O GUARDA DO CEMITÉRIO
Era
perto da noite. Voltava em companhia do tio Joaquim duma feira, que se fazia a
duas léguas da quinta, onde estávamos. Tínhamos metido os cavalos a passo, e
depois de muito discorrer e matar tempo, a conversação, que esmorecera
gradualmente, parara de todo.
Não
o sei ao certo, mas quero o crer; a tristeza que tanto se sente no campo na
hora em que o dia desaparece pouco a pouco, influíra para nos calar; e aquela
doce melancolia, que acompanha o crepúsculo da tarde, e que tanto nos faz cismar
e crer, obrigara-nos a interromper as falas, que perturbavam aquele silêncio
geral.
Só
quem tem vivido fora das cidades é que pode dar conta daquele tempo de sossego
e de mudez, que determina a passagem da noite para o dia, e muito
particularmente do dia para a noite.
As
aves, os animais, as árvores, as plantas e até a natureza insensível, parece
que entristecem naqueles momentos e que suspendem a vida, o movimento e o ruído:
como que permanecem por instantes num estado de duvida e de receio, e temem ver
desaparecer de todo essa luz, que é a sua vida, e que então se some no horizonte,
tinto por amor da sua ausência com cores de tristeza e de dó!
Outras
vezes, no meio da geral calada, alguns ruídos se apercebem; mas esses como a
susto, como mais para significarem o esmorecer da vida do que a sua animação: —
é o breve pio do mocho, é o som afastado dos chocalhos, são os tímidos balidos
dos rebanhos, é o ramalhar das árvores com a viração da tarde ou o murmurar longínquo
e surdo das ondas do mar.
São
essas as horas mais talhadas para a meditação, para a saudade ou para o amor;
são as horas das aspirações vagas, dos desejos indefinidos, das fantasias e das
expansões; são as horas em que se eleva em nós, um que quer que é estranho e
superior a tudo que nos cerca e com que de hábito lidamos; em que o homem sofre
e goza, sente e crê, folga e padece; em que o desalento e a esperança se travam
em luta; em que o amor nos fala de prazer, a saudade da dor e a imaginação do
infinito; em que se vive muito e se deseja morrer; em que se sonha muito e se
receia acordar; em que a virgem presente a primeira paixão, o homem o primeiro
amor, a criança o primeiro momento de viver, o velho a última hora; em que o
passado e o futuro se enlaçam, um descoroçoado e cético, o outro entusiasmado e
crente; em que o mundo é pequeno para a alma, e a alma acanhada para o
sentimento.
Em
tudo isto eu pensava nessa hora, e tão absorto ia, que nem dava pelo caminho
que levava: parecera-me até que se me ia fugindo a vida, como me parecia fugir
o mundo, se o som compassado das ferraduras dos cavalos sobre as pedras da
calçada, me não chamasse à realidade, marcando de continuo com a regularidade duma
pendula, a extensão do espaço e o correr do tempo.
De
repente, numa volta que fazia a estrada, os cavalos fitaram as orelhas e
pararam: sobressaltado, como que acordei, procurando descortinar que causa fora
a que os assustara.
Íamos
passar pelo cemitério da terra, separado da estrada por um parapeito de pouca
altura, e limitado, da banda donde vínhamos, pela casa do guarda; do lado oposto,
por uma igreja antiga, abandonada e em ruínas.
Nenhum
lugar mais adequado, nem acessórios mais acordes podia a morte escolher. Tudo ali
falava do seu poder, tudo concorria para a sua majestosa severidade.
Ruínas,
desamparo e tristeza. A casa do guarda, que primeiro se oferecia à vista, enegrecida
pelo tempo, com as portas e janelas carunchosas e escavacadas, deixando
devassar o interior desguarnecido e miserável: o cemitério sem aninho nem
cultura, sem monumentos, nem flores, nem pedras, nem ruas, nem dísticos, nem
retábulos; algumas cruzes toscas, por entre matagais de urtigas, algumas árvores
esgalhadas de longe a longe, umas e outras roídas pelos vermes, enfraquecidas
pelos parasitas, mutiladas pela podridão: e ao longe a igreja, de tempos
remotos, com as cantarias de grosso lavor lascadas ou caídas, as paredes
esburacadas e musgosas, as grades ferrugentas e quebradas, as janelas sem
vidros, as ogivas interrompidas, as arcadas soturnas a perderem-se na escuridão
e a adivinharem-se pelos buracos da fachada, frias, nuas, sós e tristes.
Apertava
o coração e confrangia a alma; fazia mal aquela vista.
Não
havia sido entretanto nem a igreja, nem o cemitério, nem a casa do guarda
que tinham feito parar os cavalos, mas o próprio guarda, que estendido sobre um
poial, diante da porta se levantou para nos cumprimentar.
