4/19/2025

A deusa da riqueza e do bem (Conto), de Maria Pinto Figueirinhas

A DEUSA DA RIQUEZA E DO BEM

Passou um dia um velhinho andrajoso ao pé da casa dum lavrador muito rico e pediu-lhe esmola.

Trabalha, que nunca terás fome respondeu o lavrador.

Não posso; tenho já um século, e as forças fugiram-me... levou-as o tempo volveu o pobrezinho.

Trabalha, trabalha continuou o lavrador.

Trabalharei, trabalharei, para que os maus se convertam, e os bons derramem sempre a sua bondade pelos necessitados.

E o caminhante lá foi, andando sempre, até que chegou ao alto duma montanha, onde encontrou uma cabana miserável dum pastor, que ali vivia com a mulher, uma filha e um filho.

Chegou mesmo à hora da ceia.

Aquela boa gente, despida de ouro, mas coberta com a graça divina, sentia-se muito feliz, sentada junto da lareirazinha, a comer o seu caldo.

E disse o pobrezinho:

Boas noites, meus irmãos; dai-me um bocadinho da vossa ceia, porque tenho muita fome.

Levantaram-se todos e pegaram nas mãos do velhinho, conduzindo-o à fogueira.

Ali se sentaram todos, ficando o hóspede no melhor lugar, rodeando-o dos mais ternos carinhos.

Depois, todos deitaram um poucochinho de caldo na tigela do pobrezinho.

E a ceia começou de novo. Mas uma ceia que durava tempo sem fim, pois as tigelas nunca deixavam de ter caldo.

E a mulher, erguendo as mãos para o céu:

Louvado seja Deus! O nosso caldinho hoje muito rendeu!

E o pobrezinho:

Pois não sabeis, meus filhos, que a esmola, dada de boa vontade, aumenta o nosso pão?

Finda a ceia, escolheram a cama para o pobrezinho e adormeceram num sono de justos.

No dia seguinte, disse o velhinho:

Vou-me embora, meus filhos, e oxalá que a graça divina vos encha sempre de felicidades.

E partiu; e a boa família foi para a sua lida.

O pai com o rebanho para a montanha, os filhos foram para o campo trabalhar e a mãe ficou em casa.

Chegada a hora do jantar, reuniram-se todos e durante a refeição só falaram no pobrezinho. "Onde estaria ele àquela hora, sem abrigo nem pão?"

Ao fim do jantar, ouviram duas pancadas na porta e logo se ergueram, pensando ser o velhinho, e viram um rapazito, muito andrajoso, com uma pombinha branca na mão.

—  Os senhores querem esta pombinha que encontrei e à qual não tenho que dar de comer?

Ah! como ela é bonita! Deixa ver, deixa ver disse logo o filho do pastor.

E, entregando-a, o rapazito desapareceu como por encanto.

Fizeram um pombalzinho para a pombinha, e todos os dias ela piava, arrulhava, com um pio tão dolente, que o bom do filho do pastor foi ver se alguém a tinha molestado. E a pombinha continuava a gemer, e um dia ele resolveu soltá-la, e ela pousou-lhe no ombro, não havendo forças humanas que a arrancassem dali.

Levou a para o campo.

Começou o seu trabalho, e a pombinha voou do ombro para uma árvore, onde pousou algum tempo.

E, com o bico, arrancou uma chave grande que estava pendurada num ramo e levou-a ao filho do pastor.

Em seguida voou, e ele nunca mais a tornou a enxergar.

O rapazinho, ficou absorto, pensando naquela magia.

Mirava e remirava a chave sem atinar ou descobrir o que ela queria dizer. Nisto, um grande clarão lhe inundou os olhos, e ele viu a árvore de onde a pombinha tirara a chave, transformada numa gruta de ouro, com infinitos jorros de luz, e no meio de uma enorme fita branca que dizia assim:

Caminha, caminha, e entra na Floresta do Bem e da Virtude, e ali encontrarás a tua felicidade. Até lá, tens de semear e trabalhar todos os campos que encontrares.

Cada vez se sentia mais confundido, não sabendo explicar tão misteriosas palavras.

Pensou, meditou, e foi a casa buscar a enxada e todas as sementes que possuía.

E pôs-se a caminho. Diante dele, estendiam-se campos sem fim.

E ele cavava, semeava, e logo todo o campo ficava concluído, e o tempo que a tarefa demorava parecia-lhe um minuto.

Depressa os campos se acabaram e os seus olhos fitaram uma gigantesca floresta.

Entrou. Aos seus ouvidos chegavam os mais encantadores gorjeios, e era tudo um dilúvio de cantos de aves estranhas. Escutou melhor.

Então uma voz que vencia todos os gorjeios e que tinha a doçura da voz dum anjo, soou aos seus ouvidos:

Todos os campos que semeaste com o suor do teu rosto são bênçãos que devem cair sobre os pobres. E tu caminha, que uma coisa encontrarás no meio desta floresta.

Caminhou, caminhou, e no meio da floresta viu uma soberba torre, recamada de ouro e pedras finas.

E de novo a mesma voz:

Abre a porta da torre, mas tem cuidado ao entrares. Não toques em coisa alguma que avistares.

Entrou, e, ao fechar a porta, apareceu-lhe a mesma pombinha, que adejava em torno dele, ora pousando-lhe nos ombros, ora soltando o mesmo pio plangente.

Passados uns momentos, pousou num vasto açafate de ouro, que estava no primeiro degrau da torre. E ali dobrou o pio, como que a querer dizer que não tocasse naquela maravilha.

Como nada entendesse, e quase aturdido, voltou aos campos, abandonando a fantástica torre.

Mas qual não foi o seu assombro, vendo-os cobertos. de espigas douradas!

Fascinado com semelhante aspecto, tirou o chapéu da cabeça e começou a colhê-las.

O chapéu converteu-se num açafate, e de novo a pombinha lhe apareceu, e, pousando-lhe no ombro, disse-lhe:

Colhe tudo quanto semeaste, reparte pelos pobres, e volta à torre.

Assim fez.

Correu aldeias, vilas, cidades a dar esmolas, mas quantas mais dava tanto mais o cesto se enchia.

Quando terminou essa formosa tarefa, voltou a casa, antes de ir à torre.

Encontrou o mesmo quadro: os pais sentados à lareira, e o mesmo pobrezinho a comer o caldo na tigela.

E, parecendo-lhe ter saído havia um instante, disse:

Boas noites lhes dê Deus.

E eles:

Boas noites, filho. Bem-vindo sejas!

O pobrezinho ergueu-se, e pegando-lhe na mão, conduziu-o, como um sonho à torre, observando:

Aqui tens, meu filho, a recompensa do teu trabalho e das tuas boas obras.

Apareceu a pombinha. Colocou-se entre ambos, deixando cair uma pequena chave de ouro nas mãos, e o velho abriu o grande cesto que se encontrava no primeiro degrau da torre, e de dentro saiu-lhe uma menina formosíssima, a deusa do trabalho e da caridade, e todas as graças desceram para os abençoar.

E a família do pastor tornou-se rica, e nunca ao seu lado houve pobres com fome ou famílias com dores sem alívios.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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