1/21/2024

Os filtros e o espelho (Opinião), por Iba Mendes



OS FILTROS E O ESPELHO

RETRATO
(Cecília Meireles)

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

O que leva uma pessoa a manipular uma fotografia a fim de “melhorar” sua aparência real?

Certamente muitas serão as justificativas e todas elas perfeitamente compreensíveis do ponto de vista da estética pessoal: para esconder uma espinha inconveniente, para ocultar uma cicatriz da infância, para  dirimir uma ruga indecente (ou várias delas), enfim, para “conseguir uma aparência perfeita”. Muitos, porém, vão mais além e buscam ampliar o tamanho dos olhos, afinar o nariz ou a cintura, aumentar a bunda, alargar as pernas, engrossar os lábios etc. Em outras palavras: buscam ser o que não são e o que jamais serão. 

A Psicologia parece abordar a questão pelo viés da  autoestima e alguns especilaistas até já tratam o problema como uma doença, a que denominam de "Transtorno Dismórfico Corporal", patologia essa que leva uma pessoa a se preocupar excessivamente com aquilo que considera um defeito no seu corpo, a ponto de evitar determinadas situações sociais e em casos extremos levar até ao isolamento. Nesse estado a pessoa fica obcecada pela aparência, e os chamados “filtros” transformam-se assim numa ferramenta “grandemente eficaz” para dirimir os efeitos mentalmente  “catastróficos”.   A indústria da estética, incluindo aí os diversos tratamentos e remédios, acaba sendo o passo seguinte, para quem pode, é claro. 

Eu, por mim, nunca conseguir entender como alguém pode sentir satisfação em camuflar sua verdadeira aparência. Não estou me referindo obviamente à maquiagem ou outros métodos tradicionais de embelezamento, mas à manipulação por meios artificiais digitais, como  no caso dos “filtros”. A frase “ficou linda (ou lindo), pena que te conheço pessoalmente” parece externar bem o que penso a respeito dessas manipulações artificiais.  Como conciliar a artificialidade com a realidade? Como lidar com um corpo artificialmente perfeito nas redes sociais e tê-lo exposto e totalmente nu diante de si mesmo ou perante os olhos de quem o conhece?  Como não se frustrar com o espelho? Eis a questão...


---
Por: Iba Mendes. São Paulo, 2024.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...