AUTORRETRATO
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, médio na altura,
Triste de cara, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno.
Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento.
Inimigo de hipócritas, e frades.
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.
PRIMEIRA PARTE
SONETOS
SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO
Esse disforme, e rígido porás
Do rosto me faz perder a cor;
E assombrado de espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás;
A espada do membrudo Ferrabrás
Decerto não metia mais horror;
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.
Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações;
De Vênus não desfrutas o prazer;
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É piça de mostrar, não de foder.
SONETO (DES)PEJADO
Num capote embrulhado, ao pé de Armia,
Que tinha perto a mãe o chá fazendo,
Na linda mão lhe foi (oh céus) metendo
O meu caralho, que de amor fervia;
Entre o susto, entre o pudor, a moça ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a mão crescendo
A chamada sacana lhe fazia;
Começa a vir-se a menina... Ah! Que vergonha!
"Que tens?" — diz-lhe a mãe sobressaltada;
Não pôde ela encobrir na mão langonha;
Sufocada ficou, a mãe corada;
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite começou à bofetada.
SONETO DE TODAS AS PUTAS
Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado;
Dido foi puta, e puta de um soldado;
Cleópatra por puta alcançou a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado: (cona)
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil piças expirou vaidosa;
Todas no mundo dão a sua greta;
Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgem e honra é tudo peta.
SONETO DE TODOS OS CORNOS
Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corníssimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos têm reinado.
Siceu foi corno, e corno de um soldado;
Marco Antônio por corno perdeu coroa;
Anfitrião com toda a sua proa
Na fábula não passa por honrado;
Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;
Tudo no mundo está sujeito à greta;
Não fiques mais, Alcino, duvidoso,
Pois isto de ser corno é tudo peta.
SONETO DA COPULA CANINA
Quando no estado natural vivia
Metida pelo mato a espécie humana,
Ai da gentil menina desumana,
Que à força a greta virginal abria!
Entrou o estado social um dia;
Mandou a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excomunhão na sodomia;
Quanto, lascivos cães, sois mais ditosos!
Se na igreja gostais de uma cachorra,
Lá mesmo, perante o altar, fodeis gostosos;
Enquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe num altar a vista, a ideia em porra.
SONETO DO CARALHO DECADENTE
Com quem magoas o não digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa filistria
Foste o regalo do meu pátrio Tejo!
Sem te importar o feminino pejo,
Atrás da mimosa virgem, que fugia,
Ficando a terna, fadigada Armia,
Lhe pegavas no coninho um beijo.
Hoje, canal de fétida remela,
O misantropo do país das bimbas,
Apenas olha a cândida donzela!
Deitado dos colhões sobre as tarimbas,
Só com a memória em feminil canela
Às vezes pívia casual cachimbas.
SONETO DA DAMA A CAGAR
Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!
Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta de amor de limpadura
Serviu àquela parte malcheirosa;
Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito de amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita;
Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!
SONETO DO VELHO ESCANDALOSO
Tu, ó demente velho descarado,
Escândalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro decepado!
Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres de ímpia paixão ardor maligno,
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infrutífero castrado!
Tu, que tendo bebido o menstruo imundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
De ímpia mulher o orgulho furibundo!
Em castigo do vício, que te arrasta,
Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo
Que és vil por gênio, que és cabrão, e basta.
SONETO DA DONZELA ANSIOSA
Deitada donzela em fofo leito,
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras sutis, o pachacho estreito.
De louro pelo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito.
A voraz piça as guelras encrespando
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrados.
Como é ainda boçal, perde os sentidos.
Porém vai com tal ânsia trabalhando,
Que os homens é que vêm a ser fodidos.
SONETO DA ESCULTURA ESCANDALOSA
Um esquentado frisão, brutal masmarro
Girava em Santarém na pobre feira;
Eis que olha ao longe em Couva Ceira
Os seus bons irmãos seráficos de barro;
O bruto, que atira um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro.
Na alma o santo furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de íntimo alvoroço,
Povos, que do frio sofreis a guerra;
Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presságio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!
SONETO DA COPULA ESCULPIDA
Nesta, cuja memória esquece à Fama,
Feira, que de Santarém vem de ano em ano,
Jazia com uma freira um franciscano;
Eram de barro os dois, de barro a cama;
Com a mão, que à virgindade injúrias trama,
Pretendia o cabrão ferrar-lhe o pano;
Eis que um negro barrasco, um tal Frei Tutano
O espetáculo vê, e os rins lhe inflama;
"Irra! Vens-me atiçar, gente danada!
Não basta a felpa dos buréis opacos,
Com que a carne rebelde anda ralada?"
"Fora, vis tentações, fora, velhacos!..."
Disse, e ao ríspido som de atroz patada
O escandaloso par converte-se em cacos.
SONETO DO PRAZER MAIOR
Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela.
Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela;
Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos;
Vê-la rendida enfim a amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.
SONETO DO PAU DECIFRADO
É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Mas bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro.
Verga, e não quebra, como um zambujeiro;
Oco, como o sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro.
À roda da raiz produz carqueja.
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!
Para carvalho ser falta-lhe um carualho.
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.
SONETO DA PUTA NOVATA
Dizendo que a costura não dá nada,
Que não sabe servir quem foi senhora,
A impulsos da paixão fornicadora
Sobe da alcoviteira a moça a escada.
Os seus desejos lhe pinta a malfadada,
E a tabaquanta velha sedutora
Diz-lhe: "Veio menina, em bela hora,
Que essas que tenho, já não ganham nada".
Matricula-se aqui a tal pateta,
Em punhetas e fodas se indústria,
Enquanto a mestra lhe não rifa a greta.
Chega, por fim, o fornicário dia;
Dentro em pouco a menina de muleta
Passeia do hospital na enfermaria.
SONETO DO PREGADOR PECADOR
Bojudo fradalhão de larga venta,
Abismo imundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na ciência burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta.
No púlpito um domingo se apresenta;
Prega nas grades, espantoso murro;
E acalmado do povo o sussurro
O dique das asneiras arrebenta.
Quatro putas gozavam dos seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas
Um pecador dos mais desaforados.
"Não — diz uma — tu, padre, não me engodas;
Sempre me há de lembrar pelos meus pecados
A noite, em que me deste nove fodas!"
SONETO DO PADRE PATIFE
Aquele semiclérigo patife,
Se eu no mundo fizesse ainda apostas,
Apostava contigo que nas costas
Um grande Pico tem Tenerife.
Célebre traste! É justo que se rife;
Eu também pronto estou, se disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife.
Parece hermafrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que apeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!
Mas desta errada opinião me desço;
Pois traz a criança no costado,
Deve ter emprenhado pelo rabo.
SONETO DO CARALHO POTENTE
Porripotente herói, que uma cadeira
Susténs na ponta do caralho teso,
Pondo-lhe em cima mais por contrapeso
A capa de baetão da alcoviteira.
O teu caso é como o ramo da palmeira,
Que mais se eleva, quando tem mais peso;
Se o não conservas açaimado e preso,
É capaz de foder Lisboa inteira!
Que forças tens no hórrido marsapo,
Que assentando a disforme cachamorra
Deixa conas e cus feitos num trapo!
Quem ao ver-te o tesão há não discorra
Que tu não podes ser senão Priapo,
Ou tens um guindaste em vez de porra?
SONETO DO EPITÁFIO
Quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade.
Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade.
Mas quando a ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar num ermo outeiro,
Que me lavre este epitáfio mão piedosa;
"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu e fodeu sem ter dinheiro".
SONETO AO ÁRCADE FRANÇA
No canto de um venal salão de dança,
Ao som de uma rabeca desgrudada,
Olhos em alvo, a piça arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França.
Este, com mogigangas de criança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porás, que quer lambança.
Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e a sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha.
Quis vir-me por luxúria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.
SONETO DO PRAZER EFÊMERO
Dizem que o rei cruel do Averno imundo
Tem entre as pernas caralhás lanceta,
Para meter do cu na aberta greta
A quem não foder bem cá neste mundo;
Tremei, humanos, deste mal profundo,
Deixai essas lições, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta;
Este prazer da vida mais jucundo.
Se pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus piças leiteiras,
Senão para foder com liberdade?
Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto já; que é curta a idade,
E as horas do prazer voam ligeiras!
SONETO DA PORCARIA
Que fio de ouro, que cabelo ondado,
Piolhos não criou e lêndeas não teve?
Que raio de olhos, blasonar se atreve,
Que não foi de remelas mal tratado?
Que boca se acha ou que nariz prezado
Aonde monco ou escarro nunca esteve?
