3/01/2023

Lira Sacra (Poesia), de Manoel Botelho de Oliveira

 



LIRA SACRA

EM VÁRIOS ASSUNTOS




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SONETOS
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SONETO I
(A Nossa Senhora aludindo ao cântico da Magnificat)

Celeste Musa, virgem sublimada
ensinai melhor metro à minha veia;
e se Febo entre as Nove se nomeia,
Vós sois de nove coros venerada.

A Deus magnificais toda enlevada
no Mistério do céu que em vós se estreia;
e se humildes louvais de graça cheia,
meu verso por humilde vos agrada.

Se em rimas sacras meu discurso afino,
concedei vosso auspício sacrossanto,
para que seja o plectro doce e fino:

Com vosso exemplo, com desejo tanto,
se entoastes o Cântico Divino,
inspirai que ao Divino entoe o canto.

 

SONETO II
(À Conceição da Senhora)

Tendo a Virgem da Graça a preeminência
foi no primeiro instante preservada;
que duvidar ser nele imaculada
é limitar de Deus a onipotência.

De nada criou Deus toda a existência
da máquina do mundo dilatada,
e se Deus tudo faz quanto lhe agrada,
quis a Maria dar esta excelência.

Maria mereceu por graciosa
ser mãe do Verbo eterno esclarecida
sendo do amor Divino ilustre esposa:

Esta pureza, pois, deve ser crida:
que mais é ser de Deus mãe generosa,
que sem mácula alguma, concebida.

 

SONETO III
(Ao nascimento da Senhora)

Mais que Sara, feliz nasce Maria,
e que Rebeca, nasce mais prudente:
mais bela que Raquel a chama a gente,
e por virgem, fecunda mais que Lia.

Mais que Débora sábia se avalia,
e que Judite se ostenta mais valente,
mais que Ester satisfaz graciosamente,
mais que Suzana casta se confia.

Esta flor, esta planta, nunca seca
no Jardim das virtudes sobre-humana,
que nem nascida, ou concebida peca.

Numa e outra vantagem Soberana
nascem nela, Raquel, Sara, Rebeca,
Débora, Lia, Ester, Judite, Suzana.



SONETO IV
(Ao mesmo aludindo às últimas palavras do Evangelho de seu dia: “Virum Mariae, exqua natus est Jesus” – Mateus: 1, 16)

Nasceis bela Maria imaculada
mas de quem filha sois, cala a Escritura
que como vosso ser e formosura
todo é do céu, não tem co’a terra nada.

Nasceis e logo mãe sois publicada
do Salvador do mundo, que o procura,
com tal pasmo, que a um tempo em vós se apura
Virgem menina, e Mãe antecipada.

Agradecido o Povo Sitibundo
já vos venera o fruto inexistente
do Divino Paraclito fecundo.

Porém sois aplaudida justamente,
que quando nasce Aurora para o mundo
logo o raio se vê do Sol Luzente.

 

SONETO V
(Ao mesmo nascimento)

Eva primeira mãe da gente humana
Adão primeiro pai da humana gente,
pecaram contra Deus onipotente,
e perderam a graça soberana.

Entrou logo no mundo a desumana
perdição do pecado, erradamente;
entrou também da morte o dano urgente
por castigo infeliz da culpa insana.

Hoje vemos o mal em bem trocado
por Maria, e Jesus melhor consorte
que em ambos Deus renova o antigo agrado:

Por outra Eva, outro Adão da mesma sorte
entrou a Redenção contra o pecado,
entrou a vida eterna contra a morte.

 

SONETO VI
(À Presentação)

Maria com afeto de amor fino
a Deus se ofereceu com tal vontade,
que sendo em anos três na tenra idade
quis mostrar que era esposa de Deus trino.

Castigado em Lusbel o desatino
se presenta com plácida humildade
com tanto amor, com tanta atividade
que era incêndio o fervor, milagre o tino.

Sem tropeços nenhuns, sem desarranjos
logo a escada subiu, que o templo tinha
com que admirou a Serafins e Arcanjos:

A escada de Jacó mais lhe convinha,
porém na de Jacó sobem os Anjos,
nesta sobe dos Anjos a Rainha.

 

SONETO VII
(Aos desposórios da Senhora com São José)

Tendo maria idade competente
manda que se despose o Sacerdote:
e bem que a Deus o celibato vote
estimou mais a Lei por obediente.

Com José se desposa finalmente
pobre e casto varão, por que se note,
que para o desposório o melhor dote
é da virtude o dote preeminente.

Saem do Templo com bela compostura
e se entrega ao varão com doce encanto
para guardar-lhe a casta formosura:

Porque tem com Divino e novo espanto
na guarda de José, melhor clausura,
no peito de José, Templo mais Santo.

 

SONETO VIII
(À anunciação, aludindo ao “fiat” do Evangelho)

Em Nazaré a virgem recolhida
no Mistério Hipostático enlevada
lhe manda Deus do empíreo uma embaixada
porque quer ter co’o mundo a paz querida.

Declara Gabriel a esclarecida
Encarnação do verbo desejada
Que com divino ardor sendo aceitada
O Verbo se fez carne enobrecida.

Magnificado pois da terra o lodo
Com celeste fervor, saber profundo
É Maria de Deus igual apodo:

Por que então poderoso, hoje jucundo,
De Deus um fiat cria o mundo todo,
Um fiat de Maria salva o mundo.

 

SONETO IX
(À Visitação)

Vencendo da Judeia as terras frias
vai visitar Maria a casa pobre
da ditosa Isabel, na qual descobre
as enchentes da graça em muitos dias.

Fez Profeta a Isabel, entre alegrias
santifica a João com graça nobre,
e para que o favor em tudo sobre,
a Língua muda solta a Zacarias.

Isabel e João ambos publicam
os benefícios grandes que não calam
porque da graça agradecidos ficam.

Todos pois com Maria se regalam,
pecadores também se santificam,
mulheres profetizam, mudos falam.

 

SONETO X
(À Expectação)

Quer Maria que o Verbo venerado
saia já de seu Ventre esclarecido
com clamores do peito enternecido
com repetidos “oh!” de seu cuidado.

Aquele Bem das gentes desejado
por remédio do mundo destruído,
não quer que se dilate pretendido,
que amor não sofre o tempo dilatado.

Qual Arca no seu Ventre mais seguro
guarda o Maná do céu que o mundo encanta
e guarda a Lei contra o Demônio impuro.

Deseja pois Maria em graça tanta
que chova aos homens o Maná mais puro,
que aos homens se publique a Lei mais Santa.

 

SONETO XI
(À Purificação e Presentação)

Sendo da Escrita Lei Maria isenta
obedeceu à Lei que a desobriga,
e levando seu filho sem fadiga
a Simeão nos braços o presenta.

Com dom pequeno, liberal ostenta
as grandezas do obséquio a que se obriga;
e Deus (como de Abel na oferta antiga)
do magnânimo afeto se contenta.

Na Purificação pode entender-se
e com grande Juízo reparar-se,
vendo em si mesmo o bem contradizer-se.

Pois neste dia vê para admirar-se
o mesmo claro Sol, esclarecer-se,
o mesmo puro Ser, purificar-se.

 

SONETO XII
(Ao mesmo)

Vê Simeão ao Salvador, contente,
porque era prometido em profecias
e vendo com seus olhos o Messias
morre do próprio gosto alegremente.

Oferece Maria reverente
para remir do mundo as tiranias,
com melhor sacrifício, ações mais pias,
melhor cordeiro ao Padre Onipotente.

Cinco Siclos de Cristo foram pagas
com que rime a si mesmo, parecido
ao pecador, que tu Demônio estragas:

Neste Mistério pois desconhecido,
com cinco siclos, como cinco chagas
o próprio Redentor se vê remido.

 

SONETO XIII
(À Senhora estando ao pé da cruz)

Ao pé da Cruz estava dolorosa
a Mãe com sentimento duplicado
vendo a seu filho nela atormentado
vendo-se a si sem filho lastimosa.

A dor foi tão cabal, tão lagrimosa
que tem de espada o nome derivado,
e seu peito não só tem traspassado
que até n’alma se imprime rigorosa.

Quis ter da dor a espada em seu tormento
porque na pena em ambos igualada
crucificada está no mesmo intento:

Que se a espada tem cruz representada
para ter cruz também no sentimento
uniu à cruz de Cristo, a cruz da espada.

 

SONETO XIV
(À Soledade, aludindo àquelas palavras: “Animam per transi vit gladius” – Lucas: 2,35)

Padece a mãe com tanta atrocidade,
que perdendo do filho a companhia,
perdeu todo o seu bem, toda alegria,
e lhe ficou somente a soledade.

E só da dolorosa atividade
acompanhada está por todo o dia:
que se da pena é grande a tirania,
tem por fineza a falta da piedade.

Não se pode dizer que neste estado
vive Maria, estando a vida em calma,
inda que pelo amor logre o cuidado:

E se ganhando a morte a triste palma
n’alma a espada da dor há penetrado,
ficou sem vida, pois ficou sem alma.

 

SONETO XV
(Assunção)

Do deserto do mundo vil e avaro
sobe ao céu recostada em seu querido
tendo os dotes seu corpo esclarecido
de impassível, sutil, ágil e claro.

Inda que fique a terra ao desamparo
sobe (à sua Alma o corpo reunido)
não só para gozar do céu luzido
senão para outorgar preciso amparo.

Bem é de crer que o verbo glorioso,
se a carne de Maria o Verbo encerra,
que a corrupção lhe evita poderoso:

E quando deste mundo se desterra
sendo a carne, do Verbo céu ditoso,
não podia ficar o céu na terra.

 

SONETO XVI
(À Coroação)

Coroada Maria qual portento
do Sacro Empíreo, todos se suspendem:
os Santos como súditos se rendem
que é Maria da Glória o complemento.

A seu amor, a seu devoto alento
os Serafins atônitos atendem,
os Querubins de seu saber aprendem,
os Tronos lhe ministram sacro assento.

Tem nas Dominações do Império o culto
mais que as Virtudes milagrosa alteza,
nas Potestades, poderoso indulto.

Os Principados dizem que é Princesa
mais que os Arcanjos sabe o mais oculto
mais que os Anjos contém maior pureza.

 

SONETO XVII
(Ao mesmo)

Com júbilo geral todos alerta
veem no Empíreo a Maria coroada,
que sendo do pecado preservada,
da serpente venceu a morte certa.

Do céu a casa nobre se concerta,
para os homens, que estava então fechada,
e Maria que a vê já preparada
como é porta do céu, é porta aberta.

Longa dor padeceu em tempo breve
junto à Cruz; e Deus julga por memória
que assentar-se a seu lado se lhe deve:

Porque era justo em uma e outra história,
se na cruz a seu lado em pena esteve,
no céu, junto a seu lado, esteja em Glória.

 

SONETO XVIII
(À Nossa Senhora da Graça, repetindo em todos os versos “Maria” e “Graça”)

Na Graça é grande nome o de Maria,
melhor Eva Maria, Ave de Graça
Maria alumiou co’a luz da Graça,
é Senhora da Graça por Maria.

Pela Graça exaltada foi Maria
Maria como mar, é mar de Graça
Maria deu o Mundo toda a Graça
nem se amaria a Graça sem Maria.

Concebida se vê Maria em Graça
na Graça é Numa, o nome de Maria
Maria sempre está cheia de Graça:

Todos a Graça alcançam por Maria,
que a Graça por maria está de Graça,
e não tem graça a Graça sem Maria.

 

SONETO XIX
(A Nossa Senhora das Neves)

Entre sonhos, Maria imaculada
revelou o Patrício duvidoso
o Mistério do templo suntuoso,
porque espera ser nele venerada.

Mostra o lugar do templo que lhe agrada
entre a insólita Neve, milagroso,
com que merece o monte venturoso
do Carmelo a grandeza celebrada.

Deve-se ponderar nesta estranheza
se a Maria por sol todos repetem
e o sol derrete a neve com presteza:

Também quando a seus raios se submetem
os corações mais frios na pureza,
em lagrimoso obséquio se derretem.

 

SONETO XX
(A Nossa Senhora do Rosário, aludindo àquelas palavras: “Terribilis vola... turris davidica”)

Vencido o turco foi, só por auspício
da Virgem Soberana aquele dia
quando a Deus humanado oferecia
do Rosário o suave sacrifício.

Este triunfo tendo a Deus propício
não se deve ao poder, nem valentia:
ao Rosário se deve de Maria
que tais extremos faz no benefício.

Mas não é muito (6 Virgem), quando encerra
vosso valor a força mais notória,
para os turcos vencer por mar e terra:

Que para conseguir tão justa glória
sois esquadrão terrível para a guerra
sois Torre de Davi para a vitória.

 

SONETO XXI
(sonetos da vida de Cristo até sua Divina Ascensão ao Nascimento de Cristo)

Nasce o Verbo em Belém, pobre, humilhado,
sendo Supremo Rei de toda a terra,
e no corpo pequeno e breve encerra
do seu Divino Ser, o imenso estado.

Naquela idade se prepara armado
contra o inferno imortal que almas enterra;
e ao soberbo Lusbel movendo guerra
por humilde se vê mais alentado.

Os Demônios cruéis todos se espantam,
chora, treme de frio o Verbo eterno,
os Anjos com voz doce nos encantam:

De sorte que o menino e Deus superno
chora, porém de gosto os Anjos cantam,
treme, porém de medo treme o inferno.

 

SONETO XXII
(À Circuncisão)

Passados oito dias permitistes,
que fôsseis circunciso sem pecado,
se bem que para ser circuncidado
de pecador a forma consentistes.

Na tenra idade logo conseguistes
de Redentor o nome desejado:
bem que do ferro duro estais cortado,
só por golpe de amor, o sangue abristes.

Então pequenos anos dais oculto
da Redenção com forte atividade
sem esperar as mãos do cego insulto:

Mas como o vosso amor na eternidade
sempre se conheceu, sem tempo, adulto
já varonil se vê na tenra idade.

 


SONETO XXIII
(Ao Nome de Jesus repetido em todos os versos)

Doce nome de Jesus, doce esperança
Jesus está dizendo que é doçura
em Jesus todo o acerto se assegura
logra-se, com Jesus, toda a bonança.

Quem em Jesus seu coração descansa
ricos afetos em Jesus apura,
e fora de Jesus nada procura
que em Jesus tudo espera e tudo alcança.

Jesus por Redentor se vos convida,
Jesus é Salvador na sacra história,
e nossa culpa tem Jesus remida:

E tendo de Jesus sempre a memória
Jesus é tábua, em que se salva a vida,
Jesus é porto, em que se chega à Glória.

 

SONETO XXIV
(À Epifania)

Guiados de a estrela refulgente
vão os Magos buscar ao Rei nascido,
e chegando ao Presépio pretendido
adoram os três Reis, a um Rei potente.

Um lhe oferece incenso reverente,
como a Deus; outro ouro esclarecido
como a Rei. Outro a mirra enternecido,
pelo ser que tomou da humana gente.

Nestes três dons pondero com verdade
das três potências d’alma o sábio intento
buscando a Deus, fugindo de maldade.

N’ouro a Memória logra o luzimento
na Mirra mortifica-se a vontade
no incenso sobe a Deus o entendimento.

 

SONETO XXV
(À morte dos inocentes, aludindo às palavras: “Regnum meum non est ex hocmundo” – João: 18,36)

Por que persegues pérfido homicida
tanto sangue de tantos inocentes?
porém fazes com cravos excelentes
a Terra de Belém ser mais florida.

Que pretendes de Cristo em tanta lida,
Herodes com rigores indecentes?
pois traz a paz aos homens reverentes,
e por manso Cordeiro se convida.

Se teu receio a tirania empreende
porque temes, do Império sitibundo,
que dele te despoje; adverte, aprende.

Que o Deus menino com amor jucundo
o Reino deste mundo não pretende
porque não é seu Reino deste mundo.

 




SONETO XXVI
(Às tentações do deserto)

Entra em campanha Cristo valoroso
contra o Demônio astuto e vigilante
que propondo-lhe a gula, Cristo amante
contra a gula faz gala de animoso.

Excitando a vanglória de famoso
propõe-lhe o precipício de arrogante:
mas Cristo humilde com valor constante
faz da humildade a glória de brioso.

