3/26/2025

O Máscara Negra ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O MÁSCARA NEGRA

Quase toda a gente da cidade conhecia o bom homem Tobias.

Era assim conhecido porque representava o tipo completo de honradez, da virtude e do caráter.

A sua palavra valia ouro, e ninguém duvidava dela. Dizia-se: "sério como Tobias", para exprimir uma pessoa verdadeira.

Não era rico, nem pobre. Depois de trabalhar muito, durante grande parte da vida, conseguira ajuntar algum dinheiro, e pusera a juros num estabelecimento bancário.

Vivia numa casinha modesta, juntamente com Hermínia, sua única filha, uma rapariga que, seguindo o exemplo do seu pai, era também um modelo de virtudes.

Entre as pouquíssimas pessoas que cultivavam as relações do bom homem Tobias, contava-se Ricardo, moço pintor, recomendável pelo seu talento e suas belas qualidades.

Ricardo era filho de Onofre, um ricaço que sendo simples negociante, começou a enriquecer do dia para a noite tornando-se fabulosamente milionário, sem que pessoa alguma pudesse explicar a origem da sua fortuna.

O rapaz, de gostos simples e modesto, não vivia como o pai, apreciando pouco a convivência de homens ricos, e desacostumado com a opulência.

Por seu lado, Onofre não estimava o filho e deixava-o morar sozinho, nos arrabaldes pobres, lidando com os seus trabalhos de pintura.

Pouco a pouco Ricardo foi se apaixonando por Hermínia, até que a pediu em casamento.

Tobias concedeu-lhe com satisfação, vendo que se tratava de um moço com todas as qualidades necessárias para fazer a felicidade de uma esposa.

Marcou-se o princípio do ano para realizarem o consórcio, que era quando Tobias recebia os juros do seu dinheiro.

Chegando o mês de janeiro, o bom homem Tobias foi à cidade para aquele fim.

Voltava ele para casa, fora dos lugares povoados, quando de súbito no meio da estrada, surgiu um mascarado negro, todo de preto, empunhando uma pistola.

Tobias não era covarde, mas refletiu que devia tentar livrar-se do bandido antes, do que expor a vida.

Viu de pronto que se tratava do mascarado negro, célebre salteador que roubava os viajantes desde muitos anos, sem que a polícia conseguisse agarrá-lo.

O ladrão apontando-lhe a arma fê-lo parar e gritou-lhe:

— "A bolsa ou a vida!...

Tobias serenamente respondeu:

— "Prefiro ficar com a vida".

Tirou de dentro do paletó a carteira, com dinheiro miúdo que trazia, e entregou ao miserável.

Esse, vendo que o outro não oferecia a menor resistência, prosseguiu:

— "Agora o relógio".

Com a mesmo tranquilidade, Tobias deu-lhe o relógio e a corrente dizendo-lhe:

— "Peço-lhe agora que me deixe ir para a casa, porque já é tarde e minha filha deve estar desassossegada".

— "Eu não tenho pressa. Jure-me que não traz consigo mais dinheiro ou objeto de valor".

— "Nunca juro".

— "Então, dê-me a sua palavra de honra".

Tobias refletiu alguns segundos, e disse:

— "O senhor parece que sabe com quem está falando... Tenho mais dinheiro, sim. Trago ainda três mil cruzeiros, que destino para as despesas do casamento de minha filha". É a única quantia de que disponho, pois não sou rico. Rogo-lhe que a não leve...

— "Ora! que importa a mim sua filha e seu casamento. Passe já o dinheiro, e depressa".

O bom homem levantou o selim do animal, tirando um embrulho contendo os três mil cruzeiros deu-o ao salteador.

— "Ainda não é tudo; dê-me agora o seu cavalo e fique com o meu, por muito favor que lhe faço".

O mascarado negro cavalgou o belo animal de Tobias, e metendo-lhe as esporas partiu, a galope.