E de que tal cristal ou branca neve
Não se viu o seu bisbilho visitado?
Que papo da mais bela galhardia
Que um dedo está do cu só dividido,
Não mija e regra todos os meses?
Se amor é tudo merda e porcaria,
E por este monturo andais perdido,
Cago no amor e em vós trezentas vezes.
SONETO AO ÁRCADE LERENO
Nojenta prole da rainha Ginga,
Sabujo ladrador, cara de nico,
Loquaz saguim, burlesco Teodorico,
Osga torrada, estúpido rezinga;
E não te acuso de poeta pinga;
Tens lido o mestre Ignácio, e o bom Supico;
De ocas ideias tens o casco rico,
Mas os teus versos tresandam a catinga.
Se a tua musa nos outeiros campa,
Se ao Miranda fizeste ode demente,
E o mais, que ao mundo estólido se encampa;
É porque sendo, ó Caldas, tão somente
Um cafre, um gozo, um néscio, um parvo, um trampa,
Queres meter nariz em cu de gente.
SONETO AO VIL INSETO
Enquanto a rude plebe alvoroçada
Do rouco vate, escuta a voz de mouro,
Que do peito inflamado sai deste ouro
Por estreito bocal desentoada;
Não cessa a cantilena acigarrada
Do vil inseto, do mordaz besouro;
Que à larga se criou por entre o louro
De que a sábia Minerva está coroada;
Enquanto o cego ateu, calvo da tinha,
Com parolas confunde alguns basbaques,
Palmeando a amatória ladainha;
Eu não me posso ter; cheio de achaques,
Cansado de lhe ouvir — "Bravo! Esta é minha!"
Cago sem me sentir, desando em traques.
OUTRO SONETO AO VIL INSETO
Há junto do Parnaso um turvo lago,
Aonde em rãs existem transformados
Os trovistas de cascos esquentados,
Cérebro frouxo, ou de miolo vago;
Por mais infâmia sua, e mais estrago
Doou-lhe Febo os ânimos danados,
Para que exprimam em versos desasados
Os seus destinos vis, nos quais eu cago;
Aqui Bocage, vive, e daqui ralha,
E com a tartárea língua pontiaguda
Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha.
É vil inseto, e o gênio atroz não muda,
Bem como a escura cor não muda a gralha,
E o hediondo fedor não perde a arruda.
SONETO AO PECADOR MORTO
Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorai, moças venais, chorai, pedantes,
O insulso estragador das consoantes,
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!
Por aventuras mil obteve a coroa
Que a cara cinge dos heróis andantes;
Inda veio de climas tão distantes
À toa vegetar, versar à toa;
Este que vês, com olhos macerados,
Não é Bocage, não, rei dos brejeiros,
São apenas os seus olhos descarnados;
Fugiu do cemitério aos companheiros;
Anda agora purgando os seus pecados
Glosando aos cagaçais pelos outeiros.
SONETO DO RETRATO MAL FALADO
Esqueleto animal, cara de fome,
De timão, e chapéu à holandesa,
Olhos espantadiços, boca acesa,
De onde o fumo, que sai, a todos some;
Milagre do Parnaso em fama e nome,
Em corpo galicado, alma francesa,
Com voz medonha, língua portuguesa,
Que aos bocados a honra e o brio come;
Toda a moça, que dele se confia,
É virgem no serralho do seu peito;
Janela, que se fecha, putaria!
Neste esboço o retrato tenho feito;
Eis o grande e fatal Manoel Maria,
Que até pintado perde o bom conceito.
SONETO MAÇÔNICO
Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorância daqui, dali rapina;
Colhe de alto sistema e lei divina
Imaginário jus, com que encha o saco;
Textos gagueja em vão o Doutor macaco
Por ouro, que promete alma sovina;
Círculo umbroso de venais pedantes,
Com torpe astúcia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flamantes;
Ora mijei na súcia, ainda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elefantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!
SONETO NAPOLEÔNICO
Tendo o terrível Bonaparte à vista,
Novo Aníbal, que esfalfa a voz da fama,
"Ó capados heróis!" (aos seus exclama
Purpúreo fanfarrão, papal sacrista);
"O progresso estorvai da atroz conquista
Que da filosofia o mal derrama?..."
Disse, e em fervido tom saúda, e chama,
Santos surdos, varões por sacra lista;
Deles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarelas,
Cede triste vitória, que faz nojo!
O rápido francês vai-lhe às canelas;
Dá, fere, mata: ficam-lhe em despojo
Relíquias, bulas, merdas, bagatelas.
SONETO DRAMÁTICO
Na cena em quadra trágico-invernosa
A Zaida se impingiu fradesco drama!
Apareceu depois, com sede à fama,
Tragédia mais igual, mais lastimosa;
O autor pranteia em frase aparatosa
Esfaqueado arrais, pimpão de Alfama;
Corno o protagonista, e puta a dama,
O machão é Simeão, e a mula é Rosa;
Espicha o rabo (eu tremo ao proferi-lo)
Espicha o rabo ali o herói na rua,
Qual Muratão nos areais do Nilo!
Elmiro na tarefa contínua,
Já todos pela escolha, e pelo estilo
Rosnam que a nova peça é obra sua.
SONETO ARCÁDICO
Não tendo que fazer Apolo um dia
Às Musas disse: "Irmãs, é benefício
Vadios empregar, demos ofício
Aos sócios vãos da magra Academia!"
"O Caldas satisfaça à padaria;
O França de enjoar tenha exercício,
E o autor do entremez do Rei Egípcio
Que o Pégaso veloz conduza à pia!"
"Vão na Ulisseia tasquinhar o ex-frade;
Da sala o Quintanilha acenda as velas,
Em se juntando alguma sociedade!"
"Bernardo nênias façam, e caguem nelas;
E Belmiro, por ter habilidade,
Como dantes que trabalhe em bagatelas!"
OUTRO SONETO AO FRANÇA
Rapada, amarelenta, cabeleira,
Vesgos olhos, que o chá, e o doce engoda,
Boca, que à parte esquerda se acomoda,
(Uns afirmam que fede, outros que cheira);
Japona, que da ladra andou na feira;
Ferrugento faim, que já foi moda
No tempo em que Albuquerque fez a poda
Ao soberbo Hidalção com mão guerreira;
Ruço calção, que esporra no joelho
Meia e sapato, com que ao lodo avança,
Vindo a encontrar-se com esbugalhado artelho;
Jarra, com apetites de criança;
Cara com semelhança de bisbilho;
Eis o bedel do Pindo, o doutor França.
SONETO AO LEITÃO
Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e vários;
Propõe sistemas, tira corolários,
E usurpa o tom de enfáticos doutores;
Ciência de livreiros e impressores
Tem da vasta memória nos armários;
E tratando os cristãos por visionários,
Só rende culto a Vênus, e aos amores;
A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra;
Este biltre, labéu da humanidade,
É um tal bacharel Leitão de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.
SONETO DO DIÁLOGO CONJUGAL
Não chores, cara esposa, que o Destino
Manda que parta, à guerra me convida;
A honra prezo mais que a própria vida,
E se assim não fizera, era indigno.
"Eu te acho, meu Conde, tão menino
Que receio..."
— Ah! Não temas, não, querida;
A francesa nação será batida,
Este peito, que vês, é diamantino.
"Como é crível que sejas tão valente?..."
Eu herdei o valor de avós, e pais,
Que essa virtude tem a ilustre gente.
"Porem se as forças forem desiguais?..."
Irra, Condessa! És muito impertinente!
Tornarei a fugir, que queres mais?
SONETO ANTICLERICAL
Se quereis, bom Monarca, ter soldados
Para compor lustrosos regimentos,
Mandai desentulhar esses conventos
Em favor da preguiça edificados;
Nos Bernardos lambões, e asselvajados
Achareis mil guerreiros corpulentos;
Nos Vicentes, nos Neris, e nos Bentos
Outros tantos, não menos esforçados;
Tudo extingui, senhor: fiquem somente
Os Franciscanos, Loios, e Torneiros,
Do Centímano aspérrima semente;
Existam estes lobos carniceiros,
Para não arruinar inteiramente
Putas, pívias, cações, e alcoviteiros.
SONETO DOS DONATIVOS
Cristo morreu há mil e tantos anos;
Foi descido da cruz, depois enterrado;
E ainda assim, a pedir não tem cessado
Para o sepulcro dele os franciscanos!
Tornou a ressurgir dentre os humanos;
Subiu da terra ao céu, lá está sentado;
E à saúde dele sepultado
Comem à nossa custa estes maganos;
Pensam os que lhes dão a sua esmola
Que ela se gasta na função mais pia...
