8/22/2023

A mulher que adivinhava (Conto), de Alfredo Appel

 

A MULHER QUE ADIVINHAVA

Era uma vez uma velha aldeã, que tinha um filho ainda pequeno demais para trabalhar nos campos. Chegaram a ponto de não terem nada que comer; então a velha pôs-se a pensar nos meios de arranjar pão, e disse para o filho:

— Vai ver se alguém tem cavalos, depois amarra-os a um arbusto e dá-lhes feno, e em seguida desamarra-os, leva-os para o campo e larga-os.

O rapaz fez o que a mãe lhe mandou.

Ora a respeito da velha dizia-se que adivinhava.

Os donos dos cavalos procuraram-nos por muito tempo, mas não foram capazes de os encontrar, e disseram:

— Que havemos de fazer? E preciso ir à busca dum feiticeiro e dar-lhe o que nos pedir para nos dizer onde estão os cavalos. Então lembraram-se da adivinha e disseram:

— E se fossemos ter com ela e lhe pedíssemos que deitasse cartas, talvez soubesse dizer-nos alguma coisa a respeito dos cavalos. Dito e feito. Foram à casa da velha e disseram:

— Tiazinha, disseram-nos que vossemecê sabia deitar cartas; perdemos os nossos cavalos, veja se sabe dizer-nos onde estão. A velha disse-lhes:

— Não posso; não tenho forças para isso. Dizem eles:

— Veja lá, tiazinha, se nos deita cartas; olhe que não é de graça; havemos de lhe pagar o seu trabalho.

Então ela deitou cartas tossindo, e disse:

— Os vossos cavalos estão amarrados a um arbusto em tal parte. Os donos dos cavalos ficaram muito contentes e pagaram à velha; em seguida foram em busca dos cavalos. Quando chegaram ao tal arbusto, já não encontraram os cavalos, mas conheceram o sítio onde tinham estado amarrados, por causa de uma corda dum freio que encontraram no arbusto e dum montão de feno que ali tinha ficado. E como não achassem os cavalos, resolveram ir outra vez ter com a velha, para ver se adivinhava onde estavam os animais.

Quando chegaram à casa da velha, esta estava deitada em cima do forno a lamentar-se e a queixar-se, como se estivesse doente. Puseram-se a pedir-lhe que tornasse a deitar-lhes cartas. Desta vez, ela também fingiu que não queria, para ver se lhe davam mais dinheiro. Eles prometeram recompensá-la bem, no caso de encontrarem os cavalos. Então a velha desceu do forno, queixando-se e tossindo e tornou a deitar cartas; depois pensou e disse:

— Ide procurá-los em tal e tal campo, e haveis de os encontrar. Os donos dos cavalos pagaram-lhe generosamente o trabalho, e foram em busca dos cavalos. Quando chegaram ao tal campo, encontraram realmente os cavalos, e levaram-nos para casa.

Então espalhou-se uma grande fama acerca da velha; dizia-se que adivinhava tudo. A fama da velha chegou aos ouvidos de um fidalgo, em cuja casa tinha desaparecido um cofre cheio de dinheiro. O fidalgo mandou dois criados com uma carruagem à casa da velha, para a levarem sem falta à casa dele, mesmo que ela estivesse muito doente. Um dos criados chamava-se Carneiro, e o outro, Antônio; e eram eles que tinham roubado o dinheiro ao fidalgo. Chegaram à casa da velha, e meteram-na na carruagem quase à força. No caminho, a velha começou a queixar-se e a suspirar, murmurando consigo:

— Ai de mim! se não fosse o dinheiro e o demônio não andava eu de trem e não ia, como adivinha, à casa do fidalgo, para me meter numa camisa de onze varas. Ai, ai, isto esta mal!

O Carneiro escutou e disse para o Antônio:

— Ouves, Antônio? a velha está a murmurar qualquer coisa a nosso respeito. Parece que isto está mal. O Antônio disse-lhe:

— Por que é que te assustaste tanto? Talvez penses assim pelo medo que tens. Mas o Carneiro respondeu-lhe:

— Escuta tu, olha, lá está ela outra vez a murmurar. Ora como a velha ia aflita e também estava receosa do seu destino, tornou daí a pouco a murmurar:

— Ai de mim! se não fosse o dinheiro e o demônio não havia nada disto! Puseram-se ambos à escuta e ficaram muito assustados e disseram:

— É preciso pedir à velha que não diga nada ao patrão, pois ela está sempre a dizer:

“Se não fosse o Carneiro e o Antônio, não havia nado disto”. Depois começaram a pedir à velha:

— Ó tiazinha! não queira ser causa da nossa desgraça, que havemos de lhe agradecer. Não ganha nada em dizer tudo ao patrão, sô nos desgraçará. Ora a velha não era tola, e percebeu logo tudo, sentindo-se ao mesmo tempo muito aliviada.

Depois perguntou-lhes:

— Onde foi que vocês puseram tudo isso?

Eles disseram a chorar:

— Ó tiazinha! foi o demônio que nos tentou para cometermos semelhante pecado.

A velha tornou a perguntar:

— Mas que é feito dele?

Eles disseram:

— Escondemo-lo no moinho.

Depois combinaram como haviam de o entregar, e chegaram à casa do fidalgo.

Quando o fidalgo viu a velha, ficou muito contente, andou com ela nos braços, e deu-lhe de comer e beber do bom e do melhor; e quando já estava farta, ele pediu-lhe que deitasse cartas, para ver onde estava o dinheiro, dizendo:

— Ó tiazinha! faça de conta que está em sua casa: ponha-se à vontade, e se descobrir quem me roubou o dinheiro, dou-lhe tudo quanto quiser. Então a velha deitou cartas, e ficou a olhar para elas por muito tempo, murmurando; finalmente disse:

— Olhe, o que perdeu está no moinho.

Assim que o fidalgo ouviu isto, mandou logo o Carneiro e o Antônio buscar o dinheiro, pois não sabia que eles o tinham roubado. Foram buscar o dinheiro e trouxeram-no ao fidalgo. Quando este viu o seu dinheiro, ficou tão contente que nem sequer o contou, e deu logo à velha cem rublos e mais coisas, prometendo-lhe nunca a abandonar pelo serviço que ela lhe tinha prestado; depois deu-lhe do bom e do melhor, e mandou-a de carruagem para casa. No caminho, o Carneiro e o Antônio agradeceram à velha não ter dito nada ao patrão, embora soubesse tudo, e também lhe deram dinheiro.

Desde então, a velha ainda ficou mais conhecida, e não lhe falou nada, pois viveu feliz em companhia do seu filho.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2006.

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