Tenta terceira vez com modo ficto
pela ambição do mundo transitória
mas Cristo sempre se coroa invicto:

Sendo só de um contrário esta vitória,
três triunfos ganhou neste conflito da gula,
da ambição e da vanglória.

 

SONETO XXVII
(À Transfiguração)

Cristo neste portento esclarecido
quis unir Sol e Neve juntamente,
seu rosto ficou feito Sol Luzente
e qual cândida Neve seu vestido.

E quando sobe no Tabor Luzido
a glória oculta, mostra ali patente;
qual caudaloso Rio que a corrente
das águas solta estando reprimido.

Na transfiguração o portentoso
assombro, por milagre não se expressa,
que é mui próprio de Deus ser glorioso

Antes mostrando o mesmo que professa
bem que nisto pareça milagroso,
nestes milagres, o milagre cessa.

 

SONETO XXVIII
(Domingo de Ramos)

Entra Cristo com palmas festejado
e com ramos de oliva juntamente
toda Jerusalém por reverente
nos Júbilos esmera o seu cuidado.

Qual lhe estende o vestido mais prezado
qual a roupa lhe dá mais excelente
mas ai; que o vejo morto desta gente!
mas ai; que o vejo em há cruz cravado!

Porém podemos crer com fé notória
que vencido o demônio furibundo
nos deu a paz segura para a glória:

De sorte que ensaiou no amor profundo,
entre os ramos das palmas, a vitória
entre os ramos da oliva, a paz do mundo.

 

SONETO XXIX
(À Ceia de Cristo)

Quer Cristo por exemplo, ou por ofício
a ceia do Cordeiro desejada
por que, à sombra da lei solenizada,
se acabasse em si mesmo o sacrifício.

Apesar do futuro malefício
solicita ver já sacrificada,
a sacra humanidade figurada,
que é maior, quando é pronto o benefício.

Prevendo o fim da vida derradeiro
no Cordeiro que vê, grande conforto
recebe em seu desejo verdadeiro:

Hoje vê, ver-se-á (no amor absorto)
assado e morto em brasas o cordeiro,
Cristo em brasas de amor assado e morto.

 

SONETO XXX
(À instituição do Santíssimo Sacramento, aludindo àquelas palavras: “Fui urre gloriae nobis, pignus datur” etc.)

À vista do tormento imaginado
que o mundo lhe prepara enfurecido
faz Cristo tanto empenho de ofendido,
que ofendido se vê mais obrigado.

O convite institui regalado
no mistério Eucarístico escondido
e se um bocado, ao mundo fez perdido
quer o mundo ganhar por um bocado.

Como no amor dos homens mais se excita
lhe segura a certíssima bonança
da glória eterna, como Lei que imita:

Ficando devedor desta esperança
faz a convença com seu sangue escrita
e lhes deixa o penhor por segurança.

 

SONETO XXXI
(Ao lavatório dos pés, aludindo àquelas palavras: “Omnia deditin manus eius” – João: 13,3)

Cristo neste Mistério portentoso
depôs a Majestade preeminente:
o Rei, feito vassalo reverente
feito Senhor, o servo venturoso.

Lava os imundos pés obsequioso
aos Discípulos seus humildemente,
e n’água se traslada o fogo ardente
que do peito lhe sai por amoroso.

Se o pai tudo lhe deu na eternidade
em suas mãos; e agora pobre e mudo
fez de humilde a estupenda novidade:

Posso dizer com advertido estudo
que tendo em suas mãos tanta humildade
mostrou que na humildade tinha tudo.

 

SONETO XXXII
(Ao lavatório de Judas)

Entre as três tentações, com que atrevido
o Demônio se opôs a Cristo amante,
foi pretender com glória de arrogante
que a seus infames pés fosse caído.

Não conseguiu o intento pretendido
porém tornando agora mais constante
pretende ser de Cristo triunfante
e ganhar o Triunfo já perdido.

Entra o Demônio em Judas nesta guerra
e nele astutamente colocado
ganha a vitória que em seu peito encerra:

Pois lavando ao discípulo malvado
se de Judas aos pés está por terra
Cristo aos pés do Demônio está prostrado.

 

SONETO XXXIII
(Às agonias do Horto, aludindo àquelas palavras: ”Maledicta Terra” – Gênesis: 3,17)

Orando Cristo ao pai que dilatava
o despacho amoroso que pedia
entra Cristo com férvida agonia
e verte o sangue já que desejava.

Pela terra feliz se derramava
regando a terra estéril, à porfia,
e porque dela o fruto pretendia
de tão Divino orvalho a fecundava.

Se já não é que a terra desditosa
a maldição de Deus na culpa encerra
com que perdeu de Deus a paz ditosa:

Mas hoje por tirar em tanta guerra
a maldição da terra lastimosa,
quis com seu sangue consagrar a terra.

 

SONETO XXXIV
(À prisão e traição de Judas)

Com simulada paz, porfia certa
vem Judas com soldados insolente
a prender a seu Mestre astutamente,
que a traição, outra traição desperta.

A Cristo prendem pois, todos alerta,
como se fora algum Ladrão patente
porém das almas é ladrão somente
que neste roubo todo amor acerta.

Preso e rendido o levam com cuidado
entre o estrondo das armas repetido
a quem só da inocência estava armado:

Neste assombro igualmente é parecido,
como cordeiro ao Sacrifício atado,
como José pela traição vendido.

 

SONETO XXXV
(À apresentação de Cristo ao Pontífice Anás)

Os passos apressando sem preguiça
a Cristo leva preso a cega gente
e usando do rigor por inclemente
faz do mau trato zelo da justiça.

Com vingança cruel que o peito atiça
presenta ao Salvador tiranamente
ao Pontífice Anás que irreverente
encobre com pretextos a injustiça.

Propõe de culpas tia ação famosa,
como se fosse Réu mais infamado,
contra o Sol da justiça poderosa.

De maneira que bem considerado
fica a mesma justiça criminosa,
o mesmo Sol das trevas acusado.

 

SONETO XXXVI
(À bofetada, aludindo àquelas palavras: “In quae desiderant angeli prospicere” - I Pedro: 1,12)

Contra Cristo se atreve enfurecida
uma mão dos cruéis acusadores,
que imprimindo na face os desprimores
bem se pode dizer, foi mão perdida.

Esta afronta tão pouco merecida
não teve no juízo defensores
porque intenta o Senhor que nos rigores
se mostre a mansidão mais conhecida.

Seus Anjos (apesar da humana fúria)
desejam ver-se nesta face imensa
por ser espelho seu na excelsa cúria:

Venho a entender que nesta dor intensa
chegou ao céu o golpe desta injúria,
em os Anjos se fez a mesma ofensa.

 


SONETO XXXVII
(À ida para casa de Caifás)

É levado depois com mão ligeira
Cristo a Caifás Pontífice subido,
sendo que era o Pontífice pedido
o mesmo Cristo pela Lei primeira.

O qual com voz humilde e verdadeira
diz que é de Deus o filho prometido
e o Pontífice então na Luz perdido
teve com tanta Luz maior cegueira.

Rompendo as vestiduras indignado
no seu concelho infausto se pública
que Cristo blasfemou de Deus sagrado:

Porém se Cristo é Deus, bem significa,
que se ele diz que Cristo há blasfemado
o Pontífice então blasfemo fica.

 

SONETO XXXVIII
(À ida para Pilatos)

Leva a Cristo outra vez aquela gente
como se fosse Réu facinoroso
e o relaxa o Pontífice ardiloso
ao braço secular do Presidente.

A Pilatos está Cristo presente
e querendo julgá-lo poderoso
não lhe acha indício algum de criminoso
mas não absolve ao Réu, sendo inocente.

Perseguem os Hebreus com ódio forte
a Cristo que a tais penas se convida:
os Gentios também da mesma sorte.

Oh cega ingratidão desconhecida,
que todos concorressem para a morte
de quem morre por dar a todos vida!

 

SONETO XXXIX
(À remessa que fez Pilatos a Herodes)

Pilatos neste tempo tendo aviso
que Cristo é Galileu o manda preso
a Herodes, por saber que lhe é defeso
a nula incompetência do juízo.

Herodes o admitiu com gosto e riso
mas nas perguntas em desgosto aceso
por louco o tem e acha com desprezo
na mesma inteligência pouco siso.

A Pilatos o torna e não lhe implica
que em seu juízo a causa se conteste,
e a vestidura branca a Cristo aplica:

Nela se mostra que no amor celeste
quando veio a nascer, a paz pública,
quando vai a morrer, da paz se veste.

 

SONETO XL
(Aos açoites da coluna)

Sendo Cristo a Pilatos remetido
teve sentença injusta de açoitado;
e para ser da afronta mais ornado,
das sacras vestiduras foi despido.

À coluna do Pátio foi trazido
para ser nela gravemente atado,
e tem, com tanto sangue derramado
cinco mil sacrilégios padecido.

Destes, Senhor, a vosso Povo caro
a coluna por pio ministério
da noite tenebrosa, e dia claro:

Mas trocado em afronta vosso Império
se a coluna lhe destes para amparo,
a coluna vos dão por vitupério.

 

SONETO XLI
(À Coroação)

De uma púrpura rota está vestido
pela malícia vil da turba insana
e sendo Rei da Glória Soberana,
declaram que é da terra Rei fingido.

E lhe põem com rigor mais desabrido
a Coroa de espinhos desumana:
e na mão Sacra uma silvestre cana
como rústico cetro escarnecido.

Nestes atos a pérfida fereza
bem que tanto disfarce em Cristo ponha,
melhor descobre a bárbara estranheza:

O ódio nos espinhos se suponha,
na cana brava mostra-se a braveza,
na rota grã se vê, rota a vergonha.

 

SONETO XLII
(Ao Ecce Homo)

Eis aqui (diz Pilatos compassivo)
o homem que persegues; Povo errado!
eis aqui como está desfigurado!
que parece de horror cadáver vivo.

Eis aqui tanto escândalo excessivo!
eis aqui tanto espinho preparado!
eis aqui tanto golpe duplicado!
eis aqui tanto sangue sucessivo!

Que rigor! que loucura! que porfia!
excitas contra um homem desta sorte
em quem já se conhece a morte impia!

Porém direi que tens ódio tão forte
que do seu sangue tens hidropisia,
que uma morte pretendes noutra morte.

 

SONETO XLIII
(À Cruz às costas)

Pilatos ajudando ao malefício
julgou que morra Cristo em Cruz cravado,
e quando lava as mãos deste pecado,
peito limpo não tem, naquele ofício.

Sai Cristo como Isaque por benefício
que tinha Deus aos homens decretado,
e para ser na Cruz sacrificado
leva a Cruz como lenha, ao sacrifício.

Com esta ação, àquela comparada
para o calvário vai com desafogo
rogando ao pai que cumpra o que lhe agrada.

E por que nada falte a tanto rogo,
na justiça Divina, leva a espada;
e no amor infinito, leva o fogo.

 

SONETO XLIV
(Sendo crucificado)

Com tanta mansidão, com paciência
foi Cristo despojado do vestido:
e quando nu se vê todo despido,
nessa mesma nudez, mostra a inocência.

Padece tanta dor por excelência
afeado seu rosto e desluzido,
e tendo tantas dores padecido
que ao mesmo Inferno fazem competência.

Se no monte Tabor foi glorioso
de dois Profetas foi acompanhado
hoje com dois ladrões se vê penoso:
Em um e outro Monte ponderado
no Tabor se mostrou Sol Luminoso,
no Calvário se vê Sol eclipsado.

 


SONETO XLV
(À primeira palavra na Cruz: ”Pater dimitte illis” – Lucas: 23,34)

Cristo na cruz com dores se afligia
mas do pecado a dor muito mais sente,
e se o feria atroz aquela gente
pede ao pai pela gente que o feria.

Sabendo muito bem a culpa impia
faz tanta estimação de ser clemente
que lhe desculpa os erros docemente
como quem por seu gosto padecia.

Elias não perdoa aos inimigos,
pelo zelo da lei pede os rigores:
e Cristo tem a todos por amigos:

Ambos pedem a Deus, nos ofensores
ele, o fogo do céu para os castigos,
Cristo, as auras do céu para os favores.

 

SONETO XLVI
(À segunda palavra: ”Amen dico tibi” etc.)

Da culpa venturosa triunfante
o ladrão que com Cristo padecia
tanto primor e tanta fé sentia
que foi ladrão feliz do céu brilhante.

Pecou na vida, agora mais amante
publicamente a Cristo repetia,
e do Povo os rigores não temia
que tira todo o medo a fé constante.

Pede a Cristo somente tia esperança
quando for ao seu Reino preeminente
por um Memento mei, mas logo alcança.

De sorte que pedindo reverente
um alvará somente de lembrança,
a mercê do alvará lhe dá presente.

 

SONETO XLVII
(À terceira palavra: “Mulier, eccefilius tuus... ecce mater tua” – Lucas: 23, 43; João: 19,26)

Quer Cristo que João seja adotado
de sua mãe a quem por filho dava,
mas ah! que justamente a magoava
a troca desigual do filho amado.

Deu Cristo ao mundo o corpo venerado,
o sangue também deu que derramava
deu finalmente a vida que expirava
e nada tem que não tivesse dado.

Porém por ser maior o sacrifício
representa em João absorto e mudo
todo o mundo a quem faz o benefício:

Nesta dádiva fez tão alto estudo,
que para ser ao mundo mais propício,
a própria mãe lhe deu para dar tudo.

 

SONETO XLVIII
(À quarta palavra: “Deus meus, Deus meus ut quid dereliquisti me?” – Mateus: 27,46)

Vendo-se Cristo tanto perseguido
não acha alívio algum naquele estado;
na cabeça de espinhos coroado,
juntamente nas mãos e pés ferido.

Exclama a Deus eterno por que há sido
a causa de o deixar desamparado
como se fosse réprobo malvado,
sendo filho de Deus esclarecido.

Com desejo imortal e forte alento
padecendo o tormento pretendia
padecer por amor sem outro intento:

De maneira que a causa conhecia,
e faz que ignora a causa do tormento,
como quem das ofensas se esquecia.

 

SONETO XLIX
(À quinta palavra: “Sítio” – João: 19,28)

Vendo Cristo que a morte lhe tirava
o martírio cruel em que se via
com seu próprio desejo se afligia
com seu próprio tormento porfiava.

Declara que tem sede: e bem mostrava
que quando atrozes penas padecia
não era refrigério que pedia
era sede das penas que estimava.

Do muito amor dos homens obrigado
a sede que declara no seu rogo
é que lhe aumentem seu penoso estado:

Tem no peito de amor tão grande fogo
que para padecer todo abrasado,
deseja o padecer por desafogo.

 

SONETO L
(À sexta palavra: “Consummatum est” – João: 19,30)

Quis o Supremo Rei por benefício
do mundo pela culpa cativado
que fosse redentor seu filho amado
e na cruz exercesse aquele ofício.

Já fica livre o mundo do suplício
que no Inferno lhe estava decretado
e pela eterna pena do pecado
se deu o Verbo Eterno em Sacrifício.

Na Sacra Redenção qualquer que suma
da Criação do mundo a Simpatia
quando a consuma Deus em breve suma,

De sorte que por esta e aquela via,
se ao Sexto dia a criação consuma,
consuma a Redenção ao Sexto dia.

 

SONETO LI
(À sétima palavra: “Inmanus tuas, domine, commendo Spiritum meum” – Lucas: 23,46)

Ao rigor do tormento sucessivo
nos paroxismos do vital alento
fez brevemente Cristo um testamento
com sonorosa voz nuncupativo.

Não deixou nada, bem que Rei altivo
porque fez da pobreza valimento
nasce pobre em Belém sem luzimento
e na Cruz se viu nu do povo esquivo.

Duas verbas deixou com voz sagrada
para que seu amor melhor se entenda
que duas coisas são de que se agrada:

Enfim dispondo de uma e outra prenda
a João sua mãe encomendada
a seu Pai seu espírito encomenda.

 

SONETO LII
(Ao descimento da Cruz)

José e Nicodemos neste dia
tiram da Cruz a Cristo atormentado
e no colo da mãe todo abraçado
se imprimiram as chagas em Maria.

No Sangue Sacrossanto que corria
o pranto de Maria misturado,
parece Sacramento renovado
n’água e sangue que de ambos se vertia.

