Anídia era uma princesa formosíssima, filha do
Imperador Cirano.
Quando completou dezessete anos, seu pai chamou-a
e fazendo ver que se achava bastante velho, pediu-lhe encarecidamente que se
casasse, escolhendo para esse fim um marido.
Não tendo vocação para o matrimônio, Anídia recusou.
Cirano, porém, insistiu tanto, tanto rogou,
que a princesinha respondeu:
— "Pois bem, meu pai, far-te-ei a
vontade, mas com a condição de me ser permitido escolher o esposo que quiser,
qualquer que seja a sua fortuna e idade".
— "Pois bem", disse o soberano,
"terás plena liberdade na escolha".
— "Então meu pai, quero que mande
anunciar que estou resolvida a casar com o homem que puder se esconder de tal
modo, em três dias seguidos, que eu o não possa descobrir.
Anídia, assim procedendo, usava de uma astúcia.
Possuía um espelhinho maravilhoso, que lhe dera
a fada, sua madrinha.
Esse espelho tinha a propriedade, de mostrar
qualquer pessoa ou coisa oculta, por mais invisível que estivesse.
Ninguém sabia dessa circunstância, nem mesmo o
imperador Cirano.
* * *
Fizeram-se proclamações por todo o império, e
desde logo apareceram candidatos sem conta — homens de todas as classes
sociais, desde príncipes até operários.
Nenhum deles conseguia, porém, subtrair-se ao
espelho mágico.
Marcado o dia, designada a hora, bastava Anídia
mirá-lo para enxergar imediatamente a pessoa. Assim, todos os pretendentes eram
despachados e sem mais demora.
Estava todo o mundo desanimado, quando, um dia
apareceu um novo candidato à mão de Anídia.
Era um simples guardador de porcos, chamado
Adrião.
Designado o dia, Adrião saiu com tenção de se
esconder, ainda que lhe fosse preciso abrir um buraco e enterrar-se.
Passando por um campo, viu uma águia que jazia
no chão.
Aproximou-se da grande ave de rapina, e notou
que tinha uma das garras inchadas, com um espinho espetado.
Adrião, que era compassivo, arrancou-lhe o espinho,
espremeu o pus, e rasgando um pedaço da camisa, amarrou a parte ferida.
— "Que posso fazer em teu
benefício?" perguntou a águia, sentindo-se aliviada.
— "Agradeço-te muito", respondeu o
guardador de porcos, "mas nada poderás fazer. Estou procurando um lugar
para me esconder, desde o meio dia até uma hora da tarde".
Em seguida contou-lhe tudo.
— "Então, posso servir-te às mil
maravilhas. Se quiserem, agarrar-te-ei pela roupa com as minhas garras e
transportar-te-ei pelos ares em fora, muito além das nuvens".
Adrião aceitou contentíssimo o oferecimento, e
como se aproximara a hora, subiu com a águia.
Em casa, Anídia colocou-se em frente do espelho
e viu-o distintamente.
Quando o candidato compareceu ela narrou-lhe o
seu passeio aéreo.
* * *
No dia seguinte o porqueiro foi novamente esconder-se.
Estava resolvido a meter-se pela terra adentro.
Ia caminhando à beira do rio, quando avistou na relva, fora d’água, uma piaba
agonizando.
Adrião teve pena dela e lançou-a no rio. A
piaba começou logo a crescer, e tornou-se um peixe enorme, dizendo:
— "Sei que procuras um lugar para te
esconderes. Entra dentro do meu buxo, que talvez Anídia não te descubra".
Assim dizendo escancarou as goelas.
Adrião atirou-se ao rio, e permaneceu dentro
da barriga do peixe.
Mas, ao voltar à terra, comparecendo em palácio,
a princesa, em virtude do poder sobrenatural do espelho, declarou onde ele
tinha estado.
* * *
Só restando mais um dia — terceiro e último — o
guardador de porcos saiu de casa desanimado, muito cedo ainda.
Mal havia dado alguns passos, encontrou uma
velha mendiga, morta de sono e cansaço, sentindo fome.
Adrião, sempre caridoso transportou-a para a
sua choupana, e deu-lhe pão e leite.
A velhinha, agradecida, vendo-o triste, perguntou-lhe
a causa do pesar que o afligia.
O rapaz narrou-lhe tudo, sem omitir a mínima
peripécia.
— "Já sei de que se trata", falou a
pobrezinha. "Anídia possui um espelho mágico, que tem a virtude de lhe
mostrar tudo quanto estiver escondido. Entretanto ela não pode mirar-se nele, e
qualquer objeto que lhe pertença ou que traga consigo, ficará também invisível
a seus olhos. Vou fazer com que isso suceda a ti".
A velha, que era uma fada, transformou Adrião
em uma formiguinha e pousou-a numa rosa que colheu.
Saindo dali, foi para a igreja onde Anídia costumava
vir todos os dias.
A princesa, saindo da missa viu aquela mendiga
trazendo uma rosa formosíssima, deslumbrante, como nunca se vira.
Quis comprá-la, mas a mendiga ofereceu-a declarando
que a tinha trazido justamente para aquele fim.
Terminando por pedir licença para colocá-la
por suas próprias mãos entre os cabelos da moça, fê-lo com tanta elegância, que
nem a princesa, nem as suas damas de honor acharam que dizer.
Nos seus aposentos, Anídia conservou a rosa, e
ainda a tinha quando pegou o espelho.
Debalde procurou o porqueiro. O espelho,
turvo, embaciado, nada mostrava.
Quando bateu uma hora da tarde, a formiguinha
desceu da flor, e chegando ao chão, retomou a forma humana.
Adrião apareceu à formosa princesa, que, cumprindo
a sua palavra, com ele se casou.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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