SERMÃO PELO BOM SUCESSO DAS ARMAS DE PORTUGAL CONTRA AS DE HOLANDA
Pregado na igreja de Nossa Senhora da
Ajuda, da cidade da Baía, com o Santíssimo Sacramento exposto, sendo este o
último de quinze dias, nos quais em todas as igrejas da mesma cidade se tinham
feito sucessivamente as mesmas deprecações, no ano de 1640.
Exurge quare obdormis, Domine? Exurge, et ne repellas in finem. Quare faciem
tuam avertis, oblivisceris inopiae nostrae et tribulationis nostrae? Exurge,
Domine, adjuva nos et redime nos propter nomen tuum. (Salmo
XLIII, 23-26)
I
Com estas
palavras piedosamente resolutas, mais protestando, que orando, dá fim o Profeta
Rei ao Salmo quarenta e três. Salmo, que desde o princípio até o fim, não
parece senão cortado para os tempos e ocasião presente. O Doutor Máximo São
Jerônimo, e depois dele os outros expositores, dizem que se entende à letra de
qualquer reino ou província católica, destruída e assolada por inimigos da Fé.
Mas entre todos os reinos do Mundo a nenhum lhe quadra melhor que ao nosso
Reino de Portugal; e entre todas as províncias de Portugal a nenhuma vem mais
ao justo que à miserável província do Brasil. Vamos lendo todo o Salmo, e em
todas as cláusulas dele veremos retratadas as da nossa fortuna: o que fomos e o
que somos.
Deus, auribus nostris audivimus, Patres nostri annuntiaverunt nobis, opus,
quod operatus es in diebus eorum, et in diebus antiquis. "Ouvimos
(começa o profeta) a nossos pais, lemos nas nossas histórias e ainda os mais
velhos viram, em parte, com seus olhos as obras maravilhosas, as proezas, as
vitórias, as conquistas, que por meio dos portugueses obrou em tempos passados
vossa omnipotência, Senhor". Manus tua gentes disperdit, et
plantasti eos; afflixisti populos et expulisti eos. "Vossa mão foi a
que venceu e sujeitou tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as
despojou do domínio de suas próprias terras para nelas os plantar, como plantou
com tão bem fundadas raízes; e para nelas os dilatar, como dilatou e estendeu
em todas as partes do Mundo, na África, na Ásia, na América". Nec
enim in gladio suo possederunt terram, et brachium eorum non salvavit eos, sed
dextera tua et brachium tuum et illuminatio vultus tui, quoniam complacuisti in
eis. Porque não foi a força do seu braço, nem a da sua espada a que lhes
sujeitou as terras que possuíram e as gentes e reis que avassalaram, senão a
virtude de vossa destra onipotente e a luz e o prêmio supremo de vosso
beneplácito, com que neles vos agradastes e deles vos servistes. Até aqui a
relação ou memória das felicidades passadas, com que passa o Profeta aos tempos
e desgraças presentes.
Nunc autem repulisti et confundisti nos; et non egredieris Deus in
virtutibus nostris. "Porém agora, Senhor, vemos tudo isso tão trocado,
que já parece que nos deixastes de todo e nos lançastes de vós, porque já não
ides diante das nossas bandeiras, nem capitaneais como dantes os nossos exércitos". Avertisti
nos retrorsum post inimicos nostros, et qui oderunt nos, diripiebant sibi. "Os
que tão costumados éramos a vencer e triunfar, não por fracos, mas por
castigados, fazeis que voltemos as costas a nossos inimigos (que como são
açoite de vossa justiça, justo é que lhes demos as costas), e perdidos os que
antigamente foram despojos do nosso valor, são agora roubo da sua cobiça": Dedisti
nos tanquam oves escarum et in gentibus dispersisti nos. "Os velhos,
as mulheres, os meninos, que não têm forças nem armas com que se defender,
morrem como ovelhas inocentes às mãos da crueldade herética, e os que podem
escapar à morte, desterrando-se a terras estranhas, perdem a casa e a pátria". Posuisti
nos opprobrium vicinis nostris, subsannationem et derisum his, qui sunt in
circuitu nostro. "Não fora tanto para sentir, se, perdidas fazendas e
vidas, se salvara ao menos a honra; mas também esta a passos contados se vai
perdendo; e aquele nome português, tão celebrado nos anais da fama, já o herege
insolente com as vitórias o afronta, e o gentio de que estamos cercados, e que
tanto o venerava e temia, já o despreza".
Com tanta propriedade como isto descreve Davi neste Salmo nossas desgraças,
contrapondo o que somos hoje ao que fomos enquanto Deus queria, para que na
experiência presente cresça a dor por oposição com a memória do passado. Ocorre
aqui ao pensamento o que não é lícito sair à língua, e não falta quem discorra
tacitamente, que a causa desta diferença tão notável foi a mudança da monarquia.
Não havia de ser assim (dizem) se vivera um D. Manuel, um D. João o Terceiro,
ou a fatalidade de um Sebastião não sepultara com ele os reis portugueses. Mas
o mesmo Profeta no mesmo Salmo nos dá o desengano desta falsa imaginação: Tu
es ipse rex meus et Deus meus: qui mandas salutes Jacob. O Reino de
Portugal, como o mesmo Deus nos declarou na sua fundação, é reino seu e não
nosso: Volo enim in te et in semine tuo imperium mihi stabilire, e
como Deus é o rei: Tu es ipse rex meus et Deus meus; e este rei é o
que manda e o que governa: Qui mandas salutes Jacob, ele que não se
muda é o que causa estas diferenças, e não os reis que se mudaram. À vista,
pois, desta verdade certa e sem engano, esteve um pouco suspenso o nosso
Profeta na consideração de tantas calamidades, até que para remédio delas o
mesmo Deus, que o alumiava, lhe inspirou um conselho altíssimo, nas palavras
que tomei por tema:
Exurge, quare
obdormis, Domine? Exurge, et ne repellas in finem. Quare faciem tuam avertis,
oblivisceris inopiae nostrae et tribulationis nostrae? Exurge, Domine, adjuva
nos et redime nos propter nomen tuum. Não prega Davi ao povo, não o exorta
ou repreende, não faz contra ele invectivas, posto que bem merecidas; mas todo
arrebatado de um novo e extraordinário espírito, se volta não só a Deus, mas
piedosamente atrevido contra ele. Assim como Marta disse a Cristo: Domine,
non est tibi curae? assim estranha Davi reverentemente a Deus, e quase
o acusa de descuidado. Queixa-se das desatenções de sua misericórdia e
providência, que isso é considerar a Deus dormindo: Exurge! Quare
obdormis, Domine? Repete-lhe que acorde e que não deixe chegar os
danos ao fim, permissão indigna de sua piedade: Exurge, et ne repellas
in finem. Pede-lhe a razão por que aparta de nós os olhos e não volta
o rosto: Quare faciem tuam avertis? e por que se esquece da nossa
miséria e não faz caso de nossos trabalhos: Oblivisceris inopiae
nostrae et tribulationis nostrae? E não só pede de qualquer modo esta
razão do que Deus faz e permite, senão que insta a que lha dê, uma e outra
vez: Quare obdormis? Quare oblivisceris? Finalmente, depois
destas perguntas, a que supõe que não tem Deus resposta, e destes argumentos
com que presume o tem convencido, protesta diante do tribunal de sua justiça e
piedade, que tem obrigação de nos acudir, de nos ajudar e de nos libertar
logo: Exurge, Domine, adjuva nos et redime nos. E para mais
obrigar ao mesmo Senhor, não protesta por nosso bem e remédio, senão por parte
da sua honra e glória: Propter nomen tuum.
