3/24/2025

O guardador de porcos ("Histórias da Baratinha"), por Figueiredo Pimentel


O GUARDADOR DE PORCOS

Anídia era uma princesa formosíssima, filha do Imperador Cirano.

Quando completou dezessete anos, seu pai chamou-a e fazendo ver que se achava bastante velho, pediu-lhe encarecidamente que se casasse, escolhendo para esse fim um marido.

Não tendo vocação para o matrimônio, Anídia recusou.

Cirano, porém, insistiu tanto, tanto rogou, que a princesinha respondeu:

— "Pois bem, meu pai, far-te-ei a vontade, mas com a condição de me ser permitido escolher o esposo que quiser, qualquer que seja a sua fortuna e idade".

— "Pois bem", disse o soberano, "terás plena liberdade na escolha".

— "Então meu pai, quero que mande anunciar que estou resolvida a casar com o homem que puder se esconder de tal modo, em três dias seguidos, que eu o não possa descobrir.

Anídia, assim procedendo, usava de uma astúcia.

Possuía um espelhinho maravilhoso, que lhe dera a fada, sua madrinha.

Esse espelho tinha a propriedade, de mostrar qualquer pessoa ou coisa oculta, por mais invisível que estivesse.

Ninguém sabia dessa circunstância, nem mesmo o imperador Cirano.

* * *

Fizeram-se proclamações por todo o império, e desde logo apareceram candidatos sem conta — homens de todas as classes sociais, desde príncipes até operários.

Nenhum deles conseguia, porém, subtrair-se ao espelho mágico.

Marcado o dia, designada a hora, bastava Anídia mirá-lo para enxergar imediatamente a pessoa. Assim, todos os pretendentes eram despachados e sem mais demora.

Estava todo o mundo desanimado, quando, um dia apareceu um novo candidato à mão de Anídia.

Era um simples guardador de porcos, chamado Adrião.

Designado o dia, Adrião saiu com tenção de se esconder, ainda que lhe fosse preciso abrir um buraco e enterrar-se.

Passando por um campo, viu uma águia que jazia no chão.

Aproximou-se da grande ave de rapina, e notou que tinha uma das garras inchadas, com um espinho espetado.

Adrião, que era compassivo, arrancou-lhe o espinho, espremeu o pus, e rasgando um pedaço da camisa, amarrou a parte ferida.

— "Que posso fazer em teu benefício?" perguntou a águia, sentindo-se aliviada.

— "Agradeço-te muito", respondeu o guardador de porcos, "mas nada poderás fazer. Estou procurando um lugar para me esconder, desde o meio dia até uma hora da tarde".

Em seguida contou-lhe tudo.

— "Então, posso servir-te às mil maravilhas. Se quiserem, agarrar-te-ei pela roupa com as minhas garras e transportar-te-ei pelos ares em fora, muito além das nuvens".

Adrião aceitou contentíssimo o oferecimento, e como se aproximara a hora, subiu com a águia.

Em casa, Anídia colocou-se em frente do espelho e viu-o distintamente.

Quando o candidato compareceu ela narrou-lhe o seu passeio aéreo.

* * *

No dia seguinte o porqueiro foi novamente esconder-se.

Estava resolvido a meter-se pela terra adentro. Ia caminhando à beira do rio, quando avistou na relva, fora d’água, uma piaba agonizando.

Adrião teve pena dela e lançou-a no rio. A piaba começou logo a crescer, e tornou-se um peixe enorme, dizendo:

— "Sei que procuras um lugar para te esconderes. Entra dentro do meu buxo, que talvez Anídia não te descubra".

Assim dizendo escancarou as goelas.

Adrião atirou-se ao rio, e permaneceu dentro da barriga do peixe.

Mas, ao voltar à terra, comparecendo em palácio, a princesa, em virtude do poder sobrenatural do espelho, declarou onde ele tinha estado.

* * *

Só restando mais um dia — terceiro e último — o guardador de porcos saiu de casa desanimado, muito cedo ainda.

Mal havia dado alguns passos, encontrou uma velha mendiga, morta de sono e cansaço, sentindo fome.

Adrião, sempre caridoso transportou-a para a sua choupana, e deu-lhe pão e leite.

A velhinha, agradecida, vendo-o triste, perguntou-lhe a causa do pesar que o afligia.

O rapaz narrou-lhe tudo, sem omitir a mínima peripécia.

— "Já sei de que se trata", falou a pobrezinha. "Anídia possui um espelho mágico, que tem a virtude de lhe mostrar tudo quanto estiver escondido. Entretanto ela não pode mirar-se nele, e qualquer objeto que lhe pertença ou que traga consigo, ficará também invisível a seus olhos. Vou fazer com que isso suceda a ti".

A velha, que era uma fada, transformou Adrião em uma formiguinha e pousou-a numa rosa que colheu.

Saindo dali, foi para a igreja onde Anídia costumava vir todos os dias.

A princesa, saindo da missa viu aquela mendiga trazendo uma rosa formosíssima, deslumbrante, como nunca se vira.

Quis comprá-la, mas a mendiga ofereceu-a declarando que a tinha trazido justamente para aquele fim.

Terminando por pedir licença para colocá-la por suas próprias mãos entre os cabelos da moça, fê-lo com tanta elegância, que nem a princesa, nem as suas damas de honor acharam que dizer.

Nos seus aposentos, Anídia conservou a rosa, e ainda a tinha quando pegou o espelho.

Debalde procurou o porqueiro. O espelho, turvo, embaciado, nada mostrava.

Quando bateu uma hora da tarde, a formiguinha desceu da flor, e chegando ao chão, retomou a forma humana.

Adrião apareceu à formosa princesa, que, cumprindo a sua palavra, com ele se casou.



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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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