4/12/2025

Aspectos da Literatura Pernambucana (1929), pelo Cônego Alfredo Xavier Pedrosa

 

ASPECTOS DA LITERATURA PERNAMBUCANA

Se Pernambuco não tem sido, entre os outros Estados da Federação, um foco mais intenso e mais continuado de cultura literária, ninguém se esqueça de que as transformações sociais e os movimentos libertários, que trabalharam e agitaram tanto a alma pernambucana, não permitiram formar um coeficiente mais notável na história literária do Brasil.

Se não tivemos grandes poetas, grandes historiadores, grandes filósofos, tivemos e possuímos ainda cultores aprimorados das ciências jurídicas e cinzeladores da prosa.

E todo mundo sabe o que representa Pernambuco na história jurídica do país, o que ele representa na história da literatura romântica que se transplantou da França com o ritmo opulento e hiperbólico de Hugo e Lamartine, para ter no Recife a sua viva expressão no condoreirismo de Castro Alves.

Nem falo nessa famosa "Escola do Recife", para a qual a cultura do direito foi uma espécie de "sagrada" obsessão que empanturrou o estomago literário de Pernambuco, ainda hoje a braços com essa "indisposição cultural" que nunca mais o deixou livre para os grandes movimentos da inteligência no país.

Ainda bem que nesses últimos tempos algo de novo alvoroça o espírito jovem das novas gerações.

Na segunda série dos seus "Estudos" o Sr. Tristão de Athayde escreveu: "O movimento moderno nasceu em São Paulo e no Rio. E em 1927 não arrefeceu, mas estendeu-se. Se não começou propriamente a ganhar os outros Estados, acentuou-se a sua dispersão fecunda pelas províncias. Pernambuco, Minas e Rio Grande do Sul foram, nesse ano, os pontos em que se revelaram mais vivamente as forças latentes de criação, que trabalham silenciosamente por esse Brasil afora, batidos pelo meio adverso, pela inércia, pela falta de estímulo e de meios de sair da obscuridade."

Esses obstáculos a que se refere o crítico de O Jornal avultam sobretudo em Pernambuco e em todo o nordeste brasileiro.

Ha pouco tempo o Sr. Humberto Carneiro, chamando a atenção dos literatos do país para a inferioridade dos nossos pequenos movimentos literários, apresentava como causa dessa humilhante situação de isolamento em que vivemos e o fascinamento da metrópole. E lembrava como José Américo e Mário Sette ganharam fama literária nos meios cultos do sul desse vasto país em que a capital, dizia ele, é uma espécie de mediador plástico do pensamento nacional.

Acrescente-se a este corpo de delito a futilidade intelectual a que se entregam quase todos os que, entre nós, se votaram ao culto das letras, maximé da poesia.

Os que procuram o sério na vida, mesmo literária, são uns lorpas a quem a "meninada" inteligente alcunha de maníacos e passadistas...

O mundo, hoje, em seu utilitarismo e em sua versatilidade, não quer o sério na vida...

E o anátema cai como uma placa de chumbo sobre os que escolhem o motivo religioso para os seus estudos e para as suas manifestações literárias. Conseqüência talvez desse espírito de sectarismo que a "Escola do Recife" derramou em profusão no espírito da mocidade do nordeste. Ainda sob esse respeito, nós estamos no isolamento completo dos que se iluminam e marcham para o espiritualismo, no sul.

Tristão de Athayde, criticando os livros de Fernando Costa, Carlos Magalhães, Tasso da Silveira, Francisco Karam e outros, verificou que a atual elevação para Deus é um fenômeno que se está observando na literatura de hoje, sobretudo dos poetas, elevação que poderá vir enriquecer vivamente a nossa experiência poetica e o nosso futuro literário.

Os demolidores dos sentimentos religiosos na literatura nacional têm a consciência íntima de que a Religião, como influiu na geração dos velhos românticos, continua a influir hoje na geração nova que sente a necessidade de firmar a sua crença e fazer irradiar a sua fé.

