À Sua Alteza.
SONETO I
Tornai, tornai, Senhor, ao Tejo undoso,
Vinde honrar-lhe outra vez a clara enchente,
E deixai que ajoelhe entre a mais gente
Hum protegido humilde, e respeitoso.
Não leva a vossos pés rogo teimoso
De importuno cansado pretendente;
Vem beijar-vos a mão humildemente,
A mão augusta que o fará ditoso.
Pois foi por Vós benignamente ouvido,
Não vai fazer em pretensões estudo,
Vai só mostrar-vos que é agradecido.
Ante Vós ajoelha humilde, e mudo:
Mostrai-lhe que inda é Vosso protegido;
Que se isto lhe ficou, ficou-lhe tudo.
SONETO II
Qual naufrago, Senhor, que foi alçado
Por mão piedosa dentre as ondas frias,
Tal eu de antigas duras agonias
Por vossas Reais mãos fui resgatado:
Pois vencestes as teimas do meu fado,
E já vejo raiar dourados dias,
Deixai que possa em minhas poesias
O vosso Augusto Nome ser cantado.
Não é digna de vós minha escritura,
Nem harmonia, nem estilo a adoça;
Mas valha-lhe, Senhor, vontade pura.
Príncipe excelso, consenti que eu possa
Fazer inda maior minha ventura,
Contando ao mundo que foi obra Vossa.
(Saindo Conselheiro da Fazenda o Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor D. Diogo de Noronha)
SONETO III
Nem sempre em verdes anos a imprudência
Produz irregular procedimento:
Nem sempre encontra o humano entendimento
Só perto do sepulcro a sã prudência.
Em Vós não esperou a Providência
Que longas cãs vos dêem merecimento:
Em Vós mostrou que estudos, e talento
Valem mais do que a larga experiência.
Os eruditos velhos Conselheiros,
Depois que o vosso voto ali for dado,
Serão de Vós eternos pregoeiros:
E dirão que deveis ser escutado
Onde os Ministros vossos companheiros
Não sejam da Fazenda, mas do Estado.
(Aos leques mui pequenos, chamados Marotinhos)
SONETO IV
SONETO IV
Fofo colchão, as plumas bem erguidas,
E sobre os ombros nas jucundas frentes
De enrolado cabelo anéis pendentes,
Longos chorões, belezas estendidas,
Era esta das matronas presumidas
A moda, que traziam bem contentes;
Riam-se delas as modestas gentes
Vendo pequenas poupas esquecidas.
Nisto a gentil Madama aperaltada,
Grande autora de trastes esquisitos,
Nova moda lhe inventa abandalhada.
Reprova-lhe áureos leques com mil ditos.
Eis senão quando (oh moda endiabrada!)
Abanam-se com azas de mosquitos.
(O cruel disfarce)
SONETO V
Sem murmurar padecerei calado
Cumprindo o teu preceito violento:
Faltava a envenenar o meu tormento
Dever ser por mim mesmo disfarçado.
De trazer o semblante sossegado
Farei o inculpável fingimento:
Nos olhos mostrarei contentamento,
Tendo um punhal no coração cravado.
Este peito onde nunca engano viste,
Que não sabe a vil arte de afetar-se,
Onde a verdade, e a intacta fé existe,
Mártir do amor, e do infiel disfarce,
Nas tuas adoráveis mãos desiste
Até dos tristes direitos de queixar-se!
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Visconde de Ponte de Lima, Secretario de Estado)
SONETO VI
A longa cabeleira branquejando,
Encostado no braço de um Tenente,
Cercado de infeliz chorosa gente
Ia passando o velho venerando.
Gerais repostas para o lado dando:
“Sim Senhor; Bem me lembra; Brevemente;”
Na praguejada mão onipotente
Nunca lidos papéis ia aceitando.
Mas eu que já esperava altas mudanças,
Melhor tempo aguardei, e na algibeira
Meti a Petição, e as esperanças.
Chegou, Senhor Visconde, a viradeira:
Soltai-me a mim também destas crianças,
Onde tenho o meu Forte da Junqueira.
(Fazendo Anos a Ilustríssima, e Excelentíssima Senhora Marquesa de Angeja)
SONETO VII
Senhora, há muito tempo pretendia
Ser do vosso favor patrocinado:
Mil vezes vos quis dar este recado;
Porém sempre o respeito me impedia.
Chegou em fim o venturoso dia
A fazer benefícios destinado:
Vou neste privilegio confiado;
Que a não ser isso não me atreveria:
Vou pedir que descendo da Cadeira,
Onde explico os cruéis Quintilianos,
Me ensineis a tomar melhor carreira.
Que em mim ponhais os olhos soberanos,
E que me chegue em fim a viradeira
No faustíssimo dia destes anos.
(Aos Anos do Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Avintes)
SONETO VIII
A varonil idade fluorescente
Vos tece, ilustre Herói, anos dourados
Para serem à Pátria consagrados;
Pois sois de Almeidas claro descendente.
Sobre as terras, e mares do Oriente
Inda vejo os troféus alevantados:
Vejo beber mil corpos aboiados
Do turvo Ganges a fervida corrente.
No difícil caminho d'honra, e glória
Por ferro, e fogo a seus bons Reis servindo,
Vos deixam por doutrina a sua história.
Foram diante o duro passo abrindo:
Entrai, Senhor, no Templo da Memória,
Os bons Avós, e o ilustre Pai seguindo.
(Estando nas Caldas)
SONETO IX
Por mais que vos alongue olhos cansados,
Olhos há tanto tempo descontentes,
Não vedes mais que pálidos doentes
Por mãos estranhas n'água sustentados.
Quantas vezes ficastes magoados
Por ver ir entre as fervidas correntes
Envolvidas mil lágrimas ardentes
Do que em vão quer alçar braços mirrados!
Vistas são estas de bem pouco gosto;
Porém bem pagos ficareis um dia
Quando virdes de Arminda o lindo rosto.
E o pranto, que até agora vos caía
De lástima, d'ausência, e de desgosto,
Ela o fará correr; mas de alegria.
(A uns Anos)
SONETO X
Foi este o dia em que a teus pés baixaram
Vênus, e as lindas Graças inocentes,
E em torno do áureo berço reverentes
Ao som de alegres hinos te embalaram.
Aos teus olhos gentis comunicaram
Cruel poder de conquistar as gentes:
Mil suspiros, mil lágrimas ardentes
A muitos corações prognosticaram.
Deram-te uma alma heróica, um nobre peito:
Deram-te discrição, e formosura,
Dons a que o mundo está mui pouco afeito.
Mas, oh humana sorte, triste, escura!
Para na terra nada haver perfeito,
Deram-te um coração de pedra dura.
(Ao disfarce das Mulheres)
SONETO XI
Vens debalde, oh belíssima perjura,
Com o lindo rosto em lágrimas banhado:
Já fui por ti mil vezes enganado,
E sempre me afetaste essa ternura.
Esse alvo peito, que é de neve pura,
Mas de aço, e fino bronze temperado,
Encobre um coração refalseado,
Hum coração de viva rocha dura.
Em vão trabalhas, se enganar-me queres,
Vejo correr com ânimo sereno
Esse pranto em que fundas teus poderes:
Mal inventado ardil: ardil pequeno:
Tu mesma me ensinaste, que as mulheres
Misturam com as lágrimas veneno.
(A uma Camponesa)
SONETO XII
Não moram em palácios estucados
Almas singelas, almas extremosas:
Nutrem da Corte as damas enganosas
Em tenros peitos corações dobrados.
Venham por longos mares conquistados
As Indianas sedas preciosas:
Cubram-lhe as carnes alvas, e mimosas
Ricos vestidos em Paris bordados.
São isto efeitos da arte, e da ventura:
Estimo mais que toda a vã grandeza
Hum limpo coração, uma alma pura.
Não na Corte; das serras na aspereza
Fui achar inocência, e formosura,
Sagrados dons da simples Natureza.
(A uma Dama interesseira)
SONETO XIII
Podiam ser felizes meus amores
Quando por ouro o amor se não vendia:
Já de palavras Nize desconfia,
Só crê ou em dinheiro, ou em penhores.
Viu-me assaltado d'ânsias, e temores
Quando na porta irada mão batia:
Por costume infeliz ela sabia
Que era algum dos cansados acredores.
Foram-se os dias bem-aventurados,
Em que só almas grandes, peitos nobres,
Eram do Deus de amor agasalhados:
Negro destino hoje preside aos pobres:
Pôs termo a bela Nize aos seus agrados,
Vendo esta bolsa condenada a cobres.
(Ao faustíssimo dia da Inauguração da Estátua Equestre del-Rei Fidelíssimo o Senhor D. José I)
SONETO XIV
Em quanto o Reino cheio de ternura
Ao grande Benfeitor te há consagrado,
E respeita aos teus pés ajoelhado
O Rei Augusto de quem és figura:
Em quanto os que me vencem em ventura
Abrindo o antigo cofre chapeado,
Mandão de prata, e d'ouro recamado
Entretecer a rica vestidura:
Eu que não tenho desta louçania,
De outra sem pejo sairei composto,
Que não cede à mais fina pedraria.
São terníssimas lágrimas de gosto:
Nem infama o triunfo deste dia
Quem põe por gala o coração no rosto.
(Descrição de Badajoz)
SONETO XV
Passei o Rio, que tornou atrás,
Se acaso é certo o que Camões nos diz,
Em cuja ponte um bando de Aguazis
Registram tudo quanto a gente traz.
Segue-se um largo, em frente dele jaz
Longa fileira de baiúcas vis:
Cigarro aceso, fumo no nariz,
É como a compania ali se faz.
