LIRA DA MOCIDADE
PRIMEIROS VERSOS
A MEU AVÔ
O SENHOR ANTÔNIO RODRIGUES DE FREITAS
LIRA DA MOCIDADE
Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.
O futuro cor de rosa,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.
Desde o ar que se respira,
Ao céu da cor de safira,
Tudo ri e diz— Amar!
E contemplando a beleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
ELA
O busto escultural e primoroso,
O braço torneado, a linda mão,
O rosto aveludado e tão mimoso
Que da rosa assemelha-se ao botão.
O cabelo dum negro tão lustroso,
A boquinha vermelha, ó perfeição!
O olhar dum fulgor tão radioso,
Que beleza e ternura de expressão!
Ao vê-la devaneio, fico louco,
Creio que o meu amor todo inda é pouco
Lembrei-me, e se deixasse de a adorar?
Pode deixar de amar-se os astros lindos,
Do céu e terra os dons os bens infindos,
A luz doce e tão pura do luar?
O MAR
Gigante irrequieto, imenso mar,
Inspira-me tão funda nostalgia
O teu sonoro e doce murmurar!
Quando ao sol posto a areia luzidia
Tu vens tranquilamente rebeijar
N'alma despertas maga poesia.
O teu esverdeado transparente
Fala-nos meigamente de esperança
A ondular poético, dolente,
Beijado pelas auras da bonança;
Parece-me o brincar puro, inocente,
Inofensivo e meigo da criança!
***
Mas quando agitas o teu seio imenso
No voltear das vagas alterosas
Rugindo com fragor enorme, intenso,
Já não tem expressões harmoniosas
Teu palpitar e nessa hora eu penso
Em coisas bem sinistras, pavorosas.
Ó monstro, no teu seio tens sumido
Vitimas aos milhões, causas terror,
Tens navios, cidades engolido.
Será um coro de vingança e dor
Das vítimas, ó mar, o teu rugido,
Ou do remorso o pávido clamor?
31 DE JANEIRO DE 1891
(Aos Revolucionários do Porto)
Foi há um ano já! Leais, ardentes
Filhos do nosso querido Portugal,
Viva, viva a República! Valentes,
Bradaram em hosana triunfal,
Ao som da Portuguesa revoltados,
Hastearam ao sol nosso pendão,
E pelo Justo Ideal, rudes soldados,
Lutaram sempre até morder o chão!
Os cerbéros fiéis da monarquia
Afogaram, porém, a rebeldia
Em ondas de bom sangue, carniceiros!
E os bravos que lutavam com esperança
Caíram a bradar: Ódio! Vingança!
........................
É tempo já!
Vingar os Companheiros!
O GUERRILHEIRO
(Excerto)
..........................
..........................
Na luta, sim! Na luta! Ela há de ser perigosa,
Tem força o estrangeiro e nós
desamparados,
Na luta, sim, na luta! Antes a morte
honrosa
E contra o invasor todos somos soldados.
Na luta, sim, na luta! A pátria tão querida
Não querem ambições estranhas respeitar;
Não sabem que para nós ela é santa
guarida
Onde temos família, a mãe, a esposa, o
lar!
A pátria! O berço querido aonde nós brincamos,
As doces ilusões, formoso éden de
amores,
O prado onde corremos, onde balbuciamos,
Onde tudo são risos, onde tudo são
flores.
Imaginar alguém que pode impunemente
Roubar, acometer a nossa boa terra!
À luta havemos de ir desassombradamente,
E por todos os meios lhe faremos a
guerra!
À luta! Hão de correr os rudes camponeses,
À luta! Hão de chegar os destros
marinheiros,
À luta! Hão de acudir todos os
portugueses,
À luta! Havemos de ir contra esses estrangeiros!
Os rios, a montanha, as selvas, o arvoredo,
As pedras da calçada, os vagalhões do
mar,
O solo, o próprio solo! A voz do
fraguedo,
Tudo isso contra eles se há de levantar.
À luta! Há de ecoar num gigantesco brado
Da extensa planície ao recôndito vale,
O povo há de acudir. Um homem um
soldado,
Um soldado um herói para salvar
Portugal!
PORQUE TE AMO
Amo-te porque és tão linda
Como é linda a luz do sol,
Tens o frescor da alvorada,
Tens a cor afogueada
Como os tons dum arrebol.