Quanto vos enganais, oh gente tola!
O altar mor com dois cotos se alumia;
E o fradinho com a puta, que o consola,
Gasta de noite o que lhe dais de dia.
SONETO DA ESMOLA DESVIRTUADA
Padre Frei Cosme, vossa reverência
Se engana, ou enganar-nos talvez tenta;
Quem as riquezas dá, quem nos sustenta,
Não é de Deus a suma providência?
Pois logo com que cara ou consciência
Esmola pede, e arrepanhar tenta
Para o Senhor da Paz, ou da Tormenta?
Tem Deus do homem acaso dependência?
Tire a máscara pois, largue a sacola,
E deixe o povo, a quem impunemente
Em nome do Senhor escorcha, e esfola;
À viúva deixe a esmola, e ao indigente;
E não queira, hipócrita farsola
Foder à custa da devota gente.
SONETO DO MONGE CALUNIADO
Língua mordaz, infame e maldizente,
Não ouses murmurar do bom prelado;
Ainda que o vejas com Alcipe ao lado.
Amigo não será, será parente;
Geral da Ordem, pregador potente,
No jogo padre-mestre jubilado,
E também caloteiro descarado
Pode ser que o repute alguma gente;
E que te importa que fornique a moça?
Que pregue o evangelho por dinheiro?
Que em vez de andar a pé ande em carroça?
Talvez que disso seja um verdadeiro
Dos monges exemplar, da Serra de Ossa,
Pois que dos monges é hoje o primeiro.
SONETO DO MOURO DESMORALIZADO
Veio Mulei-Achmet marroquino
Com duros trigos entulhar Lisboa;
Pagava bem, não houve moça boa
Que não provasse o casco adamantino;
Passou por um seminário feminino,
Dos que mais bem providos se apregoa,
Onde um frade com bem fornida ilhoa
Dava de esmola cada dia um pino;
Tinha o mouro fodido largamente,
E já bazofiando com desdouro (gozando)
Tratando a nação lusa por impotente;
Entra o frade, e ao ouvi-lo, como um touro
Passou tudo a caralho novamente,
E o triunfo acabou no cu do mouro.
SONETO DO CORNO INTERESSEIRO
Uma noite o Copezzi muito contente
(Depois de borrifar a sacra espada
Que traz com rubra fita pendurada
Com cuspo, e vinho, que vomita quente);
Conversava com a esposa em voz tremente
Sobre a grande ventura inesperada
De ser plácida adorada
De um Marquês tão rico, e tão potente;
A mulher lhe replica: Isso é verdade;
Enquanto moça for, nunca o dinheiro
Faltará nesta casa em quantidade.
"Mas tu sempre és o tafulão primeiro;
Pois tendo cabrão sido noutra idade,
És agora o maior alcoviteiro!"
OUTRO SONETO DO PRAZER EFÉMERO
Quando ao grã Martinho deu fatal marca
E o fim fez soar no seu chocalho,
Levou três dias a passar caralho
Ao medonho Caronte da negra barca;
Eis no terceiro dia, o padre embarca,
E o velho, que a ninguém dá agasalho,
Em prêmio quis só ter pelo seu trabalho
O gáudio de ver piça em tal marca;
Pegou-se ao cão trifauce, a voz na goela
Ao ver tal membro nas dianteiras,
E Plutão a mulher pôs de cautela;
Porem Dido gritou às companheiras;
"Agora temos piça; a ela, a ela,
Que as horas de prazer voam ligeiras!"
SONETO ASQUEROSO
Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado.
Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem asqueroso;
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que da sua dona o cu tenha tocado.
Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês podre gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora.
O cu mais alvo caga merda pura;
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!
SONETO DO CORNO CHOROSO
Se o grã Serralho do Sofi potente,
Ou do Sultão feroz, que rege a Trácia,
Mil Vênus de Geórgia, oh! da Circássia
Nuas prestasse ao meu desejo ardente!
Se negros brutos, que parecem gente,
Ministros fossem de lasciva audácia,
Ainda assim do ciúme a pertinácia
No peito me nutria ardor pungente!
Erraste em produzir-me, ó Natureza,
Num país onde todos fodem tudo,
Onde leis não conhece a piça tesa!
Cioso afeto, afeto carrancudo!
Zelar moças na Europa é árdua empresa,
Entre nós ser amante é ser cornudo.
SONETO DA BEATA EXPERTA
Não te crimino a ti, plebe insensata,
A vã superstição não te crimino;
Foi natural, que o frade era ladino,
É experta em macaquices a beata;
Só crimino esse herói de bola chata,
Que na escola de Marte ainda é menino,
E ao falso pastor, pastor sem tino,
Que tão mal das ovelhas cura, e trata;
Item, crimino o respeitável Cunha,
Que a frias petas crédito não dera,
A ser filósofo, como supunha;
Coitado! Protestou com voz sincera
Fazer geral, contrita caramunha,
Porem ficou pior que dantes era!
SONETO DO FALSO MILAGRE
De coroa virginal a cara ornada,
Em lúgubres mortalhas envolvida
A beata fatal jaz estendida,
De assistentes contritos rodeada;
Um se tem por já salvo em ter chegada
Ao lindo pé a boca comovida
Outro protesta reformar a vida;
Porem ela respira, e está corada!
Que é santa, e que morreu, com juramentos
Afirma audaz o façanhudo frade
E que prodígios são os seus movimentos
O devoto auditório se persuade;
Renovam-se os protestos e os lamentos;
Triste religião! Pobre cidade!
SONETO DA SUPOSTA SANTA
Acredite, sentado aos quentes lares
Nas noites invernosas de janeiro,
Relendo em Carlos Magno o sapateiro
As proezas cruéis dos doze Pares;
Creiam que veem as bruxas pelos ares
A chupar as crianças no traseiro;
Comam quanto lhes diz o gazeteiro,
De casos, de sucessos singulares;
Porém, que uma beata amortalhada,
Com a cara vermelha e corpo mole,
E santa por um frade apregoada;
Que respire, que os braços desenrole,
E seja por defunta acreditada,
Isto somente em Évora se engole!
SONETO DA AMADA GABADA
Se tu visses, Josino, a minha amada
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois o seu nevado, rubicundo rosto
Às mais formosas não inveja nada;
Na sua boca Vênus faz morada;
Nos olhos tem Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lascívia o seu encosto,
Nela, enfim, tudo encanta, tudo agrada;
Se a Ásia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
À gente, que na foda se exercita!
Beleza mais completa haver não pode;
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"
SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS
Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ela;
A minha Musa será sem par canela
Com um felpudo coninho abraseado;
Aqui descreverei como excitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propício o vento, à doce, àquela
Enseada de amor, rei coroado;
Direi também os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das línguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes;
Estas glórias serão na fama eternas
Às minhas cinzas me farão descantes
Fêmeos vindouros, alargando as pernas.
SONETO DO NINHO
Para iludir o suspirado encanto,
Por quem debalde há longo tempo ardia,
"Um ninho achei, ó Lésbia (eu lhe dizia)
Como é dos pais delicioso o canto!"
Assim doloso me expressava, enquanto
Um alegre alvoroço em Lésbia eu via;
"Ah! Onde o deparaste?" ela inquiria
"Vem (lhe respondo) comigo ao pé do acanto";
Por um bosque me fui com os meus amores,
Pergunta aos ramos pelo implume achado,
E respondendo só vão os meus furores.
Conhece... quer fugir ao laço armado,
Na encosta a vergo, que afofavam flores,
Beijo-lhe as iras... fique o mais calado.
SONETO DO CARALHO APATETADO
Fiado no fervor da mocidade,
Que me acenava com tesões chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode, ou como um frade.
Quantas pediram, mas em vão, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Ficando a gordos cus alvejantes
Que hemorroidas não fiz nesta cidade!
À força de brigar fiquei mamado;
Vista ao meu caralho, que de gaiteiro
Está sobre os colhões apatetado;
Oh Númen tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, se tornar ao teso estado,
Por oferenda espetado um paramério.
SONETO DO JURAMENTO
Eu foder putas?... Nunca mais, caralho!
Hás de jurar-mo aqui, sobre estas Horas;
E vamos, vamos já!... Porém tu choras?
"Não senhor (me diz ele) eu não, não ralho";
Batendo sobre as Horas como um malho,
"Juro (diz ele) só foder senhoras,
Das que abrem por amor as tentadoras
Pernas àquilo, que arde mais que o alho".
Com a força do jurar esfolheando
O sacro livro foi, e a ardente sede
O fez em mar de ranho ir soluçando...
