Sebastião e Bernardino eram irmãos.
Por um capricho da sorte, Sebastião enriqueceu
e Bernardino, cada vez mais pobre, sofria miséria.
Numa noite de Natal, o pobre, nada tendo que
comer, foi bater à porta do rico, pedindo-lhe alguma coisa.
— "Se me prometes fazer o que eu mandar,
dar-te-ei um presunto", disse Sebastião.
Bernardino aceitou com satisfação, lembrando-se
que nessa noite festiva sua mulher e filhos comeriam melhor.
O outro deu-lhe efetivamente o presunto, mas
disse-lhe:
— "Agora quero que vás ao inferno".
— "Só tenho uma palavra", retorquiu,
e caminhou.
Andou muito tempo até que, pelo anoitecer, viu
brilhar uma luz à entrada de uma caverna.
Aí encontrou um velhinho, de grandes barbas
brancas, que se aquecia ao fogo.
— "Que pretende o senhor por estas
alturas?", perguntou o velho.
— "Procuro o inferno, mas não sei o
caminho".
— "O caminho é este mesmo. Eis a estrada.
O senhor tenciona ir lá?"
— "Neste instante".
— "Pode ir, mas fique prevenido que todos
os diabos hão de cobiçar este presunto. Aconselho, porém, que o não dê, nem
venda, salvo se quiserem trocar por um moinho que está atrás da porta".
Bernardino desceu, e chegou ao fundo da caverna
de Plutão.
Como dissera o velho, mal os diabos o avistaram,
correram todos, pedindo-lhe o presunto, oferecendo-lhes quantias fabulosas.
Ele recusou, propondo, porém, cedê-lo em troca
do moinho.
A entrada da furna encontrou o mesmo velhinho
que lhe ensinou em segredo o meio de se servir do objeto.
Chegando à casa, Bernardino narrou à mulher as
suas aventuras.
Enquanto conversava, colocou o moinho sobre a
mesa e ordenou-lhe que moesse.
Saíram copos, pratos, talheres, garrafas, e comida
— tudo quanto é necessário para um banquete. Bernardino convidou amigos, a quem
deu almoço, jantar e ceia.
Sabendo daquilo, Sebastião foi procurá-lo e
tanto fez que conseguiu levar o maravilhoso moinho para casa.
Aí, quando foi hora de jantar, querendo experimentá-lo,
mandou moer sopa.
No mesmo momento, começou a jorrar excelente e
substancioso caldo, que Sebastião aparou numa grande sopeira.
Mas bem depressa, a vasilha encheu-se, até
transbordar.
Bernardino não lhe ensinara o segredo de parar
o moinho, e a sopa ia correndo, correndo sempre, inundando a casa, inundando o
quintal, o campo, a persegui-lo, como se fosse um rio que crescesse em
enchente.
Sebastião correu à casa do irmão, e pediu-lhe
pelo amor de Deus, que fizesse parar a torrente de caldo, carregasse com o
moinho.
* * *
A fama daquele maravilhoso objeto correu
mundo.
Um dia apareceu em casa de Bernardino o comandante
de um navio, propondo-se a comprar o moinho.
Era mercador de sal, e como tinha que fazer
longas e perigosas viagens para adquiri-lo, se se visse possuidor daquela
preciosidade, não lhe seria mais necessário viajar.
Bernardino, que já estava riquíssimo,
recusou-se terminantemente a vendê-lo.
O comandante, porém, conseguiu comprar o moinho,
e carregando-o para bordo, fez-se ao largo. Chegando ao alto-mar, mandou que o
moinho moesse sal.
E o sal começou a jorrar, enchendo o porão,
passando para a coberta.
Como ninguém sabia fazer parar aquele maquinismo
infernal, e o sal não cessava de cair, o navio submergiu-se com o peso,
naufragando e morrendo todos.
Mesmo no fundo do mar, o moinho nunca parou,
nem nunca há de parar, moendo sempre dia e noite.
É por isso que o mar, até então de água doce,
se tornou salgado.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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