
No canto escuro de uma adega, ao pé de um
tonel, Dona Ratazana pôs uma ninhada de oito filhinhos, acamados sobre retalhos
de lã, algodão e outros objetos macios.
A mãe, orgulhosa, satisfeita, dá-lhes leite,
acaricia-os, e acha-os divinamente belos, apesar de serem pelados e mal
chegarem à grossura de uma nozinha.
Ao fim de uma semana, já os ratinhos, crescidos
e gordos, cobriam-se de uma graciosa penugem cinzenta.
Quando completaram treze dias, abriram os
olhos, e a Ratazana, possuiu-se de tal alegria que correu alvoroçada para a
despensa, e foi-lhes buscar um pedaço de queijo.
Os pequerruchos apreciaram-no tanto, que não
mais quiseram mamar, vendo-se a mãe obrigada a andar o dia inteiro numa roda
viva, desde a adega até o sótão, para lhe trazer comida.
Uma manhã, muito cedo, mandou os filhotes sair
do ninho, e assim lhes falou:
— "Vocês completaram dezesseis dias. Já
estão uns moços e podem livremente procurar a sua vida. A nossa existência anda
em constante perigo, e por isso devem empregar mil cautelas. Olho vivo e orelha
levantada a cada momento!... Agora, prestem atenção, que lhes quero mostrar
como a cozinheira apanha os ratos imprudentes. Vêem aquela casinhola, dividida
em quatro compartimentos, cheios de manjares provocadores?!... E uma ratoeira!
Se entrassem lá dentro morreriam!..."
Tal ouvindo, os ratinhos debandaram espavoridos,
mas a experiente Ratazana sossegou-os, reuniu-os de novo, e prosseguiu:
— "O queijo é a nossa comida predileta.
Mas, aqui na adega, livrem-se vocês de o comerem, porque é posto de propósito
para os agarrarem. Se virem um animal muito maior do que vocês, de olhos amarelos
e barbas espetadas, fujam dele como o diabo da cruz. É o gato!... o nosso
inimigo!... o nosso flagelo!... Passo a ensinar o lugar onde poderão encontrar
alimento. Venham comigo".
D. Ratazana, acompanhada de seus interessantes
filhinhos, entrou num buraco que se prolongava em extenso corredor.
Era um caminho de ratos feito por velhos antepassados,
durante gerações e gerações.
Chegaram à despensa, onde os jovens ratinhos
se fartaram de presunto, carne, açúcar, bolo e mil outras guloseimas.
De súbito ouviu-se um grito doloroso.
Uma das filhinhas, travessa, irrequieta,
subira a uma sopeira de leite, e caíra dentro.
Não houve meios de tirá-la daquele mar profundo
e a pobrezinha morreu afogada, em meio de horríveis padecimentos.
Ratazana fugiu desolada, e deu sinal de
partida. Os irmãos amedrontados com a sorte da irmãzinha, retiraram-se apressadamente.
Um deles, porém, querendo saborear um pedacinho
de queijo que via numa gaiola de arame, foi beliscá-lo.
— "Pac!..."
Ouviu-se um estalido, e a ratoeira degolou o
jovem imprudente, que não ouvira os conselhos maternos.
Na manhã seguinte, como fizesse um esplêndido
dia de sol, a família foi dar um passeio ao jardim. As crianças cabriolavam
pela relva, ou subiam pelos velhos troncos de árvore, quando viram "Malhado",
o formoso maltês de casa, fazendo a sua toilete da manhã.
D. Ratazana avisou os filhos meteu-os todos no
buraco, exceto dois, que mais se tinham afastado. Dum salto, Malhado abocanhou
um deles, enquanto o outro disparava em um momento, pelo campo em fora.
A velha e os cinco filhos restantes choraram a
morte dos dois ratinhos.
Entretanto, a pequenina rata não sucumbira.
Esfalfada, de tanto correr, caiu em profundo sono, só despertando no outro dia.
Ficou muito admirada por se ver numa floresta,
e não sabia o que fazer quando ouviu ruído.
Morta quase, esperava ver um gato, mas apareceu
uma rata, mais encorpada do que ela, porém, anã, que lhe perguntou, espantada:
— "Veio passar alguns dias no campo menina
rata caseira? Está em companhia de sua família?" A ratinha caseira
narrou-lhe a sua aventura, e a outra sossegou-a.
Explicou-lhe que ambas eram da mesma família.
Convidou a parente para irem morar juntas, e
passaram alguns meses em pândegas em divertimentos.
Um dia a ratinha, que já estava moça, conseguiu
ir reunir-se à família, que a recebeu com alegria.
Ratazana estava velha e enferma, e era avó.
Tinham-se casado alguns irmãos, e outros morrido.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)
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