Parecia
que a influencia sinistra daquelas paragens se estendera também àquele homem:
condizia com tudo que o cercava.
Era
alto e ainda novo; mas o tempo e os pesares tinham-no curvado e encanecido. As
feições eram duras, carregadas e tristes, as faces cavadas e cheias de rugas, a
pele tostada e áspera, os cabelos mal tratados e grisalhos, as barbas
compridas, em desordem e grisalhas também; o corpo estava coberto de farrapos,
a cabeça resguardada por um velho chapéu já sem abas e os pés metidos nuns
tamancos muito usados, que quando se levantou repercutiram por um modo estranho
batendo nas pedras.
Era
como a personificação do desconforto ao pé das ruínas, como a desilusão da vida
junto à morte.
O
tio Joaquim, ao dar com os olhos nele, resmungou por entre dentes — até os
brutos o temem;— correspondeu a um — boas noites,— que nos dirigiu, meteu o
cavalo a meio trote, eu imitei-o, e dentro em pouco tínhamos perdido tudo de
vista.
Dias
depois vim a saber pelo tio Joaquim quem era o guarda do cemitério, e qual a
sua história.
***
Manoel
começara de pequeno num navio mercante, e em pouco chegara a piloto pelo seu
bom porte e bravura. Era um rapaz valente como as armas, destemido como poucos,
desembaraçado como ninguém a bordo e que entendia da manobra às direitas.
Não
havia tempo nem mar que lhe metessem medo: e por mais duma vez salvara o navio
em casos apurados, pela sua presença de espírito.
Sempre
alegre, sempre a cantar, parecia que não havia tristezas que com ele entrassem,
nem penas que se lhe pusessem diante.
Tinham-lhe
nascido os dentes no mar, calhara no navio, e fora dele andava triste como o
peixe fora da água; o pobre do rapaz, também, era enjeitado, e vivia cá neste
mundo sem ninguém que lhe quisesse.
Chegou
lhe entretanto ocasião de deitar ferro em amor e de arranjar amarra de má
morte, pois quebrou no primeiro temporal e que deixou abrir-se e naufragar o
barco de encontro aos baixios da vida.
Manoel
teria dezoito anos se tanto, quando uma tarde, indo em penitencia à igreja de
Nossa Senhora da Penha a cumprir uma promessa que fizera em hora aflita,
encontrou a um canto da igreja, ajoelhada a rezar também, uma rapariga
nova, bonita e toda coberta de luto.
Seguiu-a,
soube onde morava, requestou-a e ajustaram casamento, que só dependia duma
viagem redonda ao Brasil, em que o rapaz contava apurar os vinténs de que
precisava para por a casa. E assim, entre promessas e esperanças, viveram dois
anos, que tanto mediou entre o dia em que pela primeira vez se tinham visto e
aquele em que ia partir para a mal-venturada viagem.
Foram
os melhores da vida de ambos. Ai! quem tem vivido de ilusões e de esperanças,
sentindo um coração a afinar pelo seu no pulsar e no tremer, uma alma unir-se à
sua cada vez a mais a mais até se confundir de todo; quem tem a registrar esses
dias em que o tempo voa nos instantes dos colóquios para descansar, e
demorar-se nos séculos que os separam; quem tem encontrado sempre na dor e no
prazer companhia e afeição, amor sempre, dedicação e sentimento, como só a
mulher sabe ter, e a mulher que ama deve resignar-se para todas as provas, para
todos os padecimentos, porque já antecipadamente tem gozado o maior quinhão de
felicidade que a terra lhe pode dispensar.
Neste
viver do céu tinha passado Manoel dois anos, e tão breves lhe tinham parecido,
que na hora da despedida dava a vida inteira por um dia só mais que fosse.
Mas
era preciso. O navio partiu e o piloto acompanhou-o em corpo, deixando a alma
em terra, e com a alma a esperança e a vida.
Nos
primeiros tempos esteve como doido. Por mais duma vez o navio correu perigo sem
que ele desse por isso, sem que aquela valentia doutros tempos acordasse nos momentos
de aflição; parecia barco sem leme ou alma penada sem sepultura: de nada dava
fé nem a coisa alguma atendia. Depois o tempo gastou as mágoas, as rugas
ficaram no rosto, a saudade no coração; mas o marinheiro tornou a ser o
que era, menos na animação e na alegria, que dessas só Marta podia dizer o que
era feito.
Teve
má sina a viagem. Avarias, arribadas, empates de vendas, dificuldades de carga
demoraram três anos o Corsário em vez dos seis meses, que
deviam de ser. Em Lisboa correu voz de que se perdera, e os próprios donos do
barco descoroçoaram de o tornar a ver.