Esta é, Todo-Poderoso e Todo-Misericordioso Deus, esta é a traça de que usou
para render vossa piedade, quem tanto se conformava com vosso coração. E desta
usarei eu também hoje, pois o estado em que nos vemos, mais é o mesmo que
semelhante. Não hei de pregar hoje ao povo, não hei de falar com os homens;
mais alto hão de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito
divino se há de dirigir todo o sermão. É este o último de quinze dias
contínuos, em que todas as igrejas desta Metrópole, a esse mesmo trono de vossa
patente Majestade, têm representado suas deprecações; e, pois, o dia é o
último, justo será que nele se acuda tão bem ao último e único remédio. Todos
estes dias se cansaram debalde os oradores evangélicos em pregar penitência aos
homens; e, pois, eles se não converteram, quero eu, Senhor, converter-vos a
vós. Tão presumido venho da vossa misericórdia, Deus meu, que ainda que nós
somos os pecadores, vós haveis de ser o arrependido.
O que venho a pedir ou protestar, Senhor, é que nos ajudeis e nos liberteis: Adjuva
nos, et redime nos. Mui conformes são estas petições ambas ao lugar e
ao tempo.
Em tempo que tão
oprimidos e tão cativos estamos, que devemos pedir com maior necessidade, senão
que nos liberteis: Redime nos? E na casa da Senhora da Ajuda,
que devemos esperar com maior confiança, senão que nos ajudeis: Adjuva
nos? Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois
esta é a licença e liberdade que tem quem não pede favor, senão justiça. Se a
causa fora só nossa e eu viera a rogar só por nosso remédio, pedira favor e
misericórdia. Mas como a causa, Senhor, é mais vossa que nossa, e como venho a
requerer por parte de vossa honra e glória, e pelo crédito de vosso nome — Propter nomen tuum — razão é que peça só
razão, justo é que peça só justiça. Sobre este pressuposto vos hei de arguir,
vos hei de argumentar; e confio tanto da vossa razão e da vossa benignidade,
que também vos hei de convencer. Se chegar a me queixar de vós e a acusar as
dilatações de vossa justiça, ou as desatenções de vossa misericórdia: Quare
obdormis? Quare oblivisceris? não será esta vez a primeira em que
sofrestes semelhantes excessos a quem advoga por vossa causa. As custas de toda
a demanda também vós, Senhor, as haveis de pagar, porque me há de dar vossa
mesma graça as razões com que vos hei de arguir, a eficácia com que vos hei de
apertar e todas as armas com que vos hei de render. E se para isto não bastam
os merecimentos da causa, suprirão os da Virgem Santíssima, em cuja ajuda
principalmente confio. Ave Maria.
II
Exurge! Quare
obdormis, Domine? Querer argumentar com Deus e convencê-lo com razões, não só
dificultoso assunto parece, mas empresa declaradamente impossível, sobre
arrojada temeridade. O homo, tu quis es, qui respondeas Deo? Nunquid
dicit figmentum ei qui se finxit: Quid me fecisti sic? "Homem
atrevido — diz São Paulo — homem temerário, quem és tu, para que te ponhas a
altercar com Deus? Porventura o barro que está na roda e entre as mãos do
oficial, põe-se às razões com ele e diz-lhe: por que me fazes assim?" Pois
se tu és barro, homem mortal, se te formaram as mãos de Deus da matéria vil da
terra, como dizes ao mesmo Deus: — Quare? Quare? — Como te atreves a
argumentar com a sabedoria divina, como pedes razão à sua Providência do que te
faz ou deixa de fazer? Quare obdormis? Quare faciem tuam avertis? Venera
suas permissões, reverencia e adora seus ocultos juízos, encolhe os ombros com
humildade a seus decretos soberanos, e farás o que te ensina a Fé e o que deves
à criatura. Assim o fazemos, assim o confessamos, assim o protestamos diante de
vossa Majestade infinita, imenso Deus, incompreensível bondade: Justus es,
Domine, et rectum judicium tuum. Por mais que nós não saibamos
entender vossas obras, por mais que não possamos alcançar vossos conselhos, sempre
sois justo, sempre sois santo, sempre sois infinita bondade; e ainda nos
maiores rigores de vossa justiça, nunca chegais com a severidade do castigo
aonde nossas culpas merecem.
Se as razões e argumentos da nossa causa as houvéramos de fundar em merecimentos
próprios, temeridade fora grande, antes impiedade manifesta, querer-vos arguir.
Mas nós, Senhor, como protestava o vosso profeta Daniel: Neque enim in
justificationibus nostris, prosternimus preces ante faciem tuam, sed in
miserationibus tuis multis: os requerimentos, e razões deles, que
humildemente presentamos ante vosso divino conspecto, as apelações ou embargos
que interpomos à execução e continuação dos castigos que padecemos, de nenhum
modo os fundamos na presunção de nossa justiça, mas todos na multidão de vossas
misericórdias: In miserationibus tuis multis. Argumentamos, sim,
mas de vós para vós; apelamos, mas de Deus para Deus — de Deus justo, para Deus
misericordioso. E como do peito, Senhor, vos hão de sair todas as setas, mal
poderão ofender vossa bondade. Mas porque a dor quando é grande sempre arrasta
o afeto, e o acerto das palavras é descrédito da mesma dor, para que o justo
sentimento dos males presentes não passe os limites sagrados de quem fala
diante de Deus e com Deus, em tudo o que me atrever a dizer seguirei as pisadas
sólidas dos que em semelhantes ocasiões, guiados por vosso mesmo espírito,
oraram e exoraram vossa piedade.
Quando o povo de Israel no deserto cometeu aquele gravíssimo pecado de
idolatria, adorando o ouro das suas jóias na imagem bruta de um bezerro,
revelou Deus o caso a Moisés, que com ele estava, e acrescentou irado e
resoluto, que daquela vez havia de acabar para sempre com uma gente tão
ingrata, e que a todos havia de assolar e consumir, sem que ficasse rasto de
tal geração: Dimitte me, ut irascitur furor meus contra eos et deleam
eos. Não lhe sofreu, porém, o coração ao bom Moisés ouvir falar em
destruição e assolação do seu povo; põe-se em campo, opõe-se à ira divina e
começa a arrazoar assim: Cur, Domine, irascitur furor tuus contra
populum tuum? "E bem, Senhor, por que razão se indigna tanto a
vossa ira contra o vosso povo?" Por que razão, Moisés?! E ainda vós
quereis mais justificada razão a Deus?! Acaba de vos dizer que está o povo
idolatrando; que está adorando um animal bruto; que está negando a divindade ao
mesmo Deus e dando-a a uma estátua muda, que acabaram de fazer suas mãos, e
atribuindo-lhe a ela a liberdade e triunfo com que os livrou do cativeiro do
Egito, e sobre tudo isso ainda perguntais a Deus por que razão se agasta: Cur
irascitur furor tuus?!