Amo-te porque és tão bela
Como é bela a flor mimosa
Que viceja num jardim,
A açucena ou o jasmim,
O lírio, o cravo, uma rosa.
Amo-te porque fascinas
Com esse olhar fulgurante
Que asseteia os corações,
Desses olhos dois carvões,
A graça do teu semblante.
Amo-te porque és bonita
Com esse preto cabelo,
Em anéis fulvos, sedosos,
Cobrindo os ombros formosos
Fulgurante, crespo, belo.
Amo-te enfim porque és meiga
Qual pomba que arrulha mansa,
Porque és boa e carinhosa,
E esta alma angustiosa
Precisa de amor, criança.
Precisa de amor! Não sabes
Que é lutar o viver?
O homem sofre amarguras
Por isso busca ternuras
No seio duma mulher.
A SAUDADE
Era de tarde ao pôr do sol, a brisa
Vinha fagueira a remexer as flores,
Iam velozes sobre a fronte lisa
Do Tejo de ouro de ideais amores,
Ligeiros barcos, avezinhas mansas.
Desferidos em harpas geniais,
Por virgens de olhar meigo e loiras
tranças,
Vinham trenos sublimes, ideais.
O mundo todo pleno de harmonia.
Eu, só, fitava a solidão do mar
Dominado de ideal melancolia.
E que buscava então na imensidade?
É que me vinha fundo cruciar
O acerado espinho da saudade!
ESPERANÇA
Fitei o teu retrato tristemente
Cansado do trabalho, sem alento,
O espírito meu nesse momento
Sofria acerbamente, amargamente.
Contemplei-o e dei-lhe um beijo ardente
Para desafogar o sofrimento,
Pareceu-me que sorrias, pensamento
Que me passou no cérebro latente.
E fui abandonado pela tristeza,
Recobrei para a luta mais vigor
Trabalharei tenaz e com firmeza.
Vou-me tornar estoico contra a dor.
Eu vi nesse sorrir de tal beleza
A firme esperança dum eterno amor!
À MEMÓRIA DE ALFREDO LOPES
Viver! O que é viver! Arrastar a existência
No vasto labirinto onde só reina a dor;
Num pouco de matéria é guia a consciência
Quase a perder-se a força, a faltar o
valor.
Morrer! Passar além! Da luta repousar,
Deixar por uma vez do mundo as agonias;
Descer à terra mãe, os lírios fecundar,
Servir de refeição aos vermes nas
orgias.
Mas coisa alguma nasce e coisa alguma morre.
Transforma-se a matéria em mil
combinações:
Seiva, no vegetal as hastes lhe
percorre;
Sangue, faz palpitar os nossos corações.
Tu então não morreste; apenas desta lida
Imensa, em que mostraste o fulgido
talento,
Descansas. No teu corpo há ainda essa
vida
Que palpita da terra ao próprio
firmamento.
A vida da matéria. Então belas, formosas,
Por cima dessa campa onde agora
repousas,
Hão de brotar de ti as lindas flores
viçosas
Na vaga poesia harmônica das coisas.
Rosas a recordar teu risonho futuro,
A tua juventude os cravos em botão,
O martírio o finar na dor tão prematuro,
O cipreste a lembrar teu grande coração!
A REVOLUÇÃO
Campeia a tirania, esmaga, oprime,
E da vontade o déspota faz lei,
Do povo a justa voz cala, reprime,
Ou ditador, ou presidente, ou rei.
Calca aos pés os direitos mais sagrados
E trucida os que querem reagir,
Apoiam-no as baionetas dos soldados
Não teme pois da plebe o rebramir.
Mas de repente os ódios comprimidos
Estalam sanguinosos, em rugidos,
Irrompem como a lava do vulcão,
Fazem voar o trono em estilhaços,
A liberdade impõe com rudes braços,
É a tua grande obra — Revolução.
ASPIRAÇÕES
Oh! Quem me dera beijar-te
A tua face rosada,
Esses lábios de carmim.
Oh! Quem pudesse abraçar-te
E gozar, ó gentil fada,
Carícias ternas, sem fim.
Quem pudesse contra o seio
Estreitar-te e essa boquinha
Sorvê-la num beijo quente,
E sentir-te em devaneio
Palpitar, gozar, louquinha,
Carícias de amor ardente.