Nos
primeiros tempos Marta, sempre que podia, chegava ao escritório para saber notícias,
depois foi-se demorando mais até que por fim deixou de aparecer. Bem sabia que
Manoel, apenas saltasse em terra, correria onde ela morava: para que havia de
perder tempo, de que precisava para viver e cuidar do enxoval?
Um
dia soube que se perdera o Corsário com toda a tripulação.
Ficou por morta. Por dois meses padeceu numa cama do hospital, depois melhorou
pouco a pouco, até que saiu tão boa como dantes e mais formosa ainda, porque a palidez
lhe aumentava a beleza.
Perto
dela morava um rapaz, operário diligente e de bons costumes, novo também,
laborioso e honrado: encontraram-se um dia na escada, e cumprimentaram-se. Ela
percebeu no vizinho semelhanças do Manoel; chorou muito, mas pensou no operário
toda a noite; de manhã, para espairecer saudades, estava na janela ainda de
madrugada, e viu o quando ia para o trabalho; depois foi continuando a vê-lo, depois...
as recordações de Manoel começaram a sumir-se-lhe pouco a pouco da lembrança,
como o navio, em que partira, fora desaparecendo ao longe, pouco a pouco, nas águas
do mar.
***
Entretanto
o Corsário entrava a barra, de panos largos em tarde de
primavera, como cisne nadando em lago de jardim. A marinhagem debruçava-se nas
amuradas, e com os olhos namorava a terra, a que a prendia o coração. O sol
baixava, e a cidade estirada por esses montes fora recortava-se sobre o fundo
azul da serra de Monsanto, onde se refletiam, já muito oblíquos, os raios do
poente.
Todos
ou quase todos têm visto Lisboa do mar e todos se tem enlevado em suas
formosuras; mas nem todos sabem o que é ver a terra onde se nasceu, onde se
passou o melhor tempo da vida, onde estão amizades e amores, saudades e memórias,
depois de meses passados entre mar e céu, a perderem-se e confundirem-se um no
outro: e de vastos, que são, a apertarem-nos, a apertarem-nos a mais a mais o
coração e a alma.
Para
Manoel nem cidade, nem montes, nem rio, nem sol, nem céu, nem coisa, que neste
mundo houvesse, valiam a pena dum olhar; uma casinha somente, uma mulher e um
amor, eram tudo, em que pensava, o que unicamente lhe prendia a atenção.
Para
que de mais longe pudesse ver, apenas passara as torres, subira a uma gávea
e dali esbugalhava os olhos para terra, como quem por eles queria que a alma
fosse em procura de Marta. Mal o navio deitara ferro, atirou-se a um escaler, e
agarrado aos remos, porque a seu ver ninguém os puxava com tanta ânsia e tanto d'alma,
voara, que não correra, até ao cais, onde dum pulo saltou em terra.
Mas
dados que foram os primeiros passos com os restos daquele ímpeto que vinha de
dentro, Manoel estacou e ficou pregado ao chão. Tremiam-lhe as pernas,
esmorecia-lhe a vista, estonteava-lhe a cabeça, e o coração, esse, batia-lhe no
peito, como azas de andorinha em horas de temporal.
Que
seria de Marta? Morrera talvez: esquecê-lo-ia, o que fora pior; porque nem a
poderia chorar. Iria encontrá-la casada, perdida!... Instantes de incerteza
como aqueles envelhecem tanto, como anos sem descanso. Fraquejou por um
momento, cobrou animo depois, como o navio, que resiste a um furacão: e, quase
de corrida, deitou para o sítio em que a deixara noutros tempos.
Tinha-se
mudado, era já um mau agouro; as recordações do passado deviam prendê-la àquela
casa, se a abandonara fora porque esquecera também essas recordações.
Manoel
sentia apertar-se-lhe o coração ao bater à porta e ao dar com a cara duma vizinha
antiga que ocupava aquela habitação.
Perguntou
por Marta e soube o que sucedera acrescentado ainda em cima pelas coscuvilhices
de senhoras vizinhas.
Disseram-lhe
que os amores de Marta estavam mais adiantados do que o deviam ser para
corresponderem ao seu bom porte de outro tempo, e que se deixara a rua fora
porque todos ali a conheciam e todos murmuravam da sua vida; que na nova
habitação podia estar mais à vontade, por isso a escolhera; finalmente, e para encurtar
razões, tantas coisas que fariam perder a paciência, a quem a tivesse bem calejada,
quanto mais a quem tinha sangue na guelra e o ciúme a ferver-lhe lá por dentro.
Ouviu,
como se estivera sonhando, parecia-lhe tudo impossível. Marta, a sua Marta
ser-lhe infiel, era para dar em doido. Tanto lho afirmaram, todavia, que o quis
experimentar, e, como o condenado que vai para a forca, seguiu para a morada
nova da sua antiga amante.