- Sim, e com muito prudente zelo; porque ainda que da parte do povo havia muito
grandes razões de ser castigado, da parte de Deus era maior a razão que havia
de o não castigar: Ne, quaeso, — dá razão Moisés, — ne, quaeso,
dicant Aegyptii: Callide eduxit eos, ut interficeret in montibus et deleret e
terra. Olhai, Senhor, que porão mácula os egípcios em vosso ser, e, quando
menos, em vossa verdade e bondade. Dirão que, cautelosamente e à falsa fé, nos
trouxestes a este deserto, para aqui nos tirardes a vida a todos e nos
sepultardes. E com esta opinião divulgada e assentada entre eles, qual será o
abatimento de vosso santo nome, que tão respeitado e exaltado deixastes no
mesmo Egito, com tantas e tão prodigiosas maravilhas do vosso poder? Convém
logo, para conservar o crédito, dissimular o castigo e não dar com ele ocasião
àqueles gentios e aos outros, em cujas terras estamos, ao que dirão: Ne,
quaeso, dicant.
Desta maneira arrazoou Moisés em favor do povo; e ficou tão convencido Deus da
força deste argumento, que no mesmo ponto revogou a sentença, e, conforme o
texto hebreu, não só se arrependeu da execução, senão ainda do
pensamento: Et poenituit Dominum mali, quod cogitaverat facere populo
suo. "E arrependeu-se o Senhor do pensamento e da imaginação que
tivera de castigar o seu povo".
Muita razão tenho eu logo, Deus meu, de esperar que haveis de sair deste sermão
arrependido, pois sois o mesmo que éreis, e não menos amigo agora, que nos
tempos passados, de vosso nome: Propter nomen tuum. Moisés
disse-vos: Ne, quaeso, dicant: "Olhai, senhor, que
dirão." E eu digo e devo dizer: Olhai, senhor, que já dizem. Já dizem os
hereges insolentes com os sucessos prósperos, que vós lhes dais ou permitis: já
dizem que porque a sua, que eles chamam religião, é a verdadeira, por isso Deus
os ajuda e vencem; e porque a nossa é errada e falsa, por isso nos desfavorece
e somos vencidos. Assim o dizem, assim o pregam, e ainda mal, porque não
faltará quem os creia.
Pois é possível, Senhor, que hão de ser vossas permissões argumentos contra
vossa Fé? É possível que se hão de ocasionar de nossos castigos blasfêmias
contra vosso nome?! Que diga o herege (o que treme de o pronunciar a língua),
que diga o herege, que Deus está holandês?! Oh não permitais tal, Deus meu, não
permitais tal, por quem sois! Não o digo por nós, que pouco ia em que nos
castigásseis; não o digo pelo Brasil, que pouco ia em que o destruísseis; por
vós o digo e pela honra de vosso Santíssimo Nome, que tão imprudentemente se vê
blasfemado: Propter nomen tuum. Já que o pérfido calvinista dos
sucessos que só lhe merecem nossos pecados faz argumento da religião, e se
jacta insolente e blasfemo de ser a sua verdadeira, veja ele na roda dessa
mesma fortuna, que o desvanece, de que parte está a verdade. Os ventos e
tempestades, que descompõem e derrotam as nossas armadas, derrotem e desbaratem
as suas; as doenças e pestes, que diminuem e enfraquecem os nossos exércitos, escalem
as suas muralhas e despovoem os seus presídios, os conselhos que, quando vós
quereis castigar, se corrompem, em nós sejam alumiados e neles enfatuados e
confusos. Mude a vitória as insígnias, desafrontem-se as cruzes católicas,
triunfem as vossas chagas nas nossas bandeiras, e conheça humilhada e
desenganada a perfídia, que só a Fé romana, que professamos, é Fé, e só ela a
verdadeira e a vossa.
Mas ainda há mais quem diga. Ne, quaeso, dicant Aegyptii: Olhai,
Senhor, que vivemos entre gentios, uns que o são, outros que o foram ontem; e
estes que dirão? Que dirá o Tapuia bárbaro sem conhecimento de Deus? Que dirá o
Índio inconstante, a quem falta a pia afeição da nossa Fé? Que dirá o Etíope
boçal, que apenas foi molhado com a água do batismo sem mais doutrina? Não há
dúvida que todos estes, como não têm capacidade para sondar o profundo de
vossos juízos, beberão o erro pelos olhos. Dirão, pelos efeitos que vêem, que a
nossa Fé é falsa, e a dos holandeses a verdadeira, e crerão que são mais
cristãos, sendo como eles. A seita do herege torpe e brutal concorda mais com a
brutalidade do bárbaro; a largueza e soltura da vida, que foi a origem e é o
fomento da heresia, casa-se mais com os costumes depravados e corrupção do
gentilismo; e que pagão haverá que se converta à Fé que lhe pregamos, ou que
novo cristão já convertido, que se não perverta, entendendo e persuadindo-se
uns e outros que no herege é premiada a sua lei, e no Católico se castiga a
nossa? Pois se estes são os efeitos, posto que não pretendidos, de vosso rigor
e castigo, justamente começado em nós, se ateia e passa com tanto dano aos que
não são cúmplices das nossas culpas: Cur irascitur furor tuus? Por
que continua sem estes reparos o que vós mesmo chamastes furor? E por que não
acabais já de embainhar a espada de vossa ira?
Se tão gravemente ofendido do povo hebreu, por um que dirão dos egípcios lhe
perdoastes; o que dizem os hereges, e o que dirão os gentios, não será bastante
motivo para que vossa rigorosa mão suspenda o castigo e perdoe também os nossos
pecados, pois, ainda que grandes, são menores? Os hebreus adoraram o ídolo,
faltaram à Fé, deixaram o culto do verdadeiro Deus, chamaram Deus e Deuses a um
bezerro: e nós, por mercê de vossa bondade infinita, tão longe estamos e
estivemos sempre de menor defeito ou escrúpulo nesta parte, que muitos deixaram
a pátria, a casa, a fazenda, e ainda a mulher e os filhos, e passam em suma
miséria desterrados, só por não viver nem comunicar com homens que se separaram
da vossa Igreja. Pois, Senhor meu e Deus meu, se por vosso amor e por vossa Fé,
ainda sem perigo de a perder ou arriscar, fazem tais finezas os
portugueses: Quare oblivisceris inopiae nostrae? et tribulationis
nostrae? Por que vos esqueceis de tão religiosas misérias, de tão
católicas tribulações? Como é possível que se ponha Vossa Majestade irada
contra estes fidelíssimos servos, e favoreça a parte dos infiéis, dos
excomungados, dos ímpios?
