3/01/2023

Lucrécias (Poesia), de Bruno Seabra


LUCRÉCIAS


Qual cede um batel sem leme
Do mar e vento aos furores,
Sem força levar-me deixo
De uma torrente de amores.

"Amor de Ovídio", de A. F. de Castilho




NÓS E VÓS

Amo-vos a todas vós,
Raparigas! porque nós
Dos quinze aos vinte solteiros,
Borboletas dos rosais,
Somos todos bandoleiros,
Como foram nossos pais,
Depois de nossos avós.

Amai-me, pois, todas vós,
Porque, afinal como nós
Dos quinze aos vinte solteiras,
Lindas flores dos rosais,
Sois tão boas bandoleiras,
Como foram vossos pais,
Depois de vossas avós.

Agora... casando nós,
Bem como casando vós;
– Adeus vida de solteiros,
Borboletas e rosais!
E nunca mais bandoleiros!
E Deus vos guarde dos pais
Que inda o são depois de avós...

 

ÀS RAPARIGAS

Travessas, formosas, gentis raparigas,
Meus lindos romances atentas ouvi:
Nasci sobre as ondas das águas do norte,
E as verdes florestas do norte corri.

Do rio – gigante – que tira o seu nome
Daquelas guerreiras dos tempos d'além,
À margem virente colhi muitos frutos,
E flores, e riscos, e... beijos também!

Aos pés das cascatas, em tardes serenas,
Ao som dos ruídos das águas, – cismei;
Que cismas de crenças! que sóis d'esperanças!
Que ar de baunilha que ali respirei!

Corri pelas veigas atrás dos galheiros,
Os méis das abelhas nos montes bebi;
E à sombra dos cedros altivos, copados,
As sestas, saudosas, nas redes dormi.

Ao pino e aos raios do sol que mais queima,
Perdido nas brenhas de incultos sertões,
Lutei braço a braço co'as onças feroces,
Mais bravas, mais feras que os próprios leões!

Delgado, flexível, meu corpo mimoso,
Nas tardes calmosas do sol do Equador,
Nos lagos, nos rios nadava boiando,
Por entre as gaivotas, das águas à flor.

Em noites de lua, ao lar das choupanas,
Ouvi dos sertanos as rudes canções;
E as lendas de amores das filhas das selvas,
E os ternos segredos de seus corações.

Nas matas, mirei-me nas águas das fontes,
Que imagem faceira nas águas sorria!...
Atentas ouvi-me, gentis raparigas,
Dizei-me, travessas, se o espelho mentia.

Meus olhos castanhos, sisudos, traquinas,
Têm fogo, têm brilho, têm lhana expressão!
Audaces, medrosos, esquivos, quietos...
Meus olhos, dizei-me: formosos não são?

Meus lábios... meus lábios pequenos, risonhos,
Uns longes tirando da cor do carmim,
Dos méis e perfumes das flores sedentos...
Pois há muitos lábios mimosos assim!...

E os negros cabelos, e as faces de jambo,
E os buços macios abrindo-se em flor?
E uns traços de triste que eu tenho na fronte,
E o sangue nas veias coando em fervor?...

E a boca tão breve... e as doces palavras,
E a idade viçosa a meiga estação?
E as minhas cantigas, e um peito que é terno,
E os muitos desejos do meu coração?...

Dizei-me, travessas, gentis raparigas,
Dizei-me, formosas, se o espelho mentia?
Tão cheio de dotes e os dotes tão raros,
Não era galante o retrato que via?

Pois bem; das florestas, das matas virentes,
A mão da ventura me trouxe até aqui;
Perdido entre as gentes, perdi-me de amores,
Por todos os olhos das moças que vi...

E eu ando perdido com os dotes que tenho...
Que sina! que pena! que triste condão!
Se dentre vós uma quisesse ser noiva...
Que noivo eu dera, e aí, que noivo então!...

É tempo, e inda há tempo! – é fero destino
Perderem-se dotes tão raros assim!
Se dentre vós – uma quiser um marido,
Me escreva uma carta dizendo – que sim.