Era
já noite, ele caminhava encostado às paredes, e como quem receia cair. A dor também
embriaga, e o marinheiro, que por tantas vezes resistira ao vinho e à aguardente,
fraquejara àquele padecer; era outro homem, as palavras da velha tinham no
mudado de todo.
Ao
voltar da esquina da rua indicada, viu de longe numa janela um vulto, que o
coração conheceu, antes que os olhos o pudessem adivinhar. Era Marta, dizia-lhe
o que sentia em si e os estremecimentos do seu amor.
Mas
quando, esquecido de tudo, ia soltar um grito e correr para a que tanto amava,
um outro vulto que parara debaixo da janela, depois de ter falado para cima e
de lhe terem respondido, entrou a porta que lhe franqueavam e que pouco depois
se cerrava sobre ele.
Marta
desaparecera da janela e em breve aquela casa ficara sepultada nas trevas, como
o pobre Manoel no desalento e desconforto.
Já
não tinha que duvidar, não era sonho, estava realmente acordado, os seus olhos
não o enganavam; esperou entretanto, ora correndo como um perdido, ora parando
como quem ia desfalecer, ora soltando palavras sem sentido, ora rugindo como
uma fera, espumando como um possesso.
Perto
da meia noite abriu se a janela, Marta apareceu de novo, o mesmo vulto saiu e
encaminhou-se para onde estava Manoel, este como fora de si, não vendo senão
sangue partiu para ele, com a faca de marinheiro aberta: ouviram-se dois
gritos, um corpo baquear no chão e uma voz de mulher, que pedia socorro.
***
Momentos
depois já Manoel estava prezo: tinham acudido aos gritos de Marta, e tinham-no
encontrado com a faca ainda aberta defronte de um corpo caído no chão, e a golfar
sangue por duas feridas profundas.
Era
mais do que o bastante.
O
depoimento da vizinhança, o próprio testemunho de Marta, tudo concorreu para
que o condenassem.
Levaram-lhe
porém em conta o bom passado, os negociantes respeitáveis, donos do navio a atestarem
o seu bom porte, uma tripulação em peso de honrados e velhos marinheiros
encanecidos pelo tempo, e crestados pelos soes da linha a dizerem: que ele também
fora honrado.
Os
jurados, santas criaturas, comoveram-se com aquele espetáculo; o advogado do réu,
rapaz de esperanças, vociferou contra as leis de sangue, e discorreu como uma
boca de ouro sobre a alienação mental e as circunstâncias atenuantes; o juiz
sensibilizou-se também, e todos enternecidos condenaram o réu... a dez anos de
grilheta.
Para
um homem como Manoel, semelhante afronta seria pior do que a morte, se no
estado em que se achava, ele a pudesse apreciar.
Depois
que cometera o assassinato tinha ficado como louco, ou pior ainda, porque
parecia idiota.
Um
golpe daqueles, uma mudança daquela qualidade!
Quando
esperava colher o fruto de uma vida trabalhosa e honrada nos braços da sua Marta,
ver-se de repente criminoso, assassino e desonrado; toldarem-se-lhe na cerração
as estrelas, que o guiavam nesta vida, o astro do amor, e o astro da honra:
eram provações de sobra para deitarem por terra castelos mais fortes, e almas
ainda mais valentes.
Manoel
não morreu, mas fraquejou para sempre. O mesmo doutros tempos nunca mais tornou
a ser. Nunca mais o viram rir, cantar não o ouviu mais ninguém: e as rugas, que
se lhe cavaram no rosto, também se lhe entalharam no coração.
O
amigo da humanidade, que inventou as prisões em comum e a grilheta, foi de
certo um grande perverso. Só a um requinte de malvadez se pode atribuir um
invento que envolve e reúne no mesmo castigo, na mesma atmosfera de perversão,
inocentes e criminosos, pois que assim comparados uns com outros se podem
chamar: e que não contente com isso lhe acrescentou a grilheta, exposição
ambulante, aperfeiçoamento da que, em tempos de barbaridade, se aplicava as
mais das vezes a vitimas do que a réus.
A
influencia desmoralizadora daqueles dez anos não alcançou todavia o antigo
piloto: quase que nem os percebeu, tudo era para ele estranho, inexplicável, incompreensível;
um pesadelo que durava muito, e de que esperava acordar um dia.
Entrara
na cadeia de vinte e um anos; saia sexagenário, eis toda a diferença. Aqueles
dez anos valiam-lhe por quarenta; e, mocidade, alegria, sentimento, coração,
vida, entusiasmos doutro tempo, crenças e aspirações, tudo deixara ao sair, com
a grilheta que depusera.