A cidade por dentro é fraca rés,
As moças põem mantilhas, e andam sós,
Tem boa cara; mas não tem bons pés.
Isto, coifas de prata, e de retrós,
E a cada canto um sórdido Marquez,
Foi tudo quanto vi em Badajoz.
(À Sereníssima Princesa entrando no banho)
SONETO XVI
Ninfas do Tejo já por mim cantadas,
Nossa Augusta Princesa esta presente;
Pedi-lhe, que honre a plácida corrente,
E as águas ficaram mais prateadas.
Diante de seus pés ajoelhadas
Em justo acatamento reverente,
Serenem vossas mãos a clara enchente,
E as frias águas corram temperadas.
Sobre as ondas as frentes levantando,
Ao tempo que as douradas tranças belas
Brandamente lhe fordes enxugando,
Dizei-lhe, que sustento Irmãs donzelas,
Outras viúvas; e ide-lhe lembrando,
Que o bem que me fizer é feito a elas.
(Levantando-se o Autor da mesa de um Grande por serem horas de ir para a Aula)
SONETO XVII
Não tomando em desprezo o escuro estado
Em que me pôs Fortuna, e Natureza,
Olhastes sem horror minha baixeza,
E fizestes sentar-me ao vosso lado.
Então de ingrata obrigação chamado
Deixei à força a companhia, e a mesa,
E inda cheio de ideias de grandeza
Vim dar por tema um Verbo conjugado.
Não sei com dois opostos conformar-me;
Sofrem-me os Grandes, sou taful, e moço,
Não sei a Senhor Mestre costumar-me.
Tais extremos, Senhor, unir não posso;
De dois gênios não sou: mandai fechar-me
Ou a minha Aula, ou o Palácio vosso.
(Ao Excelentíssimo Senhor Marquez de Penalva chegando o A. à quinta das Lapas)
SONETO XVIII
Hum triste fatigado caminhante
Chega a Vós, Ilustríssimo Penalva:
Com a mão na espada a augusta Casa salva
Segundo as leis de cavaleiro andante.
Sobre ronceiro fraco Rocinante,
Que pesca a dente encontradiça malva
Por duras rochas, por areia calva
Cem vezes pronta morte viu diante.
Cuidando achar aqui melhores fados,
Aos pés de outro Rocim, por novo caso,
Quase que viu seus dias acabados.
Quis correr junto a Vós sobre o Pégaso:
Caiu, e por sinal colheis regados
Do sangue seu os louros do Parnaso.
(Descrição de um Peralta amaltesado)
SONETO XVIX
Hum vulto cuja forma desconsola
Pelo muito que mostra o pouco siso,
E que pela pobreza do juízo
Mil trastes esquisitos desenrola:
Chapéu que bem carrega um mariola,
E que ainda aos sisudos causa riso,
Casaquinha cortada de improviso,
Fivela que lhe vem de sola a sola:
Espantalho que em praça nunca falta
Sem ter ocupação nem má, nem boa,
Que apenas moça vê logo lhe salta:
Eis-aqui, sem medir qualquer pessoa,
Breve quadro de um mísero Peralta,
Que afeta de Maltez cá em Lisboa.
(Aos Anos do Sereníssimo Príncipe Nosso Senhor)
SONETO XX
Foi este, Alto Senhor, o santo dia,
O Céu o concedeu, o Céu que é justo
Aflito o Povo, posto em dor, e em susto
Com lágrimas ardentes lho pedia.
O fértil Ganges nas entranhas cria
Ofertas para Vós, Príncipe Augusto,
E ajoelhado na praia o Povo adusto
Rico tesouro a vossos pés envia.
Ao Reino tecereis dias dourados,
Sem precisar que os Fastos Lusitanos
Vos contem as ações dos Reis passados.
Ponde os olhos nos vivos Soberanos,
Estudai-lhe as doutrinas, e os cuidados,
E a pátria aclamará os vossos Anos.
(A um Leigo Arrabido vesgo, despedido da Mesa do S. C. P. Silva, por tomar a melhor pera da Mesa)
SONETO XXI
O vesgo monstro que com a gente ralha
E de manhã a todos atravessa,
A cuja hirsuta sórdida cabeça
Nunca chegou juízo, nem navalha;
Que os gázeos olhos pela mesa espalha
Por ver se há mais comer que tire, ou peça,
Entrando nele com tal fome, e pressa
Qual faminto frisam em branda palha;
Por crimes de alta gula, e pouco siso,
De mesa bem servida, mas severa,
Foi num dia lançado de improviso.
Hoje chorando o seu perdão espera:
Perderam dois glutões o Paraíso,
O antigo por maçã, este por pêra.
(Aos toucados altos)
SONETO XXII
Foi ao Manique um homem acusado
Por contrabandos ter; ele ciente
Chama a quadrilha, corre diligente,
Entra, busca, e não acha o Malsinado.
Acha a mulher, que tinha por toucado
A torre de Belém: ela que o sente,
Banhada em pranto, desmaiada a frente,
Prostra por terra o corpo delicado.
Com o boléu se esbandalha a mata espessa,
Saem dela esguiões, cassas lavradas,
E de belbute trinta e uma peça,
Fivelas, espadins, rendas bordadas:
Até tinha escondido na cabeça
O marido, e três arcas encouradas.
(Metendo a ridículo umas contradanças)
SONETO XXIII
Numa trêmula sala mal armada
Com placas velhas, e papel pintado;
Clamava já o povo alvoroçado
Que fosse a Favorita começada.
Guincha em venal rabeca desgrudada
De velho músico o arco estuporado:
Cadeia, grita um muito suado,
Olhem que vai a contradança errada.
Nervoso chispo, saborosas frutas
É fazenda que ali nunca governa:
Aquelas bocas andam sempre enxutas.
Nunca mais ali torno a fazer perna:
Quanto mais vale o ir com quatro trutas
Fazer uma função Numa taberna.
(Por ocasião de estranharem ao Autor um sonho que a ninguém ofendia)
SONETO XXIV
Atiça, ó moço, a moribunda chama
Dessa faminta, sórdida candeia,
E encostado à parede cabeceia,
Posta de guarda ao pé da minha cama.
Se o sono, que em meus olhos se derrama,
E os languidos sentidos me encadeia,
Tentar com sonhos esta pobre idéia,
Em altos gritos por meu nome chama:
Assenta-me na cara essas mãos frias:
Pois vês o fruto, que sonhando tiro,
Corta em raiz traidores fantasias.
Contra os sonhos desde hoje me conspiro:
Se ao primeiro me dizem heresias,
Em sonhando outros pregam-me um tiro!
(À moda dos chapéus maiores da marca)
SONETO XXV
Amigos, e Senhor meu, de França, ou Malta
Hum chapéu mande vir a toda a pressa;
A copa que me ajuste na cabeça;
Mas as abas na forma a mais peralta.
A detrás que me fique muito alta,
A presilha, e botão pequena peça:
Estimarei que disto não se esqueça;
Que a demora me faz bastante falta.
Gostei muito do invento, é bem traçado,
Porque vi no Loreto um certo dia
Muito povo a correr para o Chiado,
Para ver um Senhor, quem tal diria:
Com um chapéu de tal forma desmarcado
Que nem a gente a pé passar podia.
(Às fivelas chamadas a la Chartre)
SONETO XXVI
Oh quantos Mexicanos patacões,
Mareados talheres já sem par,
À tonta Avó o neto vai furtar
De mofentos decrépitos caixões:
Fundidos em quadrados fivelões
Para à Chartres o neto passear,
Traz nos pés a baixela singular
Que podia servir em correões.
Capitão Vento-Sul, rico Holandês,
Que de prata subtil pequenos Ós
Servem só de fivelas nos teus pés,
Vem admirar-te, vendo que entre nós
Traz o pobre peralta Português
Por fivelas molduras de tremós.
(A uma Velha presumida)
SONETO XXVII
Debalde sobre a face encarquilhada
Pendendo louros bugres emprestados,
Dás inda ao louco amor teus vãos cuidados,
Em carmins enganosos confiada.
Postiça formosura, em vão comprada,
Não torna atrás os anos apressados:
Nem alvos dentes de marfim talhados,
Tornam em nova a trêmula queixada.
De ti no mesmo tempo que do Gama
Cantou mil bens a Deusa Trombeteira,
A que os baixos Poetas chamam Fama:
Porém sempre ficaste em boa esteira;
Porque, se já não prestas para dama,
Inda serves mui bem como terceira.
(Aos Anos de uma formosa Dama)
SONETO XXVIII
Deixai, Pastores, na montanha os gados,
Vinde ao sítio melhor desta campina
Beijar a mão à bela, e peregrina
Deidade tutelar dos nossos prados:
Vinde ofertar-lhe aos anos celebrados
O cravo, a rosa, a angélica, a bonina;
E ao mais suave som da flauta fina
Decantar seus ilustres predicados.
Mas já a cercam pastores, e pastoras;
Uma lhe beija a mão, outra o vestido;
Eles a coroam de vistosas flores,
E em doces vozes todo o rancho unido
Canta que ela é a Deusa dos Amores;
Pois tem no rosto as setas de Cupido.
(À Sua Alteza)
SONETO XXIX
Nesta cansada triste poesia
Vedes, Senhor, um novo pretendente,
Que aborrece o que estima toda a gente,
Que é ter no mundo cargos, e valia.
Sobre alto trono há anos que regia
De dócil povo turba obediente:
Mas quer antes sentar-se humildemente
Num banco da Real Secretaria;
Qual modesto Capucho reverendo,
Que em fim de Guardiania trienal
Passa a Porteiro as chaves recebendo.
