TODO PRAZER É UM BEIJO MAL ROUBADO...
Todo prazer é um beijo mal roubado,
morre-me a boca para repeti-lo:
entre o eflúvio de um sonho malogrado
e pela boca das rosas dividi-lo...
Como é bom esse amor, sendo metade!
curto instante à penumbra do jardim...
ao partirmos levamos a vontade,
para que nos volte uma outra noite assim!
Fui despertado pelo luar de impura
noite de lua e desleal ledice...
na embriaguez de lúbrica ventura!
Fui pressentido, ó dura crueldade...
Libertei-me do amor, sem mais tolice,
deixando o gozo todo na metade!...
GOSTAR
Chegamos a gostar de coisas repelentes...
Charles Baudelaire.
Num antro de magia e rúbido mistério,
onde a serpe, a coruja, o sapo têm poesia...
seja negra ou real, a lúgubre magia
em prol da nossa fé em seu áureo hemisfério...
A víbora e o morcego têm duplo poderio,
a áspide produz filtros cruéis para morte:
e na ronda avernal desliza um negro rio...
de líticas visões numa obscura coorte!...
Gostando do que é velho e rude, amei-te um dia...
oh! gasta barregã-ruiva, que a ironias
emoldura de luz na sombra luxuriante!
Vejo, aquilo, que o olhar não vê e não namora!
vejo, não a mulher – o anjo, que lá mora...
a nevoenta visão da aurora inquietante?...
PÉS
Pés de martírios, pés chagados – dores...
que o chão trilharam numa sexta-feira,
Sete-dores chagados pela canseira
do pó da estrada para quem tem amores!
Sete-dores de passos indecisos
que Deus plasmara na amplidão silente...
Sete-chagas de sóis rumo impreciso
de errante estrada para a dor da gente...
Pés descarnados, gélidos, feridos
pelo horror da vida de sofrer ingente,
Pés de Jesus em sangue doloridos...
Chagas do tédio pela existência amara
Rasgando selvas na distância, sente...
ferir-lhe a carne os cordais do Saara!...
SONETO
Tu, que habitas a noite do Universo,
os mundos celestiais onde alguém mora!
Que juízo fará da luz da aurora,
Esse gênio, que vive em sombra imerso?
Sentindo desfilar ante a piedosa
Alma triste que tens de combalido,
à sarcástica, lôbrega e andrajosa
ironia dos lábios de um vencido...
Sonharás transcender pela memória
em saudade tua asa que assemelha
um troféu de apoteose para a glória!...
Ascenderás edênico e intangível
Ante o clangor, que a nossa pela engelha
Como de um lírio o fluido imperecível!...
CANAÃ
Envio-te notícias de meus males,
Chagas da alma... o vendaval da vida!
a doença do corpo, a fé perdida,
mais forte do que o fel da digitalis.
Tudo em ruína: crenças e aventuras!
Rota do infindo sonho, só por Deus...
Quanto ao Brasil renego, é uma loucura
alimentar quimeras sob os céus...
Quando volver às selvas e à alegria?
penetrar no segredo da alga úmbria
ouvir cantar as aves e sonhar...
Então direi que recomeça a esperança...
A floresta, onde escuto murmurar
A voz de Deus no riso das crianças!...
POUSA ALTO O TEU ESPÍRITO
Pousa alto o teu espírito,
olha bem para os meus olhos:
verás que vida, que tenho
não é a tua, sem abrolhos!...
Põe o olhar nos astros,
sonha assim com o meu!
meu olhar, é a noite...
sob o teu, o céu!...
OUVIR!
Ouvir... Só no silêncio das estrelas!
o soluço das coisas e dos ares...
Viver para a emoção das noites belas
à lacrimosa mágoa dos luares...
Apodrecer à sombra de ermo cerro:
ser um tojal, em sombra o meu anelo...
Só, por amor da noite o seu desterro!...
ABROLHOS!
A nossa vida é como um grande rio,
sempre ansiando ser um dia oceano!
ora revolto de brilho, insano...
mostrando a areia e fundo d’ouro, frio...
A púrpura do sol à noite, o invade
em tons frios de mármore e de gelo...
Lembra um campo em declive aonde arde
o arco d’ouro e astral do Sete-Estrelo!...
O olhar abrindo pela imensa estrada
Cheia de sonolência e de quimera,
vê, ressurgir da terra embalsamada
Todo um vergel, de um ósculo fecundo!
o oceano em fúria a desfazer crateras...
e Deus de um astro, transformá-lo em mundo!
SELVA DE SOMBRA E SONHOS DENTRE ASSOMOS
Selva de sombra e sonhos dentre assomos
trazeis ruínas, neles – longe – escombros
de cidades de luz e de harmonia
primaveras com sol e alegrias...
Outonos e verões! – invernos – sinas
de Tristeza pela neve e nostalgia...
Tântalo e aurora eterna aos nossos olhos,
Vergel de rosas para os meus abrolhos!...
CISMAS DA NOITE
Noite irmã da tristeza e da ansiedade
e das almas, que ignoram a alegria...
Sombra feita de assomo e claridade,
Evocadora ideal da nostalgia!...
Tua boca não canta uma elegia!
Calou-se a vibração da imensidade...
como um soluço à frouxa luz do dia,
ou, névoa, que velara a eternidade!
Não te ouso contemplar a face escura
e prossigo a cismar à luz dos astros...
Escondendo entre as mãos a fronte impura!
Para ocultar-me a lúgubre presença
do teu espectro, que ficou no rastro
da estrela, que lavrou minha sentença!...
SONETO
Ah! quando esta alma heroica e descontente
Libertar-se da carne, que a reveste...
Ela, há de adejar incertamente
às paredes de um corpo, mais celeste...
Como uma coruja às horas do sol-poente...
entorno de uma torre esburacada,
que será nosso ser, macabramente,
nos assomos da carne desmanchada!...
Não ter ficado eu, entre as ruínas!
expor à luz dos séculos hiantes...
oculto sob as heras e boninas;
E depois, percorrer meu próprio ser!
em adejos inúteis e inconstantes...
como a andorinha à "Torre-do-Não-Ser"!...
SALOMÉ
Ó bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta...
dentre o incenso da sombra que oura e arde...
Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal "saturniana"!...
(onde os nardos têm ócio do "Mar-Morto"!)
e ergue-se a lua irial, sibariana...
Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d’âmbar colmados
da via láctea que su’alma olora...
Numa auréola de luz e alegoria
Esvaindo-te em sonho musicado,
para a glória do "Mal" que a irradia...
O QUE É A VIDA?
A vida: É uma hora, um dia, a noite triste;
E: – ("La chanson du jour"!) que a bailarina,
interrompendo, diz com graça e chiste...
numa expressão dramática e divina!
Vida, é volúpia, tântalo e agonia!
desgraças mil, letras vencidas, um homem
que perdeu a razão por ironia
da sorte, que os mil nada nos consomem...
Vida: – aventura louca do destino...
o jogo, a sorte... a ebriez d’ópio a Pérsia...
o fausto e a bacana! por desatino!
Vida, teu lábio de ludibrio infindo!
O teu corpo de âmbar se exaurindo,
em perfumes exóticos de inércia!...
ESTROFES DE UM "SONÂMBULO"
Sonho tudo, que amei num crepúsculo extinto
vago a convalescer por horas irreais!
perdeu-se dentro em mim, como num labirinto
raio extremo de luz de dias outonais...
Vivo morto num sonho! Embriaga-me o absinto
da ilusão dum sol-pôr, que as tardes não têm mais...
sou a sombra ideal do príncipe, que sinto
viver a tua luz como vivem os cristais!...
Sou uma ânsia de azul... por silente floresta
ó lua celestial das horas vesperais,
tudo quanto sonhei à tua luz funesta
erra longe de mim, como uma nau partida!
Vejo acenar d’além meus doidos ideais.
E náufrago a sonhar fiquei na minha vida!...
MARIA
Ó que lindo fez-se Maio,
Ó que santa foi Maria!
batizou-se n’água benta
dos olhos da virgem pia...
É mais vivo o teu azul,
do que a seda do seu manto...
fulgem mais tuas estrelas
do que as gotas do seu pranto!
À noite constelações,
lembram fiavas Sete-Espadas
num fulgente cintilar
laceravam corações!