Da paixão soberana tais rigores
na mãe se trasladaram, que com isto
igualmente parecem redentores.

Visto o tormento de um e de outra, visto,
crucificada a mãe nas próprias dores
outro Cristo se vê junto de Cristo.

 

SONETO LIII
(Ao mesmo)

Acaba Cristo a vida dolorosa
e dois varões o descem com ventura
para dar tia honrada sepultura
a quem teve a morte escandalosa.

Põem nos braços da Virgem lagrimosa
o filho que em seus braços ter procura
e quando a mãe suspira com ternura
cuidam todos que expira lastimosa.

Tão afeado está que a mãe não crera
que era seu filho o próprio, que pedia,
se o amor no coração lho não dissera:

Tão morta está da dor: que se não via
se era Cristo maria que morrera,
se era Maria Cristo que morria.

 

SONETO LIV
(À sepultura de Cristo)

Vendo José que a mãe se traspassava
do cutelo da dor, roga prudente
que deixe dar sepulcro reverente
a quem no peito seu eternizava.

A sepultura idônea preparava
a pia devoção daquela gente:
põem a Cristo em um Horto, que excelente
da melhor flor do campo se jactava.

Em um Horto buscaram prevenidos
os Pérfidos Hebreus com seu cuidado
onde o prenderam cegos e atrevidos;

Ultimamente, neste sepultado,
sendo o fim e princípio parecidos,
naquele preso foi; neste enterrado.

 

SONETO LV
(Ao descimento do limbo)

Baixa Cristo aos Infernos poderoso
para dar cumprimento às esperanças,
que nunca falta Deus às seguranças
quando um peito confia obsequioso.

Os Santos Padres vendo o sol lustroso
têm de seu prêmio certas confianças
e logrando dos gostos as bonanças
já não sentem da pena o proceloso.

Já não há queixa, não, já tudo é riso
já do passado mal não há memória,
ver a Divina essência é já preciso:

E vencido Lusbel nesta vitória
muda-se o mesmo inferno em paraíso,
está no mesmo inferno a eterna glória.

 



SONETO LVI
(À Ressurreição, aludindo àquelas palavras: “Dicebant excessum eius” – Lucas: 9,31)

Ressurge Cristo todo acompanhado
de um exército Angélico luzido,
que se Anjos teve, quando foi nascido,
também os deve ter ressuscitado.

Neste monte se vê glorificado,
onde havia as afrontas padecido:
e pois nele se viu escarnecido,
é bem que seja nele sublimado.

Se Cristo no Tabor transfigurava
seu corpo glorioso, neste dia
em outro Monte glorioso estava:

Mas nos dois Montes diferença havia,
nele, o excesso das penas esperava,
neste, o excesso das glórias conseguia.

 

SONETO LVII
(À aparição de Cristo ressuscitado a sua Mãe Santíssima)

Cristo aparece belo e glorioso
à mãe que este Mistério não ignora,
e se vestia o pranto como Aurora
qual Sol lhe enxuga o pranto lastimoso.

Antes viu a seu filho poderoso
entre ladrões metido, mas agora
vê que o acompanha, vê também que o adora
o concurso dos Anjos numeroso.

A mãe como Oriente figurado
recebe em braços a seu Sol querido
entre ósculos de amor multiplicado.

De sorte que este sol esclarecido
no Ocidente da Cruz foi sepultado,
no Oriente da mãe foi renascido.

 

SONETO LVIII
(À aparição da Madalena)

O Corpo vai buscar de seu querido
Madalena nas ânsias de amorosa,
porém quando o não acha lagrimosa
estila o coração no seu sentido.

Cristo lhe apareceu desconhecido,
e quando o não conhece cuidadosa,
tendo o bem, que procura venturosa,
imagina que o bem tem já perdido.

Cristo vendo de amor excesso tanto
em virtude do pranto que sentia
se descobria ao golpe deste encanto.

Que como Cristo é pedra, bem se via
que sendo pedra em que batia o pranto,
Madalena no pranto o descobria.

 

SONETO LIX
(À aparição dos apóstolos)

No Sacro consistório congregado
os Apóstolos temem os rigores
porém Cristo aparece a seus temores
e com ardente Sol rompe o nublado.

A paz do céu propõe a seu cuidado
que não teme da terra os vãos furores:
se nascendo da paz traz os favores,
a mesma paz lhes dá ressuscitado.

E quando Cristo ali lhes aparece
as mãos e lado mostra: e lhes pública
a mesma Lei, que neles permanece:

Com uma e outra dádiva se explica,
que nas mãos, o poder lhes oferece,
e que no Lado, o amor lhes significa.

 

SONETO LX
(À Ascensão do Senhor)

Sobe Cristo com júbilo aplaudido
formando os Anjos métricos concertos
não ao monte calvário dos tormentos
mas ao monte Sião do céu subido.

Em Sacro amor das almas suspendido
(bem que deixa da ausência os sentimentos)
vai preparar magníficos assentos
que os Demônios cruéis tinham perdido.

Por elas interpõem ardente rogo
por lograr o triunfo avantajado
ou para conseguir seu desafogo.

Cristo pois com Elias comparado,
Elias sobe arrebatado em fogo,
Cristo em fogo de amor arrebatado.

 

SONETO LXI
(À vinda do Espírito Santo)

Vem dos céus o Paraclito Divino
onde estão os Apóstolos sentados,
que para ser da graça iluminados
deve de assento estar o amor mais fino.

Receberam de Deus sagrado ensino
ficando tão absortos e enlevados,
que no melhor saber mais atinados,
o tino parecia desatino.

Em tanta maravilha, em tanta festa
divulga Deus o bem que comunica
em várias línguas de pureza honesta;

Que para mostrar mais o amor que explica
não só por a língua o manifesta,
porém por muitas línguas o pública.

 

SONETO LXII
(À Santíssima Trindade)

Venera-se Deus Trino na unidade
e na Trindade um Deus é venerado,
e na mesma substância inesperada
são distintas pessoas na verdade.

Igual a glória, igual a imensidade,
sábio igualmente, igual o potentado,
o pai, o filho, o Espírito, incriado,
em todos três igual a eternidade.

Não são três deuses, não: que o Sol Luzente
tem luz, raio e calor, que nele insiste
e n’alma três potências juntamente:

Porém quando esta informa, e aquele assiste
não são três Sóis, que um Sol brilha somente;
não são três almas, que a só subsiste.

 

SONETO LXIII
(À Festa do Corpo de Deus)

Celebra-se o Mistério com grandeza
da Católica fé para os louvores
se é no céu pão dos Anjos superiores,
na terra é pão da humana natureza.

É Sacramento da maior Alteza
é Maná de riquíssimos sabores,
memorial seguro de favores,
de graças Eucarística fineza.

Este mistério, nesta oculta forma
é mais que a encarnação, se bem se adverte,
quando um se come, e outra a Deus informa.

Porque (para que o amor mais nos desperte)
naquela, um Deus em homem se transforma,
e neste, em Deus um homem se converte.

 

SONETO LXIV
(Sonetos a vários Santos a São Joaquim)

Por ter a esposa estéril, magoado
vos via o mundo em tanta desventura,
que sentindo das mágoas a ternura,
era estéril de gosto vosso estado.

Porém Deus para ver-vos estimado
trocando vossas penas em ventura,
vos deu por fruto vosso a Virgem pura
para mãe de outro fruto desejado.

De Joaquim o nome generoso
significa (apesar do triste Inferno)
preparação de Deus por timbre honroso:

Se Maria é de Deus Templo Superno,
na filha que gerastes venturoso,
fostes preparação de Deus eterno.

 

SONETO LXV
(A Santa Ana)

Quem com silêncio ou com louvor discreto
pode louvar-vos Ana generosa
que se a Virgem de Deus é mãe ditosa
vindes a ter ao mesmo Deus por neto.

Por virtude do Espírito secreto
ela é fonte de graças amorosa
e unida nesta fonte graciosa
toda a graça bebeis do Paracleto.

Do Sol vestida para aplauso nosso
sois a mulher no céu aparecida
porque com ela comparar-vos posso.

Igualmente vos vejo parecida
que se Maria é Sol, e ventre vosso,
podeis dizer que estais do Sol vestida.

 

SONETO LXVI
(A São José)

Insigne Patriarca que alcançastes
ser de Maria Virgem, casto esposo,
guardando em vosso peito generoso
o tesouro de Deus, que venerastes.

Prenhe vistes a esposa que adorastes
e sendo humilde a tanto excesso honroso
vendo que é mãe de Deus, todo medroso
de tanta glória indigno vos achastes.

Inda que em vossos olhos vos assista
o ventre de Maria; na inteireza
de casta esposa vossa fé se alista.

Tendo neste prodígio tal pureza
que crestes mais à fé que à própria vista,
crestes à graça mais, que à natureza.

 

SONETO LXVII
(A São João Batista aludindo àquelas palavras: “Illum opor tet crescere meautem minui”-  João: 3,30)

Divino precursor que penitente
a Lei pregaste no deserto inculto,
porém tendo de Cristo o mesmo vulto,
por Messias do céu vos cria a gente.

Se do potente Rei fostes prudente
embaixador para o piedoso indulto,
todos vos tratam com Divino culto,
não por embaixador, por Rei potente.

Pelo que para ser acrescentado
o Verbo no respeito de aplaudido,
diminuir quisestes vosso estado.

Oh prodígio do Mundo esclarecido
que para o mesmo Deus ser venerado
foi necessário serdes abatido!

 

SONETO LXVIII
(Sonetos aos doze apóstolos a São Pedro)

Confessastes a Cristo poderoso
por verdadeiro Deus, com fé constante:
e por isso da Igreja militante
funda em vós o edifício glorioso.

Barjona vos chamou quando animoso
credes na fé sem peito vacilante;
e Barjona se entende o filho amante
de Pomba que imitastes amoroso.

Bem se pode dizer sem desacerto
que se o Divino Espírito é chamado
pomba; tendes com Cristo igual acerto:

Porque vós escolhido, ele gerado
Ele do Eterno Pai é filho certo,
vós do Espírito eterno, filho amado.

 

SONETO LXIX
(A Santo André Apóstolo)

Sendo núncio feliz na bruta Acaia
da católica Lei e zelo pio
iluminastes um e outro gentio
caminhando por uma e outra praia.

O Demônio cruel que já desmaia
faz ao Procônsul contra vós impio
porque lhe despojais o Senhorio,
por que seu trono pérfido não caia.

Morte de Cruz vos julga, e neste intento
a Cruz vida vos dá, mas por vitória
da luz do céu se cobre o vosso alento:

Fostes pois singular nesta memória
que outros morrem na Cruz pelo tormento,
mas a morte vos deu da Cruz a glória.

 

SONETO LXX
(A São Tiago Maior, Apóstolo)

Quando em Jerusalém todo animoso
pregais a Lei de Cristo a toda a gente
sois filho do trovão, e tão veemente
que dais no mundo um brado sonoroso.

Contra vós foi Josias orgulhoso
e vos prendeu na praça astutamente,
mas por vós convertido de repente,
preso ficou de vós, mais venturoso.

Derramastes o sangue nos encantos
de amor; entre os Apóstolos mais finos
primeiro mártir para assombros tantos.

E se foi por católicos ensinos
Estêvão Protomártir, dos mais santos,
vós o sois dos Apóstolos Divinos.

 

SONETO LXXI
(A São João Apóstolo)

Anjo sois em puríssimo portento
que sois da virgem guarda generosa,
sois mártir que na tina milagrosa
padeceis o martírio sem tormento.

Sois Apóstolo tal que o valimento
de Cristo mereceis por graça honrosa,
sois Profeta, que à Igreja gloriosa
revelais os mistérios mais atento.

Sois Patriarca em Prole mais completa,
Evangelista que Águia o Sol conquista,
Doutor da Teologia mais secreta:

Sois enfim porque tudo em vós se alista
Anjo, Mártir, Apóstolo, Profeta,
Patriarca, Doutor, Evangelista.

 

SONETO LXXII
(A São Felipe Apóstolo)

Contra os Impérios da Serpente impia
que em Frígia se adorava cegamente,
saís Felipe, pela fé, valente,
que não falta no amor forte ousadia.

Aquele ídolo cai na terra fria,
por mistério de Deus morre a Serpente;
e logo todo o povo reverente,
segue o Evangelho, e deixa a Idolatria.

Porém pede Lusbel ao Magistrado
que morrêsseis na Cruz, seu mal previsto,
e logo treme a terra nesse estado:

De sorte que na Cruz o assombro visto,
como a Cristo imitais crucificado,
honrar-vos quis a terra como a Cristo.

 

SONETO LXXIII
(A São Bartolomeu Apóstolo)

Apesar de Astarote que astutamente
na Capadócia fabricava os danos
apesar de Berite, que os desenganos
explicou de vós mesmo à bruta gente.

Entrastes com virtude preeminente
contra o bárbaro error de muitos anos
e Astarote soltou logo seus enganos
porque preso se viu do fogo ardente.

Alcançastes no Inferno a palma bela
sem armas e sem outra companhia
mas que de Cristo a fé que vos desvela.

Porém posso dizer nesta porfia
que como é pedra Cristo só com
ela toda a estátua prostrais da Idolatria.

 

SONETO LXXIV
(A São Mateus Apóstolo)

Evangelista Apóstolo afamado,
que escrevendo a Evangélica verdade
destes com felicíssima piedade
da Sagrada lição primeiro brado.

Na feliz Etiópia venerado
louvastes de Ifigênia a castidade;
porém ao Rei lascivo na maldade
fogo de ira lhe acende o fogo amado.

Celebrando o eucarístico portento
a vida vos tirou por malefício,
ficando o mesmo altar sanguinolento:

Por imitar de Cristo o mesmo ofício
sacrificando a Deus no sacramento,
fizestes de vós mesmo o sacrifício.

 

SONETO LXXV
(A São Tomé Apóstolo)

Duvidastes Tomé porém ditoso
lograstes os seguros do receio,
que à trévoa vil de um enganoso enleio
não falta a luz de um desengano honroso.

Vistes a Cristo ressurgir glorioso
e a mão metendo no divino seio
foi o toque das chagas justo meio
para o toque da graça venturoso.

Vossa incredulidade não fez dano
à vossa fé, que nela estais mais fino
quando a Cristo chamais Deus soberano:

Fazeis um Sacramento peregrino
pois só tocais em Cristo o corpo humano,
e confessais em Cristo o Ser Divino.

 

SONETO LXXVI
(A São Tiago Menor, Apóstolo)

Por vosso nome Santo esclarecido
justo sois, e nas obras excelente
tanto que parecestes entre a gente
ser por irmão de Cristo conhecido.

De vossa mãe, no ventre enobrecido
santificado sois Divinamente,
e sendo santo, antes de ser vivente
sentis o amor, antes de ter sentido.

Na vida, nem na morte vos excede
o mesmo Cristo, que antes repetistes
igual ação, que em ambos vos sucede:

Pois quando os inimigos conseguistes,
Cristo na Cruz, perdão por eles pede,
vós por eles perdão, na Cruz pedistes.

 

SONETO LXXVII
(A São Simão e Judas Tadeu)

Contra os magos que os ídolos quiseram
vos opusestes ambos tão constantes
que nos incêndios férvidos de amantes
vossos peitos valentes se acenderam.

Os idólatras cegos compuseram
da lua e sol os ídolos brilhantes,
mas se eles se perderam de arrogantes
os ídolos desfeitos se perderam.

A lua e sol estão com desalentos
em um e outro ídolo fingido
tudo foi confusão, fogo violento:

O Juízo final foi parecido
pois a lua ficou sem luzimento,
pois o sol ficou todo escurecido.

 

SONETO LXXVIII
(A São Matias Apóstolo)

Fostes eleito ao Sacro Apostolado
(pela pérfida ação Judas perdido)
e a José que por justo era aplaudido
vós por mais justo fostes aprovado.

Nas doze estrelas antes figurado
de Apostolado o número sabido,
sois estrela do mundo convertido
fixa no amor, errante no cuidado.

A vossa Santidade sobre-humana
com todos os Apóstolos se afina
quando Deus nesta escolha a desengana.

Nela maior vantagem vos ensina
porque aos mais escolheu com voz humana
mas a vós escolheu com Luz Divina.