Em mim conheço vocação igual:
E com a mesma humildade hoje pretendo
Passar de Mestre a ser Oficial.
(A um Padre Guardião)
SONETO XXX
Meu Padre Guardião, que exemplarmente
Regeis essa Capucha Sociedade,
Que munida do véu da Santidade
Passa como não passa a mais da gente:
Vós que à força de braço onipotente
Fazeis tremer do inferno a potestade,
E aos exorcismos só de um vosso Frade
Se explica o Demo em Português corrente:
Logo que dessa estola o forte escudo
Buscar esbelta Ninfa, que atacada
Seja d'algum Demônio surdo, ou mudo,
Mandai dos Marques conte a trapalhada:
Pois só ele, que foi o que urdiu tudo,
Sabe quem cometeu a velhacada.
(Em louvor de Caporalini, Ator do Teatro de São Carlos)
SONETO XXXI
No grão Teatro vejo sempre enchentes:
As cãs anosas, os cabelos louros,
Ilustradas nações, bárbaros Mouros,
Todos da tua voz ficam pendentes.
Que importa que não deixem descendentes
Teus ex-viris desabitados couros;
Que importa que tu roubes aos vindouros
Se enriqueces, se encantas os presentes?
Não é traição ao sexo feminino;
É só razão quem te elogia, e presa,
Cômico Mestre, Músico divino.
Oh nação de harmonia, e de crueza!
O teu ferro nem sempre é assassino:
Não insultou, honrou a natureza.
(Achando-se o Autor prezo dos belos olhos de Márcia)
SONETO XXXII
Eu vi a Márcia bela, vi Cupido
Com arco, setas, e cruel aljava,
Com ímpeto sair de donde estava,
E voar para mim enfurecido.
Fugi; bradei: porém não fui ouvido;
E o tirano Rapaz que me buscava,
Com uma, e outra seta me atirava,
Até de todo me deixar rendido.
Atou-me as mãos com ásperas cadeias,
Sem o mover o sangue que corria
Do roto coração, das rotas veias.
Antes, com frio riso me dizia:
“E não sabias tu, que Amor receias,
Que nos olhos de Márcia Amor vivia?”
(Sobre a Ingratidão de uma Dama)
SONETO XXXIII
Coração, de que gemes, de que choras?
Que parece tens ódio à própria vida!
Se perdeste teu bem, foi mão perdida,
Com te pôr a morrer nada melhoras.
Eu bem sei que a beleza a quem adoras,
Foi-te ingrata, e cruel, foi fementida;
Mas que esperavas tu, se é lei sabida
O mudar-se a Mulher todas as horas.
Sossega, Coração, deixa a tristeza;
Quem te mandou querer com fé tão pura,
Quem te mandou mostrar tanta firmeza!
Erraste, tem paciência, em fim procura
Não fazer por Mulher jamais fineza,
Acharás mais amor, maior ventura.
CANTIGAS
(Feitas nas Caldas com o Estribilho)
Negras tristezas,
Adeus, adeus.
Não há nas Caldas
Melancolia,
Dão alegria
Os ares seus.
Negras tristezas,
Adeus, adeus.
Sara-me a terra,
E não as águas:
Não curam magoas
Os banhos seus.
Negras &c.
Uns lindos olhos,
Que o dia aclaram,
Afugentaram
Os males meus.
Negras &c.
Brandos sorrisos
A furto dados
Fazem dourados
Os dias meus.
Negras &c.
Se entra nos banhos
Marília bela,
Entra com ela
O cego Deus.
Negras &c.
Ali tempera
Nas águas puras
As pontas duras
Dos ferros seus.
Negras &c.
Enxuga as tranças
Da Ninfa loura,
E nelas doura
Os farpões seus.
Negras &c.
Caldas ditosas
Teu nome cresça,
Alça a cabeça
Até os Céus.
Negras &c.
O pobre Anfriso,
Que estas calçadas
Deixou regadas
Dos olhos seus,
Negras &c.
Hoje em triunfo
De seus pesares
Levanta altares
De Gnido ao Deus.
Negras &c.
ENDECHAS
No sacro Templo
Que Amor habita
Minha alma aflita
Fui imolar.
Na ruiva flama
Que silva ardendo
A mão detendo
Jurei-te amar.
Fumoso sangue,
Mal findo o voto,
Do peito roto
Vi gotejar.
D'alma oprimida
A insana pena
Causou-lhe Elena
Que soube amar.
Nos fidos peitos
O morto lume
Negro ciúme
Ia atear.
Vulcano fero
Ante Mavorte
O rival forte
Não pode olhar.
Dos desprezados,
Que sofrem tanto,
O rouco pranto
Feria o ar.
Aqui jaz Délio
Terno, e vencido.
Sem de Cupido
Prêmio alcançar:
Que Dafne esquiva,
Com triste agouro,
Em verde louro
Viu transformar.
Pan segue a Ninfa,
Que tanto adora;
Seu fado chora
Vendo-a mudar.
De tenras canas
Amor lhe manda,
Que a frauta branda
Vá fabricar.
Cercada Dido
De angústias feias,
Ah falso Enéas!
Se ouve bradar.
Seus lindos olhos
Frouxos erravam;
Em vão buscavam
O vago mar.
Subtis enredos
De acerbo dano
Bifronte engano
Eu vi tramar.
Por Tisbe bela,
Que busca errante,
Piramo amante
Vai acabar.
Conhece a amada
O infeliz erro,
Ousa ímpio ferro
Em si cravar.
Serve-lhe a terra
De duro leito,
Vê-se-lhe o peito
Inda arquejar:
As pardas sombras;
Que Amor mistura,
Na Estige escura
Vão aportar:
Desenrugando
A crespa fronte,
Ledo Aqueronte
As foi buscar.
E eu combatido
De mil pesares
Vou pelos ares
A suspirar.
Sei ser-te amante
Sem prêmios vivo,
Este o motivo
Do meu penar.
Vês mil exemplos,
E jamais pensas
Que pode ofensas
Amor vingar.
Ah! sê piedosa:
As cruas penas
Torne serenas
Teu brando olhar.
(Em dia dos anos do Ilustríssimo Principal Almeida)
Por mais que esse sangue honrado
Vos inspire os pondonores
De merecer os louvores
E não querer ser louvado,
Este dia é consagrado
A elogios soberanos:
Sem vir enfeitar enganos
Com mão venal, e fingida,
Em contar a minha vida
Louvarei os vossos anos.
Teceram-me em baixo estado
A Fortuna, e a Natureza:
Entre os braços da Pobreza
Fui desde o berço lançado.
Pelas vossas mãos alçado
Quebrei da desgraça o fio:
Se da crua fome, e frio
Livro o Pai, livro os Irmãos,
É obra das vossas mãos,
E faz o vosso elogio.
MOTE
Olhos de Lise, olhos belos,
Olhos para mim fatais,
Que um vosso girar somente
Me faz temer mil rivais.
GLOSA
Da alva Lise os brancos dentes,
O rosto afável, e brando,
A boca, donde em falando
Ficamos todos pendentes,
Nos lisos ombros patentes
Soltos os longos cabelos
Não são causa dos desvelos,
Nem das ânsias em que vivo:
Vós sois, vós sois o motivo,
Olhos de Lise, olhos belos.
Vós sois os meus vencedores,
E sois glória do vencido:
De vós me atira Cupido
Mil farpados passadores.
Se vence o Deus dos Amores,
Vós as armas lhe emprestais.
Que ternos saudosos ais,
Que pranto em vão derramado,
Me não tendes vós custado,
Olhos para mim fatais!
Se o rosto ao Céu levantado
Alçais as pestanas pretas,
Logo de brilhantes setas
Vejo todo o ar cruzado.
Cupido, que tem jurado
Crua guerra à humana gente,
Das nuas costas pendente
Dura aljava, e passadores,
Fará conquistas menores
Que um vosso girar somente.
Quando desses claros lumes
Saem as chamas brilhantes;
De mil rendidos amantes
Ouço saudosos queixumes.
Não chameis loucos ciúmes,
Ó Lise, os que em mim causais:
Do poder de uns olhos tais
Quem há que livrar-se possa,
Se a menor perfeição vossa
Me faz temer mil rivais?
MOTE
Tu teimas em desprezar-me,
Eu teimo em te idolatrar,
Juntarei teima com teima,
Teimando te hei de abrandar.
GLOSA
De ser comigo piedosa
Não dás, Marília, esperanças:
Inda, cruel, não te cansas
De ser esquiva, e teimosa!
Que importa, ó Ninfa formosa,
Vir neste pego arriscar-me,
De mergulho ao mar lançar-me,
E os livres peixes colher-te;
Se quanto eu teimo em querer-te,
Tu teimas em desprezar-me?
Com os olhos ao Céu erguidos,
Ou postos nos longos mares,
Por ti encho os vagos ares
De mil saudosos gemidos:
Nos rochedos desabridos,
Que em vão bate o rouco mar,
Devorando o meu pesar,
Já que de ouvi-lo te cansas,
Sem prêmio, sem esperanças
Eu teimo em te idolatrar.
Teimando, se mal não penso,
Hei de abrandar teus rigores;
Porque assim como em amores,
Também em teimas te venço.
Juro pelo Sol intenso,
Que a prumo estas rochas queima,
Que mais do que eu ninguém teima.
São as causas desiguais:
Mas por ver quem teima mais,
Juntarei teima com teima.
