3/26/2025

O moinho de Satanás ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O MOINHO DE SATANÁS

Sebastião e Bernardino eram irmãos.

Por um capricho da sorte, Sebastião enriqueceu e Bernardino, cada vez mais pobre, sofria miséria.

Numa noite de Natal, o pobre, nada tendo que comer, foi bater à porta do rico, pedindo-lhe alguma coisa.

— "Se me prometes fazer o que eu mandar, dar-te-ei um presunto", disse Sebastião.

Bernardino aceitou com satisfação, lembrando-se que nessa noite festiva sua mulher e filhos comeriam melhor.

O outro deu-lhe efetivamente o presunto, mas disse-lhe:

— "Agora quero que vás ao inferno".

— "Só tenho uma palavra", retorquiu, e caminhou.

Andou muito tempo até que, pelo anoitecer, viu brilhar uma luz à entrada de uma caverna.

Aí encontrou um velhinho, de grandes barbas brancas, que se aquecia ao fogo.

— "Que pretende o senhor por estas alturas?", perguntou o velho.

— "Procuro o inferno, mas não sei o caminho".

— "O caminho é este mesmo. Eis a estrada. O senhor tenciona ir lá?"

— "Neste instante".

— "Pode ir, mas fique prevenido que todos os diabos hão de cobiçar este presunto. Aconselho, porém, que o não dê, nem venda, salvo se quiserem trocar por um moinho que está atrás da porta".

Bernardino desceu, e chegou ao fundo da caverna de Plutão.

Como dissera o velho, mal os diabos o avistaram, correram todos, pedindo-lhe o presunto, oferecendo-lhes quantias fabulosas.

Ele recusou, propondo, porém, cedê-lo em troca do moinho.

A entrada da furna encontrou o mesmo velhinho que lhe ensinou em segredo o meio de se servir do objeto.

Chegando à casa, Bernardino narrou à mulher as suas aventuras.

Enquanto conversava, colocou o moinho sobre a mesa e ordenou-lhe que moesse.

Saíram copos, pratos, talheres, garrafas, e comida — tudo quanto é necessário para um banquete. Bernardino convidou amigos, a quem deu almoço, jantar e ceia.

Sabendo daquilo, Sebastião foi procurá-lo e tanto fez que conseguiu levar o maravilhoso moinho para casa.

Aí, quando foi hora de jantar, querendo experimentá-lo, mandou moer sopa.

No mesmo momento, começou a jorrar excelente e substancioso caldo, que Sebastião aparou numa grande sopeira.

Mas bem depressa, a vasilha encheu-se, até transbordar.

Bernardino não lhe ensinara o segredo de parar o moinho, e a sopa ia correndo, correndo sempre, inundando a casa, inundando o quintal, o campo, a persegui-lo, como se fosse um rio que crescesse em enchente.

Sebastião correu à casa do irmão, e pediu-lhe pelo amor de Deus, que fizesse parar a torrente de caldo, carregasse com o moinho.

* * *

A fama daquele maravilhoso objeto correu mundo.

Um dia apareceu em casa de Bernardino o comandante de um navio, propondo-se a comprar o moinho.

Era mercador de sal, e como tinha que fazer longas e perigosas viagens para adquiri-lo, se se visse possuidor daquela preciosidade, não lhe seria mais necessário viajar.

Bernardino, que já estava riquíssimo, recusou-se terminantemente a vendê-lo.

O comandante, porém, conseguiu comprar o moinho, e carregando-o para bordo, fez-se ao largo. Chegando ao alto-mar, mandou que o moinho moesse sal.

E o sal começou a jorrar, enchendo o porão, passando para a coberta.

Como ninguém sabia fazer parar aquele maquinismo infernal, e o sal não cessava de cair, o navio submergiu-se com o peso, naufragando e morrendo todos.

Mesmo no fundo do mar, o moinho nunca parou, nem nunca há de parar, moendo sempre dia e noite.

É por isso que o mar, até então de água doce, se tornou salgado.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
 

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