Desprezando os preconceitos
Selemos com esse amor
Potente da nossa idade,
Estreitando os nossos peitos,
Em plena vida de amor,
Mil juras de felicidade!
Que dizes, linda, pois coras?
Antegozas as delícias?
Suspiras rubra de pejo?
Ou na tua mente enfloras
Esses milhões de carícias
O amoroso dum beijo?
Pois bem, gozemos, meu anjo,
E sejamos sempre queridos
Um do outro, minha flor,
E das delícias o arcanjo
Venha achar nos sempre unidos
Gozando do nosso amor!
OS CREPES DE CAMÕES
Portugal jaz por terra! Esta pátria querida
Dos fortes, dos heróis, dos rudes
marinheiros,
Esta nação valente, homérica, aguerrida
Que soube rechaçar outrora os
estrangeiros,
Jaz por terra abatida! A bandeira de glória
Que fulgurou ovante ao sol de cem
combates
E sempre há de brilhar, aqui, em toda a
história
Que foi desde o Brasil às regiões do
Gates.
Hoje roja-se no pó! De tudo o que tivemos
De brio, heroicidade, altivez e coragem
Nada nos resta já! Parece que viemos
Perdendo tudo, tudo, em fúnebre viagem!
A própria honra se foi! Um insulto cruel
Fez agitar um dia o lodaçal enorme,
Houve gritos de raiva, amarguras de fel
Mas já tudo passou! E o povo dorme...
dorme!
O derradeiro arranco! Ao pobre moribundo
Não resta de esperança um lampejo fugaz,
Hoje existe somente a mostrar-nos ao
mundo
Um sepulcro marmóreo, um fúnebre aqui
jaz.
Sintetizou outrora um esperançoso ideal
Em honra do cantor das nossas tradições,
Hoje existe de pé por sobre o tremedal
Um símbolo de morte:
O luto de Camões!
A BORDO
Vamos no alto mar, a noite lentamente
Encobre pouco a pouco a abobada celeste;
Há pálidos clarões das bandas do
ocidente
E sopra uma rajada aguda de Nordeste.
Corre a todo o vapor, com ímpeto potente
O navio rasgando a superfície agreste
Do gigantesco oceano. As ondas
febrilmente
Tem o tom verde-negro e triste do
cipreste.
Só vemos céu e mar, o horizonte enorme,
Cercados pelo gigante imenso que não
dorme
No monótono circo é plena a solidão.
Nessa tremenda luta o pensamento humano
Mostra pujantemente, ao dominar o
oceano,
Um cérebro o que vale! o que é um
coração!
ROSA EM BOTÃO
(A. E. S.)
Que lindo botão de rosa,
Oh! como é bela esta flor,
E tens inda mais valor
Por seres oferta amorosa.
Gentil, risonha e mimosa
Elvira imitas na cor;
Ela é pura como a flor
E tu como ela és formosa.
Mas, apesar da parecença,
Sempre existe uma diferença
Em que te distinguis dela;
É que a rosa tem espinhos,
Elvira ternos carinhos,
Que a tornam inda mais bela.
TEMPESTADE E BONANÇA
Soprava rijamente o vento Norte
E caía um terrível aguaceiro;
Enorme escuridão, lembrava a morte...
Mas não descria o rude marinheiro!
Rugia o mar e ao sofrer o corte
Da proa revoltava-se altaneiro,
Varria o tombadilho. Sempre forte
Ia o vapor correndo audaz, ligeiro.
Ecoava o trovão. Mas de repente
Ao vendaval sucede-se a bonança,
O nevoeiro esvai-se lentamente,
A chuva para, o oceano amansa;
O sol mostra seu disco reluzente,
Nos rostos pairam os sorrires de
esperança.
AS ESTRELAS
Da minha alegre janela
Vejo uma nesga do céu;
É noite serena, bela,
Espaireço o olhar meu,
A contemplar as estrelas
Que cintilam diamantinas,
Recorda-me sempre ao vê-las
Tuas graças peregrinas.
Que queres, pois se te não vejo,
Como outrora, na varanda
Trocando frases amantes?
Por isso mando-te um beijo
Na brisa suave, branda,
Fitando os astros brilhantes.
CEMITÉRIO
No cemitério alvejam mausoléus
De pedras rendilhadas e custosas;
Elegantes, guindados coruchéus;
Epitáfios, legendas caprichosas.