Só
não perdera um sonho atroz, que quase todas as noites o perseguia, e que, salvo
pequenas mudanças, era sempre o seguinte:
Navegava
a bordo do Corsário. De repente o Oceano transformava-se em largo
mar de sangue: debruçado na amurada via-se lá em baixo a braços com um homem,
que lhe ia roubar a sua Marta, inocente como os anjos, pura como a estrela da
manhã, serena como o alvorecer de estio em alto mar, e que dentre nuvens no céu
lhe sorria amor. A luta continuava encarniçada, ele fora de si puxava pela faca;
mas, por mais diligencia que fazia, só alcançava Marta, o seu contrário
escorregava-se dentre os braços escapando-se-lhe aos golpes. Depois o mar de
sangue envolvia-o todo, ia já a afogar-se, e a voz de Marta ecoava-lhe aos
ouvidos clamando; assassino, assassino. As ondas passavam-lhe por cima da
cabeça, o marulho das águas, o sussurro do vento casavam-se com uma voz
confusa, que lhe baqueava nos miolos, dizendo-lhe: não matarás.
Nos
primeiros tempos, em que saiu, ainda teve esperanças de voltar à vida antiga;
mas todos, que procurava, se afastavam dele com terror. Desesperado, momentos
houve em que lhe passou pela cabeça vingar-se de uma sociedade, que castigava nele
um crime mais dos outros do que seu, e seguir a estrada do mal, já que lha
lembravam, e já que lhe tornavam todas as outras impraticáveis; mas o principio
do bem e as ideias que recebera com a educação, predominaram sempre.
Custara-lhe
muitas noites de insônias e de frenesi, horas de amargura, em que chegou a
desejar a vida da cadeia, ocasiões em que a ideia da morte lhe trabalhou muito
na cabeça.
Uma
noite, pelas onze horas, vagueava pelo cais do Sodré depois dum dia passado em inúteis
pesquisas de trabalho, e em repetidas e semelhantes recusas. O céu estava
carregado, o vento soprava em lufadas da barra, o rio estava revolto, as águas
negras, a escuridão negrejava em tudo. Debruçado sobre o cais, remontou-se pelo
pensamento àquela tarde em que, onze anos antes, desembarcara no mesmo sítio.
Como tudo tinha mudado. Que alegrias então, que tristezas hoje! A água começou
a namorá-lo debaixo, o desalento a convidá-lo em roda, ia a precipitar-se, um
braço susteve-o, uma voz exclamou: cobarde! — Era o braço de um antigo
companheiro, a voz dum velho amigo, marinheiro como ele; mas muito mais pobre,
muito mais velho, e que pedia esmola encostado ao parapeito do cais.
Aquela
palavra e aquele exemplo fizeram-no renunciar para sempre ao suicídio. Para não
ser cobarde muitas vezes em temporal desfeito se resolvera a morrer, agora,
para que lho não chamassem, resignava-se a viver. Era maior o sacrifício, mas
para o compensar estava a ideia de que podia ser útil ao velho Estevam: e a
companhia dum amigo que lhe aparecia nas proximidades da sepultura.
E...
porque não havia de concorrer também?
A
esperança, que mesmo sem fundamento algum, ainda lhe dizia que vivesse, e o
acompanhava, como sempre, nos mais atormentados lances?
No
dia seguinte, com o pecúlio que por seu trabalho juntara na cadeia, comprava um
velho barco de pesca, e ambos tomavam posse da propriedade comum não contentes,
mas resignados, batizando-a — Desgraça,— pelo muito que ambos haviam
padecido.
Se
o trabalho faz minorar e esquecer as mágoas, nenhum modo de vida se criou
melhor para o esquecimento do que a vida do pescador. A lida continua e a luta
permanente com o mar e com o vento, a vigília, o emprego de todos os sentidos,
trazem o que nela se emprega sempre voltado para o seu trafego e sempre
estranho ao mundo com o qual só de leve trata: e daí para Manoel aquele labutar
tão semelhante ao de outros tempos, aquela vida, reflexo da outra, reflexo
pálido em que o rio substitui o mar, em que o barco substitui o navio, mas que
nos lances e no trato, tanto lha recordava, era um paraíso, depois daquele
inferno porque passara.
Estevam,
que o infortúnio lhe oferecera por companheiro, serviu-lhe de amigo e de auxílio
durante três anos, em que gradualmente se lhe foram esvaecendo da lembrança os
desgostos e as desilusões.
Se
para Manoel pudesse ainda haver felicidade, quase que aqueles três anos se
poderiam dizer felizes.
Desde
a tarde em que saltara em terra, entre receios e esperanças, nunca mais encontrara
alma onde derramasse as amarguras, que trasbordavam da sua, nunca tivera ninguém
que o compreendesse, nem que avaliasse a sua dor. O companheiro de grilheta,
que lhe haviam jungido, era um celerado, com tantas mortes e tantos crimes, que
horrorizava ouvi-lo, e ainda mais vê-lo rir das mágoas de amor. Ás queixas de
Manoel, respondia com imprecações, e se ele insistia, dava-lhe para que o
deixasse com semelhantes pieguices.