Oh! como nos podemos queixar neste passo, como se queixava lastimado Jó,
quando, despojado dos sabeus e caldeus, se viu, como nós nos vemos, no extremo
da opressão e miséria: Nunquid bonum tibi videtur, si calumnieris me et
opprimas me opus manuum tuarum et consilium impiorum adjuves? "Parece-vos
bem, Senhor, parece-vos bem isto? Que a mim, que sou vosso servo, me oprimais e
aflijais, e aos ímpios, aos inimigos vossos os favoreçais e ajudeis?"
Parece-vos bem que sejam eles os prosperados e assistidos de vossa providência,
e nós os deixados de vossa mão; nós os esquecidos de vossa memória, nós o
exemplo de vossos rigores, nós o despojo de vossa ira? Tão pouco é
desterrar-nos por vós e deixar tudo? Tão pouco é padecer trabalhos, pobrezas e
os desprezos que elas trazem consigo, por vosso amor? Já a fé não tem
merecimento? Já a piedade não tem valor? Já a perseverança não vos agrada? Pois
se há tanta diferença entre nós, ainda que maus, e aqueles pérfidos, por que os
ajudais a eles e nos desfavoreceis a nós? Nunquid bonum tibi videtur: "A
vós, que sois a mesma bondade, parece-vos bem isto?"
III
Considerai, Deus
meu — e perdoai-me, se falo inconsideradamente — considerai a quem tirais as
terras do Brasil e a quem as dais. Tirais estas terras aos portugueses a quem
nos princípios as destes; e bastava dizer a quem as dais, para perigar o
crédito de vosso nome, que não podem dar nome de liberal mercês com arrependimento.
Para que nos disse São Paulo, que vós, Senhor, "quando dais, não vos
arrependeis": Sine paenitentia enim sunt dona Dei? Mas
deixado isto à parte: tirais estas terras àqueles mesmos portugueses a quem
escolhestes entre todas as nações do Mundo para conquistadores da vossa Fé, e a
quem destes por armas como insígnia e divisa singular vossas próprias chagas. E
será bem, Supremo Senhor e Governador do Universo, que às sagradas quinas de
Portugal e às armas e chagas de Cristo, sucedam as heréticas listas de Holanda,
rebeldes a seu rei e a Deus? Será bem que estas se vejam tremular ao vento
vitoriosas, e aquelas abatidas, arrastadas e ignominiosamente rendidas? Et
quid facies magno nomini tuo? E que fareis (como dizia Josué) ou que
será feito de vosso glorioso nome em casos de tanta afronta?
Tirais também o Brasil aos portugueses, que assim estas terras vastíssimas,
como as remotíssimas do Oriente, as conquistaram à custa de tantas vidas e
tanto sangue, mais por dilatar vosso nome e vossa Fé (que esse era o zelo
daqueles cristianíssimos reis) que por amplificar e estender seu império. Assim
fostes servido que entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão
gloriosamente, e assim permitis que saiamos agora (quem tal imaginaria de vossa
bondade!), com tanta afronta e ignomínia! Oh! como receio que não falte quem
diga o que diziam os egípcios: Callide eduxit eos, ut interficeret et
deleret e terra. Que a larga mão com que nos destes tantos domínios e reinos
não foram mercês de vossa liberalidade, senão cautela e dissimulação de vossa
ira, para aqui fora e longe de nossa Pátria nos matardes, nos destruirdes, nos
acabardes de todo. Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos,
para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto
e tão ilustre sangue nestas conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes
navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que
contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo, que apenas há baixio
no Oceano, que não esteja infamado com miserabilíssimos naufrágios de
portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas desgraças, depois de
tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem sepultura, ou
sepultados nas entranhas dos Alarves, das feras, dos peixes, que as terras que
assim ganhamos, as hajamos de perder assim? Oh! quanto melhor nos fora nunca
conseguir, nem intentar tais empresas!
Mais santo que nós era Josué, menos apurada tinha a paciência, e, contudo, em
ocasião semelhante, não falou (falando convosco) por diferente linguagem.
Depois de os filhos de Israel passarem às terras ultramarinas do Jordão, como
nós a estas, avançou parte do exército a dar assalto à cidade de Hai, a qual
nos ecos do nome já parece que trazia o prognóstico do infeliz sucesso que os
israelitas nela tiveram; porque foram rotos e desbaratados, posto que com menos
mortos e feridos, do que nós por cá costumamos. E que faria Josué à vista desta
desgraça? Rasga as vestiduras imperiais, lança-se por terra, começa a clamar ao
Céu: Heu! Domine Deus, quid voluisti traducere populum istum Jordanem
fluvium, ut traderes nos in manus Amorrhaei? "Deus meu e Senhor
meu, que é isto? Para que nos mandastes passar o Jordão e nos metestes de posse
destas terras, se aqui nos haveis de entregar nas mãos dos amorreus e
perder-nos?" Utinam mansissemus trans Jordanem! "Oh!
nunca nós passáramos tal rio!"
Assim se queixava Josué a Deus, e assim nos podemos nós queixar, e com muito
maior razão que ele. Se este havia de ser o fim de nossas navegações, se estas
fortunas nos esperavam nas terras conquistadas: "Oh! Nunca nós passáramos
tal rio!". Utinam mansissemus trans Jordanem! Prouvera a vossa
Divina Majestade que nunca saíramos de Portugal, nem fiáramos nossas vidas às
ondas e aos ventos, nem conhecêramos ou puséramos os pés em terras estranhas!
Ganhá-las para as não lograr, desgraça foi e não ventura; possuí-las para as
perder, castigo foi de vossa ira, Senhor, e não mercê, nem favor de vossa
liberalidade. Se determináveis dar estas mesmas terras aos piratas de Holanda,
por que lhas não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos
serviços vos tem feito esta gente pervertida e apóstata, que nos mandastes
primeiro cá por seus aposentadores; para lhe lavrarmos as terras, para lhe
edificarmos as cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregardes?
Assim se hão de lograr os hereges e inimigos da Fé, dos trabalhos portugueses e
dos suores católicos? En queis consevimus agros! "Eis
aqui para quem trabalhamos há tantos anos!"
Mas pois vós, Senhor, o quereis e ordenais assim, fazei o que fordes servido.
Entregai aos holandeses o Brasil, entregai-lhes as Índias, entregai-lhes as
Espanhas (que não são menos perigosas as consequências do Brasil perdido);
entregai-lhes quanto temos e possuímos (como já lhes entregastes tanta parte);
ponde em suas mãos o Mundo; e a nós, aos portugueses e espanhóis, deixai-nos,
repudiai-nos, desfazei-nos, acabai-nos. Mas só digo e lembro a Vossa Majestade,
Senhor, que estes mesmos que agora desfavoreceis e lançais de vós, pode ser que
os queirais algum dia, e que os não tenhais.
