Quase toda a gente da cidade conhecia o bom
homem Tobias.
Era assim conhecido porque representava o tipo
completo de honradez, da virtude e do caráter.
A sua palavra valia ouro, e ninguém duvidava
dela. Dizia-se: "sério como Tobias", para exprimir uma pessoa
verdadeira.
Não era rico, nem pobre. Depois de trabalhar
muito, durante grande parte da vida, conseguira ajuntar algum dinheiro, e
pusera a juros num estabelecimento bancário.
Vivia numa casinha modesta, juntamente com
Hermínia, sua única filha, uma rapariga que, seguindo o exemplo do seu pai, era
também um modelo de virtudes.
Entre as pouquíssimas pessoas que cultivavam
as relações do bom homem Tobias, contava-se Ricardo, moço pintor, recomendável
pelo seu talento e suas belas qualidades.
Ricardo era filho de Onofre, um ricaço que sendo
simples negociante, começou a enriquecer do dia para a noite tornando-se
fabulosamente milionário, sem que pessoa alguma pudesse explicar a origem da
sua fortuna.
O rapaz, de gostos simples e modesto, não vivia
como o pai, apreciando pouco a convivência de homens ricos, e desacostumado com
a opulência.
Por seu lado, Onofre não estimava o filho e
deixava-o morar sozinho, nos arrabaldes pobres, lidando com os seus trabalhos
de pintura.
Pouco a pouco Ricardo foi se apaixonando por
Hermínia, até que a pediu em casamento.
Tobias concedeu-lhe com satisfação, vendo que
se tratava de um moço com todas as qualidades necessárias para fazer a
felicidade de uma esposa.
Marcou-se o princípio do ano para realizarem o
consórcio, que era quando Tobias recebia os juros do seu dinheiro.
Chegando o mês de janeiro, o bom homem Tobias
foi à cidade para aquele fim.
Voltava ele para casa, fora dos lugares povoados,
quando de súbito no meio da estrada, surgiu um mascarado negro, todo de preto,
empunhando uma pistola.
Tobias não era covarde, mas refletiu que devia
tentar livrar-se do bandido antes, do que expor a vida.
Viu de pronto que se tratava do mascarado negro,
célebre salteador que roubava os viajantes desde muitos anos, sem que a polícia
conseguisse agarrá-lo.
O ladrão apontando-lhe a arma fê-lo parar e
gritou-lhe:
— "A bolsa ou a vida!...
Tobias serenamente respondeu:
— "Prefiro ficar com a vida".
Tirou de dentro do paletó a carteira, com dinheiro
miúdo que trazia, e entregou ao miserável.
Esse, vendo que o outro não oferecia a menor
resistência, prosseguiu:
— "Agora o relógio".
Com a mesmo tranquilidade, Tobias deu-lhe o
relógio e a corrente dizendo-lhe:
— "Peço-lhe agora que me deixe ir para a
casa, porque já é tarde e minha filha deve estar desassossegada".
— "Eu não tenho pressa. Jure-me que não
traz consigo mais dinheiro ou objeto de valor".
— "Nunca juro".
— "Então, dê-me a sua palavra de
honra".
Tobias refletiu alguns segundos, e disse:
— "O senhor parece que sabe com quem está
falando... Tenho mais dinheiro, sim. Trago ainda três mil cruzeiros, que
destino para as despesas do casamento de minha filha". É a única quantia
de que disponho, pois não sou rico. Rogo-lhe que a não leve...
— "Ora! que importa a mim sua filha e seu
casamento. Passe já o dinheiro, e depressa".
O bom homem levantou o selim do animal, tirando
um embrulho contendo os três mil cruzeiros deu-o ao salteador.
— "Ainda não é tudo; dê-me agora o seu cavalo
e fique com o meu, por muito favor que lhe faço".
O mascarado negro cavalgou o belo animal de
Tobias, e metendo-lhe as esporas partiu, a galope.
