a ver se me lembrava de algum amigo ou conhecido que tivesse este nome. — Jacinto... não conheço ninguém com este nome. O certo é que o homem atilou que eu nunca tive a desgraça de ter um tio malfadado, como o tio Gregório de minha invenção. E o resto? Qual alma de Jacinto, nem meio Jacinto! o resto foi meramente sonho, sonho e mais nada. O vizinho Marçal não passa de um inofensivo fona, benza-o Deus.

E não cuidei mais no sucedido.

Já havia decorrido oito ou dez dias, a contar daquela noite, quando encontrei-me com um velho amigo que chegava de Minas e com quem travei relações de amizade na Academia Militar.

— De luto! — exclamei, reparando que ele trazia fumo no chapéu. — Quem te morreu?

— Pois ainda não sabes? — replicou, admirado.

— Não.

— Foi o meu irmão Jacinto.

— Jacinto! tinhas um irmão chamado Jacinto?!

— Com efeito, como está esquecido! Já não te lembras do Jacinto, que tanto simpatizava contigo?

— Acredita, não tenho a mais pequena ideia...

— Aquele rapaz, magro como tu, e branco como a neve, com quem jogavas o dominó no Cercle...

— Ai... espera... é verdade... lembro-me agora, chamava-se Jacinto o teu irmão, com quem tantas vezes joguei o dominó... Pois ele morreu?

— Há vinte dias... morreu tísico em Diamantina...

— Pobre Jacinto, como eu já me tinha esquecido dele!

E apertei, comovido, a mão do meu amigo...

* * *

Desse dia em diante consagrei a mais distinta consideração ao meu vizinho da esquerda, a quem tão levianamente chamara — fanfarrão. 


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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