4/19/2025

A pastorinha (Conto), de Maria Pinto Figueirinhas

A PASTORINHA

No alto dum monte, via-se uma casa que parecia ser feita para a existência dum ser feliz.

Toda a gente que passava pela estrada pousava ali os olhos com admiração.

Era circundada por uma linda e frondosa trepadeira de glicínias, cobrindo-a toda, e os seus cachos ramalhetados ficavam pendentes do róseo beiral.

Todas as manhãs, mal o Sol despontava, à hora em que os passarinhos dobravam os seus trilos, quem passava via sempre uma pastora, sentada na beira do muro que orlava a estrada.

Um dia, passou junto dela outra pastora, dizendo-lhe:

Que fazes aí todas as manhãs tão distraída, sem veres transitar ninguém? Quando aqui passei hoje com o meu rebanho, chamei-te e não me ouviste.

É que estava tão triste, a pensar na doença da minha mãe, que deitei o gado a esmo pelo campo e deixei-me com a minha tristeza. Tanto trabalho, que já me não sinto com forças para mais trabalhar. Não nos larga a miséria. Tudo é pouco para as nossas necessidades.

Olha! aqui tens esta ovelhinha que te dou e vende-a para remediares um pouco a tua vida, disse-lhe.

Oh! abençoada sejas volveu a pastorinha.

Adeus e fica em paz.

E lá seguiu com o seu grande rebanho.

A pastorinha ficou a chorar comovida pela caridade da desconhecida. Depois, caiu como que num adormecimento suave; e, passado pouco, olhou para a casa que tanto a atraía, e qual não foi o seu espanto ao ver que cada glicínia tinha cachos de ouro!

Mas a visão foi rápida, porque logo apareceu de novo a mesma casinha branca.

Em seguida, juntou as ovelhinhas e foi para casa dar todas essas novidades a sua mãe, que delas ficou maravilhada, e disse:

Olha, minha filha, isso foi ilusão tua... foi com certeza um sonho...

Não, minha mãe, não foi ilusão nem sonho. E agora vou-lhe buscar a ovelhinha que me deu a pastora. É tão bonita que tenho mesmo pena de a vender!

Mas a necessidade, filha, assim o manda.

Vendê-la... e tão linda que ela é!

Mas então não a vendamos, esperemos mais algum tempo, a ver se a nossa vida se compõe.

Pois sim, minha mãe. Fico toda contente. Vou já ao campo sachar o milho e levo-a comigo, que tenho medo que ela desapareça.

Vai, filha, e que o anjo bom te acompanhe. Tanto trabalhas, pobre inocente!

Não diga isso, mãe, eu não me sinto cansada. O trabalho dá vida!

E lá partiu com a ovelhinha para o campo. Depois de muito lidar, sentou-se, e a ovelhinha estendeu-se à sua beira lambendo-lhe as mãos e deixando-lhe cair da boca, no regaço, flores de glicínias que se transformaram em moedas de ouro, desaparecendo logo numa corrida doida.

A pastorinha ficou assombrada com tudo o que via.

Ao outro dia, a pastorinha pagou as dívidas e continuou a trabalhar. Em seguida, foi sentar-se no mesmo lugar à beira do muro, contemplando a casa das glicínias, mas agora cheia de alegria.

E de repente presenciou a mesma transformação, e a ovelhinha puxou-lhe pelo avental, como que convidando-a a segui-la.

Seguiu-a até junto da maravilhosa casa que de novo se transformou, em diferentes coloridos; e no cimo do portão, em grandes letras de ouro, podia ler-se:

—  Em nada toques, apesar da tentação. Espera a riqueza só pelo trabalho, e aceita-a quando ta derem. Respeita o alheio.

A ovelhinha bateu de mansinho no rico portão, e ele abriu-se de par em par.

A pastorinha entrou, e os seus olhos ficaram deslumbrados com tamanha riqueza que via.

E a ovelhinha desapareceu.

E logo, dentro dum cacho de glicínias, surgiu um rosto lindo como o dum anjo, dizendo com ternura:

Aqui me encontrarás sempre, enquanto fores dedicada ao trabalho e boa filha. Eu sou a deusa do trabalho e do benfazer. Em recompensa das tuas virtudes, dou-te o bastante para te libertar da fome. Aqui tens esta glicínia. Planta-a no teu jardim, que ela te socorrerá quando necessitares.

A pastorinha, com palavras cheias de lágrimas, agradeceu à boa deusa e cumpriu o que ela ordenara, vivendo sempre feliz,


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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