Se alva fonte murmurando
Gasta em torno os duros seixos,
E vai dos anosos freixos
As raízes escarnando:
Se duras rochas quebrando
Vai com o tempo o bravo mar:
Se bronzes pode cortar
Mordente lima teimosa:
Também eu, Ninfa formosa,
Teimando te hei de abrandar.
MOTE
Não sei que quer a desgraça,
Que atrás de mim corre tanto:
Hei de parar, e mostrar-lhe
Que de vê-la não me espanto.
GLOSA
Não sei que outro mal profundo
Inda a desgraça me guarda,
Se me tirou em Anarda
O que tem de bom o mundo!
Foi este golpe tão fundo,
Que outro não tem que me faça:
Se em levar-me o gesto, e a graça
De uns olhos, por quem vivia,
Me fez quanto mal podia,
Não sei que quer a desgraça!
Debalde outros gostos pintas,
Amor, para cativar-me:
Já não tornas a enganar-me,
Por mais, e mais que me mintas.
Inda tens as setas tintas,
Inda enxugo inútil pranto:
Ao teu venenoso encanto
Novas vítimas procura;
E dá-lhe dessa ventura,
Que atrás de mim corre tanto.
Fizeste, ó desgraça, um erro
Em vires do Amor valer-te:
Como há de ele socorrer-te,
Se eu já conheço o seu ferro?
À sua voz o ouvido cerro:
Custou-me sangue o escapar-lhe:
E para melhor provar-lhe,
Que eu já sou dos seus cortados,
Sinais inda mal fechados
Hei de parar, e mostrar-lhe.
Tu só me deste um desgosto,
Outro já não podes dar-me:
Já agora sempre hás de achar-me
A mesma alma, e o mesmo rosto,
Se em ferros por ti for posto,
Verás que ao som deles canto;
Se envolta em sanguíneo manto
Me pões a morte diante,
Notarás no meu semblante,
Que de vê-la não me espanto.
MOTE
Os meus olhos a chorar.
GLOSA
Pranto inútil são os meios
Das pessoas desgraçadas:
Pagai, lágrimas cansadas,
Pagai delitos alheios.
Já que de ouro cofres cheios
Nunca pude a Nize dar,
Já que devo em fim pagar
Culpa, que só tem meus fados,
Fiquem sempre condenados
Os meus olhos a chorar.
MOTE
Já disse tudo a Cupido.
GLOSA
Na vossa gentil figura
Mil dões natureza pôs:
Todos cuidam que sois vós
A Deusa da Formosura.
Vênus mil vinganças jura,
Vendo o seu culto esquecido:
Vai de setas o ar ferido.
Senhora, andai cuidadosa,
Que a louca Deusa invejosa
Já disse tudo a Cupido.
MOTE
Distâncias, e saudades.
GLOSA
As nodosas carvalheiras,
Que assombram hermas estradas;
Altas rochas, penduradas
Sobre medonhas ribeiras;
Duras, íngremes ladeiras,
Escuras concavidades;
São as tristes soledades,
A quem meu cansado peito
Conta o mal, que lhe tem feito
Distâncias, e saudades.
MOTE
Cantarei alegres penas,
Que cercam meu coração.
GLOSA
Que eu cante alegre me ordenas?
Que cruel, que dura Lei!
Porém obedecerei,
Cantarei alegres penas:
Por todo o modo envenenas
A minha infeliz paixão;
Tu deras valor à ação
De eu afetar alegrias,
Se visses as agonias
Que cercam meu coração.
MOTE
Nada no mundo figura,
Quem não chega a ter amor.
GLOSA
Deus de Amor, sempre a ventura
De tuas mãos pendente vi:
Tu podes tudo; sem ti
Nada no mundo figura.
Recolhe da terra dura
Fruto imenso o Lavrador;
Mas oculto dissabor
No fundo da alma lhe diz,
Que não chega a ser feliz
Quem não chega a ter amor.
MOTE
Amor para me prender
Os teus olhos me mostrou.
GLOSA
Mil belezas me fez ver,
Porque alguma me rendesse,
Não sabia o que fizesse
Amor, para me prender.
Mil laços me foi tecer,
Laços vãos, que em vão me armou;
Provadas setas tirou,
Que ia em veneno ensopando;
Porém só me rendi quando
Os teus olhos me mostrou.
MOTE
A minha felicidade.
GLOSA
Cesse, ó Nize, o teu rigor:
Esse ódio injusto reprime:
Perdem o nome de crime
Os crimes que faz amor.
Torne ao seu antigo ardor
A nossa antiga amizade:
Adoça a rigoridade
Do penoso estado meu,
E faze cum riso teu
A minha felicidade.
MOTE
Quem adora ocultamente
Sem declarar seu amor
Sente mil ânsias no peito,
Vive cercado de dor.
GLOSA
Por que bárbara razão
Hum justo amor se reprime,
E há de julgar-se por crime
Pôr na boca o coração?
Claros olhos ferir vão
Hum coração inocente;
Nem ao triste se consente
Dar sinais de seu cuidado!
Deuses! quanto é desgraçado
Quem adora ocultamente!
No peito a chama acendida
As entranhas lhe abrasou;
Mas da ingrata, que a ateou,
É crime ser percebida.
Se deita sangue a ferida
À vista do matador,
Vejam de que nova dor
Sente o triste a alma cortada,
Falando com a sua Amada
Sem declarar seu amor!
Arde em um fogo escondido:
Pois se conta o seu cuidado,
Além de ser desgraçado,
Chamam-lhe em cima atrevido.
Até quase tem perdido
De olhar o livre direito;
Vive sempre contrafeito;
E entre mil contrários posto,
Mostra alegria no rosto,
Sente mil ânsias no peito.
Busca alegres companhias,
Por curar o mal que sente:
Entra a ingrata de repente,
Despertam-se as cinzas frias.
Ternas Arias, Sinfonias,
Tudo aviva o seu amor;
Mas dos fados o rigor
Tem sobre ele tais poderes,
Que no meio dos prazeres
Vive cercado de dor.
MOTE
Nos olhos o amor explico
Que trago no coração;
Que não se pode ocultar
No peito a doce paixão.
GLOSA
Mandas-me, ó Anarda, em vão
Os olhos meus reprimir;
Que eles sempre hão de seguir
O impulso do coração.
Sem querer sinais darão
Do afeto, que não público:
Com a boca, que mortifico,
Que importa que o não revele,
Se eu, por mais que me acautele,
Nos olhos o amor explico?
Amor os faz descuidados:
Em vão, Anarda, os abaixo;
Pois daí a pouco os acho
Outra vez nos teus pregados.
Trazelos mais castigados
Não está na minha mão:
Esta continua omissão,
Este erro, como tu dizes,
É um fruto das raízes,
Que trago no coração.
De que serve olhar a medo,
E falar acautelado,
Se um suspiro descuidado
Vem descobrir o segredo?
Este artifício, este enredo
Pouco poderá durar:
Meus olhos me hão de entregar;
Que um amor na alma arraigado
É como um fogo ateado,
Que se não pode ocultar.
Tempo, e arte tenho posto
Para disfarçar-me em tudo:
Mas sai-me perdido o estudo,
Em vendo o teu lindo rosto.
Disfarça-se mal um gosto,
Que nasce do coração:
Também tu dessa lição
Talvez que bem não saíras,
Se assim como eu sentiras
No peito a doce paixão:
MOTE
Por passos sem esperança,
Onde me leva o desejo?
GLOSA
Vão pensamento, descansa,
Reconhece as forças minhas:
Tu não sabes, que caminhas
Por passos sem esperança?
Junto da corrente mansa
Me pões do dourado Tejo:
Cá de longe o sítio vejo:
Mas não devo um passo dar,
Que eu não mereço chegar
Onde me leva o desejo.
MOTE
Eu já tenho experimentado
As minhas inclinações.
GLOSA
Que nunca teu doce agrado
De amizade simples passa,
Por minha grande desgraça
Eu já tenho experimentado.
Antes ódio declarado,
Que estas equivocações!
Quero as ternas expressões
De que as almas se alimentam:
Com menos não se contentam
As minhas inclinações.
MOTE
Eu já tenho experimentado
As minhas inclinações.
GLOSA
Senhora, eu tenho encontrado
No teu amor mil intrigas:
Não preciso que mo digas,
Eu já tenho experimentado.
São prêmios do meu cuidado
Enganos, e ingratidões;
E por ocultas razões
São, inda que mo não dizes,
Tão justas, como infelizes,
As minhas inclinações.
MOTE
Ouvi, ó Senhora, ouvi
Os suspiros de uma voz,
Que quando por vós suspira,
Aspira somente a vós.
GLOSA
Chegou finalmente a hora
De saberdes quem vos ama:
Rebente esta antiga chama,
Que ardeu oculta até agora.
Amar calando, Senhora,
Assaz o fiz até aqui:
As ânsias, que padeci,
Sejam finalmente expostas...
Ah! não me volteis as costas:
Ouvi, ó Senhora, ouvi.
Perdei uma vez o horror
A ouvir ternos gemidos;
Nunca feriram ouvidos
Brandas palavras de Amor.
Que hora, e que sítio melhor,
Do que este em que estamos sós?
Que culpa, que crime atroz
Temeis que ante vós farão
As queixas de um coração,
Os suspiros de uma voz?
Meu coração vos adora;
Sem saber o conquistais:
Estas ânsias, estes ais
São obra vossa, ó Senhora.
Em segredo amou até agora;
De amor vive; amor respira;
E se vós, depondo a ira,
Lhe prometeis compaixão,
Que melhor ocasião,
Que quando por vós suspira?