Não me atrevera a falar assim, se não tirara as palavras da boca de Jó, que
como tão lastimado, não é muito entre muitas vezes nesta tragédia. Queixava-se
o exemplo da paciência a Deus (que nos quer Deus sofridos, mas não
insensíveis), queixava-se do tesão de suas penas demandando e altercando, por
que se lhe não havia de remitir e afrouxar um pouco o rigor delas; e como a
todas as réplicas e instâncias o Senhor se mostrasse inexorável, quando já não
teve mais que dizer, concluiu assim: Ecce nunc in pulvere dormiam, et
si mane me quaesieris, non subsistam. Já que não quereis, Senhor,
desistir ou moderar o tormento, já que não quereis senão continuar o rigor e
chegar com ele ao cabo, seja muito embora; matai-me, consumi-me,
enterrai-me: Ecce nunc in pulvere dormiam; mas só vos digo e vos
lembro uma coisa: que "se me buscardes amanhã, que me não haveis de
achar": Et si mane me quaesieris, non subsistam. Tereis
aos sabeus, tereis aos caldeus, que sejam o roubo e o açoite de vossa casa; mas
não achareis a um Jó que a sirva, não achareis a um Jó que a venere, não
achareis a um Jó, que ainda com suas chagas a não desautorize. O mesmo digo eu,
senhor, que não é muito rompa nos mesmos afetos, quem se vê no mesmo estado.
Abrasai, destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais
espanhóis e portugueses, e que os não acheis. Holanda vos dará os apostólicos
conquistadores, que levem pelo Mundo os estandartes da cruz; Holanda vos dará
os pregadores evangélicos, que semeiem nas terras dos bárbaros a doutrina
católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de vossos
Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda
levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de
vosso Santíssimo Corpo; Holanda, enfim, vos servirá e venerará tão
religiosamente, como em Amsterdão, Meldeburgo e Flisinga e em todas as outras
colônias daquele frio e alagado inferno se está fazendo todos os dias.
IV
Bem vejo que me
podeis dizer, Senhor, que a propagação de vossa Fé e as obras de vossa glória
não dependem de nós, nem de ninguém, e que sois poderoso, quando faltem homens,
para fazer das pedras filhos de Abraão. Mas também a vossa sabedoria e a
experiência de todos os séculos nos têm ensinado, que depois de Adão não
criastes homens de novo, que vos servis dos que tendes neste Mundo, e que nunca
admitis os menos bons, senão em falta dos melhores. Assim o fizestes na
parábola do banquete. Mandastes chamar os convidados que tínheis escolhido, e
porque eles se escusaram e não quiseram vir, então admitistes os cegos e mancos,
e os introduzistes em seu lugar: Caecos et claudos introduc huc. E
se esta é, Deus meu, a regular disposição de vossa providência divina, como a
vemos agora tão trocada em nós e tão diferente connosco? Quais foram estes
convidados e quais são estes cegos e mancos? Os convidados fomos nós, a quem
primeiro chamastes para estas terras, e nelas nos pusestes a mesa, tão franca e
abundante, como de vossa grandeza se podia esperar. Os cegos e mancos são os
luteranos e calvinistas, cegos sem fé e mancos sem obras, na reprovação das
quais consiste o principal erro da sua heresia. Pois se nós, que fomos os
convidados, não nos escusamos nem duvidamos de vir, antes rompemos por muitos
inconvenientes em que pudéramos duvidar; se viemos e nos assentamos à mesa,
como nos excluís agora e lançais fora dela e introduzis violentamente os cegos
e mancos, e dais os nossos lugares ao herege? Quando em tudo o mais foram eles
tão bons como nós, ou nós tão maus como eles, por que nos não há de valer pelo
menos o privilégio e prerrogativa da fé? Em tudo parece, Senhor, que trocais os
estilos de vossa providência e mudais as leis de vossa justiça conosco.
Aquelas dez virgens do vosso Evangelho todas se renderam ao sono, todas
adormeceram, todas foram iguais no mesmo descuido: Dormitaverunt omnes
et dormierunt. E contudo, a cinco delas passou-lhes o esposo por este
defeito, e só porque conservaram as alâmpadas acesas, mereceram entrar às
bodas, de que as outras foram excluídas. Se assim é, Senhor meu, se assim o
julgastes então (que vós sois aquele Esposo Divino), por que não nos vale a nós
também conservar as alâmpadas da Fé acesas, que no herege estão tão apagadas e
tão mortas? É possível que haveis de abrir as portas a quem traz as alâmpadas
apagadas, e as haveis de fechar a quem as tem acesas? Reparai, senhor, que não
é autoridade do vosso divino tribunal que saíam dele no mesmo caso duas
sentenças tão encontradas. Se às que deixaram apagar as alâmpadas se
disse: Nescio vos; se para elas se fecharam as portas: Clausa
est janua; quem merece ouvir de vossa boca um Nescio vos
tremendo, senão o herege, que vos não conhece? E a quem deveis dar com a porta
nos olhos, senão ao herege, que os tem tão cegos? Mas eu vejo que nem esta
cegueira, nem este desconhecimento, tão merecedores de vosso rigor, lhe retarda
o progresso de suas fortunas, antes a passo largo se vêm chegando a nós suas
armas vitoriosas, e cedo nos baterão às portas desta vossa cidade...
Desta vossa cidade disse; mas não sei
se o nome do Salvador, com que a honrastes, a salvará e defenderá, como já
outra vez não defendeu; nem sei se estas nossas deprecações, posto que tão
repetidas e continuadas, acharão acesso a vosso conspecto divino, pois há
tantos anos que está bradando ao Céu a nossa justa dor, sem a vossa clemência
dar ouvidos a nossos clamores.
Se acaso for assim (o que vós não permitais), e está determinado em vosso
secreto juízo que entrem os hereges na Bahia, o que só vos represento
humildemente e muito deveras, é que antes da execução da sentença repareis bem,
Senhor, no que vos pode suceder depois, e que o consulteis com vosso coração
enquanto é tempo; porque melhor será arrepender agora, que quando o mal passado
não tenha remédio. Bem estais na intenção e alusão com que digo isto, e na
razão, fundada em vós mesmo, que tenho para o dizer. Também antes do dilúvio
estáveis vós mui colérico e irado contra os homens, e por mais que Noé orava em
todos aqueles cem anos, nunca houve remédio para que se aplacasse vossa ira.
Romperam-se, enfim, as cataratas do céu, cresceu o mar até os cumes dos montes,
alagou-se o Mundo todo: já estaria satisfeita a vossa justiça. Senão quando, ao
terceiro dia, começaram a boiar os corpos mortos, e a surgir e aparecer em
multidão infinita aquelas figuras pálidas, e então se representou sobre as
ondas a mais triste e funesta tragédia que nunca viram os anjos, que homens que
a vissem não os havia. Vistes vós também (como se o vísseis de novo) aquele
lastimosíssimo espetáculo, e posto que não chorastes, porque ainda não tínheis
olhos capazes de lágrimas, enterneceram-se, porém, as entranhas de vossa
Divindade, "com tão intrínseca dor": Tactus dolore cordis
intrinsecus que, do modo que em vós cabe arrependimento, vos
arrependestes do que tínheis feito ao Mundo; e foi tão inteira a vossa
contrição, que não só tivestes pesar do passado, senão propósito firme de nunca
mais o fazer: Nequanquam ultra maledicam terrae propter homines.
