O DIA DE NATAL
REMINISCÊNCIAS
(AOS MEUS SOBRINHOS)
Sob o teto rústico das choupanas ou
sob a abóbada dourada dos palácios, as crianças, os eternos representantes de
Jesus pequenino, cá na terra, como ele louros, mimosos, rosados e sadios, brincão
no lar comum do regozijo nesse dia em que desde o pequenino que engatinha até o
mais crescido que já compreende, tem o seu presente apropriado, dado pela mãe
enternecida, que jubilosa depõe entre as mãozinhas uma surpresa na compreensão
da alegria que vai também no coração dos pequeninos ao verem um brinquedo bonito
ou uma guloseima qualquer, dando em paga um beijo puro.
Eu, também como vós, oh!
criancinhas, oh! anjos bons que perfumais o lar de vossos pais, tive o meu
natal, o meu mimo de festas, a minha caixinha de confeitos, ao som dos beijos
de uma mãe casta e piedosa.
Como vós, tive as santas alegrias
da família, rodeada dos irmãozinhos traquinas, da bênção do velho avô e de toda
essa série de alegrias que gozais agora, e que mais tarde, sob o sudário das dores
do destino, serão lembradas com inveja, vindo a saudade, a doce emissária do
conforto, derramar uma baga, em gratidão ao passado que mais não volta!
Sim! crianças! O dia de hoje vos
pertence; aproveitai-o!
***
Lembro-me bem!
Fazia um frio horrível, e foi há muito
tempo já.
Lá, na Europa, eu muito doente, muito
anêmica, pequena e muito travessa, adormeci uma noite de Natal envolvida em
grossos cobertores; porém feliz, risonha, nessa idade em que sente-se, mas que
se não pensa, senão na doce impressão de um prêmio havido pelo adiantamento, ou
pela generosidade paterna que envia-nos mais algumas patacas para os doces próprios
do dia.
Pela manhã, ao abrir os olhos, com surpresa
vi que tinha entre as mãos uma cestinha de amêndoas e ao lado, deitada sobre o
meu travesseiro, uma boneca grande, bonita e bem vestida.
Incontinente larguei a cesta e
peguei na boneca, beijei-a, abracei-a e pus-me a mirar os sapatinhos de sola, as
meias que se podiam tirar, as saias de rendas finas, os cabelos naturais, atados
por uma fita azul, mas tão sedosos e bonitos que fizeram-me ficar boquiaberta.
Imediatamente lembrei-me que podia penteá-los sem grande custo; e assim, enlevada,
a passar a mão pela boneca, a puxar a cabecinha dos brincos e a mexer numas
rendas que tinha o corpete, não sei como, toquei numa mola.
A minha companheira pronunciou as
seguintes palavras: — Papá, Mamã! Assustada larguei a boneca e saltei da cama.
A tremer, convulsa, não podia afastar-me d ali, porém ouvi a campa, era
necessário vestir-me.
Estava em férias; contudo
tornava-se preciso seguir o regime escolar.
Depois do almoço, com os meus dois presentes
fui saudar à diretora, uma inglesa magra, espigada e muito grave.
Após os bons dias, e uma Mery Christmas dirigido a mim com um
sorriso quase glacial, perguntei-lhe quem me havia mandado aqueles dois
presentes.
— Um, fui eu, Miss Agnes, e outro, veio
do Brasil; quem o mandou foi sua mãe.
Então entregou-me uma carta que li
avidamente, osculando depois a boa senhora, agradecendo-lhe assim a
incumbência.
Beijando-me, também, disse-me:
— Aqui faço as vezes da mãe que lhe
falta, darling, portanto fiz-lhe esta
surpresa hoje, dando-lhe o meu presente, como vê.
Abracei-a. Crendo ser-me agradável,
prometeu que ao jantar, além de muita coisa boa, teríamos um plum puding.
Sem lembrar-me que estava em face
da diretora, fiz uma careta de repugnância ao celebre bolo misturado com sebo
de rim de carneiro; porém, si tive, como mandava a boa educação, de tragar o
detestável pudim, contudo estava muito alegre, por ver que minha mãe de tão
longe enviara-me uma lembrança, mostrando que não esquecia o dia que me pertencia;
o de Natal, finalmente.
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Iba Mendes Editor
Digital. São Paulo, 2023.
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