Nele, Senhora, não posso
Nutrir estranha paixão:
Em fim este coração
Foi feito para ser vosso:
Para encher-se de alvoroço
Basta ouvir a vossa voz:
Passa indiferente, e veloz
Por mil belezas, que admira,
Nada o enche, a nada aspira,
Aspira somente a vós.
MOTE
Hei de amar-te até à morte,
Quer tu me queiras, quer não:
Serei no amor desgraçado;
Mas com discreta eleição.
GLOSA
Não fujo, podes rasgar
Este peito desgraçado;
Que o teu gesto retratado
Hás de, cruel, nele achar.
Posto que veja roubar
À Parca a tesoura forte,
E dar-me na vida corte,
Inda ouvirás, que te digo:
“Ingrata, não me desdigo,
Hei de amar-te até à morte.”
Vem, Amor, autorizar
O sagrado juramento
De até ao final alento
Firmemente te adorar.
De joelhos, no Altar
Com a devida submissão
Resoluto ponho a mão;
Juro nas setas tremendas
De te amar, quer tu me ofendas,
Quer tu me queiras, quer não.
Amor com as mãos apressadas
Ergue dos olhos a venda,
E pasma da jura horrenda,
Que assusta as aras sagradas.
“Eis as correntes pesadas,
Que te esperam”, diz irado.
Eu as aceito humilhado,
“Não, ó Deus, não esmoreço
Com os ferros, posto conheço
Serei no amor desgraçado.”
A Liberdade ultrajada
Lança-me a revés a vista;
Risca-me da honrada lista,
E chama-me escravo irada.
Não crimines indignada
Esta nobre sujeição.
Arrastro o férreo grilhão;
Mas por quem? Por Nize bela.
Ah! sim te deixo por ela;
Mas com discreta eleição.
MOTE
Toda a Mulher é perjura.
GLOSA
Triste solitário freixo,
Mais triste do que eras dantes,
Conta, conta aos caminhantes
A razão com que eu me queixo.
Em teu tronco escrita deixo
Minha funesta aventura:
Reconta esta história dura,
Por que veja quem a ler,
Que depois de Armida o ser
Toda a Mulher é perjura.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Marquez de Penalva)
Ilustríssimo Penalva,
Já que me dais proteção,
Sentido na ocasião,
Porque bem sabeis que é calva.
Se o vosso braço me salva
Das crianças pertinazes,
Se a poder das vossas frases
Meu duro grilhão se corta,
Por triunfo à vossa porta
Pendurarei dois rapazes.
MOTE
De mil suspiros que eu dou.
GLOSA
Parto em fim desesperado,
E sem que o motivo conte
Vou a estranho horizonte
Chorar o meu triste fado.
Já vejo o laço quebrado
Que a ventura me forjou;
E como Nize o quebrou,
Conservando os olhos secos,
Ao menos não ouça os ecos
De mil suspiros que eu dou.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Marquez de Penalva)
Ontem soube o que podia
Estilo suave, e brando:
E quanto podeis falando
Eu o vi na Academia.
Nas almas fogo acendia
Vossa discreta Oração.
Sobre a minha pretensão
Vos peço que assim oreis,
E que ao Príncipe faleis
Como falais à Nação.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Verde)
Mandais-me que os versos traga
Que na almofada falaram;
Porque os outros vos ficaram
Nas mãos da Ilustre Arriaga.
Essa honra é uma paga,
Que eles nunca mereceram:
Se os seus olhos se puseram
Sobre tão baixa escritura,
Devo essa grande ventura
Às ilustres mãos que os deram.
Mas é do meu triste fado
Tão teimosa a crueldade,
Que até na felicidade
Vejo que sou desgraçado:
Pois devíeis cautelado
Segurar a ocasião:
Fingindo que errava a mão,
Entre mil papéis diversos
Podíeis em vez dos Versos
Dar-lhe a minha petição.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Verde)
Assisti à Sagração,
Ato, Senhor, dos mais sérios,
Que envolve augustos Mistérios
Da nossa Religião.
Lembrou-me crismar-me então
Por ser ato Episcopal;
Por permitir ação tal
Que outro apelido se tome;
Lembrou-me trocar o nome
De Mestre em Oficial.
Busquei as horas melhores,
E encomendei-me à fortuna;
Cheguei, e para a Tribuna
Tinham já ido os Senhores.
Pelos frios corredores.
O bom Lima me encaminha;
Foi-me pôr na tal portinha
Onde os pretendentes vão
Pôr os joelhos no chão,
E os olhos na Rainha.
Com a cabeça estopetada,
Como quem dorme sem cama,
Roto fumo, e alguma lama
Sobre a casaca encarnada,
Vi o tal que grita, e brada,
Quer na Sala, quer na rua.
Por mais que trabalha, e sua,
Guarda-roupa é louca ideia:
Como há de guardar a alheia
Quem trata tão mal da sua?
Ao pé a figura rara
Do pardo Cardeal astuto,
Que para cumprir o luto
Lhe basta mostrar a cara.
Dos dois na justiça clara
Grandes fundamentos acho;
Mas fujo mais para baixo,
E dispenso amigos tais,
Por não ficarmos iguais
Na justiça, e no despacho.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Verde, quando morreu o Pai do Autor)
Peito de tanta bondade
De bom Pai o nome presa;
Levou-me um a Natureza;
Mas deixou-me outro a piedade.
Amparai minha orfandade,
Porque a vossos pés me humilho:
Se não me abrís outro trilho,
Tal a minha estrada vai,
Que irão com a vida do Pai
As esperanças do Filho.
(Vagando um Ofício que o A. pretendia)
Jaz o defunto enterrado:
E agora saber intento,
Se a caso no testamento
Me ficou algum legado.
A vossos pés ajoelhado
Ponho em vós minha esperança:
Tenho Parte, e não descansa;
E nesta causa infeliz,
Se não fordes o juiz,
Perderei de certo a herança.
(Ao Doutor Joaquim Ignácio Seixas, Médico das Caldas)
Meu Doutor, bem sei que quer
Que eu venha às Ave-Marias;
Mas olhe: há uns certos dias
Em que isto não pode ser.
Dona Antonia Xavier
(Que o Céu por séculos guarde)
Faz anos, e eu esta tarde
Perco à Medicina o medo:
Noutros dias virei cedo;
Mas neste, há de ser bem tarde.
DÉCIMA
(A um Pregador célebre, Fr. João Jacinto, estando jantando com o A.)
Se deste potente vinho
Não cerceias as rações,
Temo que nos teus Sermões
Alegues só São Martinho.
Se lhe dás largo caminho
Pelo teu fecundo peito
Seu fatal mágico efeito
Deixando-te a três de fundo,
Te fará ser o segundo
Que diga: sempre me deito.
(Carta a Lourenço da Mota, Oficial da Secretaria)
Amigo Lourenço: Se tu não sabes o que é não ter dinheiro, eu to explico: Abaixo de Estupores é o maior mal do mundo, principalmente para quem herdou Irmãs sem nenhum rendimento, e com muito bom estomago.
Por ver se aligeirava esta carga, empenhei-me em um milhão para lhes comprar tenças, e em outro para lhas assentar; mas como as não cobrão, morrem de fome, e depois que são ricas, tornam-se a mim, e delas aprendo o que são lucros cessantes, e danos emergentes. Cuidei que tinha metido uma lança em África, e vejo que a meti em mim mesmo; e arde agora a vela pelas duas pontas.
Tu que tens bom coração, e que estás ao pé do Senhor Marquez, que o tem melhor, pede-lhe por caridade o despacho dessa petição.
Não te assustem os três anos; porque ainda mal que ouço que no de 93 não tiveram cabimento. Pede-lhe que já que me livrou de crianças, me livre também de velhas, gado ainda mais impertinente, e que se não contenta com figuras de Retórica. Interessa-te pelo teu Nicolau, Amigo, e Colega, e sabe que, se lhe não mandas as Portarias, terás a vergonha de o ver andar pelas outras. Recomenda-se à tua eficácia.
O teu fiel Amigo.
N. T.
Peço que mates a fome
A este meu povo imenso,
E peço-te, meu Lourenço,
Pelo Santo do teu Nome.
Por um bom serviço tome
A paga das tais tencinhas.
Pois teve as carnes mesquinhas
Em vivas brasas vermelhas,
Em louvor das suas grelhas
Peço me livres das minhas.
Com esta tenho enviado
Três cartas, segundo penso,
Ao meu amigo Lourenço:
Nem reposta, nem mandado.
A dor de que estou tomado
Sim desejo aliviá-la:
Mas a tua mais me abala,
E parece mais intensa:
Pois eu sim fico sem Tença;
Porém tu estás sem fala.
(Ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Verde, andando o A. na pretensão de ser Oficial da Secretaria de Estado)
DÉCIMA
Senhor, venho perguntar
Quando ides ficar no Paço:
Para que à força de braço
Lanceis esta não ao mar.
Sabe montes aplanar
Vossa discreta portia:
E pinta-me a fantasia,
A qual nem sempre me engana,
Que só na Vossa semana
Me há de chegar o meu dia.
(Ao Juiz do Crime de Andaluz, dando-lhe este parte que estava para casar, e mostrando-lhe versos, que fizera à Noiva)
Manoel, muda o cuidado,
Abafa essa chama ardente:
Não fala um são a um doente;
Fala-te outro experimentado.
Já servi ao Deus do engano,
Forte com forças alheias.
Passei nas suas cadeias
Após um ano outro ano.
Prometeu-me alto favor;
Mas sabe, pois que começas,
Que o que tive das promessas
Foram lágrimas, e dor.
Não te deixes enganar
Do rosto brando, e sereno:
Tempera em riso o veneno;
Afaga para matar.