 

TEREZA

Quem vem da igreja? Tereza
Que foi casar-se... surpresa!
Não esperava este azar!
Nunca me turbara a ideia
Esta lembrança tão feia
De que podia casar!

Que não cuidei vejo agora,
Por que m'o afirma esta hora,
Que inesperada bateu!
Casada! vejo-a casada!
Jesus! como está mudada!
Pois também mudarei eu.

Cessai, esp'ranças viçosas,
Emurcheceu, perfumosas
Flores, que eu tanto reguei!
Coração, meu pobre filho,
Velho'stás, segue o meu trilho,
Enruga como enruguei!

Casou-se aquela trigueira,
Que para vos tão fagueira
Se mostrava; já casou!
Aquela mesma Tereza,
Que a correr pela devesa,
Tantas vezes nos cansou!

Olhem como vem pimpona!
É uma senhora dona,
Reparem como ela vem...
Seu marido vem com ela
Todo cheio de cautela,
Que muitos ciúmes tem!

Olhai-a, como nos foge!
Como mais esquivos hoje
Seus olhos fogem de nós!
Agora que'stá casada...
Não irás mais a latada
Colher uvas a sós...

Já não veste saias curtas,
Como outrora a colher murtas,
Jambos ou maracujá,
Pelos declives dos montes
Ia, e depois vinha às fontes,
E nós estávamos lá...

Vem? é outra! é outra... olhai-a!
É vestido, não é saia,
Tereza a mesma não é!
E que vestido comprido!
Não deixa ver o vestido,
Nem a pontinha do pé!...

Adeus senhora Tereza!
Salve o pobre na pobreza,
Que isto não lhe fica bem!
Soberba co'o seu marido,
Soberba co'o seu vestido,
Já não conhece ninguém!

Deixa-se de soberbias,
Lembre-se daqueles dias,
À sombra dos cafezais...
Descora... não tenha medo!
Vá tranquila que o segredo
Da minha boca... jamais...

Jamais... e jamais suponha
Seu marido que a vergonha
À casa lhe-hei de eu levar...
Jamais, senhora Tereza,
Que eu também tenho a certeza
De algum dia me casar.

 

OS MEUS OLHOS EM LEILÃO
(Eu, Beta e Joaninha)

EU
Compra-me estes olhos, Beta,
Vou vendê-los em leilão;
Deita o lance, ó Joaninha,
Quanto por eles me dão?

BETA (com desdém)
Quanto a mim, Deus me perdoe,
Nem de graça me convém;
Quando o próprio dono os vende,
Vejam que préstimo têm...
Fazem-lhe conta, priminha?
Aproveite a ocasião...

JOANINHA (com arrufo)
Pois eu lá precisei nunca
De olhos de segunda mão?!

EU
Cuidam que vendo estes olhos,
Ou que de graça os daria...

BETA (com desprezo)
Quem é que precisa deles?

JOANINHA (com escárnio)
Quem é que lhos compraria?

EU (parodiando)
Quem é que precisa deles?
Quem é que m'os compraria?
Quem souber que a sorte grande
Lhes saiu na loteria...

BETA (rindo)
A sorte grande!... priminha...

JOANINHA (rindo também)
A sorte grande! ora qual...

EU
Olha este bilhete, Beta;
Joaninha, toma o jornal.

BETA (lendo o nº do bilhete)
Cinco mil... e trin...ta e qua...tro... aqui 'stão...
Vinte contos.

JOANINHA (conferindo o jornal)
E trinta... e qua... tro... aqui... 'stão...
Vinte contos.

BETA (dramática)
Vinte contos!...

JOANINHA (trágica)
É quase um milhão!...

BETA (com pasmo)
Vinte contos!... que riqueza!...

JOANINHA (dando um passo para mim)
Co'os lindos olhos que tem...

BETA (adiante de Joaninha)
Se eu tivesse uns olhos desses...

JOANINHA
Eu se os tivesse também...

BETA (com ternura)
Uns olhos tão expressivos...

JOANINHA (com meiguice)
Que falam ao coração...