Ali jazem os ricos. Nas pomposas
Inscrições se vai ler os nomes seus.
Em outras campas só se veem rosas,
Goivos, martírios, contemplando os céus.
A jazida dos pobres. Trabalhando
Morreram e ali estão alimentando
A terra onde essas flores se vão nutrir.
Enquanto os outros distraídos, fúteis,
Viveram ociosos, sempre inúteis,
E nem sequer de estrume vão servir!
A PROSTITUTA
A rua é miserável, suja, estreita,
Como um terrível antro criminoso,
E duma porta a prostituta espreita
O transeunte lubrico, cioso.
É repelente, quanto mais enfeita
O cabelo postiço e untuoso.
Teve ilusões, quem sabe, hoje desfeita,
A graça desse rosto alvar oleoso,
Veio cair naquele lodaçal
Onde se espoja torpe, embriagada,
Até ir decompor-se no hospital
Se o amante que tem a desgraçada
Não lhe der caridoso, bestial,
O descanso para sempre à navalhada.
AMOROSO
Eu amo-te, amo-te tanto
Talvez não saibas o quanto
Meu coração fazes pulsar;
Talvez não saibas, ó linda,
Como a tua graça infinda
Me faz viver para amar.
Amo-te a face formosa,
Amo-te a boca de rosa,
Amo-te o negro cabelo,
Amo-te o gesto mavioso,
O sorrir casto e bondoso,
O olhar gracioso e belo.
Adoro-te a singeleza
Que é engaste da beleza,
Amo-te o lindo rubor
Com que te purpurizaste,
Quando tremula escutaste
As juras do nosso amor.
Encontrei-te, o meu coração
Satisfez a aspiração
E tenho um novo viver.
Acho mais belos os prados,
Os tons do sol mais dourados,
Em tudo o amor julgo ver.
Oh! se o teu amor assim
For tão ardente por mim,
Não haverá nada igual
À pura felicidade
Dos dias da mocidade,
Ao meu risonho ideal.
A CARIDADE
I
Caridade, quem és! Quem te inventou?
Para que serves, quais os meios teus,
A tua agência, assim, quem ta arranjou,
Para que vens falar-nos sempre em Deus!
Em Deus! Quando o universo ele criou
Legou a alguém riquezas ou troféus!
Quais foram os brasões, que bens doou?
Venderia indulgências lá dos céus?
Mentes, que nunca fez separações,
Nem fez a fome nem as privações,
O mundo concedeu à humanidade.
Mas como é que há então ricos e pobres?
Como é que existem os plebeus e os
nobres?
Que significas pois, ó caridade?
II
Rebanhos a pastarem nas campinas,
As aves a cruzarem-se no ar,
O serpear das águas argentinas,
Os frutos a dourarem no pomar;
A pureza das auras matutinas,
Os dias que o bom sol nos vem dourar,
As flores acetinadas, purpurinas,
As poéticas noites de luar;
Os campos no sorrir da primavera,
A selva, as fragas onde vive a fera,
O universo em toda a imensidade,
Nunca foi concedido por herança.
Era para humanidade a esperança
De um dia conquistar a felicidade.
III
Os maus, porém, puderam com presteza
Empolgar o que a todos pertencia.
O sangue era direito a uns — Nobreza —
E aos de hoje o dinheiro — A burguesia —
E foi assim que os bens da natureza,
Que o criador a todos concedia,
Se viram disputados com fereza,
Se viram empolgar com ousadia.
E apareceu a fome. Então aos pobres
Os ricos atirando com uns cobres
Inventaram um Deus de caridade.
Mas haverem lutar, embora custe,
Depor de todo a Caridade-embuste.
Hastear a bandeira da Igualdade!
AS REVOLUÇÕES
(Excerto)
... Um de nós que cair
Das entranhas da terra há de fazer
surgir
Milhares de vingadores prontos a
combater.
Pela causa da pátria a quem custa
morrer?
O sangue vai regar a árvore bendita
Da santa liberdade! O fogo que crepita
Aldeias a queimar, cidades e castelos,
A forca gemebunda, os gumes dos cutelos,
As algemas de ferro, as fortes legiões,
A chuva da metralha, a boca dos canhões,
Sacrifícios cruéis, o jugo do tirano,
Esmagando o direito, o pensamento
humano,
Isso tudo o que vale! Conseguirá deter
O carro do Progresso?...