Com mil modos atrativos
Chama a cega, e incauta gente:
Lança-lhe dura corrente,
E escarnece dos cativos.
Como trata os infelizes,
Que andou outrora amimando,
Meu peito to está mostrando
Nesta frescas cicatrizes.
Até em cousas de peta
Quer mostrar o seu rigor:
Faz entrar num prosador
A mania de poeta.
Mas esses laços que trazes,
Dom desse Deus inimigo,
Talvez que sejam castigo
Doutras prisões, que tu fazes.
Fere a muitos tua mão,
Inda que tanto a reprimes,
E vens a pagar teus crimes
Com pena de Talião.
MEMORIAL
(A Suas Altezas)
Se os Príncipes nos são dados
Para geral benefício,
E se o seu mais digno oficio
É ouvir os desgraçados:
Ouvi minha desventura,
E consenti que esta vez
Se lastime a vossos pés
Hum queixoso da ventura.
Saírem humildes ais
De um peito singelo, e aberto,
É o direito mais certo,
Quando os Juízes são tais.
Fundadas sobre a verdade
As minhas súplicas vão:
Não peço por ambição,
Peço por necessidade.
Em mim o cuidado cai
De Irmãs postas em pobreza:
A piedade, e a natureza
Me fazem Irmão, e Pai.
Olhos em pranto banhados,
Que eu sem dor não posso ver,
Vos fazem agora ler
Estes versos mal limados.
São tristes Órfãs donzelas,
E merecem suas dores
Que vós, Augustos Senhores,
Hajais piedade delas.
Por mais esforços que eu faça
Como hei de dar-lhe favor,
Se o seu triste benfeitor
Vive na mesma desgraça?
Da miséria as tirareis,
Se eu da miséria sair:
Sobre muitos vai cair
O favor que me fazeis.
Vós, ó Augusta Princesa,
Em quem o Céu quis juntar
O melhor que podem dar
A fortuna, a natureza,
Tende dó de seu lamento;
E dai a mão favorável
A um sexo respeitável,
De que vós sois ornamento.
A petição que vos faço
Não é de fácil indulto;
Para pouco, fora insulto
Valer-me do Vosso braço.
Não é fácil, mas é justa:
E será bem despachada,
Se uma vez apresentada
For por Vós à Irmã Augusta.
Príncipes, tende piedade:
Ponde a meus queixumes pausa:
Protegei na minha causa
A causa da humanidade.
O que de Tito se diz,
Hum Rei Vosso Avô dizia;
Chamava perdido o dia,
Se não fez alguém feliz.
Motivo de tristes ais
Quaisquer mãos o podem dar;
Más venturas emendar
Só pertence a mãos Reais.
Dos homens, inda que ingratos,
Ouve Deus os rogos justos:
Vós, ó Príncipes Augustos,
Sois na terra os seus retratos.
Mas já o tempo oportuno
Apressa as azas escassas,
E não devo às mais desgraças
Ajuntar a de importuno.
Acabe a triste escritura,
Digna por tal de piedade:
Eu dei-lhe pranto, e verdade,
Vós podeis dar-lhe ventura.
(No dia dos Anos do Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Verde)
Não venho dourar enganos;
A vida não é louvor;
Pois também vivem Tiranos:
Eu venho, ilustre Senhor
Louvar obras, e não anos.
De homem comum não se exime
Quem não tem virtudes claras:
É pouco fugir do crime:
Consagram-se as almas raras
A trabalho mais sublime;
A trabalho heróico: e creio
Pelo provado aforismo,
Que em sãos Filósofos leio,
Que o verdadeiro heroísmo
É fazer o bem alheio.
Tais trabalhos honra dão
À digna mão que os procura:
Não amo Heróis da ambição:
Buscam a sua ventura;
Vós buscais a da Nação.
Serem por vós levantados
Os talentos esquecidos;
Do triste os ais desprezados
Serem aos Reais Ouvidos
Pelas vossas mãos levados;
De quem a vós se acolheu,
Remediar o queixume;
Ter como próprio o mal seu;
É este o vosso costume,
E o gênio que o Céu vos deu.
E o Trono aos Povos propicio,
Que vigia em seu favor,
Fez-lhe o geral benefício
De mandar, que em vós, Senhor,
O que é gênio fosse Oficio.
Partiu Ofícios pesados
Com quem os servisse bem:
São projetos acertados:
Quem do Trono o sangue tem,
Tenha também os cuidados.
Dai aos gratos Lusitanos
Longo tempo Mão segura
Contra injustiças, e enganos;
E seja a sua ventura
O louvor dos vossos Anos.
Mas, Senhor, moços Poetas
Vinguem meus esforços vãos:
Musas zombam de Jarretas:
Pedem-me as trêmulas mãos,
Mais do que Lira, muletas.
Fogosos Vates empreendam
Altos voos neste dia:
Musas com Musas contendam:
Saiam Odes à porfia;
E queira Deus que se entendam.
QUINTILHAS
(Em louvor de uma Senhora)
Lira minha, rouca lira,
Hoje afinada consente,
Que a trêmula mão te fira:
Cante uma só vez contente
Quem por costume suspira.
Louvemos Anarda bela;
Eu vejo aos astros subir
Meus versos em honra dela,
E possa quem os ouvir
Adorá-la antes de vê-la.
Já ledo as vozes desato:
Ouve, ó Ninfa, os teus louvores:
Não pretendo ser-te grato
Traçando com vivas cores
Teu angélico retrato.
Permite, Anarda piedosa,
Que se farte o meu desejo
Noutra empresa mais gloriosa;
Que o menor dom que em ti vejo,
É o dom de ser formosa.
Rubra boca, os olhos belos,
Que brandamente movidos,
São de Amor agudos zelos;
Sobre alvo colo esparzidos
Louros ondeados cabelos;
Braço airoso, a mão de neve;
Proporcionada cintura;
Eis a tua copia breve:
Porém voa a formosura
Nas azas do tempo leve.
Outros bens mais duradouros
Não são à tua alma esquivos,
Bens que nos anos vindouros
Valem mais que uns olhos vivos,
Que uns soltos cabelos louros.
A destruir a beleza
A curva velhice corre:
Nada conserva firmeza;
Só a virtude não morre:
Vence as leis da Natureza.
Tu, que presas a verdade;
Que tratas falsos sujeitos
Só com a cor de amizade,
E para os sinceros peitos
Mostras ter sinceridade;
Tu, que os enganos deslizas;
Que sabes vencer desgostos;
Que a lisonja ufana pisas;
Que não vês somente os rostos;
Que até corações divisas;
Tu, que da seria prudência
Segues os ditames puros;
Que tens amado a inocência,
E nos conselhos maduros
Mostras de idade experiência;
Teu nome eterno há de ser
Estampado entre as estrelas;
Hás de as mais Ninfas vencer,
Que somente em serem belas
Fundão todo o seu poder.
A mão a fofa vaidade;
Dos homens a seu sabor
Prendem a solta vontade:
Trazem nos olhos amor,
No coração falsidade.
Muitas fingem desprezar
Finezas de amante rude;
Fingem os sábios amar:
Não o fazem por virtude,
Querem talentos mostrar.
De que serve uma alma pura,
Se os pesados membros cobre
Rota humilde vestidura?
Nada vale um peito nobre
Numa grosseira figura.
Corpo esbelto, onde ajustado
Brilha, cheio de ouro imenso,
Curto fraque afrancesado;
Cheiroso, Candido lenço;
O cabelo apolvilhado;
Jocosas palavras ocas;
Estes os dons relevantes,
Que deixam de vencer poucas
Das que fingem ser amantes,
E não passam de ser loucas.
Tu tens outro entendimento:
És sempre igual: não te vales
Das cores do fingimento:
Quer séria, quer rindo fales,
Não fundas torres no vento.
Ris da baixa adulação,
Mal que os teus ouvidos toca
A contrafeita expressão:
Conheces na falsa boca
O enganoso coração.
Ver sobre mole tapete,
Curvando as pernas, e os braços,
Peralta de alto topete,
Com destros miúdos passos,
Dançar Francês minuete;
Vê-lo nutrindo esperanças
Entre agradáveis parceiras,
Fazer rápidas mudanças,
Torcendo as mãos nas ligeiras
Buliçosas contradanças;
Fervente rebeca ouvir,
Que infunde vivos prazeres,
Jamais te faz distrair;
Pois antes dos Sábios queres
Sábios conceitos ouvir.
Só te vejo atenta em quanto
Ouves palavras discretas;
As Musas estimas tanto,
Que até dos tristes Poetas
Te comove o triste pranto.
Conheces seu duro mal;
Que sempre tributam fé
A coração desleal:
Que por isso em todos é
A tristeza natural.
Que às Ninfas endurecidas
Lhes não causam terno efeito;
Que triunfam das fingidas,
Guardando dentro do peito
Inda frescas as feridas.
Porém já que ousei falar
De Amor nas sanguíneas rixas,
Vou a lira pendurar:
Não quero com minhas queixas
Teus louvores misturar.
Tu dirás que não tens parte
No meu mal cruento, e fero;
Que vou tristezas lembrar-te;
Dirás que afligir-te quero,
Quando desejo louvar-te.
Não te deves admirar:
Sei que em vão me estou queixando;
Mas quem sente o seu pesar,
Se principia cantando,
Sempre acaba a suspirar.
QUIXOTADA
Espicaça esse animal,
Companheiro Sancho Pança,
Entremos em Portugal,
E vamos molhar a lança
A pró do triste Pombal.
Poetas principiantes,
Já estou em circo raso:
Também Apolo é Cervantes,
Também cria no Parnaso
Seus cavaleiros andantes.