 

SONETO LXXIX
(A São Paulo Apóstolo)

Apóstolo das gentes celebrado
sois vaso de eleição, por Cristo eleito,
que destes ao Gentio satisfeito
da lei da Graça, o óleo consagrado.

Padecestes por Cristo degolado
e quando tendes o martírio aceito,
derramastes o leite, que no peito
tinha vossa pureza congelado.

Cortam-vos a cabeça esclarecida
e saltais de prazer ao golpe forte
como João na graça conseguida:

Mas nesta ação mostrais mais alta sorte
que ele de prazer salta, tendo a vida
vós saltais de prazer, logrando a morte.

 

SONETO LXXX
(A Santo Estevão)

Insigne Protomártir que mostrastes
na defensa da fé valor inteiro,
e sendo Alferes-mor por ser primeiro
a bandeira de Cristo sublimastes:

No triunfo ditoso que alcançastes
(feito da fé constante pregoeiro)
não só do vosso nome verdadeiro
mas do martírio atroz vos coroastes.

Verteis na terra o Sangue derramado,
e Cristo vos conforta nos céus visto,
entre agonias do tormento amado:

Maior vantagem vos concede nisto
que Cristo foi de um Anjo confortado,
vós confortado sois do mesmo Cristo.

 

SONETO LXXXI
(A São Lourenço)

Valoroso Espanhol, Sacro Levita
se ao Pontífice sumo obedecestes,
os Tesouros da Igreja despendestes
que o tesouro do céu mais vos incita.

Pronto ao martírio, que o Tirano excita,
tão pouco medo e pouco horror tivestes,
que se no duro ferro padecestes,
ao duro ferro vosso peito imita.

Não recebeis do fogo sentimento
(em cravo transformando o branco Lírio)
porque amor vos abrasa em mais aumento:

E fazendo da dor sábio delírio
abrasado de amor e do tormento
padeceis de dois fogos o martírio.

 

SONETO LXXXII
(A São Sebastião)

Valoroso ao martírio se mostrava
vosso peito que as setas não temia:
se vosso peito cândido vivia
alvo das setas vosso peito estava.

Por muda vossa língua se admirava
na dor com que o tormento padecia
porém não era muda na alegria
com que discretamente a fé pregava.

A Tirania do gentio ufano
que não quer admitir o sacro ensino
vos frechava no tronco desumano.

Porém vós no patíbulo mais fino,
se o peito vos fechava, ódio tirano,
o peito vos frechava, amor Divino.

 

SONETO LXXXIII
(A São Jerônimo)

Com grande estudo e penitência dura
ao mesmo tempo sábio e virtuoso
fostes esmalte da virtude honroso,
fostes Luzeiro da ciência pura.

Reformastes enfim com fé segura
a divina escritura obsequioso;
intentando o demônio poderoso
que a lição se perdesse da escritura.

Por ela se conhece a fé sincera
que Cristo a todo o mundo publicara
e sem ela a virtude se não crera.

Mas, se não fora vossa indústria rara
no mundo a fé de Cristo se perdera,
do mundo a redenção se não lograra.

 

SONETO LXXXIV
(A Santo Ambrósio, aludindo àquelas palavras: “Ex ore infantium et la cta ntium perfecis ti laudem” – Mateus: 21,16)

Prelado de Milão que vos mostrastes
em ambos os governos tão prudente
que pela via da virtude urgente
do temporal ao eterno caminhastes.

Se as fúrias Arianas aplacastes
sobre a eleição de um Bispo preeminente
por Bispo vos aclama toda a gente,
bem que por toda a gente o reclamastes.

Deus revela ao Menino o Sacro ensino
(porque neles tem Deus louvor perfeito)
que Bispo vos chamou como Divino.

Enfim deste prodígio satisfeito,
se a boca vos nomeia de um menino,
pela boca de Deus fostes eleito.

 

SONETO LXXXV
(A Santo Agostinho)

Bispo de Bona, de África portento,
que nos erros do mundo pervertido,
se tivestes a Igreja perseguido
destes depois à Igreja valimento.

Paulo teve também o mesmo intento,
e perseguiu a Igreja enfurecido,
mas caindo no chão por convertido,
se levantou na fé com mais alento.

A vossa conversão com reverentes
obséquios louva a Igreja por que veja
com Paulo os mesmos ritos preeminentes:

Em ambos pois o assombro igual se veja,
que se Paulo ficou Doutor das gentes,
vós ficastes também Doutor da Igreja.

 

SONETO LXXXVI
(A São Gregório Magno)

Obsequioso o povo em vosso abrigo
vos elege Pontífice eminente
pois tirais do contágio pestilento
das Angélicas mãos todo o castigo.

Fugistes destas honras inimigo
mas o céu na coluna refulgente
ao Povo vos descobre,
e faz patente que sois forte coluna no perigo.

Buscam a Cristo os Magos com primores
mas o céu por dar fim a seus intentos
uma estrela criou a seus fervores.

De sorte que descobre em dois portentos
a Cristo de uma estrela os resplendores,
a vós, de a coluna os luzimentos.

 

SONETO LXXXVII
(A São Bento)

De um pensamento torpe arrebatado
contra vós o Inferno se conjura
e pretende no horror da forma escura
escurecer-vos o candor do estado.

Mas logo revolveis santificado
entre os espinhos vossa carne pura
com que o lascivo ardor da formosura
apagastes com sangue derramado.

Do mesmo Cristo em vós, vejo a pessoa
quando seguis devoto seus caminhos
e da vitória vossa a fama voa:

Porque vencendo os torpes descaminhos
Cristo teve de Espinhos a coroa
vós fizestes Coroa dos espinhos.

 

SONETO LXXXVIII
(A São Bernardo)

Ilustre Borgonhês, que desprezastes
as honras vãs do mundo fementido
que o melhor grau e posto mais subido
no trono das virtudes colocastes.

Recolhido em Cister mortificastes
de tal maneira o corpo reduzido
que o manjar para o gosto era perdido
que os objetos que vistes, ignorastes:

Altamente vossa alma em Deus se unia,
e neste sumo bem se transportava
e mais que em si, somente em Deus se via.

De sorte que milagre se mostrava
vossa alma estar no corpo em que vivia
e viver sem o corpo, que informava.

 

SONETO LXXXIX
(A São Domingos)

Divino Patriarca, que os primores
de vossa luz mostrastes tão fecundo
que tendo sempre em Deus o amor jucundo,
sois sacrossanto pai dos Pregadores.

Nascestes (contra heréticos furores
que forjou o Demônio furibundo)
como discreta luz de todo o mundo,
como perro leal, em seus clamores:

Quando a e outra ação prognosticada,
em vossas excelências mais se afina,
fica a casa da Igreja preparada;

Pois qual perro leal e luz mais fina
contra o Demônio lhe guardais a entrada,
e nela a luz lhe dais pela doutrina.

 

SONETO XC
(A São Francisco)

Excelso Patriarca que ordenastes
melhor Arca no mundo em graças certas
se esta foi ordenada em três cobertas
a vossa com três ordens fabricastes.

Como a paixão de Cristo tanto amastes
vos deu no Corpo as chagas descobertas,
e estando vivas nele, estando abertas
no mesmo Cristo em Cruz vos transformastes:

Tivestes melhor Cruz, que Cristo amado
nesta impressão das chagas, porque nisto
a Cristo pareceis avantajado:

Visto pois o favor, o empenho visto,
Cristo em um lenho foi crucificado,
Francisco foi crucificado em Cristo.

 

SONETO XCI
(A São Romualdo)

Ilustre Romualdo perseguido,
de Bento a Santa Regra reformastes
e depois a Camândula criastes
para ser Patriarca conhecido.

Apesar da fraqueza do sentido
a maior penitência procurastes
e no trabalho duro vos mostrastes
como se fôsseis bronze endurecido.

Desprezando da vida transitória
todo o gosto ou favor que o mundo
encerra tivestes do Demônio igual vitória:

E tal amor, do mundo vos desterra,
que vivendo na terra e não na glória,
vivestes mais na glória, que na terra.

 

SONETO XCII
(A Santo Inácio de Loyola, aludindo àquelas palavras: “Ad maiorem dei gloriam”)

Deixando as armas de uma guerra impia
outra guerra buscastes mais constante
e fazeis para a Igreja militante
com vossos filhos nova companhia.

Soa o tambor, na bélica alegria,
o nome de Jesus por triunfante
leva à bandeira Xavier amante,
cabo de esquadra o Borja se avalia:

Vós capitão famoso com notória
virtude, dais batalha ao mesmo Inferno
e ganhais com os filhos a vitória:

Pondes em vosso escudo o timbre externo
(como quem faz Brasão da maior glória)
para glória maior de Deus eterno.

 

SONETO XCIII
(A Santo Antônio)

Insigne pregador, que em doce encanto
dos homens cativais a liberdade,
e mostrando no mundo a Santidade
sois por Antonomásia, Antônio Santo.

Na vossa língua se transforma tanto
do Espírito Divino a potestade,
que para horror da herética maldade
a brutos, peixes, aves, dais espanto.

Se o Espírito Divino em Soberana
forma de línguas arde no amor fino
da vossa língua o mesmo afeto mana:

Incorrupta, em assombro peregrino
não era língua, não, de carne humana,
era língua do Espírito Divino.

 

SONETO XCIV
(A São Pedro Mártir)

Supremo Inquisidor, Pedro excelente
do Sacro Pedro imitador famoso,
ele primeiro Apóstolo amoroso,
e vós primeiro Inquisidor prudente.

Com forte coração, com zelo ardente
de todo herege sois vitorioso
e se sente o milagre portentoso
maior milagre em vossa vida sente:

Morrendo aos golpes da traição malvada
molhais no sangue o dedo,
e vos convida deixar escrita a fé que vos agrada.

Se é vida o sangue, e nele é conhecida,
quando escreveis com sangue a fé sagrada,
mostrais, que vossa fé, foi vossa vida.

 

SONETO XCV
(A São Tomás de Aquino)

Angélico Doutor que esclarecido
fostes do mundo pasmo milagroso,
e tendo do saber o grau famoso
fostes no sacro amor mais entendido.

As questões que escrevestes aplaudido
o mesmo Cristo aprova portentoso,
e se louva ao Batista, generoso
também vos louva a vós aparecido.

De boca de Anjo tendes a excelência,
Quinto Doutor vos louva a Igreja amada,
Deus vos aprova a singular ciência.

E foi de Deus ação justificada,
se boca de Anjo sois na inteligência,
que por boca de Deus seja aprovada.

 

SONETO XCVI
(A São Boaventura)

Boa Ventura sois, que acreditado
unistes a bondade co’a ventura,
e na vossa ciência mais se apura
o saber na virtude vinculado.

Com seráfico ardor, com doce agrado
quando vosso fervor mais se assegura,
de Francisco imitastes a luz pura,
como se fora em vós ressuscitado.

Junta geral fizestes de tal sorte
que a regra de Francisco mais se alenta
contra o Demônio, contra as Leis da morte:

Em ambos o fervor, igual se atenta
que um a regra criou com zelo forte,
outro com forte espírito a sustenta.

 

SONETO XCVII
(A Santa Maria Madalena aos pés de Cristo)

Solicita, procura, reconhece,
com desvelo, com ânsia, com ventura,
sem temor, sem soberba, sem loucura,
a quem ama, a quem crê, por quem padece.

Ajoelha-se, chora, se enternece,
com pranto, com afeto, com ternura,
e se foi indiscreta, falsa, impura,
despe o mal, veste a graça, o bem conhece.

A seu Mestre, a seu Deus, a seu querido,
rega os pés, ais derrama, geme logo,
sem melindre, sem medo, sem sentido.

Por assombro, por fé, por desafogo,
nos seus olhos, na boca, no gemido,
água brota, ar respira, exala fogo.

 

SONETO XCVIII
(A Santa Catarina do Monte Sinai)

Catarina animosa na disputa
com cinquenta Filósofos vencidos
triunfando dos ídolos fingidos
cinquenta palmas teve nesta luta.

Padeceu o martírio resoluta
menosprezando ardores dos sentidos,
com que a fé se esclarece nos rendidos
com que o templo dos ídolos se enluta.
Em Sinai foi seu corpo colocado
onde Deus ostentou na Sacra História,
da Glória sua o portentoso estado.

Com ela renovou tanta memória
por que a glória do corpo venerado
substitua de Deus a mesma glória.

 

SONETO XCIX
(A Santa Luzia)

Vossa casta pureza resplendece
e sois da sacra fé muralha dura,
esta contra o Tirano mais se apura,
aquela contra o amante permanece.

Vossos olhos gentis, que ele apetece
tirais de vosso rosto tão segura
que quando cega estais na formosura
melhor vista de Deus vos engrandece.

Se o amor Divino nas esposas suas
olhos de pomba tem: a Deus mostrastes
melhor oferta com verdades nuas:

Porque na oferta antiga que imitastes
se a Deus não ofertastes pombas duas
dois olhos de a pomba lhe ofertastes.

 

SONETO C
(A Santa Úrsula e onze mil virgens)

Obedecendo ao Máximo orgulhoso
que afetava a Romana Monarquia,
levastes por ilustre companhia
das virgens belas o esquadrão famoso.

Mas encontrando a Melga poderoso
e resistindo à bárbara porfia
ganhastes dois troféus naquele dia
da castidade e fé do sacro esposo.

Foi José de onze estrelas adorado
mas quando as castas virgens se namoram de Cristo,
fica o culto avantajado:

Porque no eterno bem, que a Deus imploram
onze estrelas não são de Cristo amado
que estrelas onze mil a Cristo adoram.

 

SONETO CI
(A Santa Clara)

Clara virgem, que claro amor mostrava
a Francisco, a quem tanto obedecia,
e do mundo as mais santas excedia
que de tal pai, tal filha se esperava:

No Sacramento tanto se alentava,
que do exército atroz a fúria impia,
pela Custódia Sacra não temia
que era também Custódia, que guardava.

Nas filhas castas, belas e medrosas
dos peitos lhes tirou o medo triste
e ficam do inimigo vitoriosas.

Que se no Sacramento Deus subsiste,
vestido de armas brancas poderosas
o Senhor dos exércitos lhes assiste.

 

SONETO CII
(A Santa Catarina de Sena)

Sois esposa de Deus crucificado,
e na fineza ilustre, que vos doa,
elegeis dos espinhos a coroa,
e lhe bebeis o sangue de seu lado.

O Coração de Cristo está trocado
em vosso coração, que a Cristo voa,
e fica na entidade da pessoa
o coração que tendes, endeusado.

Entendendo o favor, o pasmo visto
Cristo de vós está tão satisfeito,
que mistério da fé consagra nisto.

Se o Coração da vida é logro aceito
unindo a Cristo em vós, e a vós em Cristo
Sacramentou-se Cristo em vosso peito.

 

SONETO CIII
(A Santa Teresa)

Com generoso amor, com fé notória
Teresa em Cristo amante transportada,
vivia já na sétima Morada,
que já do mundo vil, tinha a vitória.

Contra os gostos da vida transitória
foi da Lança, do fogo traspassada,
que em Seráfico amor toda abrasada
seu coração se viu posto na glória.

Em Cristo dos tormentos satisfeito
uma lança de ferro se imprimia
mas Teresa não teve o ferro aceito.

Antes maior fineza se avalia
porque o ferro, de Cristo abria o peito
mas o amor, de Teresa o peito abria.

 

SONETO CIV
(A Santa Rosa)

Ilustre Rosa, quem vos presta alentos?
que penitência rara vos convida?
como em tanto Mistério atura a vida?
e não fenece já com desalentos?

Não vos dão essas penas sentimentos?
tendes de bronze a carne perseguida?
ou é que a morte, já, tendes bebida,
ou que estais endeusada nos tormentos.

Obstinado Lusbel foi no pecado,
e vós também com soberana traça
sois obstinada no penoso estado.

Mas vós por dita, e ele por desgraça
ele perde a Graça de obstinado,
vós de obstinada conservais a graça.

 

SONETO CV
(A Santa Maria Madalena de Palli)

Nos divinos tormentos enlevada
se as chagas recebeis feliz esposa,
toda unida com Deus por amorosa
a Cristo adoro em vós por transformada.

É bem que as chagas da paixão sagrada
vos imprimisse na alma venturosa,
que se ela é centro da afeição piedosa,
seja arquivo também da dor amada.

