3/23/2025

O prêmio da virtude ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O PRÊMIO DA VIRTUDE

Gertrudes e Armindo eram dois pastores que se queriam muito, mas não podiam casar-se por serem paupérrimos.

Uma vez voltavam do campo, em caminho da aldeia, recolhendo o gado, à hora de anoitecer. Conversavam sobre as tristezas e misérias da sua vida.

De repente Armindo tropeçou e caiu. Levantando-se, querendo saber em que objeto havia tropeçado, abaixou-se. Viu no meio do atalho, perto da floresta, uma pequena mala de mão, bastante pesada.

Desejosos de se certificarem do que continha, dirigiram-se para um lugar próximo, onde ardia uma fogueira, que trabalhadores haviam acendido durante o dia, para aquecerem a comida.

Aberta a maleta viram a claridade das chamas, que encerrava moedas de ouro.

Ficaram contentíssimos com o achado e Gertrudes exclamou:

— "Parece que Deus nos enviou este dinheiro para nos casarmos!"

— "É verdade", concordou Armindo. "Agora, certamente teu pai não se oporá ao nosso casamento".

Saíram dali levando o precioso achado e enquanto caminhavam, construíram deliciosos castelos no ar, antevendo todo um futuro risonho e esplêndido.

Mas, antes de chegarem ao povoado, Armindo dirigiu-se a Gertrudes:

— "Veio-me agora à lembrança que este dinheiro não é nosso. Sem dúvida foi perdido por algum viajante que por aqui passou, e o que tanto nos tem alegrado, talvez seja motivo de desespero para quem o perdeu".

— "Tens razão Armindo", falou a pastorinha, "quem perdeu tamanha quantia deverá estar chorando. Se a guardássemos, cometeríamos um roubo". Combinaram ir à casa do cura, a quem narraram o sucedido.

O virtuoso sacerdote ouviu-os com bondade, enterneceu-se com aquela, ação, admirou a honradez louvando-os muito.

Tão encantado ficou o santo homem com aquele ato, que disse:

— "O dono do dinheiro provavelmente aparecerá, Armindo, e é muito natural que ele te gratifique com generosidade. Eu, por minha parte, acrescentarei alguma coisa das economias que tenho; falarei com o pai de Gertrudes; e celebraremos o casamento. Se ninguém reclamar o dinheiro que depositas comigo, então foi Deus quem to enviou".

Os dois pastores retiraram-se satisfeitos e esperançados.

O cura fez anunciar o achado; e, decorridos alguns meses, como ninguém reclamasse a maleta, entregou-a a Armindo.

O rapaz tratou de realizar o casamento com Gertrudes, como era o seu grande sonho. Comprou um pequeno sítio e dedicou-se de corpo e alma ao trabalho.

O jovem casal, como era muito inteligente, fez prosperar a lavoura e vivia folgadamente.

* * *

Havia já dez anos que viviam desse modo, quando Armindo, voltando uma tarde da roça, viu uma caleça passando pela estrada real.

De súbito a carruagem tombou, partindo-se-lhe uma das rodas num buraco.

Correu a socorrer os viajantes que vinham dentro, e ofereceu-lhes hospitalidade, levando-os para a sua casa situada a pouca distância.

Os dois homens aceitaram, enquanto se consertaria a roda quebrada.

Em caminho iam conversando, e o mais velho dos viajantes exclamou:

— "Este lugar é bem fatal para mim! Há dez anos, passando por aqui, perdi uma pequena mala contendo cinco mil cruzeiros em ouro".

— "E o senhor não fez diligência para encontrá-la?" perguntou Armindo.

— "Não me foi possível, porque ia de viagem para o estrangeiro. Parti no dia seguinte e só há pouco regressei".

Armindo nada mais disse, e entreteve os viajantes com outro assunto.

Chegando à casa, depois de hospedá-los convenientemente, mandou à toda pressa chamar o cura.

O velho padre não tardou a vir, e o lavrador expôs-lhe tudo quanto ouvira.

Tendo acabado de cear, disse o viajante que achava aquela casa muito pitoresca, e elogiou os plantações que tivera tempo de ver.

— "Pois tudo isto pertence-vos, senhor!" exclamou Armindo.

O homem ficou pasmo de tanta probidade, e concluiu da seguinte forma:

— "Mesmo que eu fosse pobre, não teria direito de ficar com tudo isso. Quando muito aceitaria os cinco mil cruzeiros. Graças a Deus enriqueci no estrangeiro, e todos esses bens pertencem-lhe".

Armindo insistiu para que o velho aceitasse, tudo, ao que ele retorquiu:

— "Bem: já que assim deseja, aceito para fazer a doação, que ora faço, a seus filhos".

Pedindo papel e tinta, fez a doação naquele sentido.

Então o velho e respeitável sacerdote, que assistia, àquela cena, exclamou:

— "Uma boa ação nunca fica sem recompensa! Eis aí o prêmio da virtude!".


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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