Este sois, Senhor, este sois; e pois sois este não vos tomeis com vosso
coração. Para que é fazer agora valentias contra ele, se o seu sentimento, e o
vosso as há de pagar depois? Já que as execuções de vossa justiça custam
arrependimento à vossa bondade, vede o que fazeis antes que o façais, não vos
aconteça outra. E para que o vejais com cores humanas, que já vos não são estranhas,
dai-me licença que eu vos represente primeiro ao vivo as lástimas e misérias
deste futuro dilúvio, e se esta representação vos não enternecer e tiverdes
entranhas para o ver sem grande dor, executai-o embora.
Finjamos, pois (o que até fingido e imaginado faz horror); finjamos que vem a
Bahia e o resto do Brasil a mãos dos holandeses; que é o que há de suceder em
tal caso? — Entrarão por esta cidade com fúria de vencedores e de hereges; não
perdoarão a estado, a sexo nem a idade; com os fios dos mesmos alfanjes medirão
a todos; chorarão as mulheres, vendo que se não guarda decoro à sua modéstia;
chorarão os velhos, vendo que se não guarda respeito a suas cãs; chorarão os
nobres, vendo que se não guarda cortesia à sua qualidade; chorarão os religiosos
e veneráveis sacerdotes, vendo que até as coroas sagradas os não defendem;
chorarão finalmente todos, e entre todos mais lastimosamente os inocentes,
porque nem a esses perdoará (como em outras ocasiões não perdoou), a
desumanidade herética. Sei eu, Senhor, que só por amor dos inocentes dissestes
vós alguma hora, que não era bem castigar a Nínive. Mas não sei que tempos, nem
que desgraça é esta nossa, que até a mesma inocência vos não abranda. Pois
também a vós, Senhor, vos há de alcançar parte do castigo (que é o que mais
sente a piedade cristã), também a vós há de chegar.
Entrarão os hereges nesta igreja e nas outras; arrebatarão essa custódia, em
que agora estais adorado dos anjos; tomarão os cálices e vasos sagrados, e
aplicá-los-ão a suas nefandas embriaguezes; derrubarão dos altares os vultos e
estátuas dos santos, deformá-las-ão a cutiladas, e metê-las-ão no fogo; e não
perdoarão as mãos furiosas e sacrílegas nem às imagens tremendas de Cristo
crucificado, nem às da Virgem Maria.
Não me admiro tanto, Senhor, de que hajais de consentir semelhantes agravos e
afrontas nas vossas imagens, pois já as permitistes em vosso sacratíssimo
corpo; mas nas da Virgem Maria, nas de vossa Santíssima Mãe, não sei como isto
pode estar com a piedade e amor de Filho. No Monte Calvário esteve esta Senhora
sempre ao pé da cruz, e com serem aqueles algozes tão descorteses e cruéis,
nenhum se atreveu a lhe tocar nem a lhe perder o respeito. Assim foi e assim
havia de ser, porque assim o tínheis vós prometido pelo Profeta: Flagellum
non appropinquabit tabernaculo tuo. Pois, Filho da Virgem Maria, se
tanto cuidado tivestes então do respeito e decoro de vossa Mãe, como consentis
agora que se lhe façam tantos desacatos? Nem me digais, Senhor, que lá era a
pessoa, cá a imagem. Imagem somente da mesma Virgem era a Arca do Testamento, e
só porque Oza a quis tocar, lhe tirastes a vida. Pois se então havia tanto
rigor para quem ofendia a imagem de Maria, por que o não há também agora?
Bastava então qualquer dos outros desacatos às coisas sagradas, para uma
severíssima demonstração vossa, ainda milagrosa. Se a Jeroboão, por que
levantou a mão para um Profeta, se lhe secou logo o braço milagrosamente, como
aos hereges, depois de se atreverem a afrontar vossos santos, lhes ficam ainda braços
para outros delitos? Se a Baltasar, por beber pelos vasos do templo, em que não
se consagrava vosso sangue, o privastes da vida e do reino, por que vivem os
hereges, que convertem vossos cálices a usos profanos? Já não há três dedos que
escrevam sentença de morte contra sacrílegos?!
Enfim, Senhor, despojados assim os templos e derrubados os altares, acabar-se-á
no Brasil a cristandade católica; acabar-se-á o culto divino; nascerá erva nas
igrejas, como nos campos; não haverá quem entre nelas. Passará um dia de Natal,
e não haverá memória de vosso nascimento; passará a Quaresma e a Semana Santa,
e não se celebrarão os mistérios de vossa Paixão. Chorarão as pedras das ruas,
como diz Jeremias que choravam as de Jerusalém destruída: Viae Sion
lugent, eo quod non sint qui veniant ad solemnitatem. Ver-se-ão ermas e
solitárias, e que as não pisa a devoção dos fiéis, como costumava em
semelhantes dias. Não haverá missas, nem altares, nem sacerdotes que as digam;
morrerão os católicos sem confissão nem sacramentos; pregar-se-ão heresias
nestes mesmos púlpitos, e em lugar de São Jerônimo e Santo Agostinho,
ouvir-se-ão e alegar-se-ão neles os infames nomes de Calvino e Lutero; beberão
a falsa doutrina os inocentes que ficarem, relíquias dos portugueses; e chegaremos
a estado que, se perguntarem aos filhos e netos dos que aqui estão: — Menino,
de que seita sois? Um responderá: — Eu sou calvinista; outro: — Eu sou
luterano.
Pois isto se há de sofrer, Deus meu? Quando quisestes entregar vossas ovelhas a
São Pedro, examinaste-lo três vezes se vos amava: Diligis me, diligis
me, diligis me? E agora as entregais desta maneira, não a pastores,
senão aos lobos?! Sois o mesmo, ou sois outro? Aos hereges o vosso rebanho? Aos
hereges as almas? Como tenho dito, e nomeei almas, não vos quero dizer mais. Já
sei, Senhor, que vos haveis de enternecer e arrepender, e que não haveis de ter
coração para ver tais lástimas e tais estragos. E se assim é (que assim o estão
prometendo vossas entranhas piedosíssimas), se é que há de haver dor, se é que
há de haver arrependimento depois, cessem as iras, cessem as execuções agora,
que não é justo vos contente antes o de que vos há de pesar em algum tempo.