Se as chagas que vos dota foram pagas
com que o mundo remiu; hoje dissera
(tanto impossível sacro amor estragas)

Que se o remis mais almas não tivera
só por vossa alma pretendera as chagas
só por remir vossa alma padecera.

 

SONETO CVI
(À mesma Santa estando em sua mão sempre verdes as flores que se lhe põem em dia de sua festa)

Feito dossel de plantas superiores
reinava com Favônio mais sereno
tendo por corte o campo Damasceno
tendo por cetro os cravos brilhadores.

A primavera isenta dos rigores
com que o tempo dos maios é pequeno,
sendo imortal o paraíso ameno,
sendo Perpétuas as perpétuas flores.

Em vós as flores por divina traça
conservam sempre seu formoso riso
nem receiam do inverno a vil desgraça:

Publique o mundo pois com douto aviso
que Santa sois na primitiva Graça,
que em vós renova Deus o Paraíso.

 

SONETO CVII
(À capela da transfiguração que fez o autor no seu Engenho de Tararipe)

Dediquei-vos Senhor esta capela
da Transfiguração que se apelida
em oitavada forma tão luzida,
que parece do campo breve estrela.

Pedro que nos afetos se desvela
com três moradas fácil vos convida
pelo engano da glória apetecida
porque sem padecer a glória anela.

Porém se nas ações transfiguradas
vejo a Trindade, em vosso ser Divino
à voz do céu e à nuvem comparadas:

Direis na devoção com que me afino
se não fiz como Pedro três moradas
a morada fiz para Deus Trino.

 

SONETO CVIII
(À capela que fez o autor da invocação Nossa Senhora das Brotas no seu Engenho de Jacumirim)

Esta Igreja Senhora obsequioso
da invocação das Brotas vos dedico,
e se da graça sois Tesouro rico
vos servirá de cofre venturoso.

O favor que fizestes milagroso
ao lavrador humilde significo,
que sentindo da vaca o dano iniquo
pela desdita veio a ser ditoso.

Mostrais neste prodígio celebrado
que qual bruto animal com vil caída
o pecador se vê morto e prostrado;

Mas quando a vosso amparo se convida
o livrais das barrocas do pecado,
e lhe dais pela graça nova vida.

 

SONETO CIX
(À exaltação da Cruz)

Tomando o Persa o sacrossanto lenho,
da Cidade infeliz vitorioso
o colocou no Trono majestoso
fazendo do poder soberbo empenho.

Recorre Heráclio com devoto engenho
vendo seu Povo aflito e lastimoso
ao Senhor das vitórias poderoso
para ter da vitória o desempenho.

Dá-se a batalha, e quando o dano aplico
fica a gente do Persa destroçada,
por roubarem cruéis o lenho rico:

Fica pois (sendo a cruz recuperada)
qual cego Filisteu o Persa iniquo,
qual Arca esclarecida, a Cruz sagrada.

 

SONETO CX
(Quarta-feira de cinza)

Lembra-te homem que és pó, e em pó tornado
serás, que o mesmo ser já tens perdido
porque na brevidade de haver sido,
somente o nada tens, de que és formado.

Considera-te morto e sepultado
antes que em pó te vejas destruído,
veste a mortalha a teu mortal sentido,
abre a cova a teu ser mortificado.

Olha a terra, olha a cinza, por que imites
as memórias dos santos penitentes
e o mesmo exemplo da virtude excites:

Se em ti sentes a terra e a cinza sentes,
põe por terra teus cegos apetites
faze em cinza teus brios insolentes.

 

SONETO CXI
(À sexta-feira de passos)

Olha os passos, que dás homem perdido
que corre os passos, Deus, por teu pecado,
esses passos que dás todo enganado
são passos da vaidade, que hás seguido:

Toma a Cruz e nos passos advertido
não dês os passos no caminho errado,
que para dar os passos acertado,
não desmaies nos passos de sofrido.

Nos passos desta vida transitória
segue os passos de Cristo, se te agrada,
alcançar pelos passos a vitória:

Seja nos passos da virtude amada
dos passos a baliza, a eterna glória,
dos passos do bordão, a Cruz sagrada.

 

SONETO CXII
(Exortações virtuosas)

Veste o escudo da fé na humana sorte,
vence, lida, padece, chora e sente
que o triunfo será mais excelente,
quando a batalha for, mais dura e forte.

Olha que está sujeita ao breve corte
inda que a flor da vida mais se alente
e merecendo o Inferno torpemente,
outra morte terás, depois da morte.

Vive só confiado em Deus eterno
inda que Inferno seja a transitória
tribulação que tens no peito interno:

Adverte pois, na troca tão notória
que na glória do mundo tens o Inferno,
que no Inferno do mundo tens a glória.

 

SONETO CXIII
(A uma Caveira)

Esta, que vês Caveira pavorosa!
este, que vês assombro denegrido!
este que vês retrato carcomido!
esta que vês pintura dolorosa!

Esta que vês batalha temerosa!
este que vês triunfo repetido!
este que vês Castelo destruído!
esta que vês tragédia lastimosa!

Esta enfim te apregoa a desventura
com o mudo pregão de teus enganos
para buscar a vida mais segura:

Se olhos não tem, nem língua em breves anos,
nesta cegueira vês tanta loucura,
ouves neste silêncio os desenganos.

 

SONETO CXIV
(Às lágrimas devotas)

Lágrimas se derramem, que o pecado
sabem lavar com sentimento puro
que não há nódoa negra, ou rasto
impuro que não seja das lágrimas lavado.

Chorou Davi e foi santificado
chorou Pedro e ficou no amor, seguro,
Madalena chorou e o fogo impuro
em puríssimo fogo foi mudado.

Ficam no amor as almas mais absortas
quando as lágrimas correm sucessivas
sendo portas do céu, do pranto as portas.

Cresce a graça nas lágrimas ativas
que se as culpas mortais, são águas mortas,
as lágrimas da dor, são águas vivas.

 

SONETO CXV
(Ponderação da vida humana)

Homem que queres? vida regalada:
vida que solicitas? larga idade:
idade que procuras? liberdade:
liberdade que logras? prenda amada:

prenda que conta fazes? conta errada:
conta que somas já? pouca verdade:
verdade que descobres? a vaidade:
vaidade que pretendes? tudo e nada:

tudo que ganhos dá? perda notória:
perda que vem a ser? de Deus eterno:
Deus que vida nos presta? transitória:

transitória que aspira? ao céu superno:
Céu que nos oferece? a eterna glória:
glória que nos evita? o triste inferno

 

SONETO CXVI
(Ao contágio das doenças)

Senhor, se nos castigos fulminados
intentais a vingança merecida
terá seu fim Senhor a humana vida
mas não terão seu fim nossos pecados.

Bem conheceis os ânimos errados,
a inclinação dos homens distraída
onde mora da carne a torpe lida,
onde nascem do mundo os vãos cuidados.

Bem que seja Senhor a culpa nossa
nem por isso negueis vossos favores
e mais que vós, a culpa vil não possa.

Não derrubeis aos homens com furores
que derrubais Senhor a imagem vossa
e contra vós mostrais esses rigores.

 

SONETO CXVII
(Afetos jaculatórios)

Quem pudera Senhor sempre atender-vos!
quem pudera Senhor sempre agradar-vos!
quem pudera Senhor sempre buscar-vos!
quem pudera Senhor sempre querer-vos!

Quem me dera meu Deus nunca ofender-vos!
quem me dera meu Deus nunca agravar-vos!
quem me dera meu Deus nunca deixar-vos!
quem me dera meu Deus nunca perder-vos!

Oh quem pudera nunca resistir-vos
da terra desprezando a doce guerra
para em meu peito sempre possuir-vos:

Mas ai! que tal miséria em mim se encerra
que se largá-la quero por seguir-vos,
a terra pega em mim, por ser da terra.

 

SONETO CXVIII
(Respostas)

De terra sou, porém no entendimento
tenho de Anjo a Celeste Jerarquia
e se da carne o ardor me desafia,
da Caridade o ardor me causa alento.

Se além da carne o mundo por violento
seus favores políticos me envia,
proponho da esperança a eterna via
que é dos caducos bens esquecimento

Se me atiça o Demônio furibundo,
da fé me valho; e o venço com pujança
e desta sorte busco a Deus jucundo.

Pelo que com segura confiança
me livro do Demônio, carne e mundo,
na Fé, na Caridade, na Esperança.

 

SONETO CXIX
(Contra os pecados de todo o mundo)

Meu Jesus, meu Jesus, meu Deus querido!
contra vós todo o mundo levantado;
o Gentio, o Hebreu, o Mouro errado,
falso o herege, o Católico perdido.

Não podeis evitar sendo ofendido
tanto vício mortal! tanto pecado!
ou é, que na piedade estais atado,
ou é, que vos prezais de ser sofrido.

Mas se no sofrimento, ou na piedade,
detendes o castigo da injustiça,
não vos pode culpar nossa impiedade.

Antes se por sofrer-nos, mais se atiça,
condenando no fim nossa maldade
glorificais melhor vossa justiça.

 

SONETO CXX
(Deprecação alegórica, ou anagógica)

Se morto estou no estado de Babel
ressuscitai-me já como em Naim,
já não quero adorar a Baalim
que em vosso culto sou Zorobabel;

Dai-me Senhor a casa de Betel
sobre o monte celeste de Abarim,
não me deis os castigos de Eufraim,
que a glória espero ver de Ezequiel.

Pretende despojar-me Leviatã
da vinha mais feliz que a de Nabote,
e que tenha o suplício de Datã.

Pequei, pequei (Senhor de Sabaote),
mas obedeço às vozes de Natã,
e já deixo os enganos de Astarote.

 

SONETO CXXI
(Contra o pecado da soberba)

Despreza o temporal, busca o Monástico
seja honra tua, objeto Teológico,
que se argumentas nelas como lógico
fazes do lodo vil, primor fantástico.

Ou leigo sejas, ou Eclesiástico
com todos és igual, és analógico,
busca pois o sentido tropológico,
se queres ser do céu douto escolástico

Teu corpo pode ser um paralítico,
bem que na Presunção queiras ser célico,
e do mundo enganoso atroz político.

Antes sendo pacífico e não bélico,
na soberba te vês Demônio crítico,
e na humildade tens estado angélico.

 

SONETO CXXII
(Contra os hebreus)

Povo ingrato, infeliz por que abraçaste
de tantos anos mil, a esperança?
sendo que, de Moisés pela tardança
de breve tempo, ao mesmo Deus deixaste.

Do cetro de Judá nota o contraste
sendo que por divina confiança
não podia acabar tanta pujança,
até unir o Messias que esperaste:

Deixa pois da perfídia o desacerto
crê logo no Messias encarnado:
que Cristo o seja, é da verdade acerto:

Que um homem pobre, humilde, em cruz cravado,
a não ser de Deus vivo, filho certo,
não podia por Deus ser adorado.

 

SONETO CXXIII
(Contra os hereges)

Que Lei segues soberbo Calvinista?
que Igreja formas cego Luterano?
que Deus adoras pérfido Ariano?
que fé procuras vário Donatista?

Não sabes tu que na imortal conquista
quem é Cristão submete o ser humano:
e se um Deus reconhece soberano,
na unidade da fé também se alista.

Não queiras obstinado que se veja
tua fé, tua lei, sem forma alguma
com que o Juízo teu em vão peleja.

Olha que a fé e a Igreja há de ser a
mas se tens outra Lei, tens outra Igreja,
e se tens vária fé, não tens nenhuma.

 

SONETO CXXIV
(Manifesta-se a vinda de Cristo pela mesma insensibilidade das criaturas)

Todo o mundo insensível reconhece
que é já vindo o Messias prometido
o céu, tendo a estrela produzido
entre os Magos Gentios o conhece.

O Mar bravo tranquilo se oferece
quando Pedro se viu no mar metido:
o vento sibilante, emudecido,
a seus sacros preceitos obedece.

Morrendo: fica a terra estremecida,
o sol eclipsa os raios tenebroso,
toda a pedra de dor fica partida:

E finalmente o Inferno temeroso
os mortos restitui à melhor vida
e teme ao Autor da vida poderoso.



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OITAVAS
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À CONCEIÇÃO DA SENHORA

I
Soberana Senhora imaculada
do tributo de Adão fostes isenta,
pois por boca do céu sois nomeada,
cheia de graça, entre as mulheres benta:
se outra coisa não pode ter entrada
no lugar que por cheio se contenta
sendo cheia de graça em vosso Estado,
não cabia lugar para o pecado.

II
Nasce a lua no Polo refulgente,
porém descobre manchas na beleza;
nasce a rosa no campo gentilmente
porém produz de espinhas a vileza:
mas vós nasceis mais bela e mais luzente
no céu, ou campo de maior grandeza,
que fostes preservada em Mãe formosa
sem manchas Lua, sem espinhas Rosa.

III
Qual Aurora que em tenra formosura
pintando as Nuvens de purpúreas cores
desterra o descortês da sombra escura
aos golpes de recentes resplendores:
vós também concebida em graça pura
como Aurora em puríssimos candores
desterrastes co’a luz, que vos assiste,
da culpa original a sombra triste.

IV
No zênite celestial da Quarta esfera
brilhando o sol com brio reluzente
não há sombra, vapor, nuvem severa,
que ofusque os raios do Planeta ardente:
sendo vós sol também em quem se esmera
alto Zenith da graça preeminente,
não se podia opor a tanta altura
vapor vil, nuvem torpe, sombra impura.

V
Qual a sarça que obrou seus luzimentos
no monte Horebe em fúlgidos ardores,
onde o fogo cresceu sem nutrimentos,
e respeitou devoto seus verdores:
tal vós (quando do Inferno os ardimentos 
quiseram desluzir vossos primores)
brilhastes pura, tendo na inteireza ela,
intacto o verdor; vós, a pureza.

VI
Em carroça de fogo rutilante
sobe Elias aos céus arrebatado,
e quebrando da morte a Lei constante
ficou da Lei da morte preservado:
da mesma sorte, vós, ficais triunfante
da culpa original (em fogo amado
da Graça celestial que vos desculpa)
livre Elias da morte, vós, da culpa.

VII
Tomando corpo humano Deus eterno
de vossa carne se vestiu piedoso;
e com dobrado horror do mesmo inferno
fostes Virgem no parto milagroso:
não é muito também que o céu superno
vos livrasse do feudo lastimoso
que não é menos na igualdade bela
imaculada mãe, que mãe donzela.

VIII
Sois da Trindade templo generoso
em que não pode haver mancha mais leve,
sois mãe santa de Cristo poderoso
a quem candor puríssimo se deve:
sois esposa do Espírito amoroso
a quem profana trévoa não se atreve
com que vindes a ter pureza honrosa
ou por templo, ou por mãe, ou por esposa.

XIX
Sacramentado Cristo em corpo humano
que de vós recebeu Virgem sagrada,
naquele sacrifício soberano
fica hóstia pura e hóstia imaculada:
logo não pode haver vício profano
que a mesma carne sois sacramentada
assim que celebramos com ventura
que é pura a conceição e a hóstia pura.

 

A SÃO FRANCISCO

I
Quem tivera uma Musa sublimada
quem levantara os versos mais sonoros
para louvar-vos a virtude amada
com doce canto dos celestes coros:
mas se ser pobre e humilde vos agrada,
terá meu verso de aplaudido os foros
porque haveis de estimar Francisco santo
se a veia, pobre for; se humilde, o canto.

II
Buscastes o presépio desabrido
porque só nele achais o nascimento,
que antes de ter os logros do sentido
fizestes para Deus merecimento:
neste assombro de pobre esclarecido
imitastes de Cristo o mesmo intento
e nesta ação fizestes amorosa
da Cidade de Assis, Belém ditosa.

III
A primeira virtude que estimastes
da Caridade foi, o afeto vivo,
dos vestidos mais rotos vos ornastes
e vestistes os pobres compassivo:
dos galhardos adornos desprezastes
a gala que deseja o mundo esquivo
porque se torna por mortal tributo
gala de vício, da virtude luto.

IV
Vosso pai combatido da avareza
não quer que useis da franca atividade
que o vento popular da vã riqueza
apaga a nobre Luz da Caridade:
até que lhe largastes com grandeza
da herança natural a faculdade,
e tomando outro pai com melhor sorte
rompeis da natureza o laço forte.

