8/22/2023

As três irmãs (Conto), de Alfredo Appel


 

AS TRÊS IRMÃS

Era uma vez um negociante que vivia numa cidade, e tinha três filhas; mias um belo dia morreu.

Uma vez, as raparigas estavam sentadas à janela a conversar. A mais velha dizia:

— O que eu queria era casar com o padeiro do rei.

Dizia a do meio:

— Eu o que queria era casar com o cozinheiro do rei. Dizia a mais nova:

— Pois o que eu queria era casar com o próprio rei, porque lhe havia de dar dois filhos com braços de ouro até aos cotovelos, pernas de prata até aos joelhos, com a lua na nuca, e com o sol na testa; também lhe havia de dar uma filha que deitasse rosas, quando sorrisse, e pérolas preciosas, quando chorasse.

Nessa ocasião, o rei andava a passear no campo, e, quando passava pela casa das raparigas, pôs-se a escutar e ouviu a conversa delas.

No outro dia, o rei mandou chamar as filhas do negociante, e perguntou-lhes o que tinham dito no dia anterior. Elas confessaram tudo.

O rei casou a mais velha com o seu padeiro, a do meio com o cozinheiro, e com a mais nova casou ele mesmo.

Daí a tempo, a rainha achou-se grávida, e quando estava quase a dar à luz, o rei queria mandar chamar algumas parteiras boas; mas as irmãs, que tinham inveja da irmã mais nova, pediram ao rei que lhes deixasse fazer as vezes delas. O rei fez-lhes a vontade.

As irmãs foram ao palácio; e, quando a rainha teve um filho, tal qual tinha prometido antes do seu casamento, pegaram nele, meteram-no num sólido caixote e deitaram-no ao rio, e em lugar dele, puseram um cachorro.

Quando o rei viu que a esposa tinha dado à luz um cachorro, em vez de um filho, reuniu todos os seus ministros, e queria matá-la; mas os ministros aconselharam-no a perdoar-lhe, por ser a primeira vez, e o rei concordou.

Passado tempo, a rainha achou-se outra vez grávida. O rei queria mandar chamar boas parteiras, mas as irmãs da rainha começaram, a pedir-lhe que lhes deixasse fazer as vezes delas. E, quando a rainha teve outro filho, as irmãs meteram-no num caixote e deitaram-no ao rio, e em lugar do filho, puseram um gatinho. Quando o rei viu que a esposa tinha dado à luz um gatinho, reuniu os seus ministros queria matá-la; mas os ministros conseguiram que lhe perdoasse pela segunda vez.

Passado tempo, a rainha achou-se outra vez grávida. Quando o parto se aproximou, o rei quis mandar chamar boas parteiras; mas as irmãs da rainha tornaram a pedir-lhe que lhes deixasse fazer as vezes delas. O rei concordou, e, quando a rainha teve uma filha, tal qual tinha prometido antes do seu casamento, as irmãs pegaram na criança, meteram-na num caixote e deitaram-na ao rio, e em lugar dela, puseram um bocado de pau. Quando o rei viu que a rainha tinha dado à luz um bocado de pau, em vez de uma filha, reuniu todos os seus ministros, e queria matá-la; mas os ministros conseguiram que a não matasse, e que a metesse dentro de uma coluna de pedra.

Ora um general que tinha achado os filhos do rei, deitados ao rio, tinha-os educado muito bem, e passado tempo morreu, deixando-os órfãos.

Uma vez, quando os irmãos tinham ido à caça, veio à casa da irmã deles uma velhinha e a princesa recebeu-a bem. Depois foram ao jardim e a princesa perguntou à velhinha:

— Então gosta do meu jardim, e o jardim tem tudo quanto é preciso.

— Tem tudo, respondeu a velhinha, mas só lhe faltam três coisas: água da vida, água morta e uma ave que fale.

A princesa ficou triste, com as palavras da velha.

Quando os irmãos voltaram, perguntaram-lhe pela causa da sua tristeza. Ela contou-lhes o que a velha tinha dito.