Não vos chamo, ó sujo rancho,
Que até os versos errais;
Em tal sangue as mãos não mancho:
Para vós, e outros que tais
Sobeja a espada do Sancho.
Sobre vós carrego a mão,
Sobre vós, ó folhas velhas,
Que dais num homem no chão,
Sem vos lembrar, que entre ovelhas
É fraqueza ser leão.
Essa boca enganadora,
Que é hoje da maldição,
Mil vezes se pôs outra hora
Sobre a praguejada mão,
E lhe chamou benfeitora.
Pois já que vós sois assim,
Povo revoltoso, e ingrato,
Hoje castigar-vos vim:
Ireis pelo pó do gato,
Nem espereis quartel em mim.
Santo Tejo, o curso enfreia,
E montando rochas duras
Torna atrás a clara veia:
Conta novas aventuras
À formosa Dulcinéia.
Nova guerra o mundo veja,
Guerra em que pouco se arrisca:
Serão armas na peleja,
Provado fuzil, e isca,
Seca, espinhosa carqueja.
Irmão Sancho, põe-te a pé,
Põe essas Rimas a prumo,
Princípio à obra se dê,
Tolde o ar o negro fumo
Deste novo Auto da Fé.
Queima essas Sátiras frias,
Faltas de siso, e conselho:
Queima prosas, e poesias:
Acabe o cansado velho
Em paz os seus tristes dias.
Porém poupa sempre alguma
Das raras que tem sabor:
Das outras nem deixes uma,
Dessas que tudo é rancor,
E poesia nenhuma.
Em tanto as armas pendura:
Mas se houver desassisados,
Que queiram guerra mais dura,
Da minha lança cortados
Desceram à sepultura.
Já nuvens de fumo vejo:
Já chama brilhante o arreda:
Já se farta o meu desejo;
Já da viva lavareda
Dá o clarão sobre o Tejo.
Essas cinzas denegridas,
Que ao velho poupam mil magoas,
Leve-as o Tejo envolvidas,
Fiquem no fundo das águas
Para sempre submergidas.
Vês, Sancho, do nome meu
Como voa a clara fama?
Nem viva alma apareceu
A apagar a voraz chama,
Ninguém, ninguém se atreveu!
Vês como ajuda o destino.
A um bom cavaleiro andante?
Não precisei de aço fino,
Nem de pés de Rocinante,
Nem de elmo de Mambrino.
Ó tu que alçaste a viseira
Forcejando os nervos velhos,
E para ver a fogueira
Limpaste os olhos vermelhos
Na felpuda cabeleira:
Abaixa a proa uma vez,
Chega a Dulcinéia bela,
E dize posto a seus pés:
Formosíssima Donzela,
Eu sou um triste Marquez,
“Que fugindo a um povo inteiro,
A quem metera em furor
Minha privança, e dinheiro,
Vim achar mantenedor
Em teu nobre cavaleiro.
Disse este povo malvado,
Que eu tinha o reino extorquido;
Que era gatuno afamado,
E que em jogos de partido
Tinha com todos levado;
Que no Tabaco levava
Hum quinhão avantajado;
Que o Sabão não me escapava;
E que sem ser Deputado
Nas Companhias entrava.
Das minhas Leis murmuravam:
E os seus pequenos juízos
Tão pouco o ponto tocavam,
Que sempre me eram precisos
Assentos que as declaravam.
Até na língua sem motivo
Deram críticos revezes:
Fiz nela estudo excessivo,
Bebi nos bons Portugueses
Monopólio, e respectivo.
Disse mais o povo insano,
Que perdi de Roma o trilho;
Que fui Sultão soberano;
Que andei casando meu filho
Segundo o rito Otomano.
Mas toda a maldade é sua:
Vêm riquezas, e palácio,
Comem-se de inveja crua:
São uns novos cães de Horacio
Ladrando debalde à lua.
Já se me dá pouco, ou nada
Da sua guerra pequena:
Tenho gente em campo armada,
Tenho Mendoça com a pena,
E Dom Quixote com a espada.”
Esta fala, ou outra igual
Acabada, meu Marquez,
Faze reverência formal,
E arrastra os gotosos pés
Para a vila do Pombal.
Nela vive descansado,
Porque as águas vão serenas;
Sempre Ministro de Estado,
Mandando cousas pequenas
No teu Lopes encostado.
Junto à Estátua vil canalha
Desprende as línguas tiranas:
E se esta rude gentalha
Arrancar com mãos profanas
A carrancuda medalha:
Armas em ouro gravadas
Ser-te-ão por mim erigidas,
E por ti mesmo traçadas,
Em sangue humano tingidas,
E com mil leis penduradas.
ODE
(Oferecida a Suas Majestades, no dia da Aclamação da Rainha Nossa Senhora)
A vida escura em que a natureza, e a fortuna me lançaram tão longe dos Reais pés de Vossas Majestades; o medo justo de mandar uma voz fraca, e desconhecida aos ouvidos de Reis, prenderiam hoje a minha língua temerosa, se o amor da Pátria, e o gosto de a ver feliz, dando-me novo espírito, me não pusessem na boca esta linguagem, de uma alma singela, estes versos sem arte ditados pelo amor respeitoso, e que em lugar de enganosa, e enfeitada poesia, descobrem unicamente os sentimentos de um coração fiel, onde Vossas Majestades reinam Soberanamente.
Neste Trono, a que poucos Monarcas sobem, tem a Nação Portuguesa colocado a Vossas Majestades por aquele talento de agradar, dom do Céu, precioso, e raro na Sagrada Pessoa dos Reis, que querem (como Vossas Majestades conseguiram) ser aclamados pela alegria pública, e pela torrente de lágrimas, com que um povo inteiro, transportado de gosto, levantava às estrelas os Augustos Nomes de seus novos Reis. Eu vi, Senhores, este grande espetáculo; foi uma cena de ternura, que arrancaria lágrimas ainda a um coração que não fosse Português. Vi soldados velhos, que endurecidos ao frio, e à calma, queimados com o fogo da pólvora, anunciavam um coração de ferro, banharem pela primeira vez de lágrimas terníssimas aqueles honrados rostos, aquelas cerradas feridas, que receberam pela Pátria, e que tornariam a abrir com gosto, se o felicíssimo Reinado de Vossas Majestades não estivesse destinado à paz, e à felicidade dos seus povos; era preciso ser insensível para que no meio de um povo entregue à doce, e tumultuosa desordem, que cansa a alegria excessiva, se conservasse a minha alma na sua situação ordinária; prendeu nela uma faísca do fogo sublime, que eu vi atear nos corações Portugueses: a alta idéia das Virtudes de Vossas Majestades, a multidão de benefícios com que vemos dourados os dias do seu faustíssimo Reinado, uma longa serie de felicidades aberta no futuro diante dos meus olhos, me levariam a través do povo, e das armas ao Trono dos Reis, onde à face do Céu, e dos homens me desentranhasse em gritos de alegria, e mostrasse nesta espécie de delírio, que o coração de Vossas Majestades não trabalha para ingratos; mas o profundo, e sagrado respeito, que pôde sufocar em mim este ímpeto de ternura, não pôde fazer calar-me; levado da invencível força do amor, e do reconhecimento, me atrevo a pôr na Real presença de Vossas Majestades grandes cousas em mãos versos; ponho a simples verdade, ponho os votos da Nação, e algumas das muitas ações de piedade com que Vossas Majestades tem mandado contentes os que levam por valia a razão, ou as desgraças. Se Vossas Majestades do alto do Trono se dignarem lançar os olhos sobre estes humildes versos, reconheceram neles não o Estro que faz Poetas, mas o que faz vassalos amantes de seus Soberanos. Estro sublime, e que deve tocar mais no coração dos Monarcas, do que o das Odes famosas de Pindaro, e de Horacio, cheias da mais bela poesia; mas filhas da arte, e da lisonja, e onde não fuzila aquela luz de verdade, que dará logo nos Reais olhos de Vossas Majestades, se eu tiver a incomparável honra de que este papel seja apresentado diante do Augusto, e Respeitável Trono dos Pais da Pátria, dos Amigos, dos Benfeitores, dos Reis adorados da felicíssima, e sempre fiel Nação Portuguesa.
ODE
Das virtudes guiados
Subi ao alto Trono, oh Reis Augustos;
Nem sempre esquivos fados
Se nos hão de mostrar surdos, e injustos:
Abrem vasto tesouro,
E nos mandão por Vós a Idade de Ouro.
Do Rei aos Céus erguido
O Reino, e o coração tendes herdado,
Benigno, enternecido,
De mil virtudes solidas dotado;
Por gênio piedoso,
E digno em fim de tempo mais ditoso.
Da Eterna Providência
Os benéficos raios fuzilaram;
Já se estima a inocência,
Já os tempos de Ferro se abrandaram,
Já vem o ar talhando
A Piedade, e a Justiça os braços dando.
Com súbita alegria
Tornai a ver os conhecidos lares,
Tornai a ver o dia,
Vós que habitastes hórridos lugares,
Lugares desumanos
Onde passastes dez, e outros dez anos.
Do chão desentranhados
Vinde jurar os novos Reis felizes:
Nos pulsos descarnados
Mostrai ao Povo as roxas cicatrizes,
E os grilhões inda quentes
Na praça triunfal deixai pendentes.
Que lágrimas levaste,
Pátrio Tejo, na tua escura veia
Quando turvo passaste!
E as ondas, que quebravas sobre a areia,
Que cinzas que regaram!
Que triste sangue para o mar levaram!
