Gertrudes e Armindo eram dois pastores que se
queriam muito, mas não podiam casar-se por serem paupérrimos.
Uma vez voltavam do campo, em caminho da
aldeia, recolhendo o gado, à hora de anoitecer. Conversavam sobre as tristezas
e misérias da sua vida.
De repente Armindo tropeçou e caiu. Levantando-se,
querendo saber em que objeto havia tropeçado, abaixou-se. Viu no meio do
atalho, perto da floresta, uma pequena mala de mão, bastante pesada.
Desejosos de se certificarem do que continha,
dirigiram-se para um lugar próximo, onde ardia uma fogueira, que trabalhadores
haviam acendido durante o dia, para aquecerem a comida.
Aberta a maleta viram a claridade das chamas,
que encerrava moedas de ouro.
Ficaram contentíssimos com o achado e Gertrudes
exclamou:
— "Parece que Deus nos enviou este
dinheiro para nos casarmos!"
— "É verdade", concordou Armindo.
"Agora, certamente teu pai não se oporá ao nosso casamento".
Saíram dali levando o precioso achado e enquanto
caminhavam, construíram deliciosos castelos no ar, antevendo todo um futuro
risonho e esplêndido.
Mas, antes de chegarem ao povoado, Armindo
dirigiu-se a Gertrudes:
— "Veio-me agora à lembrança que este dinheiro
não é nosso. Sem dúvida foi perdido por algum viajante que por aqui passou, e o
que tanto nos tem alegrado, talvez seja motivo de desespero para quem o
perdeu".
— "Tens razão Armindo", falou a
pastorinha, "quem perdeu tamanha quantia deverá estar chorando. Se a
guardássemos, cometeríamos um roubo". Combinaram ir à casa do cura, a quem
narraram o sucedido.
O virtuoso sacerdote ouviu-os com bondade, enterneceu-se
com aquela, ação, admirou a honradez louvando-os muito.
Tão encantado ficou o santo homem com aquele
ato, que disse:
— "O dono do dinheiro provavelmente aparecerá,
Armindo, e é muito natural que ele te gratifique com generosidade. Eu, por
minha parte, acrescentarei alguma coisa das economias que tenho; falarei com o
pai de Gertrudes; e celebraremos o casamento. Se ninguém reclamar o dinheiro
que depositas comigo, então foi Deus quem to enviou".
Os dois pastores retiraram-se satisfeitos e esperançados.
O cura fez anunciar o achado; e, decorridos alguns
meses, como ninguém reclamasse a maleta, entregou-a a Armindo.
O rapaz tratou de realizar o casamento com
Gertrudes, como era o seu grande sonho. Comprou um pequeno sítio e dedicou-se
de corpo e alma ao trabalho.
O jovem casal, como era muito inteligente, fez
prosperar a lavoura e vivia folgadamente.
* * *
Havia já dez anos que viviam desse modo,
quando Armindo, voltando uma tarde da roça, viu uma caleça passando pela
estrada real.
De súbito a carruagem tombou, partindo-se-lhe
uma das rodas num buraco.
Correu a socorrer os viajantes que vinham dentro,
e ofereceu-lhes hospitalidade, levando-os para a sua casa situada a pouca
distância.
Os dois homens aceitaram, enquanto se consertaria
a roda quebrada.
Em caminho iam conversando, e o mais velho dos
viajantes exclamou:
— "Este lugar é bem fatal para mim! Há
dez anos, passando por aqui, perdi uma pequena mala contendo cinco mil
cruzeiros em ouro".
— "E o senhor não fez diligência para
encontrá-la?" perguntou Armindo.
— "Não me foi possível, porque ia de
viagem para o estrangeiro. Parti no dia seguinte e só há pouco regressei".
Armindo nada mais disse, e entreteve os viajantes
com outro assunto.
Chegando à casa, depois de hospedá-los convenientemente,
mandou à toda pressa chamar o cura.
O velho padre não tardou a vir, e o lavrador
expôs-lhe tudo quanto ouvira.
Tendo acabado de cear, disse o viajante que achava
aquela casa muito pitoresca, e elogiou os plantações que tivera tempo de ver.
— "Pois tudo isto pertence-vos,
senhor!" exclamou Armindo.
O homem ficou pasmo de tanta probidade, e
concluiu da seguinte forma:
— "Mesmo que eu fosse pobre, não teria
direito de ficar com tudo isso. Quando muito aceitaria os cinco mil cruzeiros.
Graças a Deus enriqueci no estrangeiro, e todos esses bens pertencem-lhe".
Armindo insistiu para que o velho aceitasse,
tudo, ao que ele retorquiu:
— "Bem: já que assim deseja, aceito para
fazer a doação, que ora faço, a seus filhos".
Pedindo papel e tinta, fez a doação naquele sentido.
Então o velho e respeitável sacerdote, que assistia,
àquela cena, exclamou:
— "Uma boa ação nunca fica sem recompensa!
Eis aí o prêmio da virtude!".
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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