— Está bem, respondeu o irmão mais velho, vou buscar essa ave. Deu à irmã uma faca e disse:

— Se a faca deitar sangue, é sinal de que morri. Foi andando, andando, até que chegou a uma montanha, ao pé da qual havia um grande carvalho, e debaixo do carvalho estava sentado um velho; os cabelos, as sobrancelhas e a barba do velho estavam já tão crescidos que tinham entrado na terra.

— Bom dia, velhinho!

— Muito bons dias, respondeu ele.

— Olhe, será possível arranjar-se água da vida, água morta e uma ave que fale?

— Lá possível é, mas não é fácil; muitos já têm ido, mas poucos têm voltado. Tendo-se despedido do velhinho, subiu a montanha e ouviu gritarem-lhe atrás: agarra agarra morra! e assim que olhou para trás, ficou logo feito numa pedra.

A irmã dele olhou para a faca, e viu que o irmão mais velho tinha morrido.

Ora o irmão mais novo também quis ir arranjar aquelas coisas admiráveis, ou, pelo menos, procurar o irmão; deu à irmã um garfo, e disse:

— Se o garfo deitar sangue, é sinal de que morri.

Partiu e chegou a uma alta montanha, onde viu um velho; trocou algumas palavras com ele, e subiu a montanha; lá em cima, ouviu o mesmo barulho, olhou para trás e ficou feito numa pedra.

A irmã olhou para o garfo, e viu que o irmão mais novo também tinha morrido; fechou a casa e foi ela própria procurar água da vida, água morta e uma ave que falasse. Chegou à mesma montanha, avistou o velho, cumprimentou-o, cortou-lhe os cabelos e as sobrancelhas, com uma tesoura que tinha consigo e depois, apresentando-lhe um espelho que também tinha levado disse-lhe:

— Ora mire-se, e veja como já tem melhor cara!

Ele mirou-se ao espelho, e disse:

— Não há dúvida que já tenho melhor cara. Estive aqui sentado durante trinta anos, e ninguém me cortou o cabelo; só tu adivinhaste. Onde vais, minha linda?

Ela contou-lhe tudo.

— Pois então, minha linda, disse o velho, sobe esta montanha; hás de ouvir lá gritar: agarra agarra morra! mas não olhes para trás, senão tornas-te logo em pedra. Quando chegares ao alto da montanha, hás de ver um poço e a ave que fala: pega na ave, tira do poço água da vida, e volta. Quando voltares, hás de ver na montanha umas pedras direitas; borrifa-as todas com água da vida.

A rapariga agradeceu as informações e subiu a montanha. Foi andando e ouvindo uma gritaria medonha, mas não olhou para trás. Chegou sem novidade ao dito poço, tirou água da vida e água morta, pegou na ave que fala e voltou. Ao voltar, borrifou todas as pedras direitas, que se transformaram em gente.

Mais adiante, encontrou outras duas pedras iguais às primeiras, e borrifou-as com água da vida; estas pedras transformaram-se nos irmãos dela, que disseram:

— Ah, querida irmã! Como chegaste aqui e a que vieste?

Ela disse-lhes que tinha vindo buscar água da vida, água morta e a ave que fala, mas que antes de tudo, queria encontrar os seus queridos irmãos. Voltaram para casa, e viviam felizes.

Ora o rei soube que havia lá uma rapariga que deitava rosas, quando sorria, e pérolas, quando chorava, e queria casar com ela. Uma vez, foi visitá-los j receberam-no com todas as honras.

Tendo passeado por toda a parte, o rei foi ao jardim, onde viu a ave que fala e a ave disse-lhe que não casasse com aquela rapariga.

— Por que não hei de casar com ela? perguntou o rei.

— Porque é tua filha, respondeu a ave.

— Como pode ser isso? perguntou o rei.

A ave que fala contou-lhe tudo que tinha acontecido. E o rei contou tudo aos filhos. Depois levou-os para o palácio, e mandou deitar abaixo a coluna em que se encontrava a mulher dele.

Soltaram a rainha e mataram as irmãs dela. Depois o rei e a rainha viveram muito felizes em companhia dos filhos.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2006.

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