Qual dos dois o mais brilhante,
o mais rico em pedrarias:
E o céu que está distante,
ou o manto de Maria?!...
ÁRIA
(Para o Sr. Mário de Sá Carneiro)
I
Como é longo o dia à tarde
já num rumor devagar,
para a ogiva de teus olhos
na reza do meu altar!
Quanta mágoa vai no sino,
quanta amargura a sarar!
recorda o triste destino
de quem nasceu para amar.
Sino estranho da capela
de remoto eremitério,
Só! me acordas voz singela
pelas horas de mistério!
Quanta emoção traz-me est’hora
dentro de mimo se afundando,
minh’alma se libertando
pelas lágrimas, que chora...
Como é triste ver-se a lua
por detrás do ermo cipreste
recorda a brancura tua
vestida de negra veste.
II
Ó tarde pondo ouvido às folhas mortas,
Insone de silêncio a orar baixinho!
a água lembra vozes semimortas
a uma hora dessa a quem, vai a caminho!...
O outono verte cinza de saudade
à voz do vento, minha herança antiga!
Fui príncipe d’olvido e soledade:
Reinei ausência eterna, audaz amiga!
Minha sombra infantil reza quimera,
no palácio de dor da minha raça
de sina e maldição, que assim tivera!
Aos meus olhos à luz boiando, cismo
que sou alma lusíada que passa...
Sonho – galera a resvalar no abismo!
ERA SOL-POSTO, A PAZ QUE ALI REINAVA
Era sol-posto, a paz que ali reinava
o coração de mágoa envelhecia
e a luz crepuscular já declinava
numa sentimental melancolia!
Parecia do céu, que se exilava
descer chorando aos mundos da agonia
e a essência da su’alma ali morava
como doce, perdida nostalgia...
E foi, assim na vida se extinguindo,
como a pálida chama que amortece
aquele olhar crepuscular fugindo!...
Pra que eu ficasse amando da saudade
a b=branquidão da paz de toda aldeia,
quando eu tornar à minha soledade!
A PEREIRA DA SILVA
A tristeza é um prenúncio d’alegria,
Alegria é um prenúncio de tristeza,
cada ser que floresce é uma alma presa
a um ritmo de perfume que nos guia
Por isso que te fiz névoa de dia
a sombra de minh’alma, na pureza
dessa luz interior, que me alumia...
e revela alguém pela incerteza!
Quando em idílio romântico cintila
o teu perjuro olhar emudecendo,
ante o fulgor de lúcidas pupilas...
Sinto, que vais de mim te transmudando!
para uma nova vida te ascendendo...
candeia dos meus-olhos se apagando!
ESTROFES DE UM SONÂMBULO
Ó noite de espiritual eternidade!
ó silente segredo de além-vida!
Pra que eu sinta em tu’alma comovida,
O tântalo da tua irrealidade!...
Se a quimera é fatal à humanidade,
deixá-la num letargo adormecida...
como em vaga beleza concebida,
num voo de indizível ansiedade...
Desola-me o luar de insônia fria
e as estrelas do céu, cristalizadas...
são espelhos enublados de neblina!
Que por azuis de ocasos de agonia
iremos filhos, de almas fatigadas
ouvir de Deus a prática divina!...
PARA ONDE EXISTE A SÍNCOPE RADIOSA
Para onde existe a síncope radiosa
rosas de luz e estrelas em desmaios,
Eu partirei irmãs misteriosas
para irisar-me nos seus flavos raios!
É lá! Que existe a aurora venturosa
e o olor primaveril de tantos Maios!...
Que se foram por áureas primorosas,
Quando a lua tem síncope e ensaios!
Lá! Não teremos nem pesar, nem males!
nem temor, porque tudo se faz prece...
de um luar que pela abóbada ressumbra!
São solitários, silenciosos vales,
onde a luz de um crepúsculo anoitece...
e a lua traz recados à penumbra!...
SENHORA DO CREPÚSCULO
Embuçada na noite do seu manto
percorre a Via-Láctea silenciosa
o areal da praia misteriosa
onde aporta a falua do quebranto...
Onde os passos incertos de uma sombra
pisam leve e vagueiam na amplidão,
onde é sonho e ressumbra toda alfombra
à castália de luz do seu perdão...
Onde é neblina e lua e por acaso,
se é sol, um jalde espírito o enfumaça
ante o espectral fenômeno do ocaso...
Brilha um vislumbre d’olhos de criança!
numa entrevista luz de tarde baça...
"Doce-mãe" piedosa da esperança!...
CLARIVIDÊNCIA
Vem comigo beber o vinho amargo
dos nossos tenebrosos desenganos:
Mensageira leal da flor dos anos,
celeste, como a paz d’alma letargo...
Deixa a nobreza dos brasões tiranos
e faz-te à noite adusta do mar largo,
consome-te na fé dos teus enganos
Que o mundo para o homem é um vil encargo!...
Vens dos infernos, das paixões adustas
para os etéreos de ilusões venustas....
acarretado de nevrose e spleen!
Para irmanar-te às nossas boas almas,
Que são pujantes celestialmente, calmas...
qual céu d’amor, que te concedo, enfim!...
AMORES DA LUA
És a lua da minha-meia-noite
e vou contar-te a lenda merencória
de uma lua, que morta foi a glória
do mar, do vento num funesto açoite:
"Incendiou-se a nau da fria lua,
imergindo no mar adormecido...
o mastro ao mergulhar na onda tressua
na incerteza, que a lua haja morrido!"
Temo a tua beleza e essa magia,
que me enerva de astral melancolia...
desse amavio de teu vil ressabio...
Amo as glórias do sol ao fim do dia!...
e no libar o pomo de teu lábio,
cendrava-se o sabor que me sabia...
RIMAS À LUA
Dorme em lascivo leito, reclinada...
repontado de astros e fogueiras,
ateias a coivara prateada
dos caminhos desertos, pegureira...
Lua! da meia noite, solitária,
Urna errante pela nave do infinito...
Cravas o lácteo incêndio funerária,
às montanhas geladas de granito...
Peregrinando em tua marcha hiante
e exausta de fadiga em água amara
buscas o mar, o oceano o teu amante...
Artista, cuja tela, ao ver te aclara!
nesse sonambulismo inebriante...
em suas vagas verdes te enlaçara...
RIMAS: DESALENTO?
Circunscritas à órbita celeste
as estrelas nas chamas se consomem
na terra o labutar tem-se no homem
o cativo do amor em vale agreste...
O eterno cativo, sem ventura,
desalentado cavador que espera
em sombria região pela noite escura
encontrar o ouro finos da quimera
Encontrar a ventura de uma aurora,
onde encontrá-la se ela agora dorme
olvidada no pó de quem não ora...
olvidada nesse vale desconhecido
onde nunca alvorece e a paz é enorme
e o bem, perjuro "amor", incompreendido!...
ÊXTASE E TRISTEZA?
Por que choras amor, quando a tarde declina?
Se a treva vence o céu e o espaço se constela
Se a tristeza do dia doura o nicho da estrela
onde mora a ventura e a graça peregrina...
Não chores, pois se amas a dúlcida alegria,
alegria auroreal, quando a noite se olvida
aos raios da manhã como um lilás sem vida,
doce irmã da paixão, gérmen da nostalgia!...
TORMENTO?
Aqui, tudo termina: ânsias da vida,
Sonhos – troféus, – vaidades mais reles
de lacrimosa terra, a digitalis
rubra da dor esvai-se esmaecida...
E um tântalo, essa ânsia apetecida!
nunca, que aflora à boca de seu cálix...
a água de seus olhos, por seus males
aos lábios dessa sede ressequida!...
O romântico amor em suas crises,
desalentado pela vida afora...
vai fazer "jus" à "seiva das raízes"!...
Ante o "Aqui-jaz" e a placidez de um fulcro...
a sua alma tantálica da aurora,
baixa ao festim dos vermes do sepulcro!...
DEUS NOS TEUS OLHOS
Olho a curva infinita do infinito,
Teus olhos vejo, abóbada nublosa...
Fonte perene, d’alva luz radiosa
refletindo vago espírito de um mito!...
Não é, só, ela a causa do meu grito
de espasmo doloroso e de agonia...
mas sim, a expansão de alva alegria
de quem fendeu o áspero granito!...
Seja filha da terra, onde a minh’alma
liberta-se transpondo a beata calma
das franças de uma selva, que vivi!