BETA (tomando-me a mão direita)
Que têm raios...

JOANINHA (tomando-me a mão esquerda)
Que têm brilho...

EU (com diplomacia)
E agora quase um milhão...

BETA (con amore)
Deixa que eu ame os seus olhos?

JOANINHA (solto você////)
Deixe que eu lhes beba a luz?

EU (profundamente comovido)
Deixo... sim...mas, o bilhete...

AMBAS
O bilhete?...

EU
É falso...

AMBAS
Cruz!...

(E ambas deram-me às costas, deixando-me na posição mais cômica de minha vida)

 

MORENINHA

– Moreninha, dás-me um beijo
– E o que me dá, meu senhor
– Este cravo...
– Ora, esse cravo!
De que me serve uma flor?
Há tantas flores nos campos!
Hei de agora, meu senhor,
Dar-lhe um beijo por um cravo?
É barato; guarde a flor.

– Dá-me o beijo, moreninha,
Dou-te um corte de cambraia.
– Por um beijo tanto pano!
Compro de graça uma saia!
Olhe que perde na troca,
Como eu perdera co'a flor;
Tanto pano por um beijo...
Sai-lhe caro, meu senhor.

– Anda cá... ouve um segredo...
– Ai, pois quer fiar-se em mim?
Deus o livre, eu falo muito,
Toda mulher é assim...
E um segredo... ora um segredo...
Pelos modos que lhe vejo
Quer o meu beijo de graça,
Um segredo por um beijo!?

– Quero dizer-te aos ouvidos
Que tu és uma rainha...
– Acha, pois? e o que tem isso?
Quer ser rei, por vida minha?

– Quem dera que tu quisesses...
– Não duvide, que o farei;
Meu senhor, case com ela,
A rainha o fará rei...

– Casar-me?... ainda sou tão moço...
– Como é criança esta ovelha!
Pois eu p'ra beijar crianças,
Adeusinho, já sou velha.

 

FLORA

Agora... agora!... murmurei baixinho
Nos ouvidos de Flora, a gentil Flora!
Não há tempo a perder, é pouco o tempo!
Dá-me o beijo de amor... agora!... agora!...

Agora... agora!.. que propício instante
Para o beijo de amor que amor implora!
Esconde o rosto por detrás do leque,
Como quem não me viu... agora...agora!..

Há mais de um ano que este amor faminto
na esperança de um beijo se vigora!
Há tanto tempo!.. meu amor... meu anjo!
Agora... agora! dá-me o beijo... agora!..

Voltou seu rosto: por detrás do leque
Por um triz eu beijava a gentil Flora,
Se o maldito do pai não vem saudar-me,
Perguntando a sorrir – não dança agora?!

Há mais de um ano que este amor faminto
Na esperança de um beijo se vigora;
E quando cuido havê-lo bate asas...
Leve-te a breca o pai, querida Flora!

 

O CALOTE
(Imitação do francês)

Saí da oficina
Inda não era o sol posto:
Em meio ao caminho encontrei
Trigueira, gentil menina
Toda inteira de meu gosto:
Fui – junto dela parei.

Tomei-lhe as mãos trigueirinhas,
(Que macias mãos aquelas!)
Beijei-as com frenesi...
– De todas as moreninhas,
Lhe disse, de todas elas
És a mais linda que vi!

– Vamos aos bosques, morena?
Vamos ver os arvoredos,
Que muitos há para ver!
A tarde vai tão serena...
E eu tenho tantos segredos
Que t'os queria dizer...

Fui-lhe do braço travando,
Sem mostrar constrangimento,
Que eu a levasse deixou;
Porém, aos bosques chegando,
Com ares de sofrimento,
Em pranto se desatou.

– Que tens, por que choras, bela?
Eu não te fiz resistência,
Tu mesma o podes dizer?...
– Ai! soluçou, pobre dela!
Eu choro a minha inocência...
Que vais deitar a perder...

– Esta bem, por Deus, não chores!
Não tocarei a inocência
que Deus manda respeitar;
Tornemos ao campo: as flores
Vai colher da adolescência,
Vai pelos campos saltar.