Depois
que o soltaram, nunca nem um só, dos que dantes o tratavam, lhe mostrou boa
feição, todos fugiam do grilheta, alcunha que lhe tinham posto e
que lhe recordava a antiga condenação.
Porque,
clamem embora os filósofos, a reabilitação moral para o criminoso pobre é impossível,
para o rico é inútil, ninguém lhe toma contas nem do passado nem do presente: o
miserável, porém, traz a corrente presa toda a vida, todos lha notam, todos lhe
apontam para ela, e embora ele diga: vejam o que hoje sou; todos
lhe tornam: vemos o que foste ontem.
Por
isso aquele companheiro, que o compreendia, aquela solidão que o não acusava,
aquele mar e aquele céu, que lhe lembravam o perdão e o infinito, foram como um
calmante para a sua dor, como uma estação de descanso na sua jornada de
padecer.
Estação,
que durou pouco e que uma borrasca desfez, numa tarde, em que já recolhiam da
pesca, seguindo pelo Tejo acima, a procurar abrigo em alguma daquelas enseadas
naturais, que o rio abre, nas proximidades de Sacavam.
A Desgraça,
apesar do vento à popa, seguia pouco, e arfava muito porque havia força de
corrente, e a vazante ia com grande rapidez.
Principiava
a escurecer e o vento a carregar com a noite, alguns trovões ouviam-se ao
longe, e um temporal rijo se aparelhava para em pouco. O barco já não dava pelo
leme, e a cada momento se enchia d'água;— ir para diante era quase impossível,
e à primeira onda mais rija, o casco já velho, podia abrir-se de popa à proa.
Posto que não conhecessem a praia, em risco de bater em alguma pedra, tentaram
atravessar, e encalhar quanto antes, depois de esforços sobre-humanos para lutar
com o temporal; mas quando aproavam para terra uma rajada mais forte lhes levou
a vela, e uma onda apanhando o bote pelo costado, meteu-lhe a borda debaixo d'água,
e virou-o logo.
Só
os que têm vivido parte da sua vida no mar é que avaliam bem quanto custa ao
marinheiro deixar as taboas, em que tem navegado, sejam elas de bote catraio ou
de navio de alto bordo. Para Manoel e para Estevam o barco era a fortuna, a família,
o mundo inteiro, que as águas lhes queriam roubar.
Agarrados
a ele, mal se via já, trabalharam quanto puderam para ver se o salvavam; mas,
baldados esforços, o que conseguiam num quarto de hora, perdia-lho num segundo
uma onda mais valente. E as forças a faltarem-lhes, e a respiração a dificultar-se-lhes,
e os braços a renderem-se-lhes.
—
Já de noite— não podendo mais, tiveram de o largar, e por um instinto de
conservação, que nos não deixa nunca, cuidaram de se salvar nadando para terra.
Não era cedo: acontecia-lhes o que sucedera ao barco, e quando mais
cresciam para a praia, animando-se e clamando um pelo outro, porque não se
podiam ver, mais os afastava a corrente, que seguia com uma velocidade de
espantar.
Estevam
não lutou por muito tempo. Mais velho e mais cansado, uma onda abafou-lhe o último
grito, e galgou-lhe por cima da cabeça, entrando-lhe pela boca aberta
convulsivamente num extremo resfolegar. Manoel com o desespero de afogado,
reuniu todas as forças, e num extremo alento enterrou um braço no lodo da
praia, para que a água o não levasse, procurando já por instinto conservar a
cabeça ao cimo d'água para gritar, e tomar a respiração.
Suceder-lhe-ia
em pouco o mesmo que a Estevam se da terra o não ouvissem; correram em seu socorro
com luzes e cabos, nadaram para onde se ouviam os gritos, e agarraram-no pelos
cabelos, quando exausto de forças ia mergulhar também.
—
Quase que não respirava.
A
Providencia velava por ele, era a segunda vez que o salvava.
De
manhã quando Manoel deu acordo de si, viu-se deitado numa esteira perto da
chaminé, onde ardia um bom fogo, e ao pé dele um rapazito de dez a doze anos a
vigiar lhe o sono: já não sentia a fadiga da véspera, e tinha recuperado as
forças com o descanso; ia para se levantar e agradecer aos que o tinham
salvado, quando a criança, pondo-lhe a mão sobre o ombro lhe disse:
—
Não se levante, faz-lhe mal, a mãe não quer; e como ele teimasse, gritou: — mãe,
acuda cá, o homem quer levantar-se, quer ir-se embora.
Á
voz da criança abriu-se uma porta, e uma mulher, que teria trinta anos, quando
muito, e que apesar de cansada pelo trabalho, ainda era formosa, apareceu no
limiar.
