A ÁGUIA ENCANTADA
Uma manhã de outono, em que toda a
natureza desperta, franjada de orvalho, atravessava os ares uma águia, levando
no bico uma linda criança. O rufar estridente das suas asas tudo despertava, e
bandos de avezinhas a seguiam. E toda a gente olhava com pasmo para a
interessante águia.
Viram-na desaparecer para o lado
dum vale, chamado o Caminho do Bom Viver.
Naquele caminho se encontrava uma
aldeia, formosa como um anjo, sentada à porta, a tecer uma renda. A grande
águia, revoando, desceu e colocou a criancinha sobre o tear que se tornou de
marfim, e a renda de ouro fino.
Depois, fugiu veloz, espalhando nos
ares letras de prata, que lhe caíam no regaço e diziam:
“Tu serás sempre o símbolo do bom
viver. Essa criancinha fica sob a tua proteção, e a renda que teces será para
ela. Há de levar-te vinte anos a fazer e, no dia em que a terminares,
colocá-la-ás na orla do vestido dessa criança, que será um dia rainha. Mas, até
lá, terás muitas surpresas e farás muitos sacrifícios”.
A tecedeira chorou copiosamente e
tremeu sob o peso da grande responsabilidade.
Em seguida, olhou para a
criancinha, beijou-a e disse-lhe:
— Ó
pobrezinha! que será de mim sem ter pão para te dar! Contigo irei mendigar nas
horas em que deixar o meu trabalho.
E assim fez. Deixava o trabalho,
pegava na criancinha e punha-se a caminho com uma sacola às costas.
Num dia de Estio, de calor
sufocante, atravessava ela uma linda ponte, coberta de relva, parecendo
recamada de esmeraldas. A meio dela, a tecedeira ficou suspensa, como se sonhasse.
A ponte transformara-se em doze
serpentes de ouro, e cada uma lançava água para o rio, fazendo assim uma
frescura tão agradável que a boa tecedeira pousou a menina, e sentaram-se
tomando alento, e assim adormeceu num sonho encantador, com o mágico
deslumbramento das doze serpentes. E, quando acordou, pareceu-lhe que apenas
dormira um momento, tendo desaparecido a menina e as serpentes mágicas.
Começou a chorar.
E assim, isolada e solitária,
resolveu não seguir caminho, pois, só para si, a vida não era tão pesada, e
mendigaria menos, porque os anos que ela empregava a acabar a renda de ouro não
lhe permitiam ganhar o pão para ela.
Muito triste pelo desaparecimento
da menina, ia desalentada seguindo o caminho para casa. E, ao virar um atalho,
aproximou-se dela uma velhinha muito esfarrapada, que a saudou, dizendo-lhe:
— Enxuga
essas lágrimas, minha filha, e não te amofines, que a vida não se leva a
soluçar penas; temos de a levar com paciência.
E a tecedeira enxugou os belos
olhos à ponta do avental, e este encheu-se de moedas de ouro.
— Que é isto?
— disse admirada e olhando para o lado e já não vendo a
velhinha. — Oh! mais esta surpresa! Mas para que é tanto ouro? Não
o quero todo para mim. Vou procurar pobrezinhos e dividirei por eles o que me é
supérfluo.
E assim foi.
Ao outro dia, acordou a pensar num
sonho que teve, encontrando-o tão cheio de sedução que bem desejava realizá-lo.
O sonho era formoso: que poderia
dispensar também os cuidados a mendigos, como ela vira prestar a uns enfermos
que enchiam uma casa de caridade, por uma menina linda como um amor.
Essa menina lembrava-lhe pelos
traços a inocentinha que as serpentes mágicas lhe arrancaram dos seus braços.
Finda a tarefa da bela renda,
pôs-se a caminho por aqueles vales, matizados de flores.
Floria a Primavera. Cantavam os
ninhos. Sentia-se ir pelos ares, presa de braços e, quando pôs o pé em terreno
firme, é que viu que fora a mesma águia que a colocou ali.
Que viu ela então que a fez
estremecer de dor? Muitas criancinhas, sentadas à porta duma grande casa,
cobertas de andrajos e chagas.
— Oh, meu
Deus! que miséria! — exclamou.