– Livre'stás, podes agora,
Lhe disse ao campo chegando,
Podes rir, podes brincar;
Vai ela, com voz sonora,
Negros olhos requebrando
Pôs-se zombando a cantar.

– Que tens p'ra cantar, trigueira?
Responde, por vida minha,
Que tens para assim cantar?
Respondeu: – A sua asneira!
Teve entre as mãos a galinha
E não soube depenar!...

 

A FILHA DO MESTRE ANSELMO

Mestre Anselmo – sapateiro,
No seu ofício o primeiro,
(O primeiro remendão),
Tinha uma filha formosa,
Chamava-se a filha Rosa,
E era rosa em botão.

Como um trono assentado,
Mestre Anselmo repimpado
Na tripeça era um sultão;
Mas, míngua de fregueses,
Passava meses e meses
Sem remontar um tacão.

Um dia o rei da craveira
Nomeia a filha caixeira,
E põe a filha ao balcão:
Acabaram-se os reveses,
Mestre Anselmo tem fregueses,
Já não pode medir mão.

De tão grande freguesia
O mundo todo dizia
Ter ganho o mestre um milhão;
Não que lho desse a craveira,
Mas os olhos da caixeira
Que tinha posto ao balcão...

Certo ou não certo o comento,
Por minha vez acrescento,
E tenho certa razão...
Mestre Anselmo enriqueceu,
Mas a filha... empobreceu
No melhor do seu quinhão!...
______

Quem quiser no seu ofício,
De mesquinho benefício,
Ser rico do pé p'ra mão:
Tenha uma filha formosa,
E, como o patrão de Rosa,
Vá pondo a filha ao balcão.

 

INGENUIDADE

– Pedi-lhe um beijo coraste!
Teus olhos no chão fitaste,
E a rosinha desfolhaste
Que te dei!
Foi um pedido inocente,
Impulso de afeto ardente;
Ofendi-te, seriamente
Não pensei!

– Pois eu também não cuidava,
Quando a rosa desfolhava,
Que tanta mágoa lhe dava
Que lhe dei!
O senhor pediu-me um beijo.
Eu também tinha desejo...
Mas, quando quis veio o pejo,
E... eu... corei!

– Inocente!... teve um pejo!
Agora então, dás-me o beijo?
É tão grande este desejo
Com que 'stou!...
– Não se amofina comigo?
– Ah! não vês? sou teu amigo...
– Veja o que diz!...
– É o que digo...
– Não lhe dou!

– Quisera que me dissesses
Que novos modos são esses
De tratar-me... só mereces
Meu desdém!
Já não preciso do beijo,
Ou seja inocência ou pejo,
Boas-festas lhe desejo,
Passar bem!

– Não ralhe comigo que me entristeço!
O seu desdém não mereço...
Olhe – vê... como ingordeço...
Olhe bem...
Não olha? 'stá mal comigo?
Olhe, para meu castigo
Veio tarde, meu amigo,
Vou... ser mãe!

– É crível? na flor dos anos
Pode haver entre os humanos
Quem ousasse... desenganos!
É tal e qual!
Reparei... tinha uma pança
Aquela pobre criança,
Que poria em contradança
Um arsenal!
__________

Do sentimento no excesso
Maldisse a luz do progresso,
Que deixa ver pelo avesso
As ilusões!
Doido, sensivelmente,
Deixei aquela inocente
Dizendo piedosamente
Co'os meus botões:

– Pobre menina! tão cedo!
Abuso do século!... ai!
(Há de ser linda criança...
Se, ao menos, eu fosse o pai?!)

 

LAURA

– Donde vens, Laura?
– De casa.
– Vais à festa?
– Já se vê?
– Tão sozinha?
– O que tem com isso?
– Vou contigo...
– Para quê?

– Para ensinar-te o caminho...
– Agradeço-lhe o favor;
Eu sei de cor estas bandas,
Obrigada, meu senhor.

