ASPECTOS DA
LITERATURA PERNAMBUCANA
Se Pernambuco não
tem sido, entre os outros Estados da Federação, um foco mais intenso e mais
continuado de cultura literária, ninguém se esqueça de que as transformações
sociais e os movimentos libertários, que trabalharam e agitaram tanto a alma
pernambucana, não permitiram formar um coeficiente mais notável na história
literária do Brasil.
Se não tivemos
grandes poetas, grandes historiadores, grandes filósofos, tivemos e possuímos
ainda cultores aprimorados das ciências jurídicas e cinzeladores da prosa.
E todo mundo sabe
o que representa Pernambuco na história jurídica do país, o que ele representa
na história da literatura romântica que se transplantou da França com o ritmo
opulento e hiperbólico de Hugo e Lamartine, para ter no Recife a sua viva
expressão no condoreirismo de Castro Alves.
Nem falo nessa
famosa "Escola do Recife", para a qual a cultura do direito foi uma
espécie de "sagrada" obsessão que empanturrou o estomago literário de
Pernambuco, ainda hoje a braços com essa "indisposição cultural" que
nunca mais o deixou livre para os grandes movimentos da inteligência no país.
Ainda bem que
nesses últimos tempos algo de novo alvoroça o espírito jovem das novas
gerações.
Na segunda série
dos seus "Estudos" o Sr. Tristão de Athayde escreveu: "O
movimento moderno nasceu em São Paulo e no Rio. E em 1927 não arrefeceu, mas
estendeu-se. Se não começou propriamente a ganhar os outros Estados, acentuou-se
a sua dispersão fecunda pelas províncias. Pernambuco, Minas e Rio Grande do Sul
foram, nesse ano, os pontos em que se revelaram mais vivamente as forças
latentes de criação, que trabalham silenciosamente por esse Brasil afora,
batidos pelo meio adverso, pela inércia, pela falta de estímulo e de meios de
sair da obscuridade."
Esses obstáculos
a que se refere o crítico de O Jornal
avultam sobretudo em Pernambuco e em todo o nordeste brasileiro.
Ha pouco tempo o
Sr. Humberto Carneiro, chamando a atenção dos literatos do país para a
inferioridade dos nossos pequenos movimentos literários, apresentava como causa
dessa humilhante situação de isolamento em que vivemos e o fascinamento da
metrópole. E lembrava como José Américo e Mário Sette ganharam fama literária
nos meios cultos do sul desse vasto país em que a capital, dizia ele, é uma
espécie de mediador plástico do pensamento nacional.
Acrescente-se a
este corpo de delito a futilidade intelectual a que se entregam quase todos os
que, entre nós, se votaram ao culto das letras, maximé da poesia.
Os que procuram o
sério na vida, mesmo literária, são uns lorpas a quem a "meninada"
inteligente alcunha de maníacos e passadistas...
O mundo, hoje, em
seu utilitarismo e em sua versatilidade, não quer o sério na vida...
E o anátema cai
como uma placa de chumbo sobre os que escolhem o motivo religioso para os seus
estudos e para as suas manifestações literárias. Conseqüência talvez desse
espírito de sectarismo que a "Escola do Recife" derramou em profusão
no espírito da mocidade do nordeste. Ainda sob esse respeito, nós estamos no
isolamento completo dos que se iluminam e marcham para o espiritualismo, no
sul.
Tristão de
Athayde, criticando os livros de Fernando Costa, Carlos Magalhães, Tasso da
Silveira, Francisco Karam e outros, verificou que a atual elevação para Deus é
um fenômeno que se está observando na literatura de hoje, sobretudo dos poetas,
elevação que poderá vir enriquecer vivamente a nossa experiência poetica e o
nosso futuro literário.
Os demolidores
dos sentimentos religiosos na literatura nacional têm a consciência íntima de
que a Religião, como influiu na geração dos velhos românticos, continua a
influir hoje na geração nova que sente a necessidade de firmar a sua crença e
fazer irradiar a sua fé.