Manoel
apenas a entreviu, com o lusco-fusco da madrugada, que iluminava
fracamente a casa, deu um grito, levantou-se cambaleando e enfiou pela porta
meia aberta para a estrada.
Ela
ao reconhecê-lo também, encostou-se ao umbral da porta para não cair no chão.
Era
Marta.
***
O
céu tinha limpado de noite, o dia amanhecera sereno, e o sol aquecia bastante,
apesar de ser no outono. E aquela estrada, então, que era um descampado!
A
meia hora de caminho, andando sabe Deus como, com a cabeça pelos ares e a razão
quase transtornada, Manoel teve de parar, ou, para melhor dizer, de cair num
poial, que estava à beira da estrada debaixo de uma nogueira velha.
Se
não estivesse já experimentado na infelicidade, o pobre homem, que pela sua má
sina parecia ter nascido nas horas da desgraça, finava-se ali de todo.
Mas
a canseira do corpo venceu a labutação do espírito; as horas, que levara de
volta com o mar, o dia que passara e este que ia correndo sem comer; aquela
vista e aquele abalo, tudo junto deitaram-no como desmaiado sobre o poial onde
ficou a dormir, a pensar, ou a esmorecer, que nem ele mesmo soube nunca o modo
porque fora, até que um velho vizinho e que por mais de uma vez chegara ao umbral
da porta a encarar com ele, o fez tornar a si batendo-lhe no ombro e
perguntando-lhe se tencionava ficar para sempre ali estendido.
Manoel
para aquelas bandas não sabia caminho nem carreira, e que o soubesse não tinha
alma de o seguir. O velho compadeceu-se dele, porque pelo fato e pelo falar,
conheceu logo que era estranho ao lugar; ofereceu-lhe, para passar a noite, um
bocado de esteira, para matar a fome um pedaço de pão e uma cabeça de sarda, e
para companhia a sua pessoa e conversação.
Aceitou,
e seguiu o seu hospedeiro como por demais: e, sem dar fé do que fazia, comeu,
deitou-se, e dormiu a noite de um sono.
Só
nos romances é que os heróis não dormem depois de fortes abalos; na vida
vulgar, na vida de todos e de todos os dias, depois dos grandes padecimentos,
vem o cansaço mesmo da dor, e depois o sono, às vezes mais profundo, mais descansado,
do que nas ocasiões triviais.
Na
manhã do dia seguinte Manoel acordava tranquilo e quase feliz. Ao cabo de tanta
luta, de tantos lances, e de tão grandes golpes, aquele remanso, que o velho
lhe oferecia, aquele apartamento do mundo, aquele mesquinho oásis, entre um cemitério
e um ancião que para ele se inclinava e se debruçava sobre a cova; entre dois túmulos,
mas sempre oásis para o seu mundo deserto de afeições e de esperanças, era o sossego,
o esquecimento, quase a felicidade, felicidade da morte, mas ainda assim agradável
para os que nada esperam da vida.
Diz
um aforismo, ditado talvez pela descrença, mas provado pela experiência, que um
dia de desgraça estreita mais amizades do que anos de ventura; contaram-se a
sua vida, comunicaram-se as suas infelicidades, e deram-se o nome de amigos.
Não
eram interesseiros os protestos; e por isso, bem sinceros.
Até
à morte do velho, Manoel viveu na sua companhia; enterrou-o, chorou sobre a sua
sepultura, herdou-lhe a pobre habitação e o descobiçado emprego, e nessa posse
estava quando em companhia do tio Joaquim o encontrei.
***
Haviam
decorrido dois anos depois que viera do campo, e, com toda a sinceridade o
confesso, nunca mais me lembrou em Lisboa, nem o guarda do cemitério, nem a sua
história, que o bom do tio Joaquim me referira.
Tive
de voltar àqueles sítios e seguindo o caminho por onde viera da feira, comecei
a avivar recordações, a recontar de mim para mim aquelas horas tão felizes, tão
descuidadas, tão folgazãs, que me tinham corrido por aqueles descampados, e a ver
por entre as moitas dos valados, que a primavera perfumava de aromas e
esmaltava de flores, as saudades queridas daqueles encantados tempos.
Ao
voltar da estrada quase no mesmo ponto, em que os cavalos se haviam detido dois
anos atrás, deteve-se também o que eu montava; obrigando-me a abandonar aquelas
regiões do idealismo pela realidade de tempo e de lugar.
Não
conhecia os sítios, tive de me orientar, invocando reminiscências antigas, e
confrontando paragens, para me certificar onde estava.
A
igreja, a casa do guarda, o próprio cemitério, pareciam remoçados pelo influxo
de alguma divindade benfazeja. Inspiravam ainda tristeza aqueles lugares, mas
uma doce e plácida melancolia sucedia-se agora ao desconforto e desalento, que
ao atentar naquelas ruínas, nos arrefeciam a alma.