– Olha o Demo se te encontra...
– Pergunto ao Demo; o que quer?
– E se ele quiser um beijo?
– Dou-lhe até mais, se quiser.

– Ora, anda cá; dá-me o beijo,
Porque o Demônio em mim vês...
– Já me'stava parecendo...
Ficará para outra vez.

– Vá desta vez um abraço...
– Abraço?...
– Sim, o que tem?
– Mamãe me disse outro dia...
– O que te disse a mamãe?

– Que uma rapariga solteira
Em abraçando um rapaz...
Ferve-lhe o sangue nas veias,
E depois...
– E depois?
– Zás!
_________

Arregaçando o vestido
Deitou-se Laura a correr;
Deixando-me boquiaberto
Co'o sangue todo a ferver!

 

MAL DE UM BEIJO

– Dá-me um beijo! pode um beijo
Deixar-me acaso senão?
Eu sei beijar tão leve...
Dá-me o beijo, Lídia?
– Não.

Mesquinha! pródigas outras
Quantos beijos aí dão?...
Não sejas pródiga, embora,
Mas... um beijo ao menos?
– Não.

– Não te peço um sacrifício
Em paga deste vulcão,
Que trago dentro do peito,
Dá-me um beijo em paga?
– Não.

– Inferno! Que amante és Lídia,
Pois sempre a dizer-me não,
Quando um beijo te suplico
Nos ardores da paixão?...

– Que me pedes para prova
De minha extrema paixão?
Vai dizendo, verás, Lídia,
Que não sei dizer-te – Não.

– Há de compor um romance,
Que fale somente em mim,
Que acima das moças todas
Me punha em beleza?
– Sim.

– Não há de deixar que eu viva
Por muitos meses assim
Aborreço o meu estado...
– Sim, Lídia, três vezes sim.

É toda a minha ventura
Casar-me, meu serafim;
Assim queiras... queres?
– Quero!
– Está dito... beijo?
– Sim!
___________

E beijei-a... Mas o beijo
Arrefeceu-me a paixão...
Hei de compor-lhe o romance;
Mas casar com Lídia? – Não.

 

FRANCINA

No templo de Deus, Francina
Devota rezando 'stava;
Seus negros olhos fitava
No lenho da redenção:
E silêncio revelava
As preces do coração.

De joelhos de mãos postas
Para o céu as levantava,
E mais formosa ficava
Nessa humilde posição:
Eu, que herege a contemplava,
Tinha fé e devoção...

De mãos postas, a seu modo
Eu também me ajoelhava,
Com devoção... com fervor.
Mas... de Deus não me lembrava
Naqueles salmos d'amor!

Não me lembrava de Deus...
Não! o Deus, que eu adorava,
De quem a graça implorava
Nas preces do coração,
Seus negros olhos fitava
No lenho da redenção...

Era, sim, meu Deus, Francina
Que a devoção me inspirava
Era Deus, que eu adorava
Das orações no fervor...
Como devoto rezava
Eu rebelde pecador!...

Rezas para Deus, Francina?
Eu, Francina, para ti!
Minhas culpas, querubim,
Me pesam no coração!
Perdoa se te ofendi
Amando com devoção

A esses olhos serenos,
A esses lábios – rubins,
a essas faces – jasmins,
Essa toda – perfeição!
Pequei, pequei! ai de mim
Se morro sem teu perdão!

Volve teus olhos piedosos
Para o pecador – cristão!
Dá-lhe um riso! salvação
Para esperanças d'amor,
Que às hordas do inferno 'stão,
Com elas o pecador!

Pelo amor desses teus olhos,
Que fanais d'amores são,
Eu te exoro o meu perdão
D'amar-te com tanto amor!
Francina, tem compaixão!
Graça, graça ao pecador!

De mãos postas, a seu modo
Eu também me ajoelhava,
E deste modo rezava
Com devoção, com fervor;
Quem sabe se eu me salvava
Sendo sempre pecador?...

 

INÊS

– Lembras-te Inês?
À sombra desta mangueira
aquela vez?

