3/19/2025

Os urubus encantados ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


OS URUBUS ENCANTADOS

Xantipas era viúva, vivia pobremente com seus seis filhos cinco rapazes, e Alda, uma linda menina.

Alda era meiga, carinhosa, delicada e boa, ao passo que seus irmãos, levados da breca, barulhentos, grosseiros e malcriados, faziam o desespero da casa.

Levavam os meninos a brigar, dia inteiro. Por qualquer futilidade, a menor ninharia que fosse, disputavam durante longo tempo, ameaçando-se uns aos outros, chegando até a empunhar bengalas e facas.

Uma ocasião, à hora do jantar, principiaram logo a rusgar por causa de um prato. A discussão azedou-se, e cada qual gritava mais alto.

Não podendo contê-los, cansada de aturar aquelas rixas diárias, Xantipas exclamou:

— "Ah! isso também é de mais! Quem me dera vê-los longe daqui, inda que virassem urubus!"

Mal acabara de pronunciar tais palavras os rapazes foram transformados em cinco urubus, e voaram pela janela aberta.

A mãe, atônita com o que se passara, jamais supondo que a sua praga poderia sair certa, ficou sem fala.

Alda à princípio achou graça naquilo, mas, quando compreendeu a terrível verdade, soluçou desesperadamente, porque estimava muitíssimo os irmãos.

Depois, mãe e filha, embora tristes, acalmaram um pouco a sua dor.

* * *

Todavia, anos decorreram, sem que os urubus aparecessem, quer na figura de gente, quer na de aves.

A boa irmãzinha, já crescida, quase uma moça, resolveu, então, ir procurá-los. Não tinha o mais ligeiro indício que a guiasse, mas confiava na proteção de Deus.

Preparada para a longa peregrinação que devia fazer pelo mundo, saiu um dia de casa depois de ter recebido a bênção de sua mãe.

Alda caminhou sempre, dia e noite, semanas e semanas sem parar.

Nem um sinal encontrava que a orientasse! Nem mesmo via urubus!

Uma tarde deitou-se sob uma árvore e adormeceu.

Pela madrugada, ao despertar, viu luzir no firmamento Vésper, a estrela d'Alva, tão luminosa, tão fulgurante, que não pôde conter-se e exclamou:

Ó formosa Estrela d'Alva,
Que fulgis pela amplidão,
Dizei-me, por piedade,
Onde meus manos estão?

E a fulgente Vésper transformou-se, àquela súplica, em formosa mulher de cabelos louros, trajando uma túnica de gaze salpicada de pérolas.

Desceu do céu, e aproximou-se de Alda, entregou-lhe uma chave de ouro, falando:

Para o lugar que procuras,
Esta chave te conduz:
Abre também um castelo,
Onde estão os urubus!...

Depois a virgem tornou a subir para o céu, retomando a sua forma de astro.

A mocinha prosseguiu na viagem, conduzida pela chave de ouro, que lhe guiava os passos, até um grande e imponente castelo, que se elevava sobre um pequeno monte.

Esse soberbo edifício era conhecido por Castelo do Albatrós.

A respeito dessa habitação corria uma interessante lenda que os camponeses dos arredores narravam durante os longos serões de inverno.

Outrora nele residia a duquesa de Santo Lírio, senhora de coração empedernido, incapaz de praticar o bem.

Era imensamente rica, herdeira do duque seu marido, que morrera na guerra, mas não achava um vintém para dar de esmola.

O castelo, lindíssimo, estava cheio de criados, lacaios, pajens, escudeiros e homens de armas. Reinava por toda a parte grande movimento e animação.

Uma tarde, achava-se ela no jardim, em companhia de seu filho Fernando, — um rapaz de treze anos, — quando uma pobre veio pedir um pedaço de pão para matar a fome.

A orgulhosa castelã expulsou-a imediatamente de suas vistas, negando-se a socorrê-la.

A mendiga, que era uma fada, disfarçara-se assim para ajuizar do mau coração da duquesa. Vendo-se tão mal tratada, exclamou:

— "Deus mude teu filho num albatroz, e que permaneça nessa forma até que a Estrela d'Alva lhe envie uma noiva! Faça com que tu, todos os teus criados e todas as tuas riquezas fiquem guardadas dentro de uma caixinha, até que se quebre o encanto de Fernando"

A fada, voltando-se para o mordomo que a tinha enxotado, disse:

— "E tu, que cumpres tão bem as ordens de tua malvada senhora, sejas mudado num anãozinho, guarda do castelo!"

Acabando de pronunciar essa maldição, a mendiga sumiu-se.

No mesmo instante, Fernando mudou-se num albatroz, e batendo asas, voou; o mordomo virou um anão de um palmo de altura, com longas barbas brancas que lhe desciam até os pés; e o castelo, os lacaios, a mobília tudo desapareceu.

Só ficaram de pé as paredes do majestoso edifício, dando-lhe uma aparência de tristeza, de ruínas antigas e de desolação.

Numa das salas encontrou-se uma cama, uma mesa coberta por uma toalha, dois bancos e uma caixa pousada sobre a mesinha.

* * *

Acontecendo que a transformação dos irmãos de Alda, em aves, se operara no mesmo tempo em que a do jovem fidalgo Fernando, foi no castelo que os urubus encontraram pousada.

Embora, como pássaros, fossem de espécie diferente, eles e o albatroz fizeram excelente camaradagem.

Viviam juntos durante a noite, e quando chegava o dia, saiam os urubus em busca de carniça e o albatroz voando sobre o oceano.

Alda, chegando ao castelo, encontrou a porta fechada.

Abrindo-a com a chave de ouro que Vésper lhe dera, veio ao seu encontro o anãozinho que lhe perguntou o que buscava.

— "Foi a estrela d'Alva que me mandou aqui. Vim em busca de cinco urubus encantados, que são meus irmãos".

A mocinha entrou.

Dirigindo-se para a sala, achou a mesa posta, e servida com excelentes comidas.

Jantou tranquilamente, e adormeceu.

Ao anoitecer, vieram os urubus em companhia do albatroz.

Imediatamente reconheceram sua irmãzinha, mas como nada podiam fazer, contentaram-se em voejar alegremente em torno dela.

Com o ruído das asas e grasnados, Alda acordou, e beijou os cinco irmãos, fazendo-lhe muitas festas.

Depois deparou-se-lhe a caixinha.

A rapariga abriu-a com a mesma chave de ouro, dada pela Estrela d'Alva, e que já lhe havia servido para abrir a porta do castelo.

Destampada a caixinha, o castelo do Albatroz despertou do seu profundo sono de muitos anos.

Povoaram-se as salas mobiliadas, reinou a animação de outrora, tudo volveu à primitiva forma.

Desencantaram-se também os cinco urubus, que já não eram mais os meninos malcriados, filhos de Xantipas, mas rapazes ajuizados, sérios e dignos. O albatroz tornou-se o jovem Fernando, duque de Santo Lírio, rico e poderoso, que veio a casar-se, com a formosa Alda.

Ela e os irmãos mandaram buscar a velha Xantipas, e viveram todos felicíssimos.

A única pessoa que nunca mais pôde reviver foi a malvada duquesa, para castigo do seu coração empedernido.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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