V
Na visão dos armígeros soldados
vos excita o valor para outra guerra
porque com vossos filhos alistados
sois terror do Demônio em toda a terra:
e para ter os vícios superados,
que o peito humano como fraco encerra
nas três ordens devotas que formastes
três esquadrões armados ordenastes.

VI
Quando se via a Igreja generosa
nos contrastes de hereges perseguida
e sendo por si mesmo poderosa
estava em seu temor quase caída:
vós alentais com força milagrosa
a pôr os ombros nela em toda a vida
e sendo céu a Igreja militante,
fizestes deste céu, melhor Atlante.

VII
Desprezando os encantos da riqueza
seguistes do Evangelho a lei Divina
fazendo tal estado da pobreza
que parece difícil a doutrina:
e vendo que o Evangelho na pureza
ou se esquece no mundo, ou não se afina
instituindo novo Apostolado,
renovais o Evangelho sepultado.

VII
Do lascivo apetite combatido
vos propõe o Demônio essa maldade,
e vai buscar no Inferno escurecido
o fogo, para arder a castidade:
porém contra o Demônio enfurecido
vos armastes da mesma santidade
e lhe opusestes quando mais se atreve
contra os tiros de ardor, balas de neve.

XIX
Saístes a campanha no deserto
com rico adorno de uma capa pobre,
e levantando a voz com douto acerto
clamava vossa voz ao Rei mais nobre:
os rústicos cruéis com desacerto
golpes vos dão que vosso peito encobre,
e se o Deserto vossa voz conquista
fostes da lei da graça outro Batista.

X
Compassivo da pena lastimada
que o Pobre de Espoleto padecia
lhe beijastes a boca encancerada,
como se fosse flor de Alexandria.
Se com ósculo vosso foi livrado
daquela chaga atroz que apodrecia
um ósculo que destes amoroso,
ósculo pareceu do sacro Esposo.

XI
Qual Elias em carro luminoso
aparecestes sol resplandecente
e inflamastes o espírito amoroso
de vossos filhos com fervor ardente:
se Elias se mostrou da lei zeloso
vós zeloso da lei sois igualmente
se bem zelo melhor em vós se excita
da lei da graça, em vós; nele, da escrita.

XII
Tomando a penitência por empresa
o povo à vossa voz se convertia,
entre todos seguiu esta aspereza
de clara santa a nobre companhia:
aquela que do nome e da pureza
fez no mundo formosa simpatia
que foi por graça e profecia rara
no ventre Luz, no nascimento Clara.

XIII
Pregando doutamente a lei sagrada
com tanta perfeição, com tanto exemplo,
deixa o Poeta a Musa celebrada
e busca o canto do celeste templo:
se ele vos vê com uma e outra espada
Apóstolo de Cristo vos contemplo,
pois mostrastes seguindo as vozes suas
no vosso Apostolado, espadas duas.

XIV
Do Soberano Espírito movido
para escrever a regra mais amada
subistes fervoroso ao monte erguido
como Moisés na lei por Deus ditada:
porém depois havendo-se perdido
outra vez a escreveis avantajada
e neste exemplo igual, Deus nos ensina
que vossa regra santa, é Lei Divina.

XV
A vosso aceno peixes se comovem,
ao vosso obséquio Brutos se oferecem,
às vossas vozes pássaros se movem,
os ardores do fogo em vós se esquecem:
os homens de seus erros se removem,
a vosso império todos obedecem;
Deus enfim no sensível e insensível
pôs em vós todo o império do possível.

XVI
De vossos filhos junta a turba ingente
não havia sustento para tantos
mas para dar sustento a tanta gente
bastavam para vós desejos santos:
com Cristo parecestes igualmente
(tendo de graças mil, doces encantos)
pois ministrando o pão, que se acrescenta,
a multidão dos filhos, se sustenta.

XVII
Em lugar ermo sendo convocados,
o vinho vos faltou para o convite,
mas demitistes logo esses cuidados
que a vós o mais difícil se permite;
e por que nada falte aos convidados
d’água o vinho fazeis, por que se imite
o milagre de Cristo; e nesta empresa
mudastes do elemento a natureza.

XVIII
Aquela escada de Jacó famosa
em que subiam Anjos e baixavam
mostrando nesta lida generosa
que diligentes no serviço estavam:
em Francisco se iguala misteriosa
que na escada do amor passos formavam
pois qual Anjo, no amor a Deus subia,
e neste amor, ao Próximo descia.

XIX
Chama os filhos assim com forte alento
que são de seu amor mais alta prenda,
e fazendo solene testamento
a Regra que lhes deu, lhes encomenda:
no chão se prostra na pobreza atento
fazendo da nudez rica fazenda
e deixou a seus filhos vinculada,
por Morgado, a pobreza mais prezada.

XX
Foi Patriarca os filhos procriando,
foi Divino Profeta do futuro,
foi do Evangelho Apóstolo admirando
foi forte Mártir no desejo puro:
foi Doutor preclaríssimo ensinando
o caminho da glória mais seguro,
foi confessor insigne na aspereza e
foi perpétuo Virgem na pureza.

XXI
Porém já me confundo suspendido
levanta, Sacra Musa, o pensamento
para louvar o pasmo nunca ouvido
em que Cristo ostentou maior portento:
que Criatura? que Anjo esclarecido?
tivera tão feliz merecimento,
que recebendo as chagas neste mundo
ficasse no favor, Cristo segundo?

XXII
No monte Alverne todo transportado,
na sagrada paixão todo embebido,
Francisco a Cristo viu crucificado
em Seráfica forma aparecido:
as chagas lhe imprimiu com tanto
agrado que naquela impressão ficou ferido,
e padecendo a dor no sofrimento
foi verdadeiro mártir no tormento.

XXIII
Porém neste Mistério soberano
a Cristo se avantaja milagroso
que inda que tem Francisco o ser humano
neste martírio o excede venturoso:
em Cristo se sentiu o desumano
instrumento do ferro e lenho honroso,
porém o mesmo Cristo mais atento
de seu martírio, foi, vivo instrumento.

XXIV
Na cruz recebe Cristo as chagas puras
e nelas padeceu rigor inteiro,
que foram para o pai pagas seguras
com que remiu do mundo o cativeiro:
estas Francisco as toma com doçura,
e nelas verte sangue verdadeiro,
e se pode dizer com fé sincera,
que redentor do mundo se venera.

XV
Luta Jacó com Deus, e valoroso
e não quis demitir do braço forte,
até que o não fizesse generoso
da divina bênção feliz consorte:
mas com Deus tem Francisco poderoso
de outra luta melhor mais alta sorte
que ele só de Israel teve os louvores
mas Francisco das chagas os primores.

XVI
Fez o Divino pai a escritura
na Cruz de Cristo com piedoso intento,
sendo do sangue seu, a tinta pura,
escrito o amor, com pena do tormento:
mas como para a pátria mais segura
o Verbo se partiu sanguinolento
quis deixar em Francisco Autenticado
em falta de escritura, seu traslado.

XVII
Representa Francisco glorioso
a Cristo, tendo as chagas recebido,
e neste desempenho portentoso
fica do eterno pai filho querido:
se a Cristo representa, o misterioso
sacramento do Altar, sempre aplaudido;
e se em Francisco está representado
em Francisco se vê sacramentado.

XVIII
Das chagas de seu Mestre duvidoso
se mostrava Tomé, mas sendo visto
da maior fé mostrou o timbre honroso
pois confessou por Deus ao mesmo Cristo:
mas se em Francisco vira venturoso
de Cristo as chagas com favor revisto
a Francisco dissera, equivocado,
Meu Deus e meu Senhor ressuscitado.

XXIX
Paulo que foi da fé vaso escolhido
todo enlevado em Cristo, parecia,
que o tinha no seu peito renascido
e sem o ver, no mesmo peito o via:
teve as chagas também favorecido
porém foi com diversa simpatia
que Paulo as teve só na sacra mente
mas Francisco as logrou corporalmente.

XXX
Mas que digo, Francisco, se no intento
de louvar-vos me vejo decaído;
amaino as velas já do entendimento
que temo em vosso mar ser submergido
se merecestes o Celeste assento
de Serafim, por outro o ter perdido,
cantem somente para encômios tantos
do Santo Serafim, Serafins Santos.


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CANÇÕES
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À ANUNCIAÇÃO DA SENHORA

I
Neste amoroso extremo,
que soube unir em vós um Deus Supremo
Gabriel verdadeiro
é forte mensageiro
se é Gabriel de Deus a fortaleza
mostra que é de um Deus forte, esta fineza.

II
E tendo-vos roubado
de Deus o coração de namorado
era justo que amante
se unisse em vós constante
e viesse buscar quando o roubastes
o mesmo coração que lhe tomastes.

III
Nesta embaixada agora
escrava quereis ser sendo Senhora,
e para gosto nosso
deste um fiat vosso,
e com esta palavra sobre-humana
concebeis a Palavra soberana.

IV
Oh que estranha verdade!
Se fazeis a grandeza da humildade:
sois bem-aventurada
pela humildade amada;
cheia de graça sois sem culpa feia
se lua pareceis, sois lua cheia.

V
Sendo mãe e donzela
fostes intacta sempre, e sempre bela
na vossa formosura
vos inteirastes pura
que o Sol divino entrando com presteza
fez Cristal transparente da pureza.

VI
Singular sem exemplo
Propiciatório sois do eterno templo
e para ilustre abono
servis a Deus de trono
e sois neste Mistério venerado
Arca do testamento, Horto cerrado.

VII
Aquele anunciado
aquele dos profetas desejado,
veio dos céus à terra
e em vós virgem se encerra,
de maneira que os céus que já se movem,
estilam o rocio, ao justo chovem.

VIII
Do sacrossanto Esposo
tálamo casto sois bem que oloroso,
sois terra enobrecida
que aos homens produziu fruto de vida,
sois incorrupto cedro em corpo e alma,
oliva verde sois, fecunda palma.

XIX
Sois Núncia brilhadora
sois do Sol da justiça tenra Aurora:
sois da pérola fina
uma concha divina:
e na carne de Cristo concebida
Nuvem cândida sois, vara florida.

X
Que língua copiosa
explicar poderá Virgem ditosa
aquele doce efeito
que entrou em vosso peito
que inflamação vossa alma sentiria!
que resplendor! que pasmo! que alegria!

 

À QUINTA-FEIRA MAIOR

I
Meu Senhor soberano
humano em vosso ser, conosco humano,
antes de vossa morte
nos dais ditosa sorte
pois nos logros da Ceia prevenida
buscais a morte, e nos deixais a vida.

II
Qual Pelicano amante
no amor valente, no valor, constante,
verte o sangue copioso por dar pasto amoroso
a seus filhos: tal vós no sacramento
o sangue derramais, dais o sustento.

III
Em tão feliz ventura
mais que Maná do céu, mana a doçura;
e no pão venerado
pão dos Anjos Sagrado
unistes três contrários verdadeiro
pois sois Pastor, sois Pão, e sois Cordeiro.

IV
Sabendo neste extremo
o trânsito preciso ao céu supremo
dais da glória futura
a prenda mais segura
e quereis quando ausente, que se entenda
que como amante nos deixais a prenda.

V
Querendo humildemente
lavar os pés de Pedro reverente
em favor tão notório recusa o lavatório:
porém depois em vossas mãos aceito
teve o poder dos céus, aos pés sujeito.

VI
E com afeto grato
ao discípulo, falso, cego, ingrato,
os pés lhe estais lavando
e nesta ação mostrando
(que é coisa que no mundo não se admira)
a verdade prostrada da mentira.

VII
Nos retiros do Horto
pronto o espírito, a carne sem conforto
gota a gota estilando
o sangue estais suando,
e fica nestas ânsias amorosas
o Monte de Olivete, horto de rosas.

VIII
O Peito atraiçoado
disfarçando o discípulo malvado,
vos beija falsamente
mas vós como inocente
correspondeis, e a um tempo unido vejo
ao beijo da traição, da paz o beijo.

XIX
Quando Judas empreende
a vil infâmia, aos Fariseus vos vende
mas considero agora
que nesta ação traidora,
por ver escravo ao mundo distraído,
quisestes como escravo ser vendido.

X
Em tanto malefício
preso quisestes ser para o suplício,
mas vendo o mundo errado
solto em tanto pecado
quisestes por nos dar melhor ventura
aceitar a prisão, pela soltura.

XI
Com vosso amor Divino
até morrer por nós vos vejo fino:
vossa afeição antiga a tal fim vos obriga
que por teres amado, nos amastes
e em vosso amor, o amor multiplicastes.



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SILVA
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À ASSUNÇÃO DA SENHORA

Subindo Cristo aos céus deixou na terra
a Virgem soberana em que se encerra
que na ausência do Sol, que o mundo enluta
ficou como Planeta, substituta:
Se já não é que na pequena Igreja
a seus peitos deseja
dando-lhe o leite da virtude pura
a seus peitos criá-la com doçura.

Vendo-se pois Maria em longa idade
sentindo a saudade
de seu filho, em que está mais satisfeita
ânsias sente, ais respira, a vida enjeita.

Recosta-se na cama alegremente
por conhecer da morte o fim presente,
onde logra com fácil aspereza
o rico travesseiro da pobreza:
o cobertor de seda da humildade,
o cândido lençol da castidade.

No monte de Sião por vários modos
acodem logo todos
na casa em que fez Deus para portento
aquele incompreensível Sacramento,
que para ser três vezes nosso amigo
fez em si, fez por si e fez consigo.

Esperando a seu filho no aposento
põem logo o luzimento
de limpíssimas velas
que ensaiar-se podiam para estrelas;
porém junto do Sol que respeitavam
como estrelas as Luzes ocultavam.

Trazem logo os fiéis mais verdadeiros
aromáticos cheiros,
compõem hinos devotos
para cumprir o afeto de seus votos
e quando pela Virgem choram tanto
festa o nojo se vê, música o pranto.

Deseja que os Apóstolos sagrados
que estavam pelo mundo derramados
assistissem com ela; e de repente apareceram todos juntamente,
sendo só por si mesmos convocados,
que o amor sabe chamar com mudos brados:

ali lhes agradece o doce afeto
olhando a todos com divino aspecto;
e lhes brota a bênção tão regalada e tão santificada
que somente por ela em logros tantos
puderam (se o não foram) ficar santos.

Neste tempo aparece o filho amado
oh que amor! oh que empenho! oh que cuidado!
e transportada em plácidos desvelos
desata de seu corpo os laços belos,
e sustentando o amor em que se esmera
entrega a alma, a quem a carne dera.

Morre Maria, e foi morte ajustada,
que se da morte fora preservada
segundo nas virtudes se pondera
fora tida por Deus, se não morrera.

Os Anjos na alegria
levantam logo música harmonia,
dizendo em voz canora
quem é esta que sobe como Aurora?
formosa como a Lua?
eleita como Sol, que a luz é sua?
terrível ao Demônio sempre armado,
como esquadrão nas praças ordenado?

Todos ali presentes
beijam os pés à Virgem reverentes
e naquele jardim de mais primores
lhe restituem flores;
com cheirosos unguentos
ungindo de seu corpo os desalentos,
mas do corpo a fragrância parecia
que em cheiro todo o céu se derretia.

Sepultam logo o corpo com ternura
que inda que lhes pareça a sepultura
daquele Sol tristíssimo ocidente
é de um Sol que se põe novo oriente.

Três dias os Apóstolos sagrados
junto ao Sepulcro estavam transportados,
e embebidos em tantas alegrias
lhes parecem três horas, os três dias.

Chegou depois Tomé que estava ausente
e aos Apóstolos pede instantemente
que o sepulcro se abrisse que queria
ver o sagrado corpo de Maria,
que também de seus olhos foram pagas
para a fé de Tomé de Cristo as chagas.

Aberta a sepultura com cuidado
nela se não achou o corpo amado
e somente se acharam lenços finos
que cobriram os membros cristalinos
e finalmente com dobrada palma
a Virgem ressurgiu em corpo e alma;
e sendo aquele corpo
a nosso alento Arca do testamento
não era justo fosse corrompida
e da grosseira terra carcomida.