– Eras então mais fagueira,
Não eras má!
E a vida mais prazenteira
Do que hoje 'stá!

– Tinhas talvez...
Tinhas... quantos anos tinhas,
Lembras-te, Inês?

São coisas das Afonsinhas,
Já lá se vão...
Eu sei cá essas coisinhas
De quanto são.

– Que desamor!
Não te lembras do passado?
Eu não, senhor.

Anda-me o tempo ocupado
Dos dias meus
Co'o meu maridinho amado,
O sô Mateus.

– Casaste, pois?
Tal e qual...
– Tens bom marido?
Vale por dois,

Seja-me o fado servido
De o conservar,
Como até hoje o tem sido
Desde o altar,

E eu lhe direi
Se a sorte de outra casada
Lhe invejarei.

Também fiel, desvelada
Mulher assim,
Não lhe há de ser apontada
Depois de mim.

– Com que então,
Fizeste um bom casamento?
Foi de encher a mão!

E tenho o contentamento
De lhe dizer
Que irei morrer num convento
Se ele morrer.

– Ora esta Inês!
E há quantos anos casaste?
Vai fazer um mês.

– Há poucos dias...
Afaste!
Veja o que faz! Querer em beijar? sô traste!
É muito audaz!

– Como és cruel!
Não quero beijar-te, quero
Dar-te este anel.

Vá-se d'aí...
Como é fero
Teu coração!
Não há peito mais austero,
Por Deus, que não!

Prezo-me assim...
Já não és a Inês d'outrora...
Pois sim, pois sim!

– Adeus, Inês, vou-me bem'ora,
Deixa-te, 'star!...
Toma o anel; deita-o fora
E este colar.

Lá isso não,
Por soberba não rejeito
O que me dão.

– Então aceitas?
Aceito...
– Querida Inês!
Eu não... Talvez...

Valha-me Deus!
Quem vem aqui manquejando?
É sô Mateus!...

Fuja, fuja! vá-se andando
Com pés de lã...
– Adeus, Inês... até quando?
Volte amanhã...

 

LÚCIA CÉTICA

– Formosa Lúcia, confesso
A teus olhos que não peço
Outro beijo a mais ninguém,
Desde esta hora bendita...
– Não acredito...
– Acredita,
Juro-te, Lúcia...
– Por quem?
– Por este amor...
– Basta, basta;
Juramento dessa casta
Falham muito...
– Se eu jurar
Por um vestido de folhos
Que te prometo?
– Meus olhos
Querem ver p'ra acreditar!

 

ADEUS ÀS RAPARIGAS

Sabeis, raparigas! a mãe de Felícia,
Felícia a risonha, gentil costureira
Com quem pela Páscoa, sem ser por malícia,
Gastei muitas notas de minha carteira;

Felícia a dos olhos mais negros que hei visto,
De faces coradas, cintura maneira,
E uns lábios de favos... de favos, é isto!
Beijei-os um dia, mas por brincadeira;

Felícia que há meses, comigo jogando,
Da mãe às ocultas, sentada na esteira,
Em vendo que a vela se'stava apagando
Desmaia nos meus braços... de certa maneira...

Felícia, a acoitada! que teve a desgraça
De ser descendente de velha parteira,
Que dizem (mas isto não chegue à praça),
Compor elixires de moça solteira...

Sabeis, raparigas! a tal criatura
Quer hoje que a filha professe de freira!
Por quê? veem a birra? da filha a cintura
Não vê que como outrora delgada e maneira?!

E nisto a pé firme jurando bentinhos,
Não cede a pedidos nem a choradeira!
E o mais? não vos conto!... não disse aos vizinhos
Que eu era o culpado da filha ir ser freira?

Que tem a cintura comigo,
Dizei, raparigas, não é forte asneira?
Mas isto é já sério, tão sério, tão sério, vos digo,
Que tiro a desforra de tal maroteira!

Adeus, raparigas, estou decidido...
Não sou mais quem era, mudei de carreira;
Pois façam de conta que tenho morrido,
Que eu vou-me ser frade no claustro da freira.

 
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo 2023.

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