* * *

Chegando à casa, o bom velho nada quis contar à filha para a não incomodar, pois o dinheiro era para os gastos das bodas, e sem ele os noivos ainda tinham de esperar um ano.

Ricardo poderia ir pedir ao pai, mas não queria fazê-lo, com que o futuro sogro concordara, aplaudindo o seu procedimento.

Toda a noite Tobias refletiu no caso, e pela manhã teve uma ideia, que foi uma inspiração do céu.

Selou o velho e imprestável cavalo do mascarado negro em que viera montado e dirigiu-se para o lugar da estrada onde fora assaltado na véspera.

Aí apeou-se, e deixando as rédeas no pescoço, amarradas à sela, fustigou-o com uma varinha.

O animal começou a trotar em direção à cidade, e o bom homem Tobias acompanhou-o.

De quando em quando, o cavalo parava, como que se orientando e depois continuava, ora a trote, ora à marcha, ora a passo.

Numa das ruas mais belas e elegantes da cidade, o animal disparou a galope.

De súbito, parou, e, relinchando alegremente, entrou num pátio, seguindo para a cavalariça.

Tobias perguntou a uma pessoa que passava a quem pertencia tão luxuoso e elegante palacete.

— "Pois o senhor ignora?" fez o outro admirado. "Aí é que mora o banqueiro Onofre, um dos homens mais ricos que há."

O velho agradeceu, e bateu palmas na porta principal do edifício.

Veio um criado, que lhe perguntou com maus modos:

— Quer falar com o patrão?

— “Quero".

— “Previno-lhe que se é negócio de dinheiro pode entrar. Do contrário, aconselho-o a que se vá embora".

O lacaio conduziu-o ao escritório, onde o Sr. Onofre tratava de assuntos de dinheiro.

Ao vê-lo, não lhe restou a menor dúvida. Teve a certeza de que o capitalista era o mascarado negro, desvanecendo-se, assim, as dúvidas que ainda lhe restavam.

—  "Que deseja?", inquiriu ele.

— "Vim buscar a minha carteira com quarenta cruzeiros, que lhe emprestei ontem à noite", disse Tobias com a maior naturalidade possível. Onofre descorou, exclamando:

— "A carteira?!..."

— "Sim; se precisa do dinheiro, posso emprestar-lho, desde que me passe um recibo. Agora, o que não posso dispensar é o relógio que foi de meu pai".

O milionário viu-se perdido, e só pôde balbuciar:

— "O relógio?!..."

"Sim, preciso também dos três mil cruzeiros, mesmo porque estão destinados para o casamento de minha filha Hermínia com o seu filho Ricardo..."

Onofre pôs-se de pé mais branco do que cal, e caiu de joelhos aos pés do velho.

— "Não recei", continuou este. "Nada pretendo dizer, a seu filho, que é um moço honestíssimo e não tem, nem pode ter culpa de que o pai seja um bandido. Ficarei quieto... o resto é por sua conta".

O opulento banqueiro, e arrogante salteador humilde e cabisbaixo, restituiu-lhe tudo quanto havia roubado na véspera.

Alguns dias depois, o bom homem Tobias recebeu um grande envelope fechado.

Abriu-o, e viu que eram letras de cheques, bem como uma extensa lista de nomes, ao lado de cada um dos quais se achava indicada certa soma de dinheiro, e ainda uma carta, que dizia:

"São os nomes das pessoas roubadas pelo "mascarado negro", e ao lado as somas, incluindo os juros, que lhes devem ser restituídos. O que sobrar é meu, legitimamente ganho no comércio. É o dote dos noivos".

Nunca mais se ouviu falar em Onofre, que arrependido professou na Ordem Religiosa de Santo Antônio dos Pobres.

As pessoas que haviam sido assaltadas pelo bandido da máscara, preta, receberam, pasmadas, a restituição integral do que lhes fora roubado.

Ricardo e Hermínia casaram-se, e ignoraram eternamente a aventura do bom homem Tobias.


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
 

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