Mas torna, oh manso Tejo,
Torna a volver corrente prateada:
Já tais males não vejo:
E até já foge a nuvem carregada,
Que à triste Lusa terra
Prometia fatal, e pronta guerra.
De pelouro violento
Não vê cair o exangue companheiro;
E dorme ao som do vento
Em campo aberto o mole pegureiro;
O lavrador cantando
Em paz herdados campos vai cortando.
Da sorte das batalhas
Livrai, Piedosos Reis, os Portugueses;
Pendurem duras malhas,
E os temperados lúcidos arnezes
Os ardidos soldados
Das lagrimosas Mães em vão chamados.
Que dias florescentes
Ao vosso fiel povo preparastes!
Quando com mãos prudentes
O peso dos negócios espalhastes
Sobre os ombros robustos
De Ministros inteiros, sábios, justos.
Gêmeo maniatado
Longo tempo o infeliz merecimento;
Mas já, o colo alçado,
Sacode o negro pó do esquecimento,
E a virtude inocente
De ilustres palmas lhe coroa a frente.
Já vingadas serão
Do vil tutor as tímidas donzelas;
Já não erguem em vão
As mãos, e os tristes olhos às estrelas;
Nua de falsidade
Aos ouvidos dos Reis chega a verdade.
Mil louvores lhe cantão,
O limpo coração pondo no rosto:
E n'alma lhe levantam
Novo Trono, sobre ela melhor posto,
Que entre espessas falanges,
Que sobre ouro, ou pérolas do Ganges.
Novos Reis Soberanos,
Que hoje as rédeas tomais do Reino vosso,
Os Fastos Lusitanos
Dirão de Vós o que eu dizer não posso:
Vossa Augusta Memória
Abrirá largo campo à longa História.
Sem trabalho podeis
Fazer feliz a gente Portuguesa,
Seguindo as santas leis,
Que n'alma vos gravou a Natureza,
A rara humanidade
A incorrupta Justiça, a sã Verdade.
(No dia dos Anos do Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Marquez de Angeja)
ODE
A rouca Lira, Musa, temperemos,
Cordas de ouro lhe ponho:
O triste Boticário em paz deixemos,
E o Gamão enfadonho;
Inspira-me uma vez sonoros hinos,
Que Apolo julgue deste dia dinos.
Ensina-me a louvar do Ilustre Angeja
Talentos superiores;
Que sofreu os assaltos d'alta inveja,
Como sofre os louvores;
Cuja alma não conhece vis mudanças,
Ou corram tempestades, ou bonanças.
Sem temor estalar o raio ouvia,
Que ao perto fuzilava;
O reto coração tendo por guia,
Seguro caminhava;
Em vão medonha tempestade freme,
Seu grande coração só crimes teme.
Ao pé do Trono Augusto em fim chamado
Venceu a crua inveja;
Quem no Conselho o pôs dos Reis ao lado
Não foi sangue de Angeja,
Não foi de Espanha antigo Filhamento,
Foi sã justiça, foi merecimento.
Não revolvo a Real Genealogia
De Henrique, e de Fernando;
Os sãos louvores deste grande dia
De ti mesmo tirando,
Só louvarei com paternais façanhas
Quem seu nome dever a mãos estranhas.
Vias correr teus dias sossegados
Nutrindo esse alto espírito
No que ficou dos séculos dourados
Em prosa, ou verso escrito;
Recolhendo na provida memória
De estranhos Reis, e de teus Reis a história.
Outras vezes rasgando à vasta terra
Seu peito cavernoso,
Ou descobrindo quanto o mar encerra
De raro, e precioso,
Profundavas com seria madureza
Os segredos da oculta natureza.
De tão doces estudos arrancado
Por mais altos destinos,
Da Lusa gente, e de seus Reis chamado
A empregos de ti dinos,
Sacrificas aos novos Soberanos
De maduro saber teus cheios anos.
Permita o Céu que em tais trabalhos vivas
Claro nome estendendo;
E que as douradas horas fugitivas,
As azas encolhendo,
Façam que o tempo demorando o passo
Sinta a foice cair do frouxo braço.
Que cem vezes raiando este bom dia
O Oriente esclareça;
Que imperturbável solida alegria
Com ele te amanheça;
Que em naturais terníssimos afetos
A mão te beijem Netos de teus Netos.
Mas deixa, ó Musa, a frouxa poesia
Para assuntos menores;
Não profanem de Angeja a glória, e o dia
Importunos louvores;
Pois inda que soubesses dirigi-los,
Quer merecê-los; mas não quer ouvi-los.
Engana-te o desejo, que te inspira,
Reconhece o teu erro;
Se vês, que só ajustam nesta lira
Negras cordas de ferro,
Não torças, não, teu mísero fadário:
Torna ao Gamão, e ao triste Boticário.
ODE
(Ao Senhor D. Domingos de Assis Mascarenhas)
Clio uma seta tira
Da aljava de ouro, que pelo ar vazio
Longe correndo fira
Junto ao Mondego saudoso rio:
Ali em torno às suas margens voe,
E por feliz três vezes o apregoe.
As claras águas regam
Plantas belas, fecundas, generosas:
Com desvelo se empregam
Em cultivá-las mãos industriosas:
Quão doces frutos, quão cheirosas flores
De tais águas, tais plantas, tais cultores:
Ergue, ilustre Mondego,
Ergue tua cabeça sobre as águas:
Assaz no fundo pego
Choraste um tempo tuas tristes magoas.
Olha teus campos como esmalta agora
Em formosa união Pomona, e Flora.
Ó seio de candura,
Mascarenhas, Tu és o alvo, a meta,
Que ansiosa procura
Da minha Clio a empenada seta.
Tu na alma paz, na sanguinosa guerra
Podes ornar a tua, e alheia terra.
Mas boa sorte mude
Meu dito, e a outra parte te não chame
E onde tanta virtude
Tem a raiz, os frutos seus derrame;
Nem menos tempo o Sol ilustre, e aquente
A quem o viu desde o seu claro oriente.
Porém, se é ordenado
Da Providência sabia, santa, eterna,
Cristão peito humilhado
Adora o Sumo Ser que assim governa:
Antes se goza, e dentro n'alma estima
Que Astro tão belo alegre mais dum clima.
Entre tanto difunde
Na Pátria tua luz copiosa, e clara;
Que, se logo confunde
Os fracos olhos, depois guia, e aclara.
Arda ante incertos pés (e gritem vícios)
Alta tocha, que mostre os precipícios.
Constância! que guardado
Está o galardão a teus suores,
Onde em cume estrelado
Vibra o Templo da Glória resplendores.
Dali olhos não tires; que ao trabalho
É doce viração, é fresco orvalho.
Tu, e esse Coro ilustre
De mancebos Heróis, que se obrigam
A dar ao mundo lustre,
Quando o alto sangue dos Avós herdaram;
Concebei novo fogo, e novo brio
Ouvindo onde vos chama a minha Clio.
Oh, se alguém me pusesse
Nas margens do Mondego claro, e frio:
Certo me não vencesse
Cisne de Dirce sobre o pátrio rio.
Ali tão docemente vos cantara,
Que a ouvir-me feras, montes abalara.
Mas engenho ir recusa
Onde ir Amor, e Gratidão me incita:
Néscia, se o esperas, Musa!
Não corre lasso pé estrada infinita.
Almas ilustres, havereis somente
O dom sincero de um desejo ardente.
Só mal sonora rima,
Que sem veia forjou saudade, e zelo,
Leram o amável Lima,
O sábio Castro, e o profundo Melo,
Pedras, que tu mal sofres, ó Lisboa,
Faltarem tanto tempo à tua coroa.
(Em louvor da Saúde)
ODE
Não procura palácios suntuosos
A brilhante Saúde;
O seu rosto agradável, e risonho,
Até aos Reis se esconde:
Ela faz com que seja venturoso
O roto Peregrino,
Se entre a negra gadelha, lhe aparece
Hum semblante sadio.
O Cativo Remeiro fatigado,
Do ardente Sol não fuja:
Em ferros envolvido o duro corpo,
Trabalhe o dia inteiro:
O queimado semblante ande banhando
De violento suor:
Apressado mastigue, e poucas vezes,
O corrupto biscoito:
Mas tenha o rosto alegre, e sossegado
Entre as duras prisões,
Se à pálida doença não tem visto
O macilento aspecto;
Se com braço membrudo, e vigoroso
Força o remo pesado.
Inda sinto inflamar-me em teus louvores,
Oh Saúde aprazível!
Tu és Filha do Céu, Mãe da alegria,
Dom de Deus Piedoso.
Se os míseros mortais expõem a vida
Por danosas riquezas;
Por elas que fariam, se servissem
De te fazer propicia?
Filha do Céu benigno, se te deras
Por ouro, ou fina prata,
Eu não temera as tempestuosas ondas
Do fervido oceano:
Nos ocultos sertões iria entrando
Com a mesma cor no rosto;
Não me assustara o dente venenoso
Da enroscada serpente;
Do fértil oriente nos outeiros
Cavaria ansioso,
Por ver se das entranhas te trazia
Abundantes tesouros.
Mas a bela Saúde, é dom celeste;
Com ouro não se compra:
Ela foge dos ímpios, que se assentam
A saborosas mesas;
Que adormecem em leitos guarnecidos
De preciosas sedas;
E vai guardar, com provido cuidado,
O simples Pescador,
Que sobre ásperas rochas, sem abrigo
Aos rigorosos tempos,
Vai nutrindo no corpo mal vestido
Hum coração sincero;
Que humilde sabe erguer ao Céu piedoso
As inocentes mãos.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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