***
Os dois aspectos
mais interessantes que na hora presente, nos apresenta a literatura
pernambucana são os que se ligam aos movimentos do jornalismo e da poesia.
Os grandes
jornais da capital e as três revistas "Revista do Norte",
"Revista da Cidade" e "A Pilheria", e ainda as revistas do
Instituto Histórico e da Academia Pernambucana de Letras, têm congregado o
expoente de nossa cultura literária na imprensa. Os nomes de mais relevo no
nosso jornalismo, são Carlos Lyra Filho, Luiz Delgado, José de Sá, José
Campelo, Aníbal Fernandes, Jarbas Peixoto, Júlio Belo, Gilberto Freire, Nelson
Firmo, João Monteiro, João Vasconcelos, Albuquerque Melo, Luís Cedro, Manoel
Caetano, Batista Cabral e Oscar Pereira.
Destes de quem se
poderia dizer, ao menos de uma meia dúzia deles, que obedecem fielmente ao
conselho do poeta favorito de Mecenas, com justiça se devem destacar Carlos Lira
Filho, José de Sá, Manoel Caetano e Luís Delgado, para os quais estão sempre
voltados os favores do grande público que os lê com interesse, vendo neles, ora
a sinceridade com que defendem as causas legítimas, ora a nobreza de
sentimentos com que constroem quotidianamente o amor do nacionalismo são, ora a
veemência com que, de latejo em punho, censuram os desvios e as injustiças dos
que governam as coisas públicas.
Na imprensa
pernambucana ha ainda um aspecto interessante cujos criadores merecem calorosos
aplausos porque eles querem defender as nossas tradições.
Refiro-me ao
grupo dos chamados "nacionalistas" ou "tradicionalistas"
que se entregam ao estudo e à defesa dos nossos velhos monumentos e das nossas
tradições.
Entre estes
cumpre salientar Aníbal Fernandes, que já se tornou quase maníaco no seu amor
exagerado para com as coisas velhas de nossa terra, para quem as palavras
"descaracterização", "despersonalização" e "atentado
contra a arte", etc., já se tornaram uma espécie de ideia fixa; Carlos Lira
Filho, Gilberto Freire, Albuquerque Melo, José Campelo e alguns outros.
A história tem os
seus cultores em Mário Melo e Cônego José do Carmo Barata, incontestavelmente
os dois homens mais competentes e eruditos no assunto; Carlos da Costa Pereira,
Naasson de Figueiredo e outros. Mário Melo tem publicado uma serie de trabalhos
proveitosos e interessantíssimos sobre as nossas passadas revoluções, a
maçonaria, o arquipélago de Fernando de Noronha, a imprensa pernambucana, a coreografia
de Pernambuco e origem de nomes tupis; o Cônego J. do Carmo Barata, professor
de Direito e de Dogma no Seminário de Olinda, tem se dedicado com ardor ao
estudo de nossa história, tendo já publicado sobre o Seminário de Olinda, sobre
a história eclesiástica de Pernambuco, sobre D. Vital, D. Azeredo Coitinho, velhas
igrejas do Recife; etc. Atualmente, todos os seus cuidados e investigações
estão voltados para a antiga missão dos Capuchinhos sobre o que nos irá dar em
breve, esperamos, um precioso estudo.
***
No romance, na
novela, no conto de ficção, Pernambuco, neste momento da literatura nacional,
atravessa um período de marasmo.
Há anos, quando
apareceram Mário Sette, Lucilo Varejão e Moraes Coitinho, nos acenaram as
esperanças de uma fase intensa no romance nacional. Sobretudo Mário Sette se me
afigurou o homem do norte. Os seus dois romances "Senhora de Engenho"
e "A Filha de Dona Sinhá", tão cheios de cor local, tão fixadores dos
nossos hábitos, dos nossos costumes, das nossas tradições, eram portadores de
fagueiras esperanças.
Entretanto Mário
Sette, apesar da sua linguagem pouco cuidada e com ares de futurismo na fobia
dos verbos, continua a ser, a meu ver, o nosso melhor novelista.