O
musgo estendia por partes o seu luxuriante manto de verdura, contrastando com o
negrejar das cantarias, e dando e ganhando esplendores com o realce. Bandos de
pombos esvoaçavam em roda das escalavradas paredes, casando os arrulhos,
beijando-se, perseguindo-se em revira-voltas graciosas, cortando os ares em
todos os sentidos com elegantes curvas, afagando-se e brincando, espalhando
sobre aquelas ruínas suaves perfumes de alegria e de amor. Perto a casa,
alvejando por entre as latadas de jasmineiros e madressilvas, o velho poial limpo
e rebocado sob um caramanchão de heliotrópios, e até a nogueira velha parecia
mais viçosa e risonha.
O
cemitério, que da pequena elevação, onde parara, se avistava todo, tinha as
ruas limpas e orladas de alecrim e alfazema, as lapides mais desafogadas de mato,
as cruzinhas mais negras, as árvores mais cuidadas, o chão recamado de flores.
Tudo
era novo para mim, mas tudo melhorara com a inovação, e despidas as rugas de
uma velhice precoce ou de uma mocidade gasta e devassa, apresentava-se tudo
agora com as louçanias de uma virilidade robusta, de uma existência descansada,
serena, quase festiva.
Aquele
rejuvenescer estendera-se também ao antigo habitante, que havia visto outrora
sujo, maltrapilho, alquebrado, velho até; e que via agora assomar à porta tão asseado,
tão esbelto, tão remoçado, que foi preciso que me cumprimentasse e que eu o
ouvisse falar, para perceber que era o mesmo.
Apeei-me
e mais curioso de que uma mulher, ou do que qualquer homem dos que neste vício
lhes levam as palmas, procurei indagar o porquê daquelas mudanças.
Talvez
pelo respeito, que todos por aqueles lugares me tinham, consegui de Manoel a
confissão da sua vida na parte que não conhecia, e em que se operara aquela
transformação.
Em
resumo foi o seguinte:
Tempos
depois da morte do seu antecessor, Manoel acordara uma noite ao bater-lhe à porta
o acompanhamento de um enterro, que, como todos sabem, costumam no campo, ser fora
de horas.
Atrás
do caixão vinham chorando a viúva, o filho do finado, e alguns vizinhos, que os
acompanhavam.
E...
para que hei de torturar a curiosidade dos meus leitores, se é que a despertei
em alguns, a viúva era Marta e o filho, aquela criança que vigiara o sono de
Manoel.
Encontravam-se
pela terceira vez, mas desta finalmente para não mais se apartarem senão no
tempo consagrado ao luto. Marta contou-lhe como o Miguel não morrera das
facadas, como se tinham casado depois, e como de Lisboa tinham vindo para aqueles
sítios viver na companhia de um tio do marido, dono da fazenda onde foram
depositar o nosso naufrago.
Viram
ambos naquele inesperado encontro ao pé de um cadáver, a vontade da Providencia
que os reunia enfim depois de tantos azares. Esta conclusão, que nem por isso
depunha muito a favor da sua lógica, pois que o encontro mais naturalmente
provinha da ocupação de Manoel, recebeu sobejo apoio na mutua afeição, que
nunca se sumira de todo e que renascia agora mais valente e duradoura.
Marta
justificou-se a seu modo, e uma torrente de lágrimas rematou-lhe a peroração
talvez artificial, mas de grande efeito para o seu auditório. Manoel
enterneceu-se, acreditou-a, e chorou também. E, regada com as lágrimas de
ambos, desabrochou rápida a flor do himeneu.
Casaram,
não tiveram muitos filhos, não tiveram mesmo nenhum, mas o Miguelzinho, a
quem o padrasto estimava como a si próprio, foi cimento mais que bastante para
aquele templo modesto de felicidade conjugal.
Quando
Manoel acabava a sua história, aparecia Marta à janela chamando-o e lançando
uns punhados de milho a um rancho de galinhas, que andavam pela estrada
defronte da porta; e por uma azinhaga próxima assomava o Miguel tocando umas vacas
e umas ovelhas, que recolhiam do pasto.
—
É feliz!... Disse-lhe eu tão senhor de mim e com uns ares tão sentenciosos e
profundos como se fizera uma grande descoberta.
—
Sou, graças a estes, e (levando-me à porta do cemitério para me indicar uma
cruz abraçada por uma coroa de perpetuas), graças também àquele que me perdoou
o meu crime.
—
Ainda pensa em semelhante coisa?
—
Se penso, quis matá-lo!
Uma
hora depois voltava para Lisboa, se não contrito ao menos pensativo. Aquele espetáculo
tinha-me valido por dúzias de sermões.
É
verdade que Manoel dizia o que sabia, por experiência própria: e a maior parte
dos nossos padres, não sabem o que dizem.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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