Espargindo-se em lôbrega distância
de crepúsculo, a lânguida fragrância
desse Deus, que eu adoro e nunca vi!...
QUANDO EU, ESTIVER JÁ PRESTES
Quando eu, estiver já prestes
de chegar ao meu "ocaso"!
Desejo de ter um prazo,
um prazer de ver-me a leste...
Dei-me a lua por morada
Se tudo acaso, é de Deus?
Reza por mim minha amada.
Roga por mim, pede aos céus...
Que um dia por lá te encontre
em lindo vergel bordando
um véu de noiva defronte
do espelho do sol, te olhando!...
MALDIÇÃO DIVINA
Do velho mundo – o tétrico cenário
dramático, infernal pelo demônio;
Ei-lo, a arena de dores, o estuário
de sangue rubro para um pandemônio!...
Lança caudal de fumo sobre a terra
Letes sangrento e vivo torvelinho
de vidas, que se vão pelo caminho
turbilhonando num fragor de serra!...
Escombros hirtos, que vincula uma era
de fel e agruras, de tormenta brava?...
devastando as florentes primaveras
Da vida humana, para o caos profundo!
Ante a Geena de uma noite cava
que há de tragar a fúria deste mundo!...
RIMAS "TREVAS DO DESCONHECIDO"
Pela primeira vez eu senti bater mansinho,
depois, mais forte ainda uma estranha emoção...
Era o primeiro afeto que viera sozinho
despertar em meu ser divina sensação...
E acordando a minh’alma que sonhando vivia
na sua ebúrnea torre de inocência a sonhar
arrebatou-me à luz da aurora em que dormia
Consigo levou-a para bem longe andar!
Para os mundos da luz e da clarividência
Levou-me para beber um vinho peregrino
embriagado deixou-me em vaga sonolência
ao despertar de mim senti-me mais menino...
Saí beijando o luar e as flores do jardim
E nunca mais feriu com tanto ardor assim.
RIMAS
Por que criaste o fel, e o vinho da ilusão?
porque criaste o amor, assim como Jesus...
criara a luz do luar em jorros de perdão
a refulgir no olhar dos astros sobre a cruz...
Bebo à taça do ideal o vinho de Mefisto
subo e desço e percorro as trevas deste mundo...
Sou autômato, em vão busco a causa, o imprevisto!
Volverei livremente às plagas do iracundo...
Vou além, muito além nesse engano perdido.
num sonho divinal de tântalos profanos
a essa porta ideal fechada há tantos anos
Abrindo para a luz do meu desconhecido...
Abrindo para o sol-pôr de vago acordamento
de inocência e de carne à crua realidade,
tenho a impressão que infância é uma rosa ao relento,
e a juventude um céu de sonho e castidade!...
SONETO
Âmbito torvo, originando a vida,
tentação do prazer e da luxúria...
para o amor dentre a linha indefinida
da beldade — obra lúbrica da incúria...
Ventre de nívea e lânguida epiderme...
escultura vampírica da carne:
Que mão fascinadora de arte inerme
Te plasmou na ilusão da neve ou marne
Concepção de vetusta e egrégia graça
ventre de ciência que sugere a ideia
da noite sibariana, onde perpassa
Todo delírio e lésbico desejo
da linha ebúrnea e fria que o sobejo
do meu burel não vence essa sereia!...
HORA DE INSÔNIA
Noite sem termo! A lua erra em delírio,
balbucio palavras sem querer...
cismo no olor vernal d’alma de um lírio,
e sou memória d’algo a transcender...
Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio,
Ressurjo... amo a visão do meu Não-Ser!
Todo meu corpo é amorfa névoa – círio...
volúpia de um perfume a se perder.
Cismo na errante estrela, que deslumbra
o vaso de teu ser dentre o relento
num murmúrio de fonte que ressumbra!
Sou o olfato! Amo as horas de um jardim...
Sou uma vaga sonora em pensamento:
Eflúvio lirial que vens a mim!...
NUDEZ TENTADORA
Morre-me a boca em lúbrico delírio
por beijar te e plasmar teu corpo, ó linda!
loira visão de sonho num martírio
de imaculada palidez infinda...
lnanimando o mármore da carne
em cilícios cruéis como encantada
estátua para o amor desacordada
num laivo de Afrodite dentre o mame...
Sonhe ou durma no aspecto por silente
que seja o céu que paira entressonhando,
rompe a clâmide fúlgida e aparente...
De viva perfeição na imperfeição
da carne em suas súplicas colmando
o azul de estrelas para a tentação!
TENTAÇÃO DO OURO
A insânia d’ouro, a mórbida cegueira,
o delírio de sólidas cabeças...
Que leva o homem ao crime e à bebedeira
do odiar a vida antes que envelheça...
Talvez, que teu malfado — ó vil tenório!
acarretas a sífilis nos ossos...
dando hospedagem à lepra e mais destroços,
como flagelo ao mundo merencório...
Ó D. João, ó parva mascarada!
rompe a grotesca máscara banal,
mostra a fisionomia embriagada...
Ante a loira e seráfica beldade
fantasiaste o amor no fel carnal,
como és um pulha dentro da vaidade?!...
ÚLTIMA ESTROFE DA DESESPERANÇA
Quando cessar o mórbido tormento
das misérias do fado que nos resta?
buscaremos os encantos da floresta,
a blasfêmia da fonte contra o vento...
A maldição da noite contra a vida,
as injúrias dos astros contra a aurora;
os soluços da alma arrependida
ante a desesperança de quem chora!
Porque tudo é agônico desejo,
sôfrego e amargo em fuga pela ironia
do destino cruel que sempre vejo:
Esfarrapado à porta das herdades
de crestados jardins com ramarias...
Que me foram perjuros n’outra idade!...
ILUSÃO DO ALÉM
Imponderável como a luz da lua fria
São as nuvens do ar à espreita do calvário
o éter que se evola é quase uma agonia
roxa, quase lilás igual a de um sudário
Imponderável como a bolha que o ar levanta;
ergue-se à luz e se desmancha inerte e morta,
mais, um sonho infiel voando já me encanta
embora a me trair bem junto a minha portal...
SONETO
Ó cabelos das ninfas desgrenhadas
errando à noite em lua no arvoredo...
vagabundas visões da madrugada
entrevistas à luz de algo segredo!
Ó suplicantes formas de beleza,
todas de rastos, de aneladas tranças...
Eleitas vidas, que alimentam esperanças
e erram de tarde em tarde na tristeza...
O Tântalos de sonho do poente,
corpos vagos de incenso... horas douradas...
jardim lilás de orquídeas do ocidente...
O imperdurável encarnação de ninfas
Lá! se vão sobre nuvens reclinadas!
como sobre corcéis que cortam linfas!...
TUDO EM FARRAPO, A ALMA COMBALIDA
Tudo em farrapo, a alma combalida
eu beberia o sangue, não saciado,
Eu beberia a minha própria vida!
Se fosses vinho ou dúlcido veneno
eu beberia bêbedo sonhando,
eu beberia impávido, sereno!...
SPLEEN DOMINADOR
O tédio nos arrasta para miséria
em vampírica ânsia deletéria
para tirarmos um sono no sepulcro...
Fugimos a manhã, a vida bela,
temos pavor do ósculo mais pulcro
da estrela que apagou da dor o fulcro
e aclarou os abrolhos da procela...
Procuramos o abismo, o caos infame,
as geenas cruéis do inferno humano
o fel e o desespero, a goela enorme,
para assim nos tragar: divino arcano...
Por tudo que é perjuro e mentiroso
procuramos o mal dentro de um gozo...
e nunca a "ti", ó monstro desumano!
Ouro que és tentação à nossa glória,
a primavera, os vinte cinco — a estrada
aberta às aventuras que a memória
floresce um pedestal pela alvorada...
Nunca à costa de penas e naufrágios
de quem anda a correr de plaga em plaga
entre as ondas e oceânicos adágios
que os nossos sonhos do viver apaga...
ANTE A VOLÚPIA DO OURO FASCINADA
Ante a volúpia do ouro fascinada
e da carne viril que desabrocha
como rubra papoula enamorada
ao sol que doura a formosura em roxa
Madrugada de amor luxuriante
Que propicia letárgicos venenos
e enerva de perfume extravagante
a estuante maré de Ondina ou Vênus...