Entre os
escritores de contos de ficção merecem ser lembrados ainda Paulino de Andrade,
muito cuidadoso no escrever, cujos escritos, além do apuro de linguagem com que
são feitos, têm sempre essas cores que tanto agradam aos que amam a terra em
que nasceram; Humberto Carneiro e alguns outros.
* * *
A poesia entre
nós agoniza.
Essa falta de
seriedade na vida, esse declínio apavorante do caráter, esse vazio de fé que se
abre no coração da mocidade, esse demasiado utilitarismo social, a
insubordinação da inteligência a toda disciplina, a revolta do coração contra a
moral, tudo isso tem apressado a decadência do verso.
E o triunfo pleno
do futurismo não é mais do que uma conseqüência lógica de todas essas causas.
Raul Machado a
quem, poucos anos faz, Duque Estrada apontava como um legitimo representante,
no norte, da arte de fazer verso, escreveu, ha pouco tempo, no "Jornal do
Comércio" estes conceitos bem ajuizados e, infelizmente, verdadeiros:
"O
materialismo da época, desprezando o sentimento poético, começou a ver, apenas,
no verso uma espécie de brinco ocioso e ingênuo da imaginação.”
A seu turno, o
natural nervosismo, resultante da alarmante intensidade da vida prática,
postergou a antiga serenidade da estrofe clássica, reclamando novas fórmulas,
muito mais animadas, e ritmos novos, dotados de uma agilidade, quase frenética,
produzindo, destarte, uma crise de equilíbrio, uma violenta reação no sistema
orgânico do verso.
E o sentimento de
indisciplina que, depois da guerra, começou a revolver, além da organização
social, todos os domínios do pensamento, repeliu, desde logo, as normas rigidas
dos compêndios de métrica, os códigos administrativos da poesia.
Foi assim que se
decretou, em princípio, uma espécie de sentença de morte para o soneto, gênero
em que prepondera, irritantemente, o gosto de uma ordem, quase militar, com o
arranjo simétrico das suas quatorze filas, estendidas em atitude de parada, nos
dias de festa nacional...
Surgiram, então,
numa congérie desnorteante, as composições, rimadas ou não, que lembram, pela
diversidade da forma, da medida e do ritmo, um mostruário de caixeiro viajante,
das nossas possibilidades, e até impossibilidades, no que se refere à poética.
Pernambuco, no
que respeita á poesia, está debaixo desse mau signo...
Se excetuamos
alguns indisciplinados —
"rari nantes
in gurgite vasto" —, que ainda não se deixaram iludir do
falso esplendor da nova escola, todos os nossos poetas estão concorrendo para
essa agonia do verso.
Eu, de mim, penso
assim. Eu desadoro as formas "métricas" do futurismo doido e
iconoclasta e admiro ainda as formas rígidas desse parnasianismo rítmico que
ressumbra dos versos magníficos de França Pereira e D. Augusto Álvaro da Silva.
No torvelinho da
vida literária que está vivendo Pernambuco, quase todos os poetas estão
naufragados no abismo da trivialidade futurista, ou estão fazendo essa que eles
chamam hoje "decida antropofágica" que caracteriza a nova orientação
da poesia preconizada e aplaudida no sul por Oswaldo de Andrade e Jurandir
Mandini.
Os que não
fizeram "abjuração" completa ou parcial "da antiga fé",
como Virgínia de Figueiredo, Edwige de Sá Pereira, Araújo Filho e Costa Rego Júnior,
estão no perigo da má companhia que os há de contagiar por fim.
Ascenso Ferreira
e Austro Costa são os modernos poetas que Recife lê, para rir com o desabusado
futurismo de um e se embriagar com o lirismo fútil do outro.
Os, mais novos,
como Oswaldo Santiago, Góes Filho, Joaquim Cardoso, Abaeté de Medeiros e mais
alguns deles fazem versos que têm a sorte dos a que se refere Raul Machado
quando falou sobre a agonia do verso no Brasil.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025
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