Xantipas era viúva, vivia
pobremente com seus seis filhos cinco rapazes, e Alda, uma linda menina.
Alda era meiga, carinhosa, delicada
e boa, ao passo que seus irmãos, levados da breca, barulhentos, grosseiros e
malcriados, faziam o desespero da casa.
Levavam os meninos a brigar, dia
inteiro. Por qualquer futilidade, a menor ninharia que fosse, disputavam
durante longo tempo, ameaçando-se uns aos outros, chegando até a empunhar
bengalas e facas.
Uma ocasião, à hora do jantar,
principiaram logo a rusgar por causa de um prato. A discussão azedou-se, e cada
qual gritava mais alto.
Não podendo contê-los, cansada de
aturar aquelas rixas diárias, Xantipas exclamou:
— "Ah! isso também é de mais!
Quem me dera vê-los longe daqui, inda que virassem urubus!"
Mal acabara de pronunciar tais
palavras os rapazes foram transformados em cinco urubus, e voaram pela janela
aberta.
A mãe, atônita com o que se
passara, jamais supondo que a sua praga poderia sair certa, ficou sem fala.
Alda à princípio achou graça
naquilo, mas, quando compreendeu a terrível verdade, soluçou desesperadamente,
porque estimava muitíssimo os irmãos.
Depois, mãe e filha, embora
tristes, acalmaram um pouco a sua dor.
* * *
Todavia, anos decorreram, sem que os
urubus aparecessem, quer na figura de gente, quer na de aves.
A boa irmãzinha, já crescida, quase
uma moça, resolveu, então, ir procurá-los. Não tinha o mais ligeiro indício que
a guiasse, mas confiava na proteção de Deus.
Preparada para a longa peregrinação
que devia fazer pelo mundo, saiu um dia de casa depois de ter recebido a bênção
de sua mãe.
Alda caminhou sempre, dia e noite,
semanas e semanas sem parar.
Nem um sinal encontrava que a
orientasse! Nem mesmo via urubus!
Uma tarde deitou-se sob uma árvore
e adormeceu.
Pela madrugada, ao despertar, viu
luzir no firmamento Vésper, a estrela d'Alva, tão luminosa, tão fulgurante, que
não pôde conter-se e exclamou:
Ó formosa Estrela d'Alva,
Que fulgis pela amplidão,
Dizei-me, por piedade,
Onde meus manos estão?
E a fulgente Vésper transformou-se,
àquela súplica, em formosa mulher de cabelos louros, trajando uma túnica de
gaze salpicada de pérolas.
Desceu do céu, e aproximou-se de
Alda, entregou-lhe uma chave de ouro, falando:
Para o lugar que procuras,
Esta chave te conduz:
Abre também um castelo,
Onde estão os urubus!...
Depois a virgem tornou a subir para
o céu, retomando a sua forma de astro.
A mocinha prosseguiu na viagem,
conduzida pela chave de ouro, que lhe guiava os passos, até um grande e
imponente castelo, que se elevava sobre um pequeno monte.
Esse soberbo edifício era conhecido
por Castelo do Albatrós.
A respeito dessa habitação corria
uma interessante lenda que os camponeses dos arredores narravam durante os
longos serões de inverno.
Outrora nele residia a duquesa de
Santo Lírio, senhora de coração empedernido, incapaz de praticar o bem.
Era imensamente rica, herdeira do
duque seu marido, que morrera na guerra, mas não achava um vintém para dar de
esmola.
O castelo, lindíssimo, estava cheio
de criados, lacaios, pajens, escudeiros e homens de armas. Reinava por toda a
parte grande movimento e animação.
Uma tarde, achava-se ela no jardim,
em companhia de seu filho Fernando, — um rapaz de treze anos, — quando uma
pobre veio pedir um pedaço de pão para matar a fome.
A orgulhosa castelã expulsou-a
imediatamente de suas vistas, negando-se a socorrê-la.
A mendiga, que era uma fada,
disfarçara-se assim para ajuizar do mau coração da duquesa. Vendo-se tão mal
tratada, exclamou:
— "Deus mude teu filho num
albatroz, e que permaneça nessa forma até que a Estrela d'Alva lhe envie uma
noiva! Faça com que tu, todos os teus criados e todas as tuas riquezas fiquem
guardadas dentro de uma caixinha, até que se quebre o encanto de Fernando"
A fada, voltando-se para o mordomo
que a tinha enxotado, disse:
— "E tu, que cumpres tão bem
as ordens de tua malvada senhora, sejas mudado num anãozinho, guarda do
castelo!"
Acabando de pronunciar essa
maldição, a mendiga sumiu-se.
No mesmo instante, Fernando
mudou-se num albatroz, e batendo asas, voou; o mordomo virou um anão de um
palmo de altura, com longas barbas brancas que lhe desciam até os pés; e o
castelo, os lacaios, a mobília tudo desapareceu.
Só ficaram de pé as paredes do
majestoso edifício, dando-lhe uma aparência de tristeza, de ruínas antigas e de
desolação.
Numa das salas encontrou-se uma
cama, uma mesa coberta por uma toalha, dois bancos e uma caixa pousada sobre a
mesinha.
* * *
Acontecendo que a transformação dos
irmãos de Alda, em aves, se operara no mesmo tempo em que a do jovem fidalgo
Fernando, foi no castelo que os urubus encontraram pousada.
Embora, como pássaros, fossem de
espécie diferente, eles e o albatroz fizeram excelente camaradagem.
Viviam juntos durante a noite, e
quando chegava o dia, saiam os urubus em busca de carniça e o albatroz voando
sobre o oceano.
Alda, chegando ao castelo,
encontrou a porta fechada.
Abrindo-a com a chave de ouro que
Vésper lhe dera, veio ao seu encontro o anãozinho que lhe perguntou o que
buscava.
— "Foi a estrela d'Alva que me
mandou aqui. Vim em busca de cinco urubus encantados, que são meus
irmãos".
A mocinha entrou.
Dirigindo-se para a sala, achou a
mesa posta, e servida com excelentes comidas.
Jantou tranquilamente, e adormeceu.
Ao anoitecer, vieram os urubus em
companhia do albatroz.
Imediatamente reconheceram sua
irmãzinha, mas como nada podiam fazer, contentaram-se em voejar alegremente em
torno dela.
Com o ruído das asas e grasnados,
Alda acordou, e beijou os cinco irmãos, fazendo-lhe muitas festas.
Depois deparou-se-lhe a caixinha.
A rapariga abriu-a com a mesma
chave de ouro, dada pela Estrela d'Alva, e que já lhe havia servido para abrir
a porta do castelo.
Destampada a caixinha, o castelo do
Albatroz despertou do seu profundo sono de muitos anos.
Povoaram-se as salas mobiliadas,
reinou a animação de outrora, tudo volveu à primitiva forma.
Desencantaram-se também os cinco
urubus, que já não eram mais os meninos malcriados, filhos de Xantipas, mas
rapazes ajuizados, sérios e dignos. O albatroz tornou-se o jovem Fernando,
duque de Santo Lírio, rico e poderoso, que veio a casar-se, com a formosa Alda.
Ela e os irmãos mandaram buscar a
velha Xantipas, e viveram todos felicíssimos.
A única pessoa que nunca mais pôde
reviver foi a malvada duquesa, para castigo do seu coração empedernido.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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