9/07/2023

O Príncipe Daniel Govorila (Conto Popular Russo), por Alfredo Appel

 

O PRÍNCIPE DANIEL GOVORILA

Era uma vez uma velha princesa que tinha um filho e uma filha. Havia uma bruxa má, que não gostava deles, e pensava em perdê-los. Foi pois ter com a princesa e disse-lhe:

— Minha boa amiga! aqui tem um anelzinho; ponha-o no dedo do seu filho, que assim há de ser rico e generoso; mas ele não deve tirá-lo, e só deve casar com a donzela a quem o anel servir.

A velhinha fiou-se, ficou contente, e ao morrer disse ao filho que casasse com a donzela a quem o anel servisse.

O tempo ia passando, e o filho ia crescendo. Quando já era crescido, começou a procurar noiva; agradavam-lhe várias raparigas, mas quando iam experimentar o anel, este não servia a nenhuma delas: ou era grande ou pequeno.

O príncipe foi andando, andando por todas as cidades e aldeias, para ver todas as raparigas bonitas, mas não encontrando nenhuma a quem o anel servisse, voltou finalmente para casa pensativo.

Por que estás aflito, meu irmão? perguntou-lhe a irmã.

Ele contou-lhe a causa da sua aflição.

— Mas que anel tão esquisito é esse? disse a irmã; deixa-me experimentá-lo.

Ela pôs o anel no dedo, o anel servia-lhe tão bem como se tivesse sido feito de propósito para ela.

— Ai irmã, tu és a minha noiva, hás de ser  a minha mulher!

— Não digas isso, meu irmão! por amor de Deus, olha que é pecado; ninguém casa com a irmã.

Mas o irmão não queria saber disso e saltando de alegria, disse à irmã que se preparasse para o casamento.

Ela pôs-se a chorar muito; saiu do seu quarto, sentou-se no limiar, vertendo rios de lágrimas.

Vinham a passar umas velhinhas; chamou-as e deu-lhes de comer e de beber.

Depois elas perguntaram-lhe porque estava tão aflita. Era escusado ocultar a verdade; contou-lhes pois tudo.

— Ora não chores, não te aflijas, e escuta o que vamos dizer-te: faze quatro bonecas, e p5e-as nos quatro cantos do teu quarto; quando o teu irmão te chamar para casar contigo, vai; quando te chamar para o quarto, não tenhas pressa. Tem fé em Deus, e passa muito bem!

As velhinhas foram-se embora.

O irmão casou com a irmã, e foi com ela para o quarto e disse-lhe;

— Deita-te, minha irmã!

Responde ela:

— Já me deito, meu irmão! vou tirar os brincos.

Mas as bonecas nos quatro cantos começaram a cantar:

Ai, o príncipe Daniel
Casou com a irmã.
Abre-te, terra,
Desaparece, irmã!

A terra começou a abrir-se, e a irmã a desaparecer. O irmão gritou:

— Deita-te, minha irmã!

— Já me deito, meu irmão! vou tirar o cinto.

E as bonecas a cantarem:

Ai, o príncipe Daniel
Casou com a irmã.
Abre-te, terra,
Desaparece, irmã!

Só se lhe via ainda a cabeça. O irmão disse outra vez:

— Deita-te, minha irmã!

— Já, me deito, meu irmão! vou tirar os sapatos.

Mas as bonecas não se calavam, e a irmã desapareceu debaixo da terra. O irmão ainda a chamou em voz alta, mas foi em vão. Ficou zangado, atirou com a porta, que foi pelos ares, e olhou para todos os lados; mas a respeito de irmã, parecia que ela não tinha existido; e as bonecas estavam nos cantos cantando sempre a mesma coisa. Ele agarrou num machado, cortou-lhes a cabeça e atirou com elas para dentro do forno.

E a irmã foi andando, andando debaixo da terra, e chegou a uma cabana.

Abriu-se a porta. Dentro da cabana estava sentada uma bonita rapariga, que bordava um lenço a prata e ouro.

Levantou-se e recebeu a hóspeda carinhosamente; depois suspirou e disse:

— Ó querida amiga! tenho imenso prazer em receber-te e acariciar-te, enquanto minha mãe não vier; mas, quando vier, estamos mal, porque é bruxa.

A hóspeda ficou assustada; mas onde havia de ir? Sentaram-se ambas a bordar o lenço e a conversar. Mas a filha da bruxa sabia o tempo em que a mãe havia de voltar voando; por isso transformou a hóspeda em uma agulha, espetou-a numa vassoura, e pôs esta num canto. De repente, a bruxa aparece-lhe à porta e diz:

— Minha rica filha! cheira-me aqui a carne.