Reflui e esplende o ouro da tu’alma,
o aljôfar e a gema fulva da orvalhada
pio vergel de teu corpo que me ensalma
Temo essa hiena oculta do teu peito
Que pode desfazer o bem perfeito
do ouro da luz do amor às alvoradas!...
ONTEM, QUANDO VOLTEI
Ontem, quando voltei, viera d’alma enferma,
por ver tanta miséria e tanta cobardia...
frio estava o jardim, a praça um tanto erma,
corria sob o luar a queixa da agonia...
A tarde teve sol, algumas nuvens densas,
um vento glacial assim, como o abandono...
fora a asa do tédio, – o gérmen das doenças
o presságio augurai do meu nevado outono!
A taça do ideal – é um Tântalo dourado!
talvez devaneando à cor de um lindo ocaso,
onde as nuvens para além, são centauros alados
Mas, tudo passa e esquece – o amor os incendeia!
escurece-se o azul à luz da lua-cheia,
se a bruma acaricia as coisas por acaso!...
VAI ALTA A LUA LÍRICA E SILENTE
Vai alta a lua lírica e silente,
toda paisagem em sonho se embebeu!
narra a si mesmo o eco, vagamente...
paira a auréola da luz dentre os céus...
Parece madrugada! um galo canta...
uivam de tédio os cães, não chega o dia!
pois se o luar turvou minha alegria...
e a noite toda de uma mágoa santa!
Outono! vão-se as horas... e lacrimosa
é tão triste a vereda e a própria casa...
traz saudades da vida religiosa!
Cada vez mais o luar neva e cintila...
seixos em pranto à flux o areal abrasa,
e a água por ser ceguinha erra e vacila...
OUTONO DE HORAS DE ALMA SILENCIOSA...
Outono de horas de alma silenciosa...
rola a última folha!
rola a última lágrima saudosa!...
Outono! Meu outono que só molhas
o campanário e as árvores, sem folhas...
num rosário de pérolas algentes!...
VIOLINO DA SAUDADE...
(A Paul de Verlaine)
Encantado violino da saudade,
que desenterras o meu tempo azul;
enlaivado da mágoa, que me invade
pelo silêncio da minh’alma êxul...
Choras... e o teu soluço se ilumina
como Via-Láctea que nesta alma mora
sacode-o brutalmente, e se a domina
põe suspiros de vento numa aurora...
Eis a razão de tudo colorido:
olfato, paladar, ouvido, olhar...
rompe da sacada, assim como um gemido!...
É uma forma de ser mais singular...
que anseia muito além do meu sentido,
Remotíssima’ orquestra a voz de um mar!...
A IDEIA...
...ir ao fundo
desse profundo e lúgubre oceano...
Descesse a alma, como desce a vista
ao tártaro da treva de um arcano;
como um farol de estrela impressionista
nesse profundo e lúgubre oceano...
Por celestial, divina contingência,
vejo descer às sirtes e às areias
a visão estelar, onde as sereias,
vagam à lua pela verde transparência...
Por mal da noite em efêmera ledice:
é galera, a esteira que predisse...
À aurora, ser dor, da minh’alma inglória!...
Entre parcéis, recifes e amargores...
naufragando no oceano da memória
à lua de perjurosos dissabores!...
SÚPLICA DAS NINFAS
Ó cabelos das ninfas ouro a iriar-se!
chorando à noite em lua no arvoredo:
desgrenhadas visões do meu segredo,
passando ao poente num espectral disfarce...
Ó suplicantes formas de beleza,
todas de rastos, de aneladas tranças:
Eleitas vidas, que alimentam esperanças...
e erram de tarde em tarde na tristeza!
Ó tântalo de sombra do sol-poente!...
corpo aéreo de incenso... Horas rezadas...
jardim lilás de orquídeas do ocidente!
O imperdurável encarnação de ninfas...
Lá! se vão, sobre as nuvens reclinadas,
como sobre corcéis, que cortam linfas...
COMO SOIS DOCE NESSE AMARGO TRANSE?
Como sois doce nesse amargo transe?
— igual a um lago que o ar da tarde franje...
o espelho azul de superfície quieta...
Vós sois iguais a neve aureolada,
em róseos flocos ao romper da aurora:
Tendes a linha ereta, como outrora
tinha a palmeira de grácil estrada!
Éreis a espuma loira da esperança,
o tule d’ouro, que enlacei minh’alma...
essa expressão sonâmbula, que ensalma
a eterna beleza, que não cansa!...
MONÓLOGO DAS COISAS...
Que vida religiosa, parecia
sonhar na paz daquele cemitério
as plantas tinham alma e a voz dizia
que falavam pela boca do mistério!...
Tudo revela, misteriosamente...
As árvores eram numes, que falavam,
e num vago silêncio do inconsciente...
eram sonhos silentes, que rezavam?...
Sobre a asa de um sonho, quero tê-las!
sim, oniricamente, comovidas...
ver a noite passar sobre as estrelas!...
E os astros, repetir quase em segredo:
num músico murmúrio... porque a vida:
E um sussurro orquestral de vão degredo!...
O QUE DIZEM AS COISAS...
Que vida religiosa, parecia
dormir na paz daquele cemitério
as plantas tinham voz e a voz dizia...
Quê falavam pela boca do mistério?!...
Tudo revela, misteriosamente,
as árvores eram numes, que falavam...
e num vago silêncio do inconsciente,
eram sombras silentes, que rezavam!
Sobre a asa de um sono quero tê-las!
Sim, noctivagamente comovidas,
ver a noite passar sobre as estrelas...
Espero a noite ao hálito do além!
perdeu-se pela estrada do ignorado...
(nesse eterno, monótono "vaivém"...)
NARCISO (ESPELHO D’ALMA)
Teu ser, além se auréola de tristeza,
meu sentido na abóbada distante
da tarde esvai-se em laivos, delirante...
para encerrar na mágoa a natureza.
Tua essência é memória transcendente
e, mais surpresa de algo, que além mora:
E um raio de lua transparente...
no espelho dos lagos, lá, da aurora!...
Vive em ti por mim na imensa esfera,
passas, como um meteoro, que arrebata;
levando a alma para além-quimera...
Há golcondas de ofir nesse infinito
e harmonias de um céu, que se desata...
na superfície desse espelho invicto!...
CARTA A ALÉM-TÚMULO
Eu tive a conclusão de que isto é o nada
e a alma é uma flor, que mesmo murcha odora...
partir nada adianta, o mundo é a estrada,
onde, já tateei e piso agora!...
Todos os males, aqui vou sofrendo...
partirei o mais breve, que puder:
a mágoa, que alimento ela assim quer,
crepúsculo profundo anoitecendo...
Partir é uma ilusão de quem não vive!
amo a tua alma por sofrer comigo,
E uma alquimia as horas, que não tive...
Visão leda do sol à cor extinta!
ausento-me. É tua alma o meu jazigo...
erro no ouro astral, que a tarde pinta!
ONDE IRÃO MINHAS NAUS?
Onde irão minhas naus? ter a recifes!?...
o ônix fundear em noite de ilhas
e a bordo ter cadáveres e esquifes?...
Desengano voltar ao velho-mundo...
e anoitecer sob um palmar de antilhas
e ao longe a lua ver se erguer ao fundo!...
PARA ALÉM DO QUE EU SOU
Para além do que eu sou, oh! doida bizarria...
E outro o azul, e não simples urna de ausência...
São teus seios boiando à luz da lua fria
colinas a dormir e o luar em sonolência!...
Faz das rosas seu sonho o barco da beleza...
"Mãos à feição de concha" a embebê-las de luar!
Sonham olheiras cristãs as tintas da tristeza,
sois lágrimas da cor ficando por secar...
Adormece em cetim os fêminos odores,
deslumbra e apaga a luz das pedras e das cores,
igualando-se a noite em velas apagadas...
Só! Teus olhos enevoaram a noite dos diamantes,
guardam a mesma beleza dos olhos das violantes
dos olhos ideais das moiras encantadas!...
NOITE DE AUSÊNCIA
A ausência...
É um longo inverno em torno do viver
A. Luzo.
Quando alvorece o dia triste e lento,
ou, vente e chova à noite sem parar...
de manhã ouço opressa a voz do vento
toda mágoa das horas a ritmar!...
Tumulto estranho d’almas, num lamento
entre o sonho e a demência a resvalar...
são todas de minh’alma em desalento,
num jardim de Além-Túmulo a vagar!
Encarnação de voz numa só alma,
manhã remota de horas a viver...
que em gestas de arvoredo já se acalma...
Acordarão num ângelus de outono
entre a dúvida e as cinzas do Não-Ser...
no mistério da morte e do meu sono!...
PASTOR-ASTRAL
As ave-marias,
matiz de matizes
das flores dormentes
à hora do poente
na prata dos lagos
que caí docemente...
Fusão de matizes
de pedras preciosas
na minha ilusão,
morrente nos olhos de alguma menina...
Senhora do amanhã
passos perdidos pela imensa sombra...
da igreja da noite...
Pousam réstias de luz, clarões estranhos...
desdobrados do manto das estrelas
de espiritual claridade
de olhos absortos para o infinito
como quem sonha
e comunga com Deus
Senhora da aurora
da hora celeste!...
ALMA, SOBE AO TEU CIMO TRANSCENDENTE
(À memória de Ronald de Carvalho)
Alma, sobe ao teu cimo transcendente,
na tua ânsia de indelével asa...
e fulmina o destino impenitente
e o elo hercúleo, que teu sonho apraza!
Não devemos a dor nunca abrigá-la
nesse âmbito êxul da fantasia,
todo bordado a pérolas e a opala
de uma tarde longínqua em agonia.
Quando eu daqui me for, hei de falar-te...
do teu saudoso adeus à terra e ao mundo,
nirvanizado pelo fulgor de Marte!...
Acenarás à frouxa luz da hora,
de uma estrela, do claro azul profundo...
do hálito argivo de uma eterna aurora!...
OS TEUS SAPATOS VERMELHOS!
Imóveis, como à espera
da dona para os calçar:
quantos espinhos tivera
neste mundo, que pisar...
Talvez, em busca de um sonho,
de ventura, meu amor!
de ventura, que suponho...
morar à milhas da dor!
Amanhã, empoeirados...
velho, encardido o cetim,
ficarão abandonados...
Os teus sapatos vermelhos,
que cingiram os teus artelhos...
olvidados, já por fim!...
ENQUANTO OS MAIS MEDITAM
Deito o olhar entre as trevas e vejo a noite
desdobrar o seu manto constelado
e a linha do horizonte enevoado
desdobrar-se pela dor de rude açoite...
O vento e o mar dramáticos investem
contra as fráguas: é a vida, a fúria humana!...
e fecham o grande círculo da insana
luta dos elementos, com que vestem
A órbita do mundo sem poesia,
que decresce pelo tédio dia a dia...
e, a gente sente indômita saudade!...
De volta ao inerte e à frágua dura,
diante da "eterna aurora" sem ventura
que se resume em lama das vaidades!...
VENENO QUE NÃO CURA
Todo passado é um rápido segundo:
sonhos e amores, tudo lá se vai!
anelos e paixões que o pó do mundo
apaga e encobre, quando a noite cai...
Ilha de luz radiante a nossa estrela,
namorada da esperança e da quimera!
voltando o dia fico à sua espera
à janela da noite para vê-la
Bendita seja a luz, que assim me ilude...
a beleza fugaz, que nunca pude...
dominá-la e detê-la, longo instante!
Louvados sejam a vida e a terra toda
e o noivado da luz em fulva boda
que envolve de carícia o sol radiante
RAIZ DO TÉDIO
Vivendo, como vivo desolado
a lidar entre os homens venturosos
tenho tédio por ser um condenado
a mentir no viver entre ditosos...
E a mentir morrerei divina musa
pela ironia da vida e do meu fado
porque eu não morri, quando fadado
pela sorte, para além da "terra lusa"?!
Fui um rebento verde que minguara
vivi à sombra d’outrem por piedade...
não de dores com o que o aguardara
Envelheci... ficara desfolhado
pobre choupo no inverno enregelado
a bocejar ao vento e à eternidade...
AMOR E LAMA
Alma de cortesã, alma de lama,
vestida de veludo e pedrarias
através de tua pela fulgura a flama
dos germens da luxúria e da anemia.
Planta exótica — cactus da esprísia
na volúpia da lua e da agonia...
pela ambarina neblina dessa incúria
que envolve estrelas e escurece o dia...
Lama fulgente, patamar da tarde
eco vago de sino amortalhando
a envolvência violácea desse alaúde...
Que vai morrendo com som rouco e aziago
pelas quebradas teu corpo errando
em procura de amor que não foi pago!...
DA MINHA JANELA ABERTA
Da minha janela aberta,
vejo passar muita coisa!
Toda amargura liberta,
para a tristeza da lousa...
Ao homem de sentimento,
a vida não vale nada!
a vida é nuvem, que o vento
leva à luz da madrugada!...
Ó homem desamparado,
a tua vida sem guia
é a corda de um relógio
que trabalha em agonia!...
Marcando horas aflitas,
instantes de desventura...
Que sejam sempre benditas
as tuas horas escuras!...
ERRANDO TEUS LINDOS OLHOS
Errando teus lindos olhos
pela fronde da alameda:
cisma o cisne de uma leda
pela sirte de meus abrolhos!...
E ao recair em repouso
todo jardim no veludo
do teu olhar, onde pouso...
todo o sentido de um mundo!...
OUTONO
Outono, meu outono nebuloso,
choras por mim como gentil criança...
o teu pranto meus sonhos embalança
num ritmo de saudade doloroso...
Chora teu ser pela vereda branca,
neva teu manto e as folhas caem frias,
que cruel e letal melancolia
vela a paisagem que a doçura estanca?...
Só vejo ruínas, casarios ermos!
há neve em meu caminho desolado,
a dor tem ar de míseros enfermos...
Sigo aos tombos já velho para a lida
Sou a cigarra que viveu no prado
e não viu flores pela sua vida!
NOSSA SENTENÇA
Sofri... chorei e o pranto deslizava,
como um rio pela noite sem luar...
e as noites eram vãs e em mim queimava
o fogo de um vulcão canicular!...
Vi a noite passar! Seguir-se a aurora...
e mais auroras vagas de elegias,
e a dor continuava, como a nora
Que o choro nunca cessa pela agonia...
Para aonde iremos irmãos nesta jornada?
entre a cega ambição por um ideal
e o desalento d’alma fatigada...
Iremos penetrar na alva floresta
de lendas e crepúsculo, por esta...
Estrada azul fugindo ao nosso mal!...
AMOR!
Esperei-te esta noite à margem do caminho,
a aurora era silente e a névoa muito fria,
Tinha sono e cansaço e longe do meu ninho
senti desfalecer a minh’alma vazia...
Olhava para além, pela estrada deserta
nada avistava, que pudesse me alegrar:
tinha minh’alma erma e o coração alerta,
Só, noite entorno a mim, amor, a te esperar...
Abalei-Me descrente e noivo da esperança,
na ilusão de amanhã então nos encontrar...
para irmos talvez de braço com a aliança
do teu olhar azul amor a enfeitiçar!...
PENUMBRA DO LUAR
Noite de lua e nevoeiro, argente
difunde-se o luar pela folhagem...
com a mesma languidez vaga e dormente
da chuva, quando cai sobre a ramagem...
Como música ao longe e som dolente
recorda todo esse abandono... e a aragem
que passa, agita o olor suave e florente
vindo das messes, da vernal paisagem...
E o luar cresce através de ermo arvoredo,
noite chuvosa e triste a lua ateia...
fluida névoa de luz... sonho... segredo...
Ao ressurgir das coisas na saudade
que o silêncio evocou... e à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade...
VONTADE OCULTA
Toda uma força oculta nos domina,
entrechoca-se as ânsias com o desejo;
nossos sonhos são nômadas no adejo
de incontida vontade peregrina...
Ao longe, muito longe em moribunda
claridade de tarde sibilina
adejam as esperanças na neblina,
que a natureza extática circunda...
Há sempre um sonho a esvoaçar na mente,
mas a força divina, que desmente,
arsilada de todo o coração...
Porque a aurora é uma pálida quimera!
Talvez, efeito de avernal cratera
da luxuriante chaga de um vulcão!...
NA VIZINHANÇA DAS ESTRELAS
Moro com Baudelaire e mais um gato preto
minha ardente paixão e doce companhia,
aumenta-me o prazer e a linda bizarria...
de ser possuidor de uns olhos de amuleto!
É meu vizinho ao lado um jovem sapateiro,
prazenteiro e feliz em calçados labora
para a futilidade à luz de um dia inteiro,
Ei-lo a cantarolar... liricamente à aurora!
Cantarolando finda até que vença o dia!
e o crepúsculo traga à longa face fria,
uma lágrima em som de mágoa e solidão...
Oh! bisonho viver... que vontade me trazes!...
Desejo de ir ao campo e aos esponsais do verão...
ver a luz estiolar os ninhos e os lilases...
CANTIGAS DO POVO!
Dizer que as canções do povo
não têm autoria certa:
E negar, que a luz que entra...
vem de uma janela aberta!
A pedra, as ervas e as areias
também tiveram princípio
vieram do ventre das "cheias"
do rio de um município
Algumas milhas "daqui"!
que vêm quebrando entre seixos
aqui e ali, onde deixo...
um sinal, onde esqueci
Todo bem pelo Senhor!
a vida do meu amor!
pra provar que tem começo
Pai e mãe pelo Senhor!
A cantiga, que a vizinha
canta de manhã meu bem!
Pode ser tua e ser minha
ainda ser de mais alguém!
Ela teve origem e berço,
embalou-a o meu amor!
ela anda no meu terço
de amarguras e pudor...
MORTE ROMÂNTICA
Se eu pudesse dormir mais cedo do que o vento
acautelar a dor e o coração desfeito
sonhar pelo o infinito e viajar no eleito
e a arcada percorrer do astral em pensamento!
Adormecer de vez à dor desse oceano
implacável, sinistro, o monstro vagabundo...
que anda errante em além-Hora, atravessando o mundo,
ou, o universo-sem-par dos ideais e arcanos...
Morar silêncio e pó... seria uma utopia...
– a riqueza maior de todas as quimeras,
Não ouvir estrugir o mundo da alegria!...
O éter fluído transpor na angústia que o deplora
ser noite e converter-me em lua de outras-eras...
verter sobre o teu corpo as lágrimas da aurora.
SAFO!
Fascina-te a beleza e a formosura langue,
a juventude em flor ao vir da puberdade...
quando alguém desabrocha em sentida vaidade
o infrene furor da languidez do sangue...
Preferes a mulher dentro da extravagância,
és excêntrica e lésbica de forma voluptuosa...
masturba-se teu ser na áurea langorosa,
tensa instinto de hiena e capro na inconstância
Liba da nuca ao ventre o corpo de uma ninfa...
Enlaças-te ao pescoço e num desejo ardente,
Oscula os pés e o seio seu carícia de linfa!
Tens impulsos de Adônis em tua ruiva cegueira
íncubo feminil, que sorves lentamente,
o almíscar carnal de tão doce maneira!
DEIXA AS ALTAS PENUMBRAS DO TEU MUNDO
Deixa as altas penumbras do teu mundo
e desce apenas aos umbrais da vida:
verás então a dor indefinida,
a arte de satã gênio fecundo...
Ouvindo desfilar ante a piedosa
alma triste, que tens, de combalido...
à sarcástica, lôbrega e andrajosa
ironia dos lábios dum vencido...
Sentirás transcender pela memória
em relevo a tua asa, que assemelha
um troféu de esperança para a glória...
ressurgirás edênico e intangível!
ante o mistério de uma noite velha,
como dum gênio o espírito invisível...
QUANDO A LUZ EM VISLUMBRE ME ALUCINA
Quando a luz em vislumbre me alucina
e deste olhar a luz que o viu nascer
esmorece na tela vespertina,
como o fogo que ardeu e vai morrer...
Unjo o olhar de ternura e esta alma reza
tendo erguidas as mãos para o invisível,
murmuro alguém, crepúsculo e tristeza,
não da terra, do páramo impassível...
Penso nas ermas causas do intangível,
no mistério quimérico ilegível...
e que à luz mal se dão a conhecer...
São por certo visões, que no Ocidente
agonizaram à luz amanhecente!
e hoje jazem nas cinzas do Não-Ser...
DUAS ALMAS ENFERMAS SE CASARAM
Duas almas enfermas se casaram
uma veio da terra outra do céu
a de Deus foram os anjos que a sonharam
a outra a sombra não pura a concebeu.
Uma teve o perdão pra agonia
a outra a tentação que a adolesceu
e a fez cúmplice lúgubre de um dia
desse crime que é vida, que a abateu...
E fizeram este livro de incerteza
que, a asa ancestral dum vento em noite escura
deu-lho o batismo e mais minha tristeza...
Efeito duma hora de esperança
Último eflúvio triste à luz d’altura
que, se perdeu por mim, quando criança.
AO LUAR DO QUARTO-MINGUANTE
O luar é uma avozinha do outro-mundo
que desce à terra em certas noites ermas
é clarão que se espalha moribundo
sobre leitos de lívidas enfermas.
É uma luzinha, que atravessa a medo
em certas horas o choupal deserto...
e embuçada no xale a passo incerto
a um triste albergue se recolhe cedo
Meia noite, ela sai estrada afora
vai ter a um campanário aos pés da cruz
e, só, de lá regressa com a aurora...
O que ela à noite lá irá fazer!
rezar?... ouvir o místico Jesus...
que converte o descrente e o faz viver!...
BALADA
Minh’alma sonha caravelas,
que hão de da luta regressar;
lancei ao mar minhas galeras
e nunca mais pude voltar.
Parti para vida em frota armada,
fazia lua em teu olhar
era meu sonho essa jornada
e a vida nunca realizar...
Parti para o sonho em frota armada,
só! morto hei de regressar.
ALDEIA DO LUAR...
Aldeia branca da lua,
aldeia da nostalgia!
É o luar da meia-noite
a minha monotonia...
Aldeia branca da lua
percorrida em serenada
de nossa alma saudosa,
quando do corpo afastada...
Tenho saudade das tuas
noites-minhas-alegrias...
memória das tuas-luas
errantes, no céu de um dia...
Tua presença saudosa
brilha em minha nostalgia;
como uma noite distante,
oculta na fantasia!...
ALEGRIA ALHEIA
Eu gosto de andar alheio
às alegrias do mundo:
porque na vida ando cheio
da utopia do além-mundo!...
Eu tenho uma volúpia pela tristeza
um culto singular ante a alegria
contra o riso imbecil, contra a ironia,
dos que nunca se encheram de beleza...
Convalesço de um mal irremediável
das dolências senis do coração,
amo as tardes serenas do insondável
sob as brumas de ideal cogitação
Eu gosto de errar só, por noite fria
por ruas ermas de silêncio inerme
levado pela minha fantasia...
Longe da boca rúbia e malfazeja
de aveludada púrpura epiderme,
que num sorriso irônico me beija!...
ELOGIO DA HUMILDADE
Quando é longe-manhã e a luz esboça
vaga insônia lunar-minha saudade!
Eu compreendo o sonho-irrealidade,
que em cada ser distante se alvoroça...
A árvore tem pejo de ocultar
à noite de seu corpo enlanguescido,
tanta mágoa e silêncio adormecido
em vozes, que a minh’alma faz sonhar!...
São as pedras chorando à sombra — olvido
o seu amor em vagas de verduras,
tornando-me mais langue e comovido...
Por muito amar e o bem nunca encontrar,
Sê! mesquinhas e tristes criaturas...
e as pedras venturosas por amar!
ÀS AREIAS DO TEU SEIO
À estrada de um oásis que o deserto margeia
dormitam os areais à luz que inflama e doura;
à viração coleiam os cômoros de areia
num oceano auroreal que tormentoso agoura...
Caminha e ondula a serpe em frêmitos de chama
a revolta do areal tem ondas luminosas:
E um súcubo a estorcer-se o ardor de fulva flama,
A alhambra5 singular das tardes misteriosas...
Passam pelo seu olhar de pétrea indiferença
a esfíngica beleza em roxa tinta morna
a doçura do oásis e o ciclone da ofensa!...
À superfície azul a abóbada se tinge...
e a flor da sua boca em tântalo se torna,
E seu divino olhar nos olhos de uma esfinge!...
QUEIXUMES
Para que tanto queixume
meu violino da saudade
coração que a dor invade
numa onda de perfume...
Coração, que o amor esquece
não te vale o teu queixume,
flor de lume...
quando a noite do azul desce!
Para que essa tristeza,
violeta do jardim:
Lis do campo, que a beleza
lembra uma ânfora... rubim!
Lis do campo já saudoso,
Pôr-do-sol-régio-marfim...
Para que tanta agonia
melancólica do outono;
refletindo à face fria
dum céu pálido absono!...
Para que tanto queixume...
ora a fonte a sua véspera,
ouve! o amor é pirilampo,
anda em busca de negrume!...
TORRE DE DAVI
Eu queria encontrar um saibro que fulgisse
como a estrela a descer no azul crepuscular,
o rubi; o diamante; a pérola que disse
alguém ser encantada e andar à flor do mar!
O ébano, o marfim, o jade e a madrepérola,
translúcidos; brilhantes assim como o luar!
ou, mesmo, opacos, como os vitrais que flamejam
se lhes bate de leve o raio irial, solar...
Para eu assim, poder burilar no meu sonho
a torre que eu almejo um dia construir!
trarei comigo o amor — o lírico arquiteto,
ao reino da minh’alma — a misteriosa ofir!...
SAFO?
Coroada de pâmpanos e rosas
à sesta de bucólica latada
se debruça à piscina enamorada,
pelo esplendor das horas radiosas.
Cena-desnuda, banha-se na linfa
da fonte, que se azula de ansiedade
e a luz crepuscular doura-a, qual ninfa
roubando-lhe a alma, com vaidade...
Aurora e poente do seu rosto lindo
entrelaça o vergel do seu cabelo,
que se desata em caracóis de infindo.
Brilho soturno de noturno céu...
onde a nudez de estátua em sonho belo
ergue-se em súplica ao poder de Zeus!
POSSUIDORA DE PLÁSTICA BELEZA
Possuidora de plástica beleza
Ama as fontes e as flores e a harmonia;
Vê nas flores sensuais a natureza
estranha de seu ser, ópio extasia...
Perturba-se ao mirar água da fonte
junto a uma jarra, a franja rendilhada
e vê florir em sua linda fronte
a grácil expressão da madrugada
É Ninfa! É Vênus! dentre a psicose
permuta-se em desejo luxuriante
tem carismas de Efebos e Afrodite
masturba-se por atávica nevrose
coleiam pela sua alma de bacante
as ondinas do reino de Anfitrite!...
O SONHO DAS ÁGUAS!
Pela noite o rumor das águas desce
quebrado de saudade memorando,
há paisagens ao fundo recordando
o seu drama espectral de sombra em prece.
Sonham as águas ao luar: Mistério e origem!
gênese e morte em sonho que passou...
como que dentro delas uma virgem
reza e ajoelha: é noite que baixou...
Volúpia de ser dor — água corrente!
emboscada de sombras ao luar
com punhais a luzir n’água indolente,
que à lua em tons de serpe andam a girar...
O sonho d’águas claras palpitando,
visionando ao luar longínqua fala;
a noite em lírios d’astros se esfolhando,
Como rosa que pálida se exala...
Alta ponte de sonho e nevoeiros
de crepúsculos místicos e frios
que descerão por vales, por outeiros,
ao prelúdio nostálgico dos rios.
De quantas gotas se farão as águas,
de que beijos de luz se faz o luar?...
Eu fiz os meus sentidos do acordar
duma manhã de inverno absorta em fráguas
Fiz das ondas do vento, ondas de incenso,
do sonho fiz crepúsculos distantes,
quando o olhar é como um branco lenço
acenando pras velas almirantes!...
Águas do mar sonhai pela noite nua,
a espectrar longe de saudade e outono!...
como quem desce ou sobe nalgum sono
de sepulcrais aparições da lua...
Temores de soturno pela alameda
Como trêmula sombra de luar!
alucinando, impressionando, leda,
parecendo que a tentam a arrebatar...
Águas que sois mistério e luar inquieto
ondas que sois o mar a tumultuar
sonhai na graça aflita do irrequieto
que o céu desceu e é todo céu e mar
Acalmai o furor de estranho aflito
voz das águas, dos rios a girar,
que as estrelas do azul e do infinito
dormem ao fundo de vós, sem se apagar...
E só se aquietarão à luz do dia
Como do luar essa irial penumbra,
que num bronze de sombra e nostalgia
funde o perfil da noite que o deslumbra!...
PERFIL CASTILHISTA
Andava do vil Herodes
para o pudico Pilatos:
de castilhista a jagode,
fez-se nobre maragato!...
Deu sota e às no partido,
como chefe radical!
teve brado de sentido,
abafou o integral!...
Equilibrou as finanças,
o saltimbanco bancava...
para o equilíbrio da esperança!
Há tempos, em hora preta
passou-se para a aliança...
(como ficha de roleta!...)
HISTÓRIA DO GOSTO
Não amo a ruína humana
amo a mulher que me amou:
sou como um céu, que uma estrela
não o pertence... rolou!
Não vejo a ruína, vejo
a aurora, a vida a romper:
o encanto d’alma, um sobejo,
do nosso amor a viver!...
Não há belas, nem há feias,
apenas gozo e poesia:
quantas não trazem por peias,
no seu sorrir a magia...
Eu quero ver mergulhar
no abismo da alma humana,
o meu olhar que se irmana...
ao raio da luz solar!...
Vejo à aparência obscura
numa psíquica aurora:
Jesus, que na noite escura
aos corações traz boa hora...
São irônicos, os aspectos!
Muita vez linda mulher,
tem fluídos secretos
sem multa vez se prever!...
E de esquisita roupagem,
o gosto da nossa alma:
ama o luto, odeia a imagem...
da nossa ilusão, que ensalma!
Por isso eu amo uma pedra,
por mais espessa que seja:
mesmo que nela não luza...
o ouro da luz, que beija!...
A graça, a harmonia infinda,
do teu olhar tateando...
de mão estendida ao nada,
aos tombos, desencontrando!...
À felicidade na vida
de encontrar uma guarida:
Vem comigo... há muito abrolho,
A estrada é longa e comprida!...
NAS REGIÕES DO "EXÍLIO"
Quem sonha, esquece o tártaro do abismo,
do vale da vida para além da morte:
tem-se a impressão de torvo cataclismo,
quando a alma se eleva num transporte...
Num cortejo de sombra dentre estrelas,
perdemos de nós-próprios, o vão recorte...
somos fluidez do ar, ao léu da sorte,
difundidos na cósmica procela...
Levamos a saudade dessa amante
dos versos de uma noite, que passara...
sob a lua de Deus, que vai distante...
Diante a bênção de Deus, se merecemos...
desfilamos, qual sombra que escapara,
ao exílio da selva que tememos!...
SPLEEN
Causa-me espanto a mágoa da criança,
tenho horror ao prazer desenfreado...
à bacanal, à orgia, por pecado,
à carne inerme, que nos gera e cansa!...
A luxúria brutal, a serpe infrene,
que o veneno sutil nos alimenta...
a ebriez singular do ópio que alenta
e o olhar conduz a um âmbito perene!...
Oculto-me no antro do meu ópio,
erro por mim, pelo paraíso alado...
de um perene florir de Heliotrópios!
Vejo sorrir "formosa primavera"!
fria e aloirada do semblante amado,
A quadriga arrastando pela esfera!...
SONETO IMPRESSIONISTA DE ANTÔNIO LUZO
"Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivos, vãs, vulcanizadas."
Cruz e Sousa;
Seduz, embriaga o pensamento, anula
toda memória para além da vida,
é um vinho sedutor, que me estimula!
o coração de fibra envelhecida...
Quando tudo é silêncio e a alma da lua,
Quando tudo se exulsa e os astros descem
para melhor ouvir o que tressua
nos bordões pelo ar, que se arrefecem...
É quando já se vão... fica a lembrança
da asa fluida do longe e o último verso
de porta em rua, p’ra desesperança...
Guardo-o comigo, no meu coração,
fica a adejar no ouvido o último terço...
guardo a saudade da última canção!
NOITE DE VALPURGIS
Náufrago brigue do éter e do sonho
derramando um clarão tíbio e suicida,
o sol acena um rubro adeus à vida
e doura a imensa estrada, que ante-sonho!
Âmbito vago em mármore de estranha
visão de torre e de cruzes brancas,
onde, em indolência adejam as asas francas
das aves se o luar neva a montanha!...
Gotas sanguíneas pela luz dourada,
são pérolas, um mar verteu um dia
rente às areias gris das madrugadas...
Esparzindo o crepúsculo a agonia,
esfarrapa-se em tules de alvorada...
para voar a tua fantasia!
A IDEIA
I
Da ideia ardera o espírito sagrado
oculta e original pelo ideal
ei-lo a esvair-se no crisol dourado
como centelha de desejo astral
Veio da noite anímica e espectral
e em fumo consumiu-se etéreo e airado
teve anseios, dum mundo espiritual
desespero d’uma asa em voo alado
O fogo, que as paisagens do meu gosto
devastou no passado, vai lavrando...
por mim uma tristeza de sol-posto.
E ressurge dum mundo de surpresas,
Como um anjo em minh’alma se esgarçando...
Um oculto vislumbre de belezas!...
II
Dentre um dilúvio d’asas e de chamas
ergue-se a ideia em lume estranho e fumo
e das brasas o ouro que derrama
– é um mar de lavas, que se vai sem rumo...
Lume oculto que à luz do sol presumo
cegar de suave pelo que se inflama
e o ardor interior chegou ao sumo,
escrínio a confundir-te sob a lama...
Lume ignoto da ideia constelada
como astral ascendente nebulosa,
que irradia no além d’água parada...
Aproxima-se-lhe as horas espirituais,
que percorreram a escala misteriosa,
que, Deus desfolha em rosas outonais!
III
Como um prenúncio oculto de luz n’água,
de extático mistério inanimando:
a visão e a beleza despertando,
são esfinges de lágrimas e frágua...
Oculto encantamento que lavrando
de ser em ser essa divina mágoa,
vai em silêncio anímico acordando
as figuras de mármore na água...
Pelo incêndio da tarde inanimada,
São profundas as figuras ao sol-poente
que se gelam na paz marmorizada...
São perfis vagos de crucificados!
os chorões, no crepúsculo silente...
Ouvindo a voz cristã dos céus magoados!...
JARDIM DORMINDO
Jardim dormindo som d’água corrente,
guardando nas retinas de seus lagos...
um quebrar de vitrais à luz morrente,
dum convento encerrado em bosque aziago
Remota voz de fontes retornando...
a fontes mansas a um luar de lis!
Com reflexos fulvos, recordando...
Hidras – platina – hierático matiz!
Um rumor d’alma apura-lhe o sentido...
cair de folhas tontas sobre o solo.
A hora, quando o outono põe o ouvido!
A um sopro d’Asas, flébil de cetim...
recorda ess’hora azul em que me estiolo...
Folha – outono a rezar saudade em mim!
SÚCUBO "D’ALMA"
O meu príncipe encantado
E um alferes de polícia,
que anda sempre embriagado
do meu hálito em carícia!
É alto, elegante e moço
esguio como um cipreste:
Traz um número ao pescoço,
Tem um ar sombrio e agreste...
Dá-se muito com um rapaz,
que tem por nome Barbosa:
E bonito... e não loquaz,
tem uma fama pouco airosa!...
Se a sombra e as pedras falassem
e os choupos desta cidade
contariam muita coisa,
que andam à roda de uma fímbria idade!...
SONETOS
I
Tudo que é sempiterno anseia a altura
fecunda e sofre e o amor de Deus revela
O humor que anima as coisas e a criatura
É um oculto poder que se irrevela...
Presumo vir do ignoto que a natura
ironiza e perfuma e em dor constela
pelo silêncio extático de escura
encarnação sublime d’alma em estrela
Sonho e verdade em carne panteísta
o perfume é uma flor de transformismo
que o músico não sente e a mão não pinta.
Só, o poeta dá-lhe cor, forma; o alquimista
desfaz essa ilusão, que há no ocultismo
da flor que anseia olor após extinta.
II
Tudo é revelação de alma clemente
tudo é sombra e recorda um ser criador
o perfume é uma saudade adolescente
do jardim que o esparziu de morta flor
Tudo é orgânica essência em riso e dor
Argila e Deus! Amor convalescente
Alma segreda aos céus depois de ausente,
Tudo que foi na terra esparsa em olor.
Ó versos de saudade e de tristeza
ditos ao vento... que serão de vós,
do vosso verbo e luz na natureza!?...
Soltos a esmo como um beijo etéreo...
distância a diluir-se numa voz,
que se perdeu nas raias do mistério...
III
Nunca mais olhar quebrado
nas olheiras cor de lírio
bebi esse luar velado
das pupilas do martírio.
Foi numa tarde distante
d’um crepúsculo sem-fim,
que da banda do levante
a tarde chorara assim!...
Nunca mais olhos magoados
vi nas místicas retinas
choverem lírios dobrados
pelas horas vespertinas...
nunca mais, ah! nunca mais...
ouvirei suspiros de ais!...
IV
Dentro de mim, um outro urde negro destino,
urde a lenda da raça em torre de ilusão!
E é rival meu no sonho esse monstro divino,
fez-nos Deus duplo ser, tendo um só coração...
São dois gêmeos irmãos, que se beijam e se odeiam;
Filhos da mesma sina e do mesmo infortúnio
e erram sob um luar num distante interlúnio
de saudade e veemência – ardores que a lua anseiam...
Sou um misto de luz e Deus... deliro arcano!
mistério e luar perdidos a seguir as galeras
que esculpem em sonho o além desfeito no oceano...
O ardor da carne anseia um outro ser, enfim!
sou o fluxo-refluxo eterno das quimeras...
que chora esse outro alguém, que já viveu por mim.
NOSTALGIA DOS CÃES
(Para David Thomaz)
Silêncio. O luar pias águas vai fugindo!
Estagna-se de incerta a hora em azul.
Fenece a noite-azul melancolia,
os cães vão a sonhar, latindo à lua...
Monotonia. A noite é antigo poema
a rimas d’astros, versos de tristeza...
Cega em farelo às pedras dum diadema
a funesta ardentia das estrelas...
Paralisa-se o vento ante o silêncio,
todo rumor da aldeia enrouqueceu!
um fluido anestesíaco correu
pela su’alma luarizada enfim...
Nostalgia dos cães sangra saudade
pelo Não-Ser da Sombra-Virgem ainda...
(cães) (não latem) à lua, ao inconsciente!
Pois eles têm mais alma do que os homens.
Dormir é bom, tendo as portas fechadas,
fingir luar interiormente, o sono...
dormir ao luar é melhor, como dormia
Leal guardando em mágoa a minha aldeia!
Os cães latem a saudade d’outras-noites,
choram as ricas misérias do seu fado:
a alma dos cães é um lânguido aurevil
Guitarra d’alma airada das quimeras...
Contam o ruivo mistério de outras-eras
ao ritmo misterioso do luar,
sua tristeza é água deslizante,
Luar correndo aos silvos para o mar!
Crepúsculo nostálgico da mágoa,
nostalgia profunda do latir!
o uivo é um delírio de remorso,
Meu interlúnio à lua, a prosseguir...
Conto a melancolia em minha sombra
e o cão é o outro que me segue às vezes.
quando eu vou a criar em noites brancas
sob a boca dum sonho, os meus reveses!
A cânfora da mágoa anestesia-me
lembra o vento da noite, no sossego...
há no latir o amargor mais cego
e a dor imaterial de renascer
Eu sinto em mim latir a alma dum cão...
talvez eu tenha sido em outro tempo
um cão também... uma alma mais boêmia
do que essa, no eterno divagar!
por isso eu amo os cães e os animais
e os seus olhos mais doces e azulados,
onde há longínquos arcos d’altas pontes
e muito sonho em velas iriais...
onde o meu pensamento se ligando
vai ter ao seu e somos um só corpo,
corpo imaterial, alma incorpórea
a diluir-se por haver vivido!...
EU?
Eu não sou santo, nem milagres faço,
em casa ninguém crê no meu poder:
rimo versos, componho estrofes e passo
Horas inteiras alheio ao meu viver!
A minha musa é uma ama desvelada,
com incessantes cuidados para mim!
não dorme, não sossega, já, coitada...
mais, que uma mãe, com seu carinho, assim!
Mora na minha ideia essa criança,
Sem um só laivo rubro de paixão!
a cantar e a embalar-me na esperança...
De um dia a minha "torre" construir!
toda de pedrarias e ilusão...
constelada das pérolas de ofir!
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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