As portas da casa abriram-se-lhe de
par em par, e ela, com muita caridade e radiante de praticar o bem, acolheu as
criancinhas, mas sempre assombrada por tantos mistérios.
Fatigada, adormeceu, depois de ter
alimentado e curado os inocentinhos.
Mal rompeu a aurora, lá foi ela
pelas cercanias comprar leite para os alimentar.
E um dia, quando regressava dessa
santa peregrinação, viu um lindo carro, puxado por sete serpentes, parar junto
da bela casa de caridade.
De dentro saiu a sua bela menina.
Quase desmaiou, surpreendida.
Correu a abraçá-la e beijá-la, mas
logo uma das serpentes observou:
— Cautela!
enquanto não acabares a renda, não lhe dirás uma só palavra, porque senão a
deusa do mal quebra o encanto ao rei que casar com ela, e ela perde todo o
direito a ser rainha dum grande reino, que governará com todos os exemplos de
caridade que lhe tens dado, e ele ficará mudo, sem acabar o prazo de vinte
anos.
E a linda tecedeira entrou na
grande casa de caridade com os olhos marejados de lágrimas, pelo grande
sacrifício que lhe faziam de não poder falar para a sua menina, que cada vez
mais lhe parecia um anjo.
Trabalhavam sempre juntas.
Um dia, em que ela estava sentada
ao pé da janela a curar um inocentinho, e a menina a ajudá-la, enxergou a mesma
águia a atravessar o espaço com um bastidor de marfim no bico, poisando-o junto
delas, e as mesmas letras de prata caíram-lhe nas mãos, dizendo:
— Trabalha,
que só tens um ano para acabar a tua tarefa.
A boa tecedeira não tinha um
momento de repouso, no seu trabalho, mas achava-se sempre muito atormentada por
não poder trocar uma palavra com a menina.
E a menina olhava para ela com
tanta veneração, como se ela fosse uma santa.
Imitava-a nos desvelos e cuidados
para com os inocentinhos, e estes beijavam-lhe as mãos, em sinal de
reconhecimento, o que encantava a formosa tecedeira.
No momento em que estava a findar o
último retoque da renda, ouviu distintamente argentinas badaladas, e todas
aquelas criancinhas se transformaram em muitas fadas, dançando à volta da
menina, aclamando-a:
— Bendita
sejas, rainha da caridade!
E a tecedeira ficou encantada a
olhar para a beleza da menina e para a transformação das criancinhas, que
exclamaram:
— Nós
quisemos experimentar os vossos corações, para mostrar à deusa do mal que tu és
a eleita do grande rei que ela encantou, transformando-o em águia, por ele ser
bom, quando procurava a felicidade para o seu povo.
E, mal estas palavras foram
proferidas, abriu-se a porta, e apareceu a mesma águia com um riquíssimo
vestido, recamado de pedras finas.
As fadas vestiram-no, e a menina
converteu-se numa deusa; a tecedeira ajoelhou-se e colocou-lhe a renda de ouro,
que mais brilho lhe deu.
Depois, todas as fadas a conduziram
à porta, onde estava uma grande concha de marfim.
Fizeram entrar nela a menina, e
todas a levaram em triunfo junto da gruta onde a água caía como jactos de
prata.
E em cima da gruta lá estava a
águia com toda a sua majestade.
Uma das fadas disse à tecedeira:
— Sobe à
gruta, vai junto da águia e venda-lhe os olhos. Vê se tens a coragem de lhe
quebrar o encanto, enquanto a deusa do mal não chega.
A tecedeira, corajosa mas
hesitante, subiu à gruta e vendou os olhos à águia, que se transformou num formoso
rei; e toda a gruta se desmoronou, convertendo-se num encantador palácio.
A menina entrou rodeada de damas e
de pajens.
E logo a aclamaram rainha,
abençoada por todos.
E as fadas, desaparecendo,
disseram:
— Fadar-te-emos,
para que sejas a rainha mais caridosa do mundo.
E a menina, rodeada de todo o
esplendor, mas sempre humilde, beijou a tecedeira com toda a ternura,
agradecendo-lhe os bons exemplos que ela lhe dera, e nomeando-a sua dama de
companhia.
E assim viveram sempre santamente.
O próprio povo a chamava rainha
santa, porque ela espalhava com o seu esposo o bem por toda a parte.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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