A filha respondeu:

— Minha querida mãe! passaram por aí pessoas, que entraram para beber água.

— Então porque as não guardaste?

— Eram já velhas, minha mãe; não serviam para os seus dentes.

— Para a outra vez, tem cuidado; chama a todos para o pátio, e não deixes sair ninguém; e agora vou-me embora.

Ela foi-se embora; as raparigas continuaram a trabalhar no lenço, a conversar e a rir. Vem a bruxa a voar, e põe-se a farejar na cabana, dizendo:

— Minha rica filhai cheira-me aqui a carne.

— Entraram aqui uns velhinhos para aquecer as mãos; tentei retê-los, mas foram-se embora.

A velha tinha fome, e por isso depois de ralhar com a filha, foi-se embora a voar.

A hóspeda saiu da vassoura, e ambas foram acabar o lenço à pressa. Estavam assim a bordar e a combinar a maneira de fugir da bruxa, quando de repente esta lhes aparece à porta e diz:

— Minha rica filha, cheira-me aqui a carne.

— Está aqui, minha mãe, uma bonita rapariga à sua espera.

A rapariga olhou para a velha e ficou aterrada.

A bruxa disse:

— Minha rica filha! Aquece o forno, quente, quente.

Trouxeram lenha e acenderam o forno tão bem que deitava labaredas. A bruxa pegou numa larga pá e disse para a hóspeda:

— Ora assenta-te na pá, minha linda!

A rapariga sentou-se.

A bruxa chegou à boca do forno; mas a rapariga pôs um pé no forno, e deixou o outro  fora.

— Ah, rapariga, não sabes sentar-te; senta-te bem!

Sentou-se bem; a bruxa chegou-a ao forno, mas ela pôs um pc no forno, e outro debaixo do forno.

A bruxa zangou-se e retirou-a.

— Estás a brincar, menina! está quieta, assim olha para mim!

A bruxa sentou-se na pá e estendeu as perna, e as raparigas meteram-na depressa no forno, e fecharam-na muito bem lá dentro, e fugiram, levando o lenço bordado, uma escova e um pente.

Foram correndo, correndo; depois olharam para trás e viram a malvada que tinha fugido do forno. Assim que a bruxa as avistou, gritou:

— Ah, sois vós!

Que haviam de fazer?

Atiraram com a escova, e logo cresceu junco tão espesso que ninguém podia passar. A bruxa deitou-lhe as garras e arrancou-o. Já ia perto das raparigas, quando estas atiraram com o pente, e logo cresceu uma floresta de carvalhos tão escura que nem uma mosca podia lá passar.

A bruxa aguçou os dentes, e começou a trabalhar; arrancou as árvores pela raiz, abriu caminho, e ia já a apanhá-las. Elas corriam, corriam, mas já não podiam mais. Depois atiraram com o lenço, e logo se derramou um grande mar de fogo; a bruxa queria voar sobre o mar, mas caiu e ficou queimada.

Ficaram as duas raparigas sem abrigo; não sabiam onde haviam de ir. -Sentaram-se a descansar. Veio um homem e perguntou-lhes quem eram; depois foi dizer ao seu amo que nos domínios deste se encontravam duas lindas raparigas, tão parecidas que se não podiam distinguir, e que uma delas devia ser sua irmã.

O senhor foi vê-las, e chamou-as para sua casa.

Viu então que o criado não tinha mentido, visto que uma delas era sua irmã; mas qual delas?

Ela, como estava zangada com o irmão, não quis dar-se a conhecer.

O criado disse para o amo:

— Já sei, meu senhor, o que hei de fazer.

Vou encher de sangue uma bexiga de carneiro e vós a colocareis debaixo do braço; quando estiverdes a conversar com os convidados, dar-vos-ei uma facada debaixo do braço; e, quando o sangue estiver a correr, saberemos qual delas  é a vossa irmã.

Assim fizeram. O criado deu uma facada no amo; o sangue esguichou, o irmão caiu e a  deitou-se a ele aos choros e aos abraços, dizendo:

— Meu caro, meu querido!

Mas o irmão levantou-se são e salvo, abraçou a irmã e casou a com um homem de bem, e ele próprio casou com a amiga dela, a quem o anel também servia, e foram muito felizes.


---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...