Assim como os Leões não maltrataram
o corpo do profeta que admiraram,
assim também os bichos nesta empresa
no corpo sacro não fizeram presa;
e se a carne de Cristo ressurgida
é de Maria carne produzida,
desigualdade tal se não encerra
uma nos céus estar, outra na terra.

Entra pois de seu filho acompanhada
na Celeste morada
onde se adora com fiéis agrados
pelos anjos, arcanjos, principados,
onde a louvam com fáceis humildades
Dominações, virtudes, potestades
Onde a respeitam para mais abonos
os serafins, os querubins, os tronos.


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REDONDILHAS
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AO NASCIMENTO DE CRISTO

Meu Jesus, meu pequenino
quero-vos falar de chança,
como brinco de criança,
como jogo de menino.

Este favor conhecendo
estou vossa carne olhando,
tão própria que está gritando,
tão bela que está nascendo.

Com vossa mãe virgem bela
igualmente estais ornado,
vós vos vestis de encarnado,
ela carne de donzela.

Sempre teve o mundo falhas
e por esse desprimor
como é tão mau pagador
vos pagou o mundo em palha.

Sois cordeiro e por melhores
companheiros não se estranhem
que os brutos vos acompanhem
e que vos busquem pastores.

Vosso amor verdades lavra
no que foi profetizado,
porque sois verbo humanado
e sois homem de palavra.

Teme nosso desvario,
que estais conosco enfadado,
porque estais mui retirado,
porque vos vejo mui frio.

Com felicíssimo agouro
(Bem que Dezembro o não sente)
entre o boi que está presente
vejo ao Sol estar no Touro.

Entre o Sidéreo farol
os Anjos com muita fé
entoam do Rei o Ré,
e cantam do Sol, o Sol.

Quando como aos mais humanos,
estais de panos coberto,
vos pôs o mundo em aperto
e vos deu o mundo uns panos.

Neste retiro previsto
de Belém considerei,
que sendo filho de um Rei,
vos vejo um pobre de Cristo.

 

À RESSURREIÇÃO DE CRISTO

Sai do sepulcro vil
tendo o corpo imperceptível,
por claro, por impassível
por ágil e por sutil:

Do cárcere do profundo
sai José singular
não para o Egito salvar,
mas para salvar o mundo.

Sai Mardoqueu sagrado
que o cruel Amã vencestes,
e no madeiro o pusestes
que vos teve aparelhado.

Sai Jonas venturoso
do longo mar de agonias:
ele glorioso aos três dias,
vós aos três dias, glorioso.

Tivestes nesse conflito
de Daniel as ações,
ele invicto dos Leões,
vós dos Demônios invicto.

Sai Moisés porque só
com vida podeis sair
para depois destruir
o poder de Faraó.

Visitais a mãe sagrada
que em volta com triste
véu parece nublado céu,
parece lua eclipsada.

Sinais das chagas deixais
como Capitão valente,
porque as chagas igualmente
são da peleja sinais.

Muito se alegra minha alma
pois vos vejo meu Jesus,
não entre os ladrões em cruz,
mas entre os Anjos com Palma.

Se ela assim vos vê, se excita,
que aprendendo esse favor,
se crucifica na dor,
e na graça ressuscita.

Tendes do prêmio os alentos
que é coisa justa e notória,
que mereça tanta glória
quem sofreu tantos tormentos.

Desceis ao limbo: a meu ver
nos quisestes ensinar
que para vos exaltar,
quereis primeiro descer.

Se na terra entrais, se encerra
que vosso trabalho é muito,
pois para colher o fruto,
quisestes entrar na terra.



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OUTRAS
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À ASCENSÃO

Meu Deus, desejara ter-vos,
e tanta ausência estorvar-vos,
vede, que morro de amar-vos,
olhai, que vivo de ver-vos.

Vós ausentai-vos? mas não:
que era para mim desdouro:
porque se sois meu tesouro
em vós tenho o coração.

Mas se vosso amor me deixa
ouvi-me, Senhor, atento,
que as vozes do sentimento
são desafogos da queixa.

Se vos quereis apartar
meu coração saudoso
bate as asas de amoroso,
e quer convosco voar.

Se em uma pedra deixais,
vossos sinais por fineza
sou também pedra em dureza
ponde em mim vossos sinais.

Ide-vos, meu doce empenho!
fico pobre, cego e mudo,
se vos logro, tenho tudo,
se me faltais, nada tenho.

Essa nuvem que a meus tiros
se opõe rigorosamente,
abrasem-na o fogo ardente,
que vos lançam meus suspiros.

O coração me feris
com esse nublado véu,
e se partis para o céu
o coração me partis.

E partido significa
que comigo sempre estais,
que a parte me levais
comigo outra parte fica.

Mas parece cruel erro
e não piedade amorosa,
ir para a pátria ditosa,
e deixar-me no desterro!

Porém acertado é,
que vos ausenteis, Senhor,
por que afine meu amor,
e só vos ame por fé.

E se somos verdadeiros
herdeiros dessa esperança,
tomais posse dessa herança
em nome dos mais herdeiros.

Cesse a penosa memória
subi já, nesse horizonte,
não para o Calvário Monte
mas para o Monte da Glória.

Suba, Senhor compassivo,
que do Inferno tendo as palmas
levais entre tantas almas
o Cativeiro cativo.

E pois vencestes a guerra
entrai no Reino brilhante,
como Capitão triunfante
do Demônio, Carne e terra.

Na porta dos céus entrai
sem dificuldade alga;
para vos abrirem uma
cinco portas lhes mostrai.

 

PECADOR ARREPENDIDO A CRISTO CRUCIFICADO

Meu Deus, meu Rei, meu Senhor,
quando estais crucificado,
docemente estais cravado,
mais que de cravos, de amor.

Esses cravos que instrumentos
são da vossa paixão pia,
fazem suave harmonia
na música dos tormentos.

Com beleza e sem alinhos coroastes,
sempre belas à Igreja,
de doze estrelas a vós,
de muitos espinhos.

Na Cruz liberal estais
porque quando me quereis,
vossos braços estendeis
rotas vossas mãos mostrais.

Se vejo o sangue preciso
das mãos e pés venerados
são quatro rios sagrados
desse melhor Paraíso.

Quando os pecados altero
a mim mesmo me persigo
pois temo agora o castigo
de quem o remédio espero.

Se a morte temo por forte
mais me deve dar cuidado
a morte atroz do pecado
qual da frágil vida a morte.

Eu vivia e recebia
do pecado a vil oferta?
se o pecado é morte certa
como pecando vivia?

Se de padecer me esqueço
para meus vícios vencer,
quem me dera padecer
tudo quando não padeço.

Ah Senhor para gozar-vos
quem de tudo se esquecera?
oh quem de amar-vos vivera!
oh quem morrera de amar-vos!

Quando trato de ofender-vos
com agravo repetido sinto
ver-vos ofendido,
e mais sentirei não ver-vos.

Se sois luz esclarecida
se sois vida, meu Jesus,
como cego, busco a luz
como morto, busco a vida.

Meu Deus, nada dar-vos posso
e se vos venho a faltar
sinto não ter que vos dar,
porque quanto tenho, é vosso.

Porém para meu intento
por querer lisonjear-vos,
para alguma coisa dar-vos
vos dou este sentimento.

Quando a minha alma, Senhor,
hoje em querer-vos se ordena
não é por amor da Pena
é somente por amor.

Tanto na minha memória
vos amo, que antes me alento
convosco estar em tormento
que sem vós estar na glória.

Oh se vos amara tanto
que vertera equivalentes
se vós do sangue as correntes
eu as correntes do pranto.

E quando as vejo vertidas
lavais, para amparo nosso
nos rios do sangue vosso,
as manchas de nossas vidas.

E nesse ocidente estais
qual sol posto entre fulgores
ele de purpúreas cores
vós de purpúreos sinais.

Cinco portas excelentes
abris nas chagas ditosas
para as almas gloriosas
das cinco virgens prudentes.

Se estais nessa cruz cravado,
exaltado; eu me convido,
que hei de ser a vós trazido,
pois já vos vejo exaltado.

Em levantado horizonte
como cidade eminente
vos puseram justamente
patente a todos, no Monte.

Sois jardim de adorações
pois tendes obsequiosos
entre cravos amorosos
Angélicas submissões.

Todo nu, todo querido
quereis ter com todos trato;
mais que despido de ornato,
de todo o rigor, despido.

Essa árvore, que no amparo
de nossas almas se afina,
se outra foi nossa ruína
esta foi nosso reparo.

Oh que diferente há sido
de ambos o fruto gerado,
que naquela foi vedado
mas nesta foi concedido.

O Peito tendes aberto
porque em vosso amor constante,
quereis mostrar como amante
o coração descoberto.

Que sois com maior fineza
sacerdote e sacrifício

Já meu receio sôfrega
já dos céus pretendo a luz,
se amor vos prega na Cruz
dos céus a porta desprega.

 

A SÃO JOÃO EVANGELISTA

João buscastes um meio
para ser de Cristo amado,
pois no peito reclinado
fostes homem de seu seio.

Sois um Divino ladrão
meu santo, pois satisfeito
pela janela do peito,
lhe roubaste o coração.

Mas se este roubo se afina
com vossa fé sublimada,
como sois Águia sagrada
fostes Ave de Rapina.

Fostes da verdade espelho
para nos dar claridade,
e sempre falais verdade
pelo sagrado Evangelho.

Um inimigo de Cristo
virá contra vós, que o temo
tão infame, como o Demo,
tão mau, como um Anticristo.

Por vós a coisa prevista
por força há de suceder,
que além de Profeta ser,
dais em ser Evangelista.

A vós com voos divinos
sinal grande apareceu,
como Astrólogo do céu
também entendeis de signos.

Ceia Cristo, e quando estreia
com vós o amor singular,
não sei quem vos quis
culpar lá pela bula da Ceia.

Porém sem embargo disto
com que ali vos invejaram,
inda que vos não mataram
fostes a cear com Cristo.

 

A SANTO ANTÔNIO

Com desvelo sobre-humano
dobrais dos céus o caminho,
que além de ser Agostinho,
quisestes ser Franciscano.

Com mais altas esperanças
o contraponto mais fino,
na solfa do amor Divino
quisestes fazer mudanças.

Entoastes as verdades
por compassos da afeição
com Máxima discrição
e com Mínima humildade.

Pretendeu o mundo em vão
vencer-vos, e na porfia
pondo-vos em cerco um dia
vos botou logo um cordão.

Quando o burel estimastes
na carreira do cuidado
com Francisco emparelhado
dizem lá, que encordoastes.

Todos veneram absortos
vossos milagres, porém
sem dizer mal de ninguém
desenterráveis os mortos.

Até convosco não falha
uma Besta em seu abrigo
porque vendo o melhor trigo
desprezou a Besta a palha.

Contra hereges inflamado
vosso amoroso desvelo,
se sois de hereges Martelo
sois de amor amartelado.

Inda que ao Demo lhe pese
aos treze dias vos dão
obséquios; por ser varão
que sempre está nos seus treze.

Qual ouro fino sem fez
sendo de todos tratado
nunca fostes enjeitado,
que sois alfim Português.

Tendes a língua incorrupta
e com graça celestial,
língua, que tem tanto
sal não podia ser corrupta.

Se me vejo em meus sentidos
perdido, quero buscar-vos
e não podeis admirar-vos
que sois santo dos perdidos.

 

A SÃO JOÃO DA CRUZ, CARMELITA DESCALÇO

Meu João, sois muito amado,
sois afável com o extremo,
porém, quando orais,
vos temo que sois muito arrebatado.

E para mais estranhar
os voos, que pretendeis,
dizem todos, que fazeis
as vossas coisas no ar.

E dirão, que estando assim
vosso espírito enlevado,
que não é mui reportado
e que está fora de si.

Com partes da perfeição
estudando com fervor dava
as partes vosso amor,
por fazer certa a oração.

Não sei que briga ou desvelo
com vós teve o mundo errado,
pois creio que de enfadado
vos deu o mundo um Capelo.

Na Religião sagrada
fazendo da Cruz bordão,
fostes por caminho chão,
e deixastes a calçada.

Mas se vossa ação realço
e nela bem considero temo,
que o Demônio fero,
vos há de apanhar descalço.

Qual Filósofo extremado buscais na Religião
o estado da solidão
por ser o primeiro estado.

Nos conventos nunca vário
o Calvário vos conduz;
como sois João da Cruz,
amastes muito o Calvário.


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ROMANCES
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AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Para que tanto rebuço
para que tanto disfarce?
que se a pão sabe essa mesa
que sois meu Deus, já se sabe.

Entre acidentes, que vejo
na pequena quantidade
tendes esses acidentes
sentindo a febre de amante.

Bem que sois Juiz mui reto
creio que o rigor se abrande,
que para seres piedoso
sois também de carne e sangue.

Se sois Deus por pão dos homens,
como pobre e miserável
pão por Deus quero pedir-vos
para poder sustentar-me.

Que regalada iguaria,
tão esquisita e suave!
ou se chame manjar branco
ou papo de Anjos se chame.

Os que vos querem deveras
vos amam com muito exame,
bem que a bocados vos comem,
bem que em fatias vos fazem.

Contra o Demônio inimigo
nesta Igreja militante,
se nos guarda o vosso Corpo
Corpo da guarda o formastes.

Se estais partido, conosco
quis vosso amor concertar-se,
e por isso, a bom concerto,
esse partido aceitastes.

Bem que sois de essência trina,
nos dais, porque nos amastes
de um remédio a quinta essência
para curar nossos males.

Sois nesse Círculo breve
Pontífice mais amante
que muitas graças a todos
só por um Breve outorgastes.

Coberto estais, e conheço
que nesta punição notável
justamente vos cobristes
porque sois Senhor mui grande.

Inda que estejais exposto
sempre oculto vos mostrastes,
e quereis estar oculto,
porque o culto vos não falte.

Dizei-me aqui, que fizestes?
que coisa malfeita obrastes?
porque estar preso em custódia
sem ter culpa, é caso grave.

Vosso corpo está presente
nesta oferta inestimável
que como é mimo das almas
quis por presente ofertar-se.

E se ele é memória vossa
quisestes para lembrar-me
que desse Divino dedo
uma memória ficasse.

Nesta bebida gostosa
que para todos pregastes,
apregoastes bom vinho,
bem que vos deram vinagre.

No Sacramento dissestes umas
palavras notáveis
e falastes do mistério,
se no mistério falastes.

Fazeis novo testamento
e o primeiro revogastes,
e sendo nuncupativo
sei, que cerrado o deixastes.

 

À ASCENSÃO

Que vos ides vida minha?
ouvi-me Senhor um pouco,
seja corrente meu pranto,
para prender vossos voos:

Se sois neste mundo triste
minha luz, e meu esposo,
sem vós já não logro o dia,
sem vós fico já de nojo.

Deixais-me com tanta pena
para subires glorioso?
não queirais ter tanta glória
à custa de meu desgosto.

Parai, não vos vades, não,
de vós mesmo, sois estorvo,
porque dizem, que sois pedra
para subir pressuroso.

Levais-me a vida roubada
e me fugis rigoroso?
olhai que posso queixar-me
que me fizestes um roubo.

Se sois tesouro das almas
sinto um roubo tão notório
que roubada vossa vista
me roubastes um tesouro.

Façamos pois um concerto
se vos ides desse modo,
mandai-me ver nesta ausência
pelo Espírito amoroso.

Assim o creio, também
por vosso interesse próprio,
porque são delícias vossas
habitar sempre conosco.

Ide pois para esse Empíreo
para que eu reine convosco
que não é menos que um Reino,
o que prometeis a todos.

Mas já vejo a cruel nuvem
que vos tira de meus olhos,
como cortina que cerra
de tanto Monarca o trono.

A Deus, a Deus, vida minha
que já falar-vos não posso
porque se a vida me falta,
faltar-me a voz é forçoso.

 

À VINDA DO ESPÍRITO SANTO

Vinde, Espírito Divino,
respiração soberana
por que voem nossos rogos
e respirem nossas ânsias.

Como trovão do céu puro
entoastes vossa entrada
que a tempestades de glórias
da graça o trovão não falta.

Partido em línguas ardentes
sobre as cabeças sagradas,
vos sentais, porque de assento
quereis gozar nossas almas.

