A DEUSA DA RIQUEZA E DO BEM
Passou um dia um velhinho andrajoso
ao pé da casa dum lavrador muito rico e pediu-lhe esmola.
— Trabalha,
que nunca terás fome — respondeu o lavrador.
— Não posso;
tenho já um século, e as forças fugiram-me... levou-as o tempo — volveu o pobrezinho.
— Trabalha,
trabalha — continuou o lavrador.
— Trabalharei,
trabalharei, para que os maus se convertam, e os bons derramem sempre a sua
bondade pelos necessitados.
E o caminhante lá foi, andando
sempre, até que chegou ao alto duma montanha, onde encontrou uma cabana
miserável dum pastor, que ali vivia com a mulher, uma filha e um filho.
Chegou mesmo à hora da ceia.
Aquela boa gente, despida de ouro,
mas coberta com a graça divina, sentia-se muito feliz, sentada junto da
lareirazinha, a comer o seu caldo.
E disse o pobrezinho:
— Boas
noites, meus irmãos; dai-me um bocadinho da vossa ceia, porque tenho muita
fome.
Levantaram-se todos e pegaram nas
mãos do velhinho, conduzindo-o à fogueira.
Ali se sentaram todos, ficando o
hóspede no melhor lugar, rodeando-o dos mais ternos carinhos.
Depois, todos deitaram um
poucochinho de caldo na tigela do pobrezinho.
E a ceia começou de novo. Mas uma
ceia que durava tempo sem fim, pois as tigelas nunca deixavam de ter caldo.
E a mulher, erguendo as mãos para o
céu:
— Louvado
seja Deus! O nosso caldinho hoje muito rendeu!
E o pobrezinho:
— Pois não sabeis,
meus filhos, que a esmola, dada de boa vontade, aumenta o nosso pão?
Finda a ceia, escolheram a cama
para o pobrezinho e adormeceram num sono de justos.
No dia seguinte, disse o velhinho:
— Vou-me
embora, meus filhos, e oxalá que a graça divina vos encha sempre de
felicidades.
E partiu; e a boa família foi para
a sua lida.
O pai com o rebanho para a
montanha, os filhos foram para o campo trabalhar e a mãe ficou em casa.
Chegada a hora do jantar,
reuniram-se todos e durante a refeição só falaram no pobrezinho. "Onde
estaria ele àquela hora, sem abrigo nem pão?"
Ao fim do jantar, ouviram duas
pancadas na porta e logo se ergueram, pensando ser o velhinho, e viram um
rapazito, muito andrajoso, com uma pombinha branca na mão.
— Os senhores querem esta pombinha
que encontrei e à qual não tenho que dar de comer?
—Ah! como
ela é bonita! Deixa ver, deixa ver — disse logo
o filho do pastor.
E, entregando-a, o rapazito
desapareceu como por encanto.
Fizeram um pombalzinho para a
pombinha, e todos os dias ela piava, arrulhava, com um pio tão dolente, que o
bom do filho do pastor foi ver se alguém a tinha molestado. E a pombinha
continuava a gemer, e um dia ele resolveu soltá-la, e ela pousou-lhe no ombro,
não havendo forças humanas que a arrancassem dali.
Levou a para o campo.
Começou o seu trabalho, e a
pombinha voou do ombro para uma árvore, onde pousou algum tempo.
E, com o bico, arrancou uma chave
grande que estava pendurada num ramo e levou-a ao filho do pastor.
Em seguida voou, e ele nunca mais a
tornou a enxergar.
O rapazinho, ficou absorto,
pensando naquela magia.
Mirava e remirava a chave sem
atinar ou descobrir o que ela queria dizer. Nisto, um grande clarão lhe inundou
os olhos, e ele viu a árvore de onde a pombinha tirara a chave, transformada
numa gruta de ouro, com infinitos jorros de luz, e no meio de uma enorme fita
branca que dizia assim:
— Caminha,
caminha, e entra na Floresta do Bem e da Virtude, e ali encontrarás a tua
felicidade. Até lá, tens de semear e trabalhar todos os campos que encontrares.
Cada vez se sentia mais confundido,
não sabendo explicar tão misteriosas palavras.
Pensou, meditou, e foi a casa
buscar a enxada e todas as sementes que possuía.
E pôs-se a caminho. Diante dele,
estendiam-se campos sem fim.
E ele cavava, semeava, e logo todo
o campo ficava concluído, e o tempo que a tarefa demorava parecia-lhe um
minuto.
Depressa os campos se acabaram e os
seus olhos fitaram uma gigantesca floresta.
Entrou. Aos seus ouvidos chegavam
os mais encantadores gorjeios, e era tudo um dilúvio de cantos de aves
estranhas. Escutou melhor.
Então uma voz que vencia todos os
gorjeios e que tinha a doçura da voz dum anjo, soou aos seus ouvidos:
— Todos os
campos que semeaste com o suor do teu rosto são bênçãos que devem cair sobre os
pobres. E tu caminha, que uma coisa encontrarás no meio desta floresta.
Caminhou, caminhou, e no meio da
floresta viu uma soberba torre, recamada de ouro e pedras finas.
E de novo a mesma voz:
— Abre a
porta da torre, mas tem cuidado ao entrares. Não toques em coisa alguma que
avistares.
Entrou, e, ao fechar a porta,
apareceu-lhe a mesma pombinha, que adejava em torno dele, ora pousando-lhe nos ombros,
ora soltando o mesmo pio plangente.
Passados uns momentos, pousou num
vasto açafate de ouro, que estava no primeiro degrau da torre. E ali dobrou o
pio, como que a querer dizer que não tocasse naquela maravilha.
Como nada entendesse, e quase
aturdido, voltou aos campos, abandonando a fantástica torre.
Mas qual não foi o seu assombro,
vendo-os cobertos. de espigas douradas!
Fascinado com semelhante aspecto,
tirou o chapéu da cabeça e começou a colhê-las.
O chapéu converteu-se num açafate,
e de novo a pombinha lhe apareceu, e, pousando-lhe no ombro, disse-lhe:
— Colhe tudo
quanto semeaste, reparte pelos pobres, e volta à torre.
Assim fez.
Correu aldeias, vilas, cidades a
dar esmolas, mas quantas mais dava tanto mais o cesto se enchia.
Quando terminou essa formosa
tarefa, voltou a casa, antes de ir à torre.
Encontrou o mesmo quadro: os pais
sentados à lareira, e o mesmo pobrezinho a comer o caldo na tigela.
E, parecendo-lhe ter saído havia um
instante, disse:
— Boas noites
lhes dê Deus.
E eles:
— Boas
noites, filho. Bem-vindo sejas!
O pobrezinho ergueu-se, e
pegando-lhe na mão, conduziu-o, como um sonho à torre, observando:
Aqui tens, meu filho, a recompensa
do teu trabalho e das tuas boas obras.
Apareceu a pombinha. Colocou-se
entre ambos, deixando cair uma pequena chave de ouro nas mãos, e o velho abriu
o grande cesto que se encontrava no primeiro degrau da torre, e de dentro
saiu-lhe uma menina formosíssima, a deusa do trabalho e da caridade, e todas as
graças desceram para os abençoar.
E a família do pastor tornou-se
rica, e nunca ao seu lado houve pobres com fome ou famílias com dores sem
alívios.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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