* * *
Chegando à casa, o bom velho nada quis contar
à filha para a não incomodar, pois o dinheiro era para os gastos das bodas, e
sem ele os noivos ainda tinham de esperar um ano.
Ricardo poderia ir pedir ao pai, mas não queria
fazê-lo, com que o futuro sogro concordara, aplaudindo o seu procedimento.
Toda a noite Tobias refletiu no caso, e pela
manhã teve uma ideia, que foi uma inspiração do céu.
Selou o velho e imprestável cavalo do
mascarado negro em que viera montado e dirigiu-se para o lugar da estrada onde fora
assaltado na véspera.
Aí apeou-se, e deixando as rédeas no pescoço,
amarradas à sela, fustigou-o com uma varinha.
O animal começou a trotar em direção à cidade,
e o bom homem Tobias acompanhou-o.
De quando em quando, o cavalo parava, como que
se orientando e depois continuava, ora a trote, ora à marcha, ora a passo.
Numa das ruas mais belas e elegantes da cidade,
o animal disparou a galope.
De súbito, parou, e, relinchando alegremente,
entrou num pátio, seguindo para a cavalariça.
Tobias perguntou a uma pessoa que passava a
quem pertencia tão luxuoso e elegante palacete.
— "Pois o senhor ignora?" fez o
outro admirado. "Aí é que mora o banqueiro Onofre, um dos homens mais
ricos que há."
O velho agradeceu, e bateu palmas na porta
principal do edifício.
Veio um criado, que lhe perguntou com maus
modos:
— Quer falar com o patrão?
— “Quero".
— “Previno-lhe que se é negócio de dinheiro
pode entrar. Do contrário, aconselho-o a que se vá embora".
O lacaio conduziu-o ao escritório, onde o Sr.
Onofre tratava de assuntos de dinheiro.
Ao vê-lo, não lhe restou a menor dúvida. Teve
a certeza de que o capitalista era o mascarado negro, desvanecendo-se, assim,
as dúvidas que ainda lhe restavam.
— "Que
deseja?", inquiriu ele.
— "Vim buscar a minha carteira com quarenta
cruzeiros, que lhe emprestei ontem à noite", disse Tobias com a maior
naturalidade possível. Onofre descorou, exclamando:
— "A carteira?!..."
— "Sim; se precisa do dinheiro, posso
emprestar-lho, desde que me passe um recibo. Agora, o que não posso dispensar é
o relógio que foi de meu pai".
O milionário viu-se perdido, e só pôde
balbuciar:
— "O relógio?!..."
— "Sim, preciso também dos três mil cruzeiros,
mesmo porque estão destinados para o casamento de minha filha Hermínia com o
seu filho Ricardo..."
Onofre pôs-se de pé mais branco do que cal, e
caiu de joelhos aos pés do velho.
— "Não recei", continuou este.
"Nada pretendo dizer, a seu filho, que é um moço honestíssimo e não tem,
nem pode ter culpa de que o pai seja um bandido. Ficarei quieto... o resto é
por sua conta".
O opulento banqueiro, e arrogante salteador
humilde e cabisbaixo, restituiu-lhe tudo quanto havia roubado na véspera.
Alguns dias depois, o bom homem Tobias recebeu
um grande envelope fechado.
Abriu-o, e viu que eram letras de cheques, bem
como uma extensa lista de nomes, ao lado de cada um dos quais se achava
indicada certa soma de dinheiro, e ainda uma carta, que dizia:
"São os nomes das pessoas roubadas pelo
"mascarado negro", e ao lado as somas, incluindo os juros, que lhes
devem ser restituídos. O que sobrar é meu, legitimamente ganho no comércio. É o
dote dos noivos".
Nunca mais se ouviu falar em Onofre, que arrependido
professou na Ordem Religiosa de Santo Antônio dos Pobres.
As pessoas que haviam sido assaltadas pelo bandido
da máscara, preta, receberam, pasmadas, a restituição integral do que lhes fora
roubado.
Ricardo e Hermínia casaram-se, e ignoraram
eternamente a aventura do bom homem Tobias.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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