Hoje trocais docemente
de Babel as arrogâncias,
que se este fez várias línguas
hoje fazeis línguas várias.

E com grande diferença
que naquelas por jactância
ficou a fala confusa
nestas entendida a fala.

Oh que amor! oh que doçura!
oh que fonte de abundâncias!
oh que enchente de favores,
que o campo do peito alaga!

Se no princípio do mundo
nas águas tínheis morada,
sobre os mares de Maria
achastes melhores águas.

Aos Apóstolos fizestes
para a empresa sacrossanta,
de pescadores de redes
da Nau da Igreja Argonautas.

Entre ditosos incêndios
o Cenáculo se abrasa,
como Sinai portentoso
para a melhor lei da graça.

 

A SÃO JOSÉ

Meu José também sentistes
com vossa esposa Divina
por entre rosas de amores
dos ciúmes as espinhas.

Com primorosa fineza
não dando crédito à vista
o que entrava pelos olhos
o coração despedia.

Até que estando entre sonhos
tivestes em tanta lida
alegria verdadeira
bem que sonhada alegria.

Um Anjo vos aparece
que dos ciúmes vos livra
que se sois Anjo em pureza
tendes entre Anjos valia.

Sendo pobre, vos fizeram
da Arca da bela Maria,
depositário abonado
que em vós a pobreza é rica.

Sois pai de Cristo, logrando
do eterno pai simpatias,
ele no céu, vós na terra,
ele por si, vós por dita.

Oh que privilégio honroso!
oh que graça tão subida!
que a quem todos obedecem
a vós próprio obedecia.

Se fugis do fero Herodes
não é medrosa fugida
que quem foge de um Tirano,
mostra maior valentia.

Mas levando a Deus convosco
o caminho se prossiga,
pois tendes a via certa,
pois levais o Pão da vida.

Melhor que José primeiro
o guardais com grande estima:
Vós o guardais para todos ele,
para a gente Egípcia.
 

A SÃO LOURENÇO

Meu Santo, escutai-me um pouco
jocosa há de ser a fala,
que se vos zombais das penas
também vos falo de chança.

Paciência, foi, a mãe vossa,
e com razão igualada fostes
filho da Paciência quando
sofrestes as brasas.

Pelos tesouros da Igreja
vos prende a cega canalha,
e se em ferros vos prendia
cadeias de ouro buscava.

E quando o tesouro rico
o mau juiz esperava
viu muitos mancos à porta
bem que vossa fé não manca.

Vós então carga fizestes
de pobres, e nesta traça
para rica Nau da Igreja
não pode haver melhor cargo.

Entre açoites cento a cento
convosco o juiz jogava;
era de centos o jogo,
e neste jogo não para.

Continua diligente
o juiz com muita raiva ele
com paixão vos julga,
mas compaixão não mostrava.

E quando em grelhas ardentes
que nelas vos botem, manda,
vos serve o fogo, de afago,
chama vosso amor a chama.

Encruece-se o tirano,
e quando vos vê, se agasta,
se ele, tem o peito cru,
vós tendes a carne assada.

Vós constante no martírio
ele convosco se enfada,
vós lhe queimáveis o sangue
ele o corpo vos queimava.

Vós entre o fogo, entre o ferro,
alcançando ilustre palma,
a ferro e fogo pusestes
todo o campo da batalha.

A gentilidade cega
que neste tirano acaba,
foi justo tocar o fogo
pois vê que toda se abrasa.

Porém por maior triunfo
ela mesmo vos aclama
porque ela vos faz a festa,
e vos põe as luminárias.

 

À CONSIDERAÇÃO DA MORTE

Entre soluços pausados
entre mortais paroxismos,
entre mal distintas vozes,
entre horrores bem distintos.

Espero cada momento
que se rompa o laço vivo,
que para a vida foi laço,
e soltura nos delitos.

Oh quanto me assombra!
oh quanto de perder o ser que animo!
e se de não ser me assombro,
mais me assombro de haver sido!

Oh quanto melhor me fora
ao tempo de haver nascido
que fosse mortal sepulcro
o mesmo berço nativo.

Saí como flor ao mundo
mas em tantos precipícios
que importa ser flor galharda
se a murcha da morte o estio?

Não me deu o ser que tenho
(bem que em soberbas me irrito)
nem a água por transparente
nem o fogo por altivo.

Como mais vil elemento
a terra me deu princípio
para conhecer-me baixo,
para humilhar-me abatido.

Grande vantagem me levam
os corpos vegetativos,
pois criam frutos mimosos
pois exalam cheiros ricos.

Mas eu animal grosseiro
cegamente presumido
broto imundícias infames
sórdidos humores crio.

Que importa ser Rei supremo
das leis do mundo eximido,
se à lei da morte é sujeito
a paga o feudo preciso?

Se para guarda o cercavam
tantas lanças, tantos tiros
o cercam dores da morte,
e são lanças os gemidos.

Que aproveitam bens do mundo
se experimenta agora o rico
mais a mágoa de deixá-los,
que o gosto de possuí-los!

Da riqueza todo o peso
lhe dá pesar dolorido,
todo o fausto da grandeza
se torna infausto consigo.

Até na morte funesta
se mostra desvanecido,
sem ver que a fúnebre pompa
é roupa de seu ludibrio.

Que aproveita à formosura
tanto asseio, tanto alinho,
se é seu castigo uma campa
quando campa em seus delírios?

É todo o garbo formoso
é todo o belo capricho,
cristal aos longes da morte,
aos pertos da morte, vidro.

Se cada dia se morre,
como estranho em meu sentido
que esteja comigo a morte,
se a trago sempre comigo?

Oh quem na vida pudera
morrer, muitas vezes, digo!
para não usar dos olhos,
para cerrar os ouvidos.

Oh que grande diferença
há na morte, Deus benigno!
a dos santos, preciosa,
e péssima a dos precitos.

Já chega esta barca ao Porto
da vida tempo prefixo,
por sinal que a terra toma
quando da terra há partido.

Se nos olhos pondo a terra
curais ao cego mendigo,
ponde-a também em meus olhos
não serei cego em meus vícios.

De uma mortalha adornado
será meu corpo maligno:
oh se fora puro e casto,
como o mostra no vestido!

Lições funerais se entoam
para que aprendam os vivos
a questão dificultosa
do desengano entendido.

Já não sou nobre da terra
porque na terra metido,
sou da podridão parente,
sou da geração dos bichos.

Animais foram sustento
de meu corpo, e vingativos
verão, que será meu corpo
de animais sustento digno.

Finalmente a vida acaba
e acabando este perigo
outro perigo me assombra
que vem a ser o Juízo.

 

À CONSIDERAÇÃO DO JUÍZO

Oh que juízo terrível
depois da morte contemplo!
onde a piedade não obra,
onde o Juiz é severo.

Se aos mortos as obras seguem,
nas péssimas obras levo
para execução da pena algozes
contra mim mesmo.

Se o justo apenas se salva,
que espera em tantos extremos
um pecador obstinado!
um delinquente perverso!

Neste tremendo juízo
se viram para escarmento
Jerônimo castigado!
e Bernardo estremecendo!

Se as estrelas não são limpas
diante de Deus; que espero
sendo podridão de culpas!
sendo imundícia de excessos!

Não basta para salvar-me
crer somente; antes sou néscio,
que a fé sem obras é morta,
porque dão alma, ao que creio.

Se ouço somente a palavra,
e não obro; então mais peco
porque quando prevarico,
escandalizo o preceito.

Sentenciam-se os delitos
brevemente e sem processos;
o dia da eternidade
se decide em um momento.

Uns condena, outros absolve
sejam grandes, ou pequenos,
e quando igualmente julga
desiguais sentenças temo.

Pelo poder, bem que grande
não se salva o Rei soberbo,
que pelo Reino da terra
se perde dos céus o Reino

Oh que juízo se espera
ao julgador avarento!
porque com pós do suborno
ficarão seus olhos cegos.

E que será dos Prelados
exteriormente perfeitos
que dizimaram os frutos
sem dar frutos seu exemplo.

Que esperam os pregadores
que pregando os Evangelhos,
sendo Mestres das virtudes
são discípulos dos erros.

Oh como será julgado
o rico, que sempre austero
ao nu não vestiu piedoso
e fez gala de avarento.

O sol, com tantos castigos
perderá seu luzimento,
que até quem não fez a culpa
mostra nos castigos medo.

A lua nega seus raios
que nos vícios manifestos,
retira os puros candores
por não ver imundos peitos.

Caem as estrelas do Polo
e logo no mesmo tempo
as estrelas caem no Abismo
e caem as almas no Inferno.

Ali somente se julgam
sem subornos, nem terceiros,
da virtude certa as provas,
da causa, os merecimentos.

Poderás ser condenado
à morte, com perdimento
de bens, não de bens caducos,
porém, sim, de bens eternos.

Oh quem sempre na memória
trouxera contra si mesmo!
deste Momento terrível
o repetido Memento.

E toda a circunferência
da eternidade pondero
reduzir-se a um breve ponto,
como indivisível centro.

Pelos cabelos que amava
Absalão morre suspenso,
assim tens a eterna morte
pelos teus próprios desejos.

E de teus erros a conta
se toma certa, sem erro,
mas quando no fim se ajusta
vens a dever grande resto.

Como não tens com que pagues
com razão te levam preso
ao cárcere dos Precitos
à cadeia dos perversos.

 

À CONSIDERAÇÃO DO INFERNO

Oh que cativeiro horrível
onde não é poderoso
do Sangue Divino o preço
para o remir do Demônio.

Ali com perpétuas penas
bem que contrários notórios
se veem juntas trévoa e luz,
se veem juntos frio e fogo.

Se agora o corpo não pode
sofrer um fogo, por pouco,
como crescidos incêndios
poderá sofrer um corpo?

Oh como é grave um pecado,
pois sendo Deus tão piedoso
dá sempiterno castigo
por um momentâneo gosto!

Ali não serve de alívio
como serve nos desgostos
ter assistentes na mágoa
ter companheiros no choro.

Ali todos os sentidos
terão seu castigo pronto
que como todos pecaram
é bem se castiguem todos.

Se agradavam nesta vida
torpes objetos, aos olhos
verão sórdidas figuras,
verão torpíssimos monstros.

Os ouvidos, que eram surdos
aos bons conselhos devotos
ouvirão fúnebres prantos
e gemidos lastimosos.

O doce olfato, que tinha
todo o cheiro por suborno,
terá de sulfúreo cheiro
desagrado pavoroso.

O gosto que nas viandas
se mostrava apetitoso,
terá de amargosos pratos
intolerável desgosto.

O tato que as mãos buscavam
em lascivos desaforos
terão de brasas ardentes
o tato mais rigoroso.

Mas ah! que em tanto tormento
causará maior assombro
mais do próprio dano a pena,
que da pena o dano próprio.

Que desesperada vida
sempre estar no mesmo opróbrio!
e da mais longa esperança
não ter um leve conforto.

Perde a Deus, e a glória perde
sendo o degredo que noto
não só da Pátria Celeste
como do pai generoso.

Se foi contra um Deus eterno
a culpa, do mesmo modo
é bem que seja o castigo
eternamente penoso.

Nesta Babilônia triste
o povo se vê queixoso
porém desta Babilônia
não há quem resgate o povo.

Ah se do Inferno viesse
um condenado obsequioso!
que experimentado na pena
te desenganara douto!

Porém é muito escusado
este remédio, que imploro
pois ouves a Cristo eterno
que é voz mais certa, que todos.

Mas como me tenho feito
Senhor, contra vós oposto,
e sendo a vós semelhante
fui sempre contrário vosso?

Se bastou um pensamento
de Angélico ilustre coro,
para sepultar no Abismo
espíritos tão formosos!

Que será, tremo de sustos!
que será, de horror me assombro!
por voz, obra e pensamento,
ter sido pecaminoso?

Se o fim é conforme às obras
com justo receio choro
que sendo as obras perversas
será meu fim desditoso.



À CONSIDERAÇÃO DO PARAÍSO

Oh Reino de eterna glória!
onde a mocidade é sempre,
nem envelhece na idade
nem na doença entorpece.

Onde o temor não assusta,
onde o gosto se repete,
onde fenece o trabalho,
onde a vida não fenece.

Ali não se atreve a morte
porque neste Reino alegre
já não vês terra de mortos
porque é terra de viventes.

Aquele Palácio ilustre
de Cortesãos assistentes
sem invejas no que logram
sem lisonjas no que servem.

Aquela Mesa de gostos
que o pão Divino oferece
não por sacramento oculto
senão por corpo evidente.

Aquele Templo, em que os
coros Angélicos, reverentes
dando a Deus Mistério Trino
entoam santo três vezes.

Aquela bela Cidade
em que os Moradores vestem
a gala, que custou muito,
se bem de graça a recebem.

Oh que bem inestimável!
que para gozar-se dele
padeceu Deus morte de homem,
por ter vida de Deus, este.

Aqui pois glorificados
Alma e corpo permanecem
e sendo vil barro o corpo,
se vê cristal transparente.

Todos os cinco sentidos
gozarão de seus prazeres,
como companheiros d’alma
participam seus deleites.

Por um trabalho caduco
prêmio imortal reconheces,
e sempiterno triunfo
por uma batalha breve.

E sendo três as virtudes
a fé já se desconhece,
a caridade só fica,
a esperança se despede.

Se pelas honras mundanas
a fome sofres, e a sede,
e talvez sem elas morres
talvez com elas padeces.

Como soldado de Cristo
trabalha, peleja e vence,
por honras, que são seguras,
e se gozam permanentes.

Se a tentação te permite,
obra Deus, como clemente
porque sofrendo o combate
dele o proveito te segue.

Adverte que nesta vida
se por um homem terrestre
veio a todos o suplício,
por outro, o prêmio consegues.

Fomos dos céus deserdados,
como de herança celeste;
mas agora como a filhos
a mesma herança promete.

Óleo tem da Caridade
se entrar nestas bodas queres
não já como Virgem louca
mas como Virgem prudente.

Tem Deus Anjos que lhe assistem
na Glória, porém pretende,
que os homens entrem na glória
como se anjos não tivesse.

Aquela rica abundância
aquele rio corrente
que nunca está de águas mortas
que é de águas vivas, perene.

Aquele vinho suave
que se dele muito bebes,
não podes perder o siso,
porque antes melhor entendes.

Aquele Divino lume
verás claro o refulgente,
que só no lume da glória
pode aquele lume ver-se.

Ressuscitado teu corpo
vem a ser como a semente,
que para vivificar-se
primeiro há de corromper-se.

Oh que belo Paraíso
que se das maçãs comeres
não temes ali da morte
nem serás expulso dele.

Verás a Deus Alfa e Ômega
porque só de si depende,
e sendo fim ultimado
é princípio independente.

Verás a essência Divina
que Una e Trina se obedece,
e adorando três Pessoas
um Deus adoras somente

Verás nos céus outro céu
vendo a Virgem preeminente,
pois veste o Sol, calça a Lua,
e as estrelas compreende.

Se Deus nos céus se não visse
bastava ditosamente
a glória só de Maria
para o céu glória fazer-se.

Na primeira Jerarquia
verás Serafins ardentes,
que as asas batem voando
para o amor mais encender-se.

Nesta mesma Jerarquia
verás Querubins cientes
em que está de Deus a glória
com que assim só se conhece.

Nessa Jerarquia mesma
verás os Tronos potentes
que sendo Deus Rei do mundo
é bem, que em tronos se assente.

Na segunda sempre ilustres
Dominações aparecem,
as Virtudes poderosas,
as Potestades moventes.

Na terceira os Principados
por Príncipes se engrandecem,
Arcanjos, grandes da Corte,
Anjos, Núncios diligentes.

Nos Apóstolos Divinos
doze em números se adverte
que o muro desta Cidade
se estriba em doze alicerces.

As virgens cuja pureza
tanta estimação merece
que o céu se compara às Virgens
porque este às Virgens se deve.

Música se ouve e se chama
canto novo, justamente,
que da nova Lei da Graça
sacros louvores profere.

Nesta eterna Pátria gozas
o bem Sumo, e finalmente
nela gozas os bens todos
que os bens todos estão nele.

E não pode dar-se mais,
sendo Deus Onipotente,
porque te dá quanto pode,
e tu logras quanto queres.


---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo 2023.

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