Muito honrastes, Senhor, ao homem na criação do Mundo, formando-o com vossas
próprias mãos, informando-o e animando-o com vosso próprio alento e imprimindo
nele o caráter de vossa imagem e semelhança. Mas parece que logo desde aquele
mesmo dia vos não contentastes dele, porque de todas as outras coisas que
criastes, diz a Escritura que vos pareceram bem: Vidit Deus quod esset
bonum; e só do homem o não diz. Na admiração desta misteriosa reticência
andou desde então suspenso e vacilando o juízo humano, não podendo penetrar
qual fosse a causa por que, agradando-vos com tão pública demonstração todas as
vossas obras, só do homem, que era a mais perfeita de todas, não mostrásseis
agrado. Finalmente, passados mais de mil e setecentos anos, a mesma Escritura,
que tinha calado aquele mistério, nos declarou que vós estáveis arrependido de
ter criado o homem: Paenituit eum quod hominem fecisset in terra, e
que vós mesmo dissestes que vos pesava: Paenitet me fecisse eos; e
então ficou patente e manifesto a todos o segredo que tantos tempos tínheis
ocultado. E vós, Senhor, dizeis que vos pesa e que estais arrependido de ter
criado o homem; pois essa é a causa por que logo desde o princípio de sua
criação vos não agradastes dele, nem quisestes que se dissesse que vos parecera
bem, julgando, como era razão, por coisa muito alheia de vossa sabedoria e
providência, que em nenhum tempo vos agradasse nem parecesse bem aquilo de que
depois vos havíeis de arrepender e ter pesar de ter feito: Paenitet me
fecisse.
Sendo, pois, esta a condição verdadeiramente divina e a altíssima razão de
estado de vossa providência — não haver jamais agrado do que há de haver
arrependimento; e sendo também certo nas piedosíssimas entranhas de vossa
misericórdia, que se permitirdes agora as lástimas, as misérias, os estragos
que tenho representado, é força que vos há de pesar depois e vos haveis de
arrepender, arrependei-vos, misericordioso Deus, enquanto estamos em tempo,
ponde em nós os olhos de vossa piedade, ide à mão à vossa irritada justiça,
quebre vosso amor as setas de vossa ira, e não permitais tantos danos, e tão
irreparáveis. Isto é o que vos pedem, tantas vezes prostradas diante de vosso
divino acatamento, estas almas tão fielmente católicas, em nome seu e de todas
as deste Estado. E não vos fazem esta humilde deprecação pelas perdas
temporais, de que cedem, e as podeis executar neles por outras vias; mas pela
perda espiritual eterna de tantas almas, pelas injúrias de vossos templos e
altares, pela exterminação do sacrossanto sacrifício de vosso corpo e sangue, e
pela ausência insofrível, pela ausência e saudades desse Santíssimo Sacramento,
que não sabemos quanto tempo teremos presente.
V
Chegado a este
ponto, de que não sei nem se pode passar, parece-me que nos está dizendo vossa
divina e humana bondade, Senhor, que o fizéreis assim facilmente, e vos
deixaríeis persuadir, e convencer destas nossas razões, senão que está clamando
por outra parte vossa divina justiça; e como sois igualmente justo e
misericordioso, que não podeis deixar de castigar, sendo os pecados do Brasil
tantos e tão grandes. Confesso, Deus meu, que assim é, e todos confessamos que
somos grandíssimos pecadores. Mas tão longe estou de me aquietar com esta
resposta, que antes esses mesmos pecados muitos e grandes são um novo e
poderoso motivo dado por vós mesmo para mais convencer vossa bondade.
A maior força dos meus argumentos não consistiu em outro fundamento até agora,
que no crédito, na honra e na glória de vosso santíssimo nome: Propter nomen tuum. E que motivo posso
eu oferecer mais glorioso ao mesmo nome, que serem muitos e grandes os nossos
pecados? Propter nomen tuum, Domine, propitiaberis peccato meo: multum
est enim: "Por amor de vosso nome, Senhor, estou certo — dizia Davi — que
me haveis de perdoar meus pecados, porque não são quaisquer pecados, senão
muitos e grandes." Multum est enim. Oh! motivo digno só do
peito de Deus! Oh! consequência que só na suma bondade pode ser forçosa! De
maneira que, para lhe serem perdoados seus pecados, alegou um pecador a Deus
que são muitos e grandes. Sim; e não por amor do pecador, nem por amor dos
pecados, senão por amor da honra e glória do mesmo Deus, a qual quanto mais e
maiores são os pecados que perdoa, tanto maior é e mais engrandece e exalta o
seu santíssimo nome: Propter nomen tuum, Domine, propitiaberis peccato
meo: multum est enim. O mesmo Davi distingue na misericórdia de Deus
grandeza e multidão. A grandeza: Secundum magnam misericordiam tuam;
a multidão: Et secundum multitudinem miserationum tuarum. E como a
grandeza da misericórdia divina é imensa e a multidão de suas misericórdias
infinita; e o imenso não se pode medir, nem o infinito contar; para que uma e
outra, de algum modo, tenha proporcionada matéria de glória, importa à mesma
grandeza da misericórdia que os pecados sejam grandes e à mesma multidão das
misericórdias, que sejam muitos: Multum est enim. Razão tenho eu
logo, Senhor, de me não render à razão de serem muitos e grandes nossos
pecados. E razão tenho também de instar em vos pedir a razão por que não
desistis de os castigar: Quare obdormis? Quare faciem tuum avertis?
Quare oblivisceris inopiae et tribulationis nostrae?
Esta mesma razão vos pediu Jó quando disse: Cur non tollis peccatum
meum et quare non aufers iniquitatem meam? E posto que não faltou um
grande intérprete de vossas Escrituras que arguísse por vossa parte, enfim se
deu por vencido e confessou que tinha razão Jó em vo-la pedir: Criminis
in loco Deo impingis, quod ejus, qui deliquit, non miseretur? — diz São
Cirilo Alexandrino — "Basta, Jó, que criminais e acusais a Deus de que
castiga vossos pecados? Nas mesmas palavras confessais que cometestes pecados e
maldades; e com as mesmas palavras pedis razão a Deus por que as castiga?"
Isto é dar a razão, e mais pedi-la. Os pecados e maldades, que não ocultais,
são a razão do castigo: pois se dais a razão, por que a pedis? — Porque ainda
que Deus para castigar os pecados, tem a razão de sua justiça, para os perdoar
e desistir do castigo, tem outra razão maior, que é a da sua glória: Qui
enim misereri consuevit, et non vulgarem in eo gloriam habet; ob quam causam
mei non miseretur? Pede razão Jó a Deus, e tem muita razão de a pedir
(responde por ele o mesmo santo, que o arguiu), porque, se é condição de Deus
usar de misericórdia, e é grande e não vulgar a glória que adquire em perdoar
pecados, que razão tem, ou pode dar bastante, de os não perdoar? O mesmo Jó
tinha já declarado a força deste seu argumento nas palavras antecedentes com
energia para Deus muito forte: Peccavi, quid faciam tibi? Como
se dissera: "Se eu fiz, Senhor, como homem em pecar, que razão tendes vós
para não fazer, como Deus, em me perdoar?" Ainda disse e quis dizer
mais: Peccavi, quid faciam tibi? "Pequei, que mais posso
fazer?" E que fizestes vós, Jó, a Deus, em pecar? — Não lhe fiz pouco;
porque lhe dei ocasião a me perdoar, e perdoando-me, ganhar muita glória. Eu dever-lhe-ei
a ele, como a causa, a graça que me fizer; e ele dever-me-á a mim, como
ocasião, a glória que alcançar.
