Duas nações poderosas estavam em guerra,
disputando um território a que ambas se julgavam com direito.
Anos e anos durara a luta. Travaram-se combates
sobre combates, faziam-se despesas incalculáveis na remessa de tropas, víveres
e munições, mas nada se conseguia.
Tratou-se, então, da paz, e resolveu-se que um
dos reis enviaria o seu embaixador ao outro.
Esse enviado plenipotenciário não falaria,
limitando-se somente a fazer três gestos, repetindo-os durante três dias
consecutivos, em presença do povo, e de quem quisesse decifrá-los.
Se qualquer pessoa, nobre ou plebeu, o conseguisse,
o território ficaria pertencendo ao segundo rei.
No dia aprazado, chegou o embaixador; e, perante
a corte, perante a população, executou três gestos.
Ninguém podia adivinhar o que queriam dizer. O
enviado, com toda a pachorra, repetia-os sempre.
* * *
Vendo tanta gente reunida no palácio real, um
pobre varredor de rua, que se não ocupava de política, indagou do que se
tratava.
Chegando em frente ao embaixador, este julgando
que o varredor queria tentar a decifração, fez o primeiro gesto —levantou o
dedo indicador da mão direita e estendeu o braço, como se designasse alguém ou
alguma coisa.
Mais que depressa, o varredor apresentou-lhe
dois dedos abertos, com gesto brusco de raiva e indignação.
O enviado empalideceu, fez sinal com a cabeça
que era aquela a resposta; e executou o segundo gesto — abriu a mão
direita e elevou-a pouco a pouco acima da cabeça.
Em resposta o varredor imprimiu ao seu braço
direito um movimento circular, como se quisesse derrubar tudo ao redor dele.
Pela segunda vez o embaixador concordou com a
prontidão da resposta, e fez o terceiro e último gesto — apresentou um ovo.
O varredor, que havia respondido com indignação
aos dois primeiros, ficou revoltadíssimo, e tirando do bolso um pedaço de
queijo, mostrou-o ao representante do rei inimigo.
Esse diplomata não teve remédio senão concordar
que os seus três gestos haviam sido convenientemente interpretados e
habilissimamente respondidos.
E, como estava combinado, lavrou o tratado de
paz, entregando o território contestado.
* * *
O rei mandou chamar o varredor e pediu-lhe
explicação da cena muda que ocorrera.
— "Aquele tratante!" disse o varredor.
"Chego-me em frente dele, e ele faz menção de me furar um olho com o dedo,
e eu respondi que lhe furaria os dois. Em seguida dá a entender que era capaz
de me enforcar, e eu retorqui que lhe cortaria o pescoço. Por último,
apresenta-me um ovo, como se eu fosse um desgraçado que estivesse a morrer de
fome, para provar que o não era. mostrei-o pedaço de queijo que me sobrara do
almoço".
O embaixador, por sua vez, explicou o diálogo
mudo.
O primeiro gesto significava: "Só existe um único Deus, e o varredor
disse: "Não adorarás a dois Deuses; queria dizer o segundo: Foi Deus quem estendeu
a terra; e o último, mostrando o ovo, significava: Deus faz sair a vida da morte, cuja resposta está na apresentação
do queijo: Deus faz sair a morte da vida.
E, assim viveu a nação em paz, dando o rei ao
varredor grandes honras e recompensas.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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