Ah! Que fizeste? O céu os teus passos mede!
Anda, herético filho miserando,
Levanta o dedo a Deus, perdão lhe pede!
SONETO ANAL
"Ora deixe-me, então... faz-se criança?
Olhe que eu grito, pela mãe chamando!"
Pois grite (digo-lhe então, amarrotando
Saiote, que em baixá-lo irada cansa);
Na quente luta lhe desgrenho a trança
A nágueda lhe levanto, e fumegando,
As estreitadas bimbas separando
Lhe arrimo o caralhão, que não se amansa;
Tanto a ser gíria, não gritava a bela;
Que a cada grito se escorvava a porra, (piça; pênis)
Fazendo-lhe do cu saltante pela!
— Há de pagar-me as mangações de borra,
Basta de cono, ponha o cu à vela,
Que nele ir quero visitar Gomorra.
SONETO DA PUTA ASSOMBROSA
Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram sete da noite, e a piça tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Com um lencinho à janela me acenava.
Quais conselhos? A piça fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e efetuou-se a empresa;
Prepúcio para traz à porta entrava.
Sem que saúde a moça prazenteira
Se arrima com furor não visto à crica,
E a bela a mole-mole o cu peneira.
Ninguém me gabe o rebolar de Anica;
Esta puta em foder excede a freira,
Excede o pensamento, assombra a piça!
SONETO DO GOZADOR COÇADOR
"Apre! Não metas todo... Eu mais não posso..."
Assim Márcia formosa me dizia;
— Não sou bárbaro (à moça eu respondia)
Brandamente verás como te coço!
"Ai! por Deus, não... não mais, que é grande! E grosso!"
Quem resistir ao seu falar podia?
Meigamente o coninho lhe batia;
Ela diz "Ah meu bem! O meu peito é vosso!"
O rebolar do cu (ah!) não te esqueça
Como és bela, meu bem! (então lhe digo)
Ela em suspiros mil a ardência expressa.
Por te unir fazer muito ao meu umbigo;
Assim, assim... menina, mais depressa!...
Eu venho-me... ai Jesus!... vem-te comigo!
SONETO DO GOZO VITORIOSO
Vem cá, minha Marília, tão roliça,
Suas bochechas da cor do meu caralho,
Que eu quero ver se os beiços embaralho
Com esses teus, onde amor a ardência atiça;
Que abrimentos de boca! Tens preguiça?
Hospeda-me entre as pernas este malho,
Que eu te ponho já tesa como um alho;
Ora chega-te a mim, leva esta piça...
Ora mexe... que tal te sabe, amiga?
Então foges com o cu? É forte história!
Ele é bom de levar, não, não é viga.
"Eu grito!" (diz a moça merencória).
Pois grita, que espetada nesta espiga
Com porrais salvas cantarei vitória.
SONETO DO LASCIVO PEZINHO
Dormia a sono solto a minha amada,
Quando eu, pé ante pé, no quarto entrava;
E ao ver a linda moça, que excitava,
Sinto a piça de gosto alvoroçada;
Ora do rosto vejo eu a nevada
Pudibunda bochecha, que encantava;
Outrora nas maminhas demorava
Sôfrega, ardente vista embasbacada;
Porem vendo sair dentre o vestido
Um lascivo pezinho torneado,
Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido;
Vai senão quando, o meu caralho amado
Bem como Eneias acordava Dido,
Salta-lhe ao pelo, por seguir o seu fado.
SONETO DA PIÇA BURRA
Eram oito do dia; eis a criada
Me corre ao quarto, e diz "Aí vem menina
Em busca sua; faces de bonina,
Olhos, que quem os viu não quer mais nada".
Eis me visto, eis me lavo, e esta engraçada
Fui ver rapidamente; Oh céus! que mina!
Que breve pé! Que perna tão divina!
Que maminhas! Que rosto! Oh, que é tão dada!
A piça nos calções me dava urros;
Eis a levo ao meu leito, e ela rubente
Não podia sofrer da piça os murros;
"Ai!... Ai!... (de vez em quando assim se sente)
Uma piça tamanha é dada aos burros,
Não é piça capaz de foder gente".
SONETO DO CARALHO GOVERNANTE
Pela escadinha de um courão subindo
Parei na sala onde não entra o pejo;
Chinelo aqui e ali suado vejo,
E o fato de cordel pendente, rindo;
Quando em miséria tanta refletindo
Estava, me surgiu ninfa do Tejo,
Roendo um fatacaz de pão com queijo,
E para mim num ai vem rebulindo;
Dá-me um grito a razão: — "Eia, fujamos,
Minha poça infeliz, já deste inferno...
Mas tu respingas? Tenho dito, vamos..."
Eis a piça assim diz: — "Com ódio eterno
Eu, e os sócios colhões em ti mijamos;
Para baixo do umbigo só eu governo".
SONETO MATINAL
Eram seis da manhã; eu acordava
Ao som de mão, que à porta me batia;
"Ora vejamos quem será"... dizia,
E assentado na cama me zangava.
Brando rugir da seda se escutava,
E sapato a ranger também se ouvia...
Salto fora da cama... Oh! que alegria
Não tive, olhando Armia, que masturbava!
Temendo que venha alguém, a porta fecho;
Com um chupão lhe saudei a rósea boca,
E na rompente mama alegre mexo;
O caralho estouvado o cono aboca;
Bate a gostosa greta o rubro queixo,
E a matinas de amor a piça toca.
SONETO DO COITO INTERROMPIDO
"Mas se o pai acordar!..." (Márcia dizia
A mim, que à meia-noite a trombicava)
"Hoje não..." (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e não queria!)
Sempre em pé a dizer: "Então, avia..."
Cu à parede, a piça me aguentava;
Uma coisa notei, que me excitava,
Era o calçado pé, que então rangia;
Vim-me, e sentado num degrau da escada,
Dando limpeza ao caralho, e mais à greta
Nos preparamos para mais porrada;
Para variar, nas mãos meti-lhe a teta;
Tosse o pai, foge a filha... Ó vida errada!
Lá me ficou no meio uma punheta!
SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA
Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nela a piça lhe metia
Fez-se mais do que o nácar rubicunda.
Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde amor o seu trono erguia;
Entretanto em desejos ela ardia,
Brando licor o pássaro lhe inunda.
Com dedo a greta sua lhe coçava;
Ela, maquinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho me embalava;
"Mais depressa" — Lhe digo então morrendo.
Enquanto ela sinais do mesmo dava;
Mística pívia assim fomos comendo.
SONETO DO OFÍCIO MERETRÍCIO
Uma empada de gálico à janela,
Fazendo meia, alinhavando trapos,
Enquanto a guerra faz tudo em farrapos,
Pondo o honrado a pedir, e a virgem bela!
Vai a trombuda, sórdida Michela
Fazendo guerra a marujais marsapos,
E sem que deste mil lhe façam papos,
Com cu também dá às piças trela;
Tudo em metal por dois canais junta;
Recrutas nunca teme, e do Castelo
Se ri, que aos guardas as mãos lhes unta;
Nas públicas funções vai dar-se ao prelo;
Minha alma agora, meu leitor, pergunta
Se o ser puta não é ofício belo?
SONETO DO ADEUS ÀS PUTAS
Que eu não me possa juntar como o Quintela
É coisa que me aflige o pensamento;
Desinquieta a piça, quer sustento,
E a pívia trata-a já de bagatela.
Se noutro tempo houve alguma bela
Que o amor só desse o cono penugento,
Isso foi, já não é; que o mais sebento
Cagaçal quer durázia caravela.
Perdem saúde, bolsa, e economia;
Nunca mais me verão o meu membro roto;
Está aí a minha porral filosofia.
Putas, adeus! Não sou vosso devoto;
Com um cu enganarei a fantasia,
Numa escada enrabando um bom garoto.
DE CERÚLEO GABÃO NÃO BEM COBERTO
De cerúleo gabão não bem coberto,
Passeia em Santarém chuchado moço,
Mantido às vezes de sucinto almoço,
De ceia casual, jantar incerto;
Dos esburgados peitos quase aberto,
Versos impinge por miúdo e grosso.
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto.
Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!
Que tendo um coração como estalagem,
Vão nele acomodando a mil pexotes.
Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto: é o Bocage!
SEGUNDA PARTE
CANTIGAS, ODES, EPÍSTOLAS E ELEGIAS
RIBEIRADA
ARGUMENTO
Quando o preto Ribeiro entregue ao sono
Jazia, aparece-lhe o deus Priapo;
E com uma das mãos por ser fanchono,
Agarra-lhe na cabeça do marsapo;
Oferece-lhe depois um belo cono,
Cono sem cavalete, gordo e guapo;
Casa o preto mas a mulher, no fim de contas,
Põe-lhe na testa retorcidas pontas.