E se é assim, Senhor, sem licença, nem encarecimento; se é assim,
misericordioso Deus, que em perdoar pecados se aumenta a vossa glória, que é o
fim de todas as vossas ações; não digais que nos não perdoais, porque são
muitos e grandes os nossos pecados, que antes porque são muitos e grandes,
deveis dar essa grande glória à grandeza e multidão de vossas misericórdias.
Perdoando-nos e tendo piedade de nós, é que haveis de ostentar a soberania de
vossa majestade, e não castigando-nos, em que mais se abate vosso poder, do que
se acredita. Vede-o neste último castigo, em que, contra toda a esperança do
mundo e do tempo, fizestes que se derrotasse a nossa armada, a maior que nunca
passou a Equinocial. Pudestes, Senhor, derrotá-la; e que grande glória foi de
vossa omnipotência poder o que pode o vento? Contra folium, quod vento
rapitur, ostendis potentiam. Desplantar uma nação, como nos ides
desplantando, e plantar outra, também é poder que vós cometestes a um
homenzinho de Anatote: Ecce constitui te super gentes et super regna,
ut evellas et destruas et disperdas et dissipes et aedifices et plantes. O
em que se manifesta a majestade, a grandeza e a glória de vossa infinita onipotência,
é em perdoar e usar de misericórdia: Qui
omnipotentiam tuam, parcendo maxime, et miserando, manifestas. Em castigar,
venceis-nos a nós, que somos criaturas fracas; mas em perdoar, venceis-vos a
vós mesmo, que sois todo poderoso e infinito. Só esta vitória é digna de vós,
porque só vossa misericórdia pode pelejar com armas iguais contra vossa
justiça; e sendo infinito o vencido, infinita fica a glória do vencedor.
Perdoai, pois, benigníssimo Senhor, por esta grande glória vossa: Propter
magnam gloriam tuam: perdoai por esta glória imensa de vosso
santíssimo nome: Propter nomen tuum.
E se acaso ainda reclama vossa divina justiça, por certo, não já
misericordioso, senão justíssimo Deus, que também a mesma justiça se pudera dar
por satisfeita com os rigores e castigos de tantos anos. Não sois vós, enquanto
justo, aquele justo juiz de quem canta o vosso Profeta: Deus Judex
justus, fortis et patiens, nunquid irascitur per singulos dies? Pois
se a vossa ira, ainda como de justo juiz, não é de todos os dias nem de muitos,
por que se não dará por satisfeita com rigores de anos e tantos anos? Sei eu,
Legislador Supremo, que nos casos de ira, posto que justificada, nos manda
vossa santíssima Lei que não passe de um dia, e que antes de se pôr o Sol
tenhamos perdoado: Sol non occidat super iracundiam vestram. Pois
se da fraqueza humana, e tão sensitiva, espera tal moderação nos agravos vossa
mesma Lei, e lhe manda que perdoe e se aplaque em termo tão breve e tão
preciso, vós, que sois Deus infinito e tendes um coração tão dilatado como
vossa mesma imensidade, e em matéria de perdão vos propondes aos homens por
exemplo, como é possível que os rigores de vossa ira se não abrandem em tantos
anos, e que se ponha e torne a nascer o Sol tantas e tantas vezes, vendo sempre
desembainhada e correndo sangue a espada de vossa vingança? Sol de justiça
cuidei eu que vos chamavam as Escrituras, porque, ainda quando mais fogoso e
ardente, dentro do breve espaço de doze horas, passava o rigor de vossos raios;
mas não o dirá assim este Sol material que nos alumia e rodeia, pois há tantos
dias e tantos anos que, passando duas vezes sobre nós de um trópico a outro,
sempre vos vê irado.
Já vos não alego, Senhor, com o que dirá a Terra e os homens, mas com o que
dirá o Céu e o mesmo Sol. Quando Josué mandou parar o Sol, as palavras da
língua hebraica em que lhe falou, foram, não que parasse, senão que se
calasse: Sol tace contra Gabaon. Calar mandou ao Sol o valente
capitão, porque aqueles resplandores amortecidos com que se ia sepultar no
Ocaso, eram umas línguas mudas com que o mesmo Sol o murmurava de
demasiadamente vingativo; eram umas vozes altíssimas, com que desde o Céu lhe
lembrava a Lei de Deus, e lhe pregava que não podia continuar a vingança, pois ele
se ia meter no Ocidente: Sol non occidat super iracundiam vestram. E
se Deus, como autor da mesma Lei, ordenou que o Sol parasse, e aquele dia (o
maior que viu o Mundo) excedesse os termos da natureza por muitas horas e fosse
o maior, foi para que, concordando a justa lei com a justa vingança, nem por
uma parte se deixasse de executar o rigor do castigo, nem por outra se
dispensasse no rigor do preceito. Castigue-se o gabaonita, pois é justo
castigá-lo; mas esteja o Sol parado até que se acabe o castigo, para que a ira,
posto que justa, do vencedor, não passe os limites de um dia.
Pois se este é, Senhor, o termo prescrito de vossa Lei; se fazeis milagres e
tais milagres para que ela se conserve inteira, e se Josué manda calar e
emudecer o Sol, porque se não queixe e dê vozes contra a continuação de sua
ira, que quereis que diga o mesmo Sol, não parado nem emudecido? Que quereis
que diga a Lua e as estrelas, já cansadas de ver nossas misérias? Que quereis
que digam todos esses céus criados, não para apregoar vossas justiças, senão
para cantar vossas glórias: Coeli enarrant gloriam Dei?
Finalmente, benigníssimo Jesus, verdadeiro Josué e verdadeiro Sol, seja o
epílogo e conclusão de todas as nossas razões o vosso mesmo nome: Propter
nomen tuum. Se o Sol estranha a Josué rigores de mais de um dia, e Josué
manda calar o Sol, porque lhos não estranhe; como pode estranhar vossa divina
justiça que useis conosco de misericórdia, depois da execução de tantos e tão
rigorosos castigos continuados, não por um dia ou muitos dias de doze horas,
senão por tantos e tão compridos anos, que cedo serão doze? Se sois Jesus, que
quer dizer Salvador, sede Jesus e sede Salvador nosso. Se sois Sol e Sol de
justiça, antes que se ponha o deste dia, deponde os rigores da vossa. Deixai já
o signo rigoroso de Leão, e dai um passo ao signo de Virgem, signo propício e
benéfico. Recebei influências humanas, de quem recebestes a humanidade.
Perdoai-nos, Senhor, pelos merecimentos da Virgem Santíssima. Perdoai-nos por
seus rogos, ou perdoai-nos por seus impérios; que, se como criatura vos pede
por nós o perdão, como Mãe vos pode mandar e vos manda que nos perdoeis.
Perdoai-nos, enfim, para que a vosso exemplo perdoemos; e perdoai-nos também a
exemplo nosso, que todos desde esta hora perdoamos a todos por vosso
amor: Dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus
nostris. Amen.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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