UMA NOVA DOUTRINA
Era
meia-noite quando um anjo, humildemente trajado de mendigo, apareceu-lhe de
súbito, dizendo:
–
Não temas, e não te espantes. Sou Aniel, anjo santo do Senhor, e venho trazer
boas novas para tua igreja.
Valdemiro
Soares Macedo (era este o seu nome) tinha então cinquenta e dois anos de idade,
com muito dinheiro, farta saúde e disposição de sobra para fazer crescer ainda
mais o seu já imenso rebanho.
Convertera-se
à religião evangélica aos vinte e sete anos, conforme ele mesmo dizia: “após
ter chegado ao fundo do poço”. Alcoólatra desde os dezesseis anos, estava
decidido a acabar com a própria vida, quando fora milagrosamente tocado pela
divina Providência, que o libertou dos grilhões do vício e o conduziu ao
caminho da salvação. Onze anos depois de convertido, fundou uma igreja a qual
denominou de Igreja Planetária da Bênção de Deus, que se expandiu rapidamente,
conquistando milhares de fiéis em várias partes do mundo.
Eram
três os principais pilares de fé de sua denominação, que podiam ser
sintetizados nas seguintes fórmulas doutrinárias: Deus cura, Deus liberta e
Deus prospera. Um princípio ligava-se ao outro, de modo que, para ser curado, o
indivíduo devia estar liberto e, para ser liberto, ele devia assumir um
compromisso com Deus, doando um terço de todos os seus rendimentos, preceito
este a que denominou de trízimo, e
justificava: dez por cento para o Pai, dez por cento para o Filho e dez por
cento para o Espírito Santo.
A
repentina chegada do anjo fez Valdemiro estremecer de assombro. Pálido e tomado
de pavor ele soltou um grito e desfaleceu no chão frio, ficando ali como um
morto. O mensageiro de Deus aproximou-se então dele, tomou-lhe as mãos,
assoprou brandamente no seu ouvido e fê-lo saracotear como um cavalo quando
ouvia soar o clarim da guerra. Disse-lhe então o anjo:
–
Levanta-te e põe-te em pé, pois trago uma nova doutrina para tua igreja.
Escreverás as palavras da minha boca e as transmitirás a teus fiéis nos
quadrantes da terra. Assim te ordena o Senhor.
Valdemiro
já não duvidava que estivesse diante de um ente espiritual, contudo, não podia
concebê-lo como um enviado de Deus, pois estes deviam usar roupas brancas que
resplandeciam como o sol, vestes ornadas de ouro e safira. Julgou então
tratar-se de um anjo caído, pois se trajava com andrajos, semelhante aos
pedintes que costumava ver nas portas das igrejas a suplicar uma esmola pelo
amor de Deus.
O
anjo, porém, sondando a incredulidade do seu coração, agitou impetuosamente
suas asas e, saltando para frente, bradou com voz de trovão:
–
Por que vacilas o teu espírito, e por que te voltas contra o enviado de Deus?
Porventura encheu Satanás o teu coração, para que não compreendas os desígnios
dos céus?
Trêmulo
e compungido, Valdemiro cai de joelhos aos pés do ente divino, e exclama com os
olhos cobertos de lágrimas:
–
Eis-me aqui, envia-me a mim.
O
anjo então abrandou sua ira, recolheu as asas e sentou-se numa cadeira que
achou encostada à parede, explicando logo em seguida qual seria a nova
doutrina.
Anunciava-lhe
que segundo as novas ordens celestiais, ficava terminantemente proibido fazer
qualquer menção ao dinheiro, quer durante o culto, quer em qualquer outra
circunstância. A doutrina da prosperidade deveria, pois, ser substituída pelo
preceito da caridade entre os homens, e citou uma passagem do Livro de Atos, em que se diz que os
cristãos prósperos da igreja primitiva vendiam o que tinham e repartiam entre
os mais pobres. Valdemiro mostrou-se insatisfeito com tal doutrina, afinal,
tentou argumentar, como a igreja haveria de se expandir e se sustentar sem
arrecadar dinheiro? O anjo respondeu que o Senhor o proverá, assim como fez a
Abraão, a Jacó, a Isaque e aos profetas. E acrescentou ainda estas palavras de
Jesus: “Pois onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no
meio deles.” Valdemiro entendeu a mensagem do anjo, mas via o texto bíblico
como fora de contexto. Contudo nada disse acerca disso.
Em
seguida o anjo alertou-lhe que, de acordo com esta mesma determinação divina,
ele deveria ab-rogar dentre os regulamentos doutrinários da igreja, aquele que
versava sobre curas e milagres. Para isso, falava o anjo, há a Medicina e os
médicos, os quais deverão receber os verdadeiros louros pelo restabelecimento
da saúde dos homens. Valdemiro mostrou-se visivelmente perturbado, e ressaltou
que as curas e os milagres constavam na Bíblia, destacando que o próprio Jesus
utilizou do seu poder para curar enfermos e até ressuscitar mortos, ao que o
anjo respondeu que sim, que de fato há muitos relatos de prodígios nas Escrituras,
todavia, foram eles realizados na dispensação da plenitude dos tempos,
acrescentando com um sorriso que os milagres não cessaram, eles apenas não
acontecem no varejo. Valdemiro resignou-se e se prontificou a obedecê-lo.
Dito
isto, o anjo agitou as asas e, como um raio, ascendeu aos céus entre as nuvens.
Já
no dia seguinte, Valdemiro procurou colocar em prática as novas exigências
celestiais. Fez questão de realçar que a nova doutrina lhe fora revelada
diretamente por um anjo que lhe aparecera todo maltrapilho, o qual lhe exigiu o
fiel cumprimento às ordens divinas.
A
mudança deu-se de maneira drástica e num curto espaço de tempo. Logo os templos
tornaram-se vazios, alguns fecharam as portas, outros foram vendidos e
transformados em cinemas, casas noturnas e lojas de conveniências. Alguns
membros, no entanto, persistiram na fé e aceitaram a nova doutrina como vinda
do próprio Deus.
Quanto
ao Valdemiro, ficou pobre e fundou uma nova igreja, sem qualquer doutrina, a
que deu o singelo nome de “Testemunhas de um Bar”, cujos templos estão espalhados por todo mundo,
nas esquinas de cada cidade.
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