I
Ações famosas do fodaz Ribeiro,
Preto na cara, enorme no mangalho,
Eu pretendo cantar em tom grosseiro,
Se a musa me ajudar neste trabalho;
Pasme absorto escutando o mundo inteiro
A porca descrição do horrendo malho,
Que entre as pernas alberga o negro bruto
No lascivo apetite dissoluto.
II
Oh! Musa galicada e fedorenta!
Tu, que às fodas de Apolo estás sujeita,
Anima a minha voz, pois hoje intenta
Cantar esse mangaz, que a tudo arreita;
Dá-se vaso carnal que o membro aquenta,
Onde tanta langonha se aproveita,
Um chorrilho me dá, oh musa obscena,
Que eu com rijo tesão pego na pena.
III
Em Troia, de Setúbal, bairro inculto,
Mora o preto castiço, de quem falo;
Cujo nervo é de sorte, e tem tal vulto,
Que excede o longo espeto de um cavalo;
Sem querer nos calções estar oculto,
Quando se entesa o túmido badalo,
Ora arranca os botões com fúria rija,
Ora arromba as paredes quando mija.
IV
Adorna hirsuto ríspido pentelho
Os ardentes colhões do bom Ribeiro,
Que são duas maçãs de escaravelho,
Não digo na grandeza, mas no cheiro;
Ali piolhos ladros tão vermelho
Fazem com dente agudo o pau leiteiro,
Que o cata muita vez; mas ao tocar-lhe
Logo o membro nas mãos entra a pular-lhe.
V
Os maiores marsapos do universo
À vista deste para trás ficaram;
E do novo martinho em prosa e verso
Mil poetas a piça descantaram;
Quando ainda o cachorro estava no berço
Umas moças por graça lhe pegaram
Na piça já taluda, e de repente
Pelas mãos lhe correu a grossa enchente.
VI
De Polifemo o nervo dilatado,
Que tentou escachar a Galateia,
Pelo mundo não deu tão grande brado
Como a piça do preto é negra e feia;
Da Cotovia o bando galicado
Com respeito mil vezes o nomeia,
E ao soberbo estardalho do selvagem
As putas todas rendem vassalagem.
VII
O longo e denso véu da noite escura
Das estrelas bordado já se via;
E em rota cama a horrenda criatura
Os tenebrosos membros estendia;
Do caralho a grandíssima estatura
Com os lençóis encobrir-se não podia,
E a cabeça do fodaz de fora pondo
Fazia sobre o chão medonho estrondo.
VIII
Os ladros, que fiéis o acompanhavam
A triste colhoada a cada instante
Com agudos ferrões lhe traspassavam,
Atormentando a besta fornicante;
Na duríssima pele se entranhavam,
Suposto que com garra penetrante
O negro dos colhões a muitos saca,
E o castigo lhes dá na fera unhaca.
IX
Tendo o cono patente no sentido
Na barriga o tesão lhe dava murros;
E de ativa luxúria enfurecido
Espalhava o cachorro aflitos urros;
Com a lembrança do vaso apetecido
O nariz encrespava como os burros;
Até que em vão berrando pelo cono,
De todo se entregou nas mãos do sono.
X
Já roncando, os vizinhos acordava
O lascivo animal, que representa
Com o motim pavoroso que formava,
Trovão fero no ar, no mar tormenta;
Com alternados coices espancava
Da pobre cama a roupa fedorenta,
Que pulgas esfaimadas habitavam,
E de mil cagadelas matizavam.
XI
Eis de improviso em sonhos lhe aparece
Terrífica visão, que um braço estende,
E pela grossa carne que lhe cresce
Debaixo da barriga ao negro prende;
Acorda, põe-lhe os olhos, e estremece
Como quem ao terror se curva e rende;
Com o medo que tinha, a piça ingente
Se meteu nas encolhas de repente.
XII
Do tremendo fantasma a testa dura
Dois retorcidos cornos enfeitavam;
E, debaixo da pança, a mata escura
Três disformes caralhos ocupavam;
O sujo aspecto, a feia catadura,
Os rasgados olhões iluminavam;
E na terrível destra o torpe espectro
Empunhava uma piça em vez de cetro.
XIII
Ergue a voz, que as paredes abalava,
E com a força do alento sibilante
Mata a pálida luz, que a um canto estava,
Em plúmbeo castiçal agonizante;
Oh tu, rei dos caralhos (exclamava)
Perde o medo, que mostras no semblante;
Que quem hoje te agarra no marsapo
É de Vênus o filho — o deus Priapo.
XIV
Vendo a fome cruel de parrameiro,
Que essas negras entranhas te devora,
De putas um covil deixei ligeiro,
Por fartar-te de fodas sem demora;
Consolarás o rígido madeiro
Numa fêmea gentil, que perto mora,
Mas não lho metas todo, pois receio
Que a possas escachar de meio a meio.
XV
Disse isto, e o negro na cama velozmente
Para beijar-lhe os pés se levantava;
Mas tropeça num banco, e de repente
No fétido bispote as ventas crava;
Não ficando da queda muito contente
Com uma gota de mijo à pressa as lava;
E, acabada a limpeza, a voz grosseira
Ao deus falou desta maneira;
XVI
Socorro de famintos fodedores,
Propícia divindade, que me escutas!
Tu consolas, tu enches de favores
Ó mestre da fodenga, ó pai das putas;
Viste que, do tesão curtindo as dores,
Travava com o lençol imensas lutas;
E baixaste ligeiro, como Noto,
A dar piedoso amparo ao teu devoto.
XVII
Enquanto houver tesões, e enquanto o cono
For de arreitadas piças lenitivo,
Sempre hei de recordar-me, alto patrono,
De que és de meus gostos o motivo;
Pois dás-me glória no elevado trono,
E já, como o veado fugitivo
Que o caçador persegue, eu corro, eu corro
A procurar as bordas por quem morro.
XVIII
Deteve aqui a voz o rijo acento,
Que dos trovões o estrépito parece,
E logo diante os olhos num momento
A noturna visão desaparece;
Deixa Ribeiro o sórdido aposento,
Que de antigos escarros se guarnece;
E nas tripas berrando-lhe o demônio
Corre logo a tratar do matrimônio.
XIX
O brando coração da fêmea alcança
Com finezas, carícias e desvelos;
A qual sobre a vil cara emprega, e lança
(Tentação do demônio!) os olhos belos;
O fodedor maldito não descansa
Sem ver chegar o dia, em que os marmelos
Que tem junto da criatura, deem cabeçadas
Entre as cândidas virilhas delicadas.
XX
Chega o dia infeliz (triste badejo!
Mísera crica! Desditoso rabo!)
E ornado o rosto de um purpúreo pejo
Une-se a mão de um anjo à do diabo;
Ardendo o bruto em férvido desejo
Unta de louro azeite o longo nabo,
Para que possa entrar com mais brandura
A vermelha cerviz faminta, e dura.
XXI
Começa o banquete, que constava
De dois gatos achados num monturo,
E de raspas de corno, de que usava
Em lugar de pimenta o preto impuro;
Em sujo frasco ali se divisava
Turva aguapé: fatias de pão duro
Pela mesa decrépita espalhadas
A fraca vida perdem às dentadas.
XXII
Depois de ter o esposo o bucho farto,
Abrasado de amor na ardente chama,
Foge com leves passos para o quarto,
Ao colo conduzindo a bela dama;
Pelas ceroulas o voraz lagarto
A genital enxúndia já derrama;
Só por ver da consorte o gesto lindo
Ainda antes de foder já se está vindo!
XXIII
Jazia o velho tálamo a um canto
Onde de pulgas esquadrão persiste,
Para ser teatro do aflito pranto
Que havia derramar a esposa triste;
Oh noite de terror, noite de espanto,
Que das fodas cruéis o estrago viste!
Permite que com métrica harmonia
Patente ponha tudo à luz do dia.
XXIV
Ergue-lhe a saia o renegado amante,
Estira-se a consorte ágil e pronta;
E ele a seta carnal no mesmo instante
Ao parrameiro mísero lhe aponta;
Com um só beijo do membro palpipante
Ficou subitamente a moça tonta,
E julgou (tanto em fogo ardia o nabo!)
Que encerrava entre as pernas o diabo.
XXV
Prossegue o desalmado; mas a esposa
Que não pode aturar-lhe a dura estaca,
Dando voltas ao cu muito chorosa
Com jeito o membralhão das bordas saca;
Ele irado lhe diz, com voz queixosa;
“Não é uma mulher como uma vaca?
Por que fazes traições, quando te empurro
O mastro? Quando vês que gemo, e zurro?”
XXVI
Então, cheio de raiva, aperta o dente,
E na gostosa, feminil masmorra,
Alargando-lhe as pernas novamente,
Com estrondosos ais encaixa a porra;
Ela, que já no corpo o fogo sente
Do marsapo lhe diz: “Queres que eu morra?
Tu não vez que me engasgo, e que estou rouca,
Por que o cruel tesão me chega à boca?”
XXVII
“Ah! deixa-me tomar um breve alento,
Primeiro que rendida e morta caia...”
Mas ele, na foda é um jumento,
Não tem dó da mulher, que já desmaia;
Sentindo ser chegado o fim do intento,
Do ranhoso licor lhe inunda a saia;
Porque dentro do vaso não cabia
A torrente, que rápida corria.
XXVIII
De gosto o vil cachorro então se baba,
E vendo que a mulher calada fica,
“Consola-te (exclamou) que já se acaba
Esta fome voraz da minha piça.”
E com muita risada se gaba
De lhe ter esfolado a roxa crica;
Mas ela grita, ardendo-lhe o sabugo;
Ora que casasse eu com um verdugo!
XXIX
“Fora, fora cachorro, não te aturo
Que me feres as bordas do coninho!”
E com desembaraço um teso e duro
Bofetão lhe arrumou no focinho;
Tomou em tom de graça o monstro escuro
A afrontosa pancada, e com carinho
Disse para a mulher: “Brincas comigo?
Pois torno-te a foder, por castigo.”
XXX
Estas vozes ouvindo a desgraçada
De repente no chão cair se deixa;
E, temendo a mortífera estocada,
Ora abre os tristes olhos, ora os fecha;
Com suspiros depois desatinada
Da contrária fortuna ali se queixa;
Até que ele lhe diz, com meigo modo;
“Levanta-te do chão, que não te fodo.”
XXXI
Alma nova cobrou, como uma lebre aflita,
Que das unhas dos cães se vê liberta;
E apalpando a conaça (oh que desdita!)
Mais que boca de barra a encontra aberta;
Mas consola-se um pouco, e já medita
Em fugir da ruína, que é tão certa;
E em vingar-se do horrível brutamonte,
Ornando-lhe de cornos toda a fronte.
XXXII
Tem conseguido a bárbara vingança
A traidora mulher, como queria;
E o negro com a paciência branda e mansa,
Sofrendo os cornos vai de dia em dia;
Bem mostra no que faz não ser criança,
Que de nada o rigor lhe serviria;
Porque se uma mulher quiser perder-se,
Até feita em picado há de foder-se.
XXXIII
Agora vós, fodões encarniçados,
Que julgais agradar às moças belas
Por terdes uns marsapos, que estirados
Vão pregar com os focinhos nas canelas;
Conhecereis aqui desenganados
Que não são tais porrões do gosto delas;
Que lhes não pode, enfim, causar recreio
Aquele que passar de palmo e meio.
A MANTEIGUI
ARGUMENTO
Da grande Manteigui, puta rafada,
Se descreve a brutal incontinência;
Do cafre infame a piça desmarcada,
Do cornígero esposo a paciência;
Como à força de tanta caralhada
Perdendo o negro a rígida potência,
Foge da puta, que sem alma fica
Dando mil berros por amor da piça.
I
Canto a beleza, canto a putaria
De um corpo tão gentil, como profano;
Corpo, que, a ser preciso, engoliria
Pelo vaso os martelos de Vulcano;
Corpo vil, que trabalha mais num dia
Do que Martinho trabalhou num ano;
E que atura as chumbadas e pelouros
De cafres, brancos, maratás e mouros.
II
Vênus, a mais formosa entre as deidades,
Mais lasciva também que todas elas;
Tu, que vinhas de Troia às soledades
Dar a Anquises as mamas e as canelas;
Que gramaste do pai das divindades
Mais de seiscentas mil fornicadelas;
E matando uma vez da crica a sede,
Foste apanhada na vulcânea rede;
III
Dirige a minha voz. Meu canto inspira,
Que vou cantar sobre ti, se a Jaques canto;
Tendo um corno na mão em vez de lira,
Para livrar-me do mortal quebranto; (maldição)
A tua virtude em Manteigui respira,
Com graça, que tu tens, motiva encanto;
E bem pode entre vós haver disputa
Sobre qual é mais bela, ou qual mais puta.
IV
No cambaico Damão, que escangalhado
Lamenta a decadência portuguesa,
Este novo Ganós foi procriado,
Peste da Ásia em luxúria e gentileza;
Que ermitão de cilícios macerado
Pode ver-lhe o carão sem piça tesa?
Quem chapeleta não será de mono,
Se tudo que ali vê é tudo cono?
V
Os seus meigos olhos, que a foder ensinam,
Até nos dedos dos pés tesões acendem;
As mamas, onde as Graças se reclinam,
Por mais alvas que os véus os véus ofendem;
As doces partes, que os desejos minam,
Aos olhos poucas vezes se defendem;
E os amores, de amor por ela ardendo,
As piças pelas mãos lhe vão metendo.
VI
Os seus cristalinos, deleitosos braços,
Sempre abertos estão, não para amantes,
Mas para aqueles só, que, nada escassos,
Cofres lhe atulham de metais brilhantes;
As níveas plantas, quando move os passos,
Vão pisando os tesões dos circunstantes;
E quando em ledo som de amores canta,
Faz-lhe a piça o compasso com a garganta.
VII
Mas para castigar-lhe a vil cobiça
O vingativo amor, como agravado,
Fogo infernal no coração lhe atiça
Por um sórdido cafre asselvajado;
Tendo-lhe visto a tórrida linguiça
Mais extensa que os canos de um telhado,
Louca de comichões a indigna dama
Salta para ele, convida-o para a cama.
VIII
Eis que o bruto se coça de contente;
Vermelha febre sobe-lhe ao miolo;
Agarra na senhora, impaciente
De erguer-lhe as fraldas, e provar-lhe o bolo;
Estira-a sobre o leito, e de repente
Quer do pano sacar o atroz mampolo;
Porém não necessita arrear cabos;
Lá vai o langotim com mil diabos.
IX
Levanta a tromba o ríspido elefante,
A tromba, costumada a tais batalhas,
E apontando ao buraco palpitante,
Bate ali como aríete nas muralhas;
Ela enganchando as pernas delirante,
Meu negrinho (lhe diz) que bem trabalhas!
Não há piça melhor em todo o mundo!
Mete mais, mete mais que não tem fundo.
X
Ah! Se eu soubesse (continua o couro
Em torrentes de sêmen já nadando)
Se eu soubesse que havia este tesouro
Há que tempos me estava regalando!
Nem fidalguia, nem poder, nem ouro
Meu duro coração faria brando;
Lavava o cu, lavava o passarinho.
Mas só para foder com o meu negrinho.
XI
“Mete mais, mete mais... Ah Dom Fulano!”
Se o tivesses assim, de graça o tinhas!
Não viverias em um perpétuo engano,
Pois vir-me-ia também quando te vinhas;
Mete mais, meu negrinho, anda magano;
Chupa-me a língua, mexe nas maminhas...
Morro de amor, desfaço-me em langonha...
Anda, não tenhas medo, nem vergonha.
XII
Há quem fuja de carne, há quem não morra
Por tão belo e dulcíssimo trabalho?
Há quem tenha outra ideia, há quem discorra
Em coisa, que não seja de mangalho?
Que tudo entre as mãos se converta em porra,
Que tudo o que vejo se transforme em caralho;
Caralho, e mais caralho no verão, e no inverno.
Caralho até nas profundas do inferno!...
XIII
Mete mais, mete mais (ia dizendo
A marafona, ao bruto, que suava,
E convulso fazia estrondo horrendo
Pelo rústico som com que fungava:)
Mete mais, mete mais que estou morrendo!...
“Mim não tem mais!” O negro lhe tornava;
E triste exclama a bêbeda fodida;
Não há gosto perfeito nesta vida!”
XIV
Nesse momento o cornaz marido,
O bode racional, veado humano,
Entrou pela câmara atrevido
Como se entrasse num lugar profano;
Mas vendo o preto em jogos de Cupido,
Eis que muda logo, dizendo: “Arre, magano!
Na minha cama! Estou como uma brasa!
Mas, bagatela, tudo fica em casa.”
XV
A foda começada ao meio dia
Teve limite pelas seis da tarde.
Veio saltando a ninfa de alegria,
E de sórdida ação fazendo alarde;
O bom consorte, que risonha a via,
Lhe diz: “Estás corada! O céu te guarde;
Bem boa alpiste ao pássaro te coube!
Ora diga, menina, a que te soube?”
XVI
“Cale-se, tolo”(a puta descarada
Grita num tom raivoso, e lhe rezinga)
O rei dos cornos a cerviz pesada
Encolhe os ombros, e não respinga;
E o courão, da pergunta confiada,
Outra vez com o cafre, e mil se vinga,
Até que ele, faltando-lhe a semente,
Tira-lhe a mama, e foge de repente.
XVII
Deserta por temor de esfalfamento.
Deserta por temer que o couro o mate;
Ela então de suspiros enche o vento,
E faz alvorotar todo o Surrate;
Vão procurá-lo de cipais um cento,
Trouxeram-lhe a cavalo o tal saguate;
Ela o vai receber, e o grão Nababo
Pasmou disto, e quis ver este diabo.
XVIII
Pouco tempo aturou de novo em casa
O cão, querendo logo a pele forra,
Pois a puta com a crica toda em brasa,
Nem queria comer, só queria porra;
Voou-lhe, com um falcão batendo a asa,
E o courão, sem achar quem a socorra,
Em lágrimas banhada, acesa em fúria,
Suspira de saudade, e de luxúria.
XIX
Courões das quatro partes do universo,
De gálico voraz envenenados!
Se deste canto meu, deste acre verso
Ouvirdes porventura os duros brados;
Em bando marcial, coro perverso.
Vinde ver um cação dos mais pescados.
Vinde cingir-lhe os louros, e devotos
Beijar-lhe as asas, pendurar-lhe os votos.
IMPROVISO
Á meia-noite
Saiu de um cano
Cheio de merda
Crispiniano.
Eis que da ronda
Tropel insano
Divisa ao longe
Crispiniano.
Capuz o cobre
“És franciscano?”
— Sou (lhe responde)
“Crispiniano”.
Chega o alcaide,
Dá-lhe um abano;
Sai da gravata
Crispiniano.
A UM VELHO TABELIÃO,
QUE CASOU COM UMA RAPARIGA NOVAI
I
Um tabelião caduco
Com mulher nova casado,
Vai portar no seu estado
Por fé o sinal de cuco;
Como já não deita suco
Por mais que puxe os atilhos,
Não lhe hão de faltar casquilhos
Para a moça amantes novos,
Que lhe vão galando os ovos,
E ele vá criando os filhos.
II
Ele diz que assim o quer;
Mas de raiva dará pulos,
Vendo que são atos nulos
Os atos que ele fizer;
Sem ter direito à mulher
Que será deste demônio?
Logo então qualquer bolônio
Lhe desmancha o casamento,
Porque não tem instrumento
Com que prove o matrimônio.
III
Tenha embora muita renda,
Seja lavrador morgado,
Mas para homem casado
Sempre tem pouca fazenda;
É provável se arrependa
A pobre da rapariga,
Que se agatanhe e maldiga,
Quando na noite da boda
Vá correr a seara toda,
E não encontrar espiga.
IV
Ainda que não tome a mona
Por ter fibra já cansada,
Mal pode assistir à entrada
De Carlos em Barcelona;
Que o leve ao porto de Ancona
Não terá vento ponteiro,
E andando sempre em cruzeiro
Que fará este homem raro?
Ser como os cães, que têm faro;
Conhecê-lo pelo cheiro.
V
Por mais que à moça infeliz
Faça protestos de amor,
Sempre se quer fiador
De homem sem bens de raiz;
Só crerá no que ele diz
Se escritura lhe fizer;
E ele pode-lhe fazer
Uma dúzia, e uma centena;
Mas nunca molhando a pena
No tinteiro da mulher.
VI
São tristes da moça os fados,
Pois lhe não consentem que ela
Avance pela Arreitela
Até Pica de Regalados;
Logo entre estes dois casados
Se trava renhido pleito,
Mas se por agravo o feito
Ele leva à Relação,
Lá ninguém lhe dá razão,
Sem que mostre o seu direito.
O INFERNO DO CIÚME
I
Esse abismo, esse Orco eterno
Não é filho da razão;
Os pavores da ilusão
É que pariram o inferno;
Pelo siso me governo,
Que louco e falso a presume;
Mas, se não creio esse lume,
Nem esse invento maldito
Por experiência acredito
O inferno do Ciúme.
II
Em vão pregador rançoso
Lá do púlpito vozeia,
Quando a triste imagem feia
Traça do inferno horroroso;
É sistema fabuloso,
Que à razão embota o gume;
Não, não há Tartáreo lume,
Que devore a humanidade;
Sabeis vós o que é verdade?
O inferno do Ciúme.
III
Venha cá, senhor Boticário,
Você sabe em que se mete,
De tão rafado cadete
Sendo terceiro, está vário?
Advirta que é necessário
Reportar ações insanas;
Estude em fazer tisanas,
Algum purgante ligeiro,
Mas não seja alcoviteiro
Muito menos de sacanas.
IV
Para que viva a cozinheira,
Que tão boas papas fez!
Confesso por esta vez
Que bem me sabe e me cheira;
O Papa na sua cadeira
Vestido de estola e capa
Não faz coisa tão guapa;
A cozinheira faz mais;
O Papa faz Cardeais,
A cozinheira faz papas.
DIÁLOGO ENTRE O POETA E O TEJO
POETA
Tejo que tens, estás quedo?
Não banhas hoje esta praia?
De que o teu valor desmaia?
TEJO
Eu to digo, mas segredo;
Confesso que tenho medo
Do teu ranchinho infernal.
POETA
O teu susto é natural,
Parecem três furiazinhas,
Mas contudo são mansinhas,
Não mordem, não fazem mal.
São uns cornos muito bem feitos
Uns cornos mui delicados,
São cornos, que torneados
Se podem trazer aos peitos;
Cornos que sobem direitos.
Pela sua varonia,
E sem mais cronologia
Tem gravados na armadura
Os timbres da fidalguia.
ELEGIA À MORTE DE UMA FAMOSA ALCOVITEIRA
Gênio só dado a sórdidas torpezas,
Que usas comprar na imunda Cotovia
Chochos agrados de venais belezas;
Solto o cabelo, as carnes arrepia
Na morte desta ilustre recoveira,
Inspira-me tristíssima elegia.
Honrada, e a mais sabida alcoviteira,
A ti consagro este cipreste umbroso,
Com que te enramo a esquálida caveira;
Enquanto pelo rio pantanoso
A ouvir te leva o pálido Caronte
Severas leis de Minos rigoroso.
Alçando para o ar a crespa fronte
Os ouvidos estende às vozes minhas,
Quando no mundo os teus louvores conte.
Vós, moças do Bairro-Alto e Fontainhas,
Vós testemunhas sois da grande falta
Que chorando contais entre as vizinhas.
Ai! Que há de ser de vós, gente da malta?
Eu vejo em vossas faces o desgosto,
E a dor, que os corações vos sobressalta!
Morreu a vossa mãe, o vosso encosto,
Que vos ganhava o pão honradamente,
Ainda que com o suor do vosso rosto!
Não mais vereis entre a mundana gente
Daquela honrada boca o grato riso,
Que descobria um solitário dente!
Morreu a discrição, foi-se o juízo,
Vós o sabeis: melhor que esta viúva
Ninguém fez um recado de improviso.
Embrulhada na capa ao vento, à chuva,
Ela comprar-vos-ia caridosa
As ginjas, os melões, a pera, a uva;
Vendo qualquer de vós triste e chorosa,
Ela desassossega, ela trabalha
Por livrar-vos da pena lamentosa.
Conhecia os tafuis já pela malha,
Ela vos apartava dos sovinas,
Para aqueles que dão maior medalha;
Chupista de dinheiro e de tolinas,
Por todas repartindo esta pendanga,
Ela era o vosso bem, e as vossas minas.
Com os homens depravados tinha zanga,
Gostava da modéstia e da virtude
Dos que dão a beijar cordão e manga.
Se a mandavam beber, era um almude,
E às vezes não parava até que a boca
Se lhe punha mais grossa do que grude.
A que a procurava, e que não era louca,
A recolhia em casa, e pela mama
Apenas lhe levava coisa pouca.
Sempre de todas dava boa fama,
De fregueses lhe armava quantidade,
Até as pôr sobre si com casa e cama.
Nos ganhos nunca levou metade;
Qualquer coisa aceitava, porque pensa
Que o mais era faltar à caridade.
Dotada foi de caridade imensa;
Sempre ao lado se achou da sua amiga
No tempo da saúde, e da doença.
Aquela moça gordalhuda o diga;
Ela pode pintar mais vivos quadros
Desta estimável, desta amante liga.
No tempo em que ela andou vagando os adros,
Mil vezes lhe curou com os seus inventos
Cruéis camadas de piolhos ladros.
Ela mesma com os dedos fedorentos
Cheia de amor, de caridade cheia,
Lhe ministrava os fétidos unguentos.
À frouxa luz da trêmula candeia.
Que tem no chamejar os seus intervalos,
As chagas cura, a porquidade asseia;
De alvíssima pomada untando os calos,
As partes amacia, que mordera
O dente de ardentíssimos cavalos.
Jamais no seu trajar luxo tivera,
Nem na sua cabeça houve polvilhos,
Depois que seu marido lhe morrera.
Foi a primeira em dar ensino aos filhos;
Procurai este trilho verdadeiro
Vós, oh pais, que seguis diferentes trilhos.
Uma filha, que Deus lhe deu primeiro,
Arrimada a deixou com a loja aberta;
Teve um filho que foi alcoviteiro.
Eia, pais de famílias, olho alerta;
Se quereis os vossos filhos empregados,
Tendes século bom, e é moca certa.
Dispôs da sua terça, que tirados
Os gastos funerais, que lhe fariam
Os devotos irmãos, gatos-pingados.
Os seus testamenteiros comprariam
Com o resto uma barraca, em que decente
Uma casa de alcouce erigiriam;
Que haveria noviças e regente;
Proveu logo este cargo na Coveira,
Por ser mais respeitosa, e mais prudente;
A Santarena fica tesoureira;
Chamou para escrivã a Inácia China,
Felícia de Chaté madre rodeira.
Ninguém melhor os seus vinténs destina,
Porque para solteiras e casadas
Vejam que seminário de doutrina!
Entre as últimas vozes já trancadas,
Chamando a filha com afago, e rogo
Ficaram entre os braços enlaçadas.
A mecha (lhe diz ela) junto ao fogo
“É fácil de pegar...” Ia adiante,
Porém não disse mais, que morreu logo.
De palidez cobriu-se-lhe o semblante,
Ouviram-se ao redor gritos imensos
Da turba feminil, pouco constante.
Ternos suspiros pelos ares densos
Vão abraçar o seu cadáver frio,
Cobrem-se os olhos de engomados lenços.
Cortou a Parca desta vida o fio,
O espirito nu, da carne desatado,
Lá vai cruzando o lutulento rio.
Oh dia com razão amargurado!
Enquanto nos lembrar tão triste imagem,
Sempre serás dos bons tafuis chorado.
Cobrir tu viste com pesada lajem
Aquela que nos fez o benefício
De nos dar uma casa de estalagem.
Ninguém soube melhor do seu ofício;
Nem se achara tão destra alcoviteira
Somente com trinta anos de exercício.
E vós, mulheres que gostais de asneira,
Honrai as suas cinzas, os seus ossos,
E respeitai-lhe a fúnebre caveira.
A morte dá nos velhos e nos moços;
Ninguém se escapa da carranca feia
Depois de preso em seus calabres grossos.
Conservai pois esta fatal ideia,
E rodeando o corpo desditoso,
Acendei cada um, uma candeia.
E fazei-lhe um sepulcro aparatoso.
A AVENTURA NOTURNA
Era alta a noite, e as beiras dos telhados
Pingando mansamente convidavam
A gente toda a propagar a espécie;
Brandas torrentes, que do céu caíam
Pelas ruas abaixo sussurravam;
Dormia tudo; e a ronda do intendente
Que o grão Torquato rege, o pai das putas,
Esbirro-mor, Mecenas das tabernas,
Recolhido se tinha aos pátrios lares.
Era tudo silêncio, e só se ouvia
De vez em quando ao longe uma matraca.
Soava o sino grande dos Capuchos,
Vão-se os frades erguendo, era uma hora.
Não podia faltar: Nise formosa,
Pela primeira vez me estava esperando.
De repente me visto, e salto fora
Da pobre cama, onde envolto em sonhos
Mil imagens a mente me fingia.
Visto roupa lavada, e me perfumo,
Num capote me embuço, a espada tomo,
Que nunca me serviu, mas que em tais casos
Mete a todos respeito; e qual Quixote,
Que, havendo já perdido o caro Sancho,
Sem nada recear de assalto busca
Altos moinhos, que valente ataca;
Tal eu figuro achar a cada esquina
Um Rodamonte, e pronto me disponho
A lançá-lo por terra, em pó desfeito.
Assim gastei o tempo, até que chego
Ao sítio dado, onde o meu bem me espera.
Mal a porta emboquei, dentro em mim sinto
Um fogo ativo, que me abrasa todo.
Eis de Nise a criada, abelha-mestra,
Que à mira estava ali, a mão me aperta,
Vai-me guiando, e diz: “Suba de manso.
Que aí dorme a senhora.” A poucos passos,
Por acaso ao subir apalpo-lhe as coxas...
Oh cáspite! Que rabo! Era alcatreira,
Nunca vi cu tão duro, era uma rocha.
Foi o tesão então em mim tão forte,
Que as mãos lhe encosto aos ombros e nela salto.
E enfadada dizia: “Olhem o brejeiro!...
Afaste-se lá, que pode ouvir a minha ama!...”
Ao dizer isto a voz lhe fica presa,
Soluça, treme toda, estende os braços,
Aperta as pernas, encarquilha o cono,
Que estava do cu polegada e meia.
Qual moinho de cartas, que os rapazes
Em tempo de verão põem nas janelas,
Tal a moça rebola: e eu posto em cima,
Sem nada lhe dizer, tinha vertido
Na larga adorna a larga apojadura.
Acabada a função, em que a moçoila
(Segundo confessou) deu três por uma,
Num quarto me encaixou, onde os amores
Tinham a sua morada, onde Cupido
Havia receber em seus altares
Em breve espaço os meus amantes votos.
Dormia tudo em casa: eis Nise bela
Um pouco envergonhada, assim ficando
Mais vermelha que a rosa, a mim se chega,
Nos meus braços se lança: então lhe toco
No tenro e branco seio palpitante;
Trêmula a voz, que o susto lhe embargava,
Mal me pode dizer: “Meu bem, minha alma
Quanto pode o amor num peito firme!
Bem vês ao que me arrisco: eu bem conheço
Quanto ofendo o meu sexo, e as leis da honra
Bem sei que despedaço!... Mas não temo
Que te esqueças de mim, que ufano zombes
De uma infeliz mulher amante, e fraca!...”
Enquanto assim falava, me prendia
Nise com os braços seus, e aos meus joelhos
As pernas encostava, que eu conheço
Pelo tacto, que são rijas e grossas.
Mal podia conter-me: o céu chuvoso
Pelas telhas caía; o vento rijo
Pelas frestas zunia; a casa toda
Com cheiro de alfazema; a cama fofa,
Tudo enfim era amor, tudo arreitava.
Começo a beijar-lhe as mãos feitas de neve,
Descubro-lhe com jeito o tenro peito,
Que ansioso palpita, que resiste,
Que não murcha ao tocar-se; oh como é bela!
No seio virginal, onde dois globos
Mais brancos do que jaspe estão firmados,
Ansioso beijando-os, pouco a pouco
Se fizeram tão rijos que mal pude
Comprimi-los com os beiços; neste tempo
Pelo fundo da saia sutilmente
Lhe introduzi a mão, com que esfregava
O pentelho em redondo, o mais hirsuto
Que até ali encontrei; e como a crica
Vertido tinha já pingas ardentes,
Certos sinais, que os férvidos prazeres
Dentro na alma de Nise à luta andavam,
Tal fogo em mim senti, que de improviso
Sem nada lhe dizer me fui despindo,
Até ficar nu em pelo, e o membro feito,
Na cama me encaixei, que a um lado estava.
Nise, cheia de susto, e casto pejo,
De receio, e luxúria combatida,
Junto a mim se assentou, sem resolver-se.
Eu mesmo a fui despindo, e fui tirando
O que cobria o seu airoso corpo.
Era feito de neve: os ombros altos,
O colo branco, o cu roliço e grosso;
A barriga espaçosa, o cono estreito.
O pentelho muito denso, escuro e liso;
Coxas piramidais, pernas roliças,
O pé pequeno...Oh céus! Como é formosa!
Já metidos na cama em nívea holanda,
Erguido o membro até tