Musa, eu quero ir ó gigantesco enleio
Dos literatos, que chamam de mão cheia;
Eu quero o meu candil levar em punho
À festa, que de si é uma epopeia.
Por isso, ó Musa, ó nume encantador!
Ó sombra indefinível de mulher!
Não me deixes a mente aqui dormir,
Leva-me à festa, quero lá viver.
Vem, tu, que a tantos glória hás dado e nome,
De papoulas a minha fronte ornar.
Vem tirar-me das várzeas do Mondego,
E dá-me inspiração, quero cantar.
Lá nesse pátrio lar de rouxinóis
Quero meus carmes no arrabil tanger.
Leva-me, musa, leva-me um cantor
Que eu sinto o gênio minha mente encher.
E há de, qual balão em dia
tenebroso,
Subir até sumir-se pelos céus;
Encherá a eternidade, o espaço, tudo,
E ofuscará esses literatos — pigmeus.
É um cego que o caminho lhes aponta!
E os leva pela mão para o seu altar!
Cordeiros inocentes, doutras eras,
Que vão de santo a capa ali buscar.
Satélites dum sol, sem vida e só!
Que esparge apenas moribunda luz,
Como hão de atravessar constelações
Tão ricas de fulgor, que mui seduz?!
Não podem como as aves agoureiras,
Cantar lá de alta torre em noite escura,
E dar a quem pertence o gonzo imenso,
Que o futuro nos dá de luz tão pura?!
Que importa o caminhar da vaga ardente?
Não vai ela nas praias repousar?
Que importa, pois, também a luz dum foco,
Se vai noutro mais forte a luz findar?
É vaga aspiração de gente tosca
Querer lírios colher num matagal!
E desfolhar as rosas tão mimosas!
Para dar-nos um carvão, puro cristal!!...
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Acaso achareis vós tão belo gosto
Aos frutos suculentos dum pinheiro,
Que não vejais, por trás descura rama,
Caminhar a raposa ao galinheiro?
Não creio nessas coisas neste século,
Em que tudo caminha ao natural,
Embora esses críticos asseverem
Ser entrudo constante em Portugal.
As máscaras de cera duram pouco,
Das outras é mui fraco o seu cartão:
Hão de os bailes portanto ser famosos
Noutras eras de amor e inspiração.
Vamos, musa, porém, a outros destinos,
Mais franca seja, pois, nossa missão;
Subamos pela escada do bom senso,
Que importa a gargalhada dum vilão.
Agora, minha musa, à festa vamos
Dos literatos, que chamam de mão cheia;
Eu quero o meu candil levar em punho
À festa, que de si é uma epopeia.
SIT-LUX
Adeus, minha musa querida,
Vens hoje tão festival;
Trazes as faces tão lindas
Como a rosa no rosal.
Onde vais tão elegante,
Mimosa como o zagal? —
— Venho dar-te este meu braço,
Quero ter uma rival. —
Se tu és tão donairosa
Nas tuas vestes singelas,
Como podem cativar-me,
Cativar-me as mais donzelas,
Se eu não gosto de atavios,
Nem belezas, que tem elas?
— Pode ser; mas lá no céu
Há inda tantas estrelas. —
Eu não quero, minha musa,
Estar sujeito à lei fatal,
Pois é crime tão horrendo!
O pensar bem no ideal:
E depois mestre Castilho
Se nos manda para o hospital?!
— É desgraça na verdade!
Peletan não lhe quer mal. —
Oh! como vens conceituosa
Dessas frases no vestir!
Juntas mais à galhardia,
Tanta prenda, esse sorrir...
Quero, pois, amar-te; e muito
À força do meu sentir.
— Mas eu sou tão singelinha,
Tenho no campo o existir! —
Mais viveza em ti encontro,
Mais pureza em teu amar;
O crepúsculo da cidade
É vaidoso em seu cerrar;
E os prazeres, que lá se encontram,
Vão como a brisa do mar.
— Quer então amar-me muito,
Quer levar-me ao seu altar? —
Por que não, mulher festiva?
Hás de dar-me o teu abraço,
E inspirar-me nessas tardes
Em que o sol é já mui baço,
E se perde no horizonte
Como a nuvem nesse espaço.
— Por que não, meu anjo lindo?
Vamos ambos pelo braço. —
Tu hás de ir comigo à festa,
Como a mariposa à flor,
Hás de lá nessa folgança
Fazer de mim trovador.
Tu não sabes quanto é belo
Ser inspirado de amor?!
— Vamos primeiro ao mercado,
E depois serás cantor. —
Vamos primeiro ao mercado?
Vamos lá, minha cecém.
Tu que levas no cestinho?
Levas ovos ao vintém?
Ou então são alguns patos.
Que vais ver se quer alguém?
— Não senhor; é outra coisa,
Muito melhor, muito além. —
Diz-me cá: então são uvas,
Ou de Baco o seu primor?
Eu não divulgo o segredo
Em paga de tanto amor.
Diz-me então se são galinhas,
Se são rosas sem olor?
— Não senhor; são outras coisas:
São livros de trovador. —
São abortos destes tempos,
Que vais à praça vender?
Cuidas tu ser isso lindo?
Ser oficio de mulher?
Pois, musa tão feiticeira
Não deve disso fazer.
— Nesse caso aí vão para lama,
Aí vão para quem quiser. —
Tens agora mais feitiços
Ao nascer desse desdém:
Olha, pois, para os tais livros
Como não quê-los ninguém:
E tu, musa, tão contente
Com valor nem dum vintém.
— Ora, adeus; deixamos isso;
Caminhamos mais para além. —
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Minha musa, estamos juntos
Da cigarra e da folgança:
É aqui onde os literatos
Tem firmada a sua esperança:
E tu, musa, dá-me cantos,
Dá-me o escudo, dá-me a lança...
— Ora, pois, espera um pouco,
Vamos ver a contradança.
MONS
PARTURIENS
Estendeu seu manto a noite;
O sol escondeu o brilhar;
As trevas são o que reinam;
A luz perdeu-se pelo ar;
As estrelas que o céu tinha
Perderam todo o fulgor;
Os ecos emudeceram;
A terra não diz amor;
A corrente perdeu o brilho,
Voltou à fonte natal;
As flores secaram todas,
Secaram todas no vale;
O sol escondeu a fronte,
A lua seguiu-o também;
Os astros se sepultaram
Nas trevas que o mundo tem;
As aves já não tem canto,
Tem medo da solidão;
A terra já não responde,
Não fala à voz do trovão:
É tudo negrura imensa,
Ou cataclismo infernal;
Oh! é ave que, perpassando,
Nos trouxe o gênio do mal...
...................................
Mas, enfim, lá vem caindo
Um espectro na amplidão;
Oh! que formas nunca vistas
Que ele traz! que negridão!
Tudo treme! nesse instante
Parece o mundo acabar;
Ou já o céu que pouco a pouco
Quer sobre nós repousar.
Oh! que gritos! que soluços
Solta o filho junto à mãe!
Ao ver perto o grande abismo,
Que vem buscá-lo também.
O pisco levanta as pernas
Para sustentá-lo no ar;
As aves vão timoratas
Com ele se nivelar.
Outros fogem para a fralda
Do monte que sobe ao céu;
Outros, enfim, tomam armas...
Arcabuzes... que sei eu?
Tudo busca um doce abrigo...
Querendo matá-lo no ar;
Mas o espectro vem descendo
E mui suave em seu andar.
E quando todos atentos
Fitavam triste a visão,
Uma rajada de vento
Arremessou-a para o chão.
Nas alturas de Lisboa
Parou ela, asas abriu:
Desprendeu mil gafanhotos!
Coisa assim nunca se viu!
Tinham formas mais que humanas
Pois algumas nunca as vi!
Uns cavalos com tais asas!
Voando tanto por si!!!...
E depois, como voavam!
Para terra tanto a descer!
Estas coisas, tão confusas!
Nunca as pude compreender.
E também já na cidade
Desgraças aconteciam,
Que gritos da turba tremula!
Que soluços lá se ouviam!
Os pinheiros, cuja fronte
Tinha ainda algum verdor,
Largaram da terra as pernas,
Galopavam com fervor.
Mas que pobres! na viagem
Maceraram face linda!
Mas que importa se chegaram
Com eles à festa infinda?
Chegaram junto da olaia,
Onde a cigarra cantava;
Pasmaram todos viventes;
Era o sarau começava.
E a minha musa atrevida
Fugiu de junto de mim...
.................................
Pois hei de lhe dar pateada
Se a ouvir falar por fim.
IV - O SARAU
Era um dia de festa.
Pelos ares
Já nada havia desse drama, que
Causara tanto horror: era mui linda,
A cor nova que nascia no horizonte,
Como a aurora, que após a tempestade
Vem, mimosa atriz, lá por sobre as serras
Dar vida ao mundo todo que a anelava.
O espetáculo que os ares tinham contido,
Passou de negridão à luz do dia;
E as aves que, nas pernas do tal pisco,
Buscaram a guarida à eternidade,
Já nas franças das árvores se erguiam,
Soltando seus cantares, todos festivos.
Já mui perto de olaia gigantesca,
Onde a cigarra desprende sua chiada,
Ensinando moral, filosofia,
Estava um certo vulto, mui sombrio!
(E de alâmpada na mão como Diógenes!)
Soltando algumas frases pouco ouvidas.
Mesmo assim, como apito em larga praça
Ou de foles qual gaita de espavento,
Ou mesmo o som alegre dum pandeiro,
Juntou em volta a si com mil gaifonas
Um sem número de seres, todos galantes:
Chegaram patos. Galos e galinhas
Subiram a um poleiro que ali estava,
E já de altiva fronte, qual cegonha
Ensinaram o seu mestre, lá piaram.
Mas não termina aqui o ajuntamento,
Porque lá fora, longe, num roçado,
Vem metido, qual cesto de azeitonas
Na trouxa dum galego mui sebento!
Patusco, que se diz ser um literato.
Parou, por fim, à porta sem convite;
Mas o mestre, que a tudo dera entrada,
Levantou-se do banco de cortiça
E foi levar a mão ao seu conviva.
Depôs ali galego o longo fardo,
E foi às gargalhadas no caminho
Esperar um passageiro à barca sua.
Soou por fim a hora.
Disse o mestre:
“Está aberta a sessão.”
— Peço a palavra. —
Disse um.
— Quero falar —
Disse outro além.
— Os meus versos não ficam no tinteiro —
De além mais outra voz soou tremente.
Na balbúrdia imensa, que nasceu
Dos literatos, que queriam falar juntos,
Tocou mestre de enfado a campainha.
Cada um falou, por fim, por ordem sua,
Abraços recebendo ao mestre ingente,
Como em honra e louvor da nova fama
Que de vós há de encher vossa Lisboa.
De Magalona contam coisas raras,
De Filinto, sei eu, nada disseram;
Mas de Carlos, o magno, o grandioso,
Como de moura e fadas contos belos,
Foi, enfim, o que lá muito cantaram.
Era a hora em que o sarau já se finava,
E os pégasos olharam para o céu;
Mas em paga de amor e de saudade
A todos quer dar — mestre — uma lembrança,
Pintando-lhes nas costas, num abraço.
As armas... que já muitos cativaram.
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