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Os dois aspectos mais interessantes que na hora presente, nos apresenta a literatura pernambucana são os que se ligam aos movimentos do jornalismo e da poesia.

Os grandes jornais da capital e as três revistas "Revista do Norte", "Revista da Cidade" e "A Pilheria", e ainda as revistas do Instituto Histórico e da Academia Pernambucana de Letras, têm congregado o expoente de nossa cultura literária na imprensa. Os nomes de mais relevo no nosso jornalismo, são Carlos Lyra Filho, Luiz Delgado, José de Sá, José Campelo, Aníbal Fernandes, Jarbas Peixoto, Júlio Belo, Gilberto Freire, Nelson Firmo, João Monteiro, João Vasconcelos, Albuquerque Melo, Luís Cedro, Manoel Caetano, Batista Cabral e Oscar Pereira.

Destes de quem se poderia dizer, ao menos de uma meia dúzia deles, que obedecem fielmente ao conselho do poeta favorito de Mecenas, com justiça se devem destacar Carlos Lira Filho, José de Sá, Manoel Caetano e Luís Delgado, para os quais estão sempre voltados os favores do grande público que os lê com interesse, vendo neles, ora a sinceridade com que defendem as causas legítimas, ora a nobreza de sentimentos com que constroem quotidianamente o amor do nacionalismo são, ora a veemência com que, de latejo em punho, censuram os desvios e as injustiças dos que governam as coisas públicas.

Na imprensa pernambucana ha ainda um aspecto interessante cujos criadores merecem calorosos aplausos porque eles querem defender as nossas tradições.

Refiro-me ao grupo dos chamados "nacionalistas" ou "tradicionalistas" que se entregam ao estudo e à defesa dos nossos velhos monumentos e das nossas tradições.

Entre estes cumpre salientar Aníbal Fernandes, que já se tornou quase maníaco no seu amor exagerado para com as coisas velhas de nossa terra, para quem as palavras "descaracterização", "despersonalização" e "atentado contra a arte", etc., já se tornaram uma espécie de ideia fixa; Carlos Lira Filho, Gilberto Freire, Albuquerque Melo, José Campelo e alguns outros.

A história tem os seus cultores em Mário Melo e Cônego José do Carmo Barata, incontestavelmente os dois homens mais competentes e eruditos no assunto; Carlos da Costa Pereira, Naasson de Figueiredo e outros. Mário Melo tem publicado uma serie de trabalhos proveitosos e interessantíssimos sobre as nossas passadas revoluções, a maçonaria, o arquipélago de Fernando de Noronha, a imprensa pernambucana, a coreografia de Pernambuco e origem de nomes tupis; o Cônego J. do Carmo Barata, professor de Direito e de Dogma no Seminário de Olinda, tem se dedicado com ardor ao estudo de nossa história, tendo já publicado sobre o Seminário de Olinda, sobre a história eclesiástica de Pernambuco, sobre D. Vital, D. Azeredo Coitinho, velhas igrejas do Recife; etc. Atualmente, todos os seus cuidados e investigações estão voltados para a antiga missão dos Capuchinhos sobre o que nos irá dar em breve, esperamos, um precioso estudo.

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No romance, na novela, no conto de ficção, Pernambuco, neste momento da literatura nacional, atravessa um período de marasmo.

Há anos, quando apareceram Mário Sette, Lucilo Varejão e Moraes Coitinho, nos acenaram as esperanças de uma fase intensa no romance nacional. Sobretudo Mário Sette se me afigurou o homem do norte. Os seus dois romances "Senhora de Engenho" e "A Filha de Dona Sinhá", tão cheios de cor local, tão fixadores dos nossos hábitos, dos nossos costumes, das nossas tradições, eram portadores de fagueiras esperanças.

Entretanto Mário Sette, apesar da sua linguagem pouco cuidada e com ares de futurismo na fobia dos verbos, continua a ser, a meu ver, o nosso melhor novelista.

Entre os escritores de contos de ficção merecem ser lembrados ainda Paulino de Andrade, muito cuidadoso no escrever, cujos escritos, além do apuro de linguagem com que são feitos, têm sempre essas cores que tanto agradam aos que amam a terra em que nasceram; Humberto Carneiro e alguns outros.

* * *

A poesia entre nós agoniza.

Essa falta de seriedade na vida, esse declínio apavorante do caráter, esse vazio de fé que se abre no coração da mocidade, esse demasiado utilitarismo social, a insubordinação da inteligência a toda disciplina, a revolta do coração contra a moral, tudo isso tem apressado a decadência do verso.

E o triunfo pleno do futurismo não é mais do que uma conseqüência lógica de todas essas causas.

Raul Machado a quem, poucos anos faz, Duque Estrada apontava como um legitimo representante, no norte, da arte de fazer verso, escreveu, ha pouco tempo, no "Jornal do Comércio" estes conceitos bem ajuizados e, infelizmente, verdadeiros:

"O materialismo da época, desprezando o sentimento poético, começou a ver, apenas, no verso uma espécie de brinco ocioso e ingênuo da imaginação.”

A seu turno, o natural nervosismo, resultante da alarmante intensidade da vida prática, postergou a antiga serenidade da estrofe clássica, reclamando novas fórmulas, muito mais animadas, e ritmos novos, dotados de uma agilidade, quase frenética, produzindo, destarte, uma crise de equilíbrio, uma violenta reação no sistema orgânico do verso.

E o sentimento de indisciplina que, depois da guerra, começou a revolver, além da organização social, todos os domínios do pensamento, repeliu, desde logo, as normas rigidas dos compêndios de métrica, os códigos administrativos da poesia.

Foi assim que se decretou, em princípio, uma espécie de sentença de morte para o soneto, gênero em que prepondera, irritantemente, o gosto de uma ordem, quase militar, com o arranjo simétrico das suas quatorze filas, estendidas em atitude de parada, nos dias de festa nacional...

Surgiram, então, numa congérie desnorteante, as composições, rimadas ou não, que lembram, pela diversidade da forma, da medida e do ritmo, um mostruário de caixeiro viajante, das nossas possibilidades, e até impossibilidades, no que se refere à poética.

Pernambuco, no que respeita á poesia, está debaixo desse mau signo...

Se excetuamos alguns indisciplinados — "rari nantes in gurgite vasto" —, que ainda não se deixaram iludir do falso esplendor da nova escola, todos os nossos poetas estão concorrendo para essa agonia do verso.

Eu, de mim, penso assim. Eu desadoro as formas "métricas" do futurismo doido e iconoclasta e admiro ainda as formas rígidas desse parnasianismo rítmico que ressumbra dos versos magníficos de França Pereira e D. Augusto Álvaro da Silva.

No torvelinho da vida literária que está vivendo Pernambuco, quase todos os poetas estão naufragados no abismo da trivialidade futurista, ou estão fazendo essa que eles chamam hoje "decida antropofágica" que caracteriza a nova orientação da poesia preconizada e aplaudida no sul por Oswaldo de Andrade e Jurandir Mandini.

Os que não fizeram "abjuração" completa ou parcial "da antiga fé", como Virgínia de Figueiredo, Edwige de Sá Pereira, Araújo Filho e Costa Rego Júnior, estão no perigo da má companhia que os há de contagiar por fim.

Ascenso Ferreira e Austro Costa são os modernos poetas que Recife lê, para rir com o desabusado futurismo de um e se embriagar com o lirismo fútil do outro.

Os, mais novos, como Oswaldo Santiago, Góes Filho, Joaquim Cardoso, Abaeté de Medeiros e mais alguns deles fazem versos que têm a sorte dos a que se refere Raul Machado quando falou sobre a agonia do verso no Brasil.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025

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