... Tu lembras-te de ver
O mar quando revolto agita o dorso
hirsuto,
Num palpitar gigante, ameaçador e bruto
O que faz ao navio, o mais forte que
seja?
Sabes a vaga enorme que ele altivo
dardeja,
Como destrói as naus mais ricas e
possantes,
As frotas que sepulta numerosas,
gigantes,
Como galga furioso anteparos muralhas.
Ele joga os rochedos como se fossem
palhas,
E vai cavando sempre e sempre
transformado
A miséria, a ruína, o lodo sepultando?
Detenham-no vão pôr-lhe um dique, uma
corrente
Para que não avance, obstáculo potente,
Ele deve temer os fortes paredões.
Galga tudo porém!...
... Assim as revoluções
Por sobre a sociedade avançam triunfais
Entre os hinos de amor e fúrias de
chacais,
Entre rios de sangue e tremedais de lama
Hasteando por fim libertadora flama
Os povos redimindo!...
EM VIAGEM
Noite de lua cheia, pura brisa
Agita caprichosamente o mar
Onde o navio rápido desliza,
Dentro da superfície circular
Formada pelas águas buliçosas
Que a abobada celeste vem tapar.
As nuvens, em manadas caprichosas,
O vapor desafiam na carreira,
Passando em turbilhões vertiginosas.
Defendendo o navio, precavida,
As águas vai tingir de rubra cor,
A lanterna vermelha, suspendida,
E faz correr do flanco do vapor
Um jacto cor de sangue, qual baleia,
Ferida pela mão do trancador.
A proa corta a vaga que volteia.
Há um arfar gigânteo, convulsivo,
Dum imenso coração que bate e anseia.
E daquele organismo, forte, vivo,
Saem soluços de estridor medonho,
Saem rugidos dum toar altivo.
Esse gigante que se ri do oceano
É criação, quase milagre, sonho,
Doutro gigante, o pensamento humano!
LIRISMO
Quisera possuir a lira harmoniosa
Dos vates geniais, dos reis da poesia
De Camões ou do Tasso, o Dante ou
Címaros
A bela inspiração a doce melodia.
Para te descrever em rima caprichosa
O meu amor sem fim, ir com a moda
queria,
Dedicar-te um poema e chamar-te formosa
Tratar-te por Marilia em
vez do teu Maria.
Mas os versos por mais que faça vão errados,
Não soam nunca bem e fogem à medida,
E por isso não quero estar com mais
cuidados.
Gosto muito de ti, bem o sabes querida.
Mas não posso imitar os outros namorados
Piegas que em idílio arrastam toda a vida.
MINIATURA
O céu puro e sereno,
O mar auri-fulgente,
O ar tépido, ameno,
O campo sorridente,
A rama do arvoredo,
A frança dos salgueiros,
A voz do fraguedo,
Que límpidos ribeiros!
Ao fundo entre a folhagem
Beijada pela aragem
Risonha reclinada
Estavas tu, Elvira.
Eu empunhando a lira
Cantei a minha amada.
DESCRENÇA
Trabalho. E cada dia que decorre
Vem trazer-me maior desilusão.
É mais uma esperança que me morre,
É mais um fundo golpe ao coração.
E acreditava, louco, no direito!
E cria, visionário, na honradez!
Inda abrigava puras no meu peito
Ilusões que este pântano desfez!
A ganancia, a ambição, a intriga vil,
Como sapos e rãs num lodaçal,
Asquerosos, vão tudo macular.
Vence o ladrão, o néscio, o imbecil
Oh! Quem tivesse o rir de Juvenal,
Um raio para orgia fulminar!
LUAR
Como é linda esta noite de luar!
Nos raios de fulgor fosforescente
Vejo recordações do teu olhar!
Fico então a cismar. Mas de repente
Uma nuvem pesada, vagarosa,
Lembra-me de que estás saudosamente
Tanto longe de mim! E pesarosa
Fica minha alma a contemplar o céu
Enamorada, crente e desditosa.
E contudo diviso um sorrir teu
No puro azul destrelas cintilante
Onde vagueia o pensamento meu!
Tudo consola um coração amante.
A crença de que estás também fitando
O lindo céu de mundos fulgurante,
O nosso puro amor idealizando,
Isso me basta ao coração amante,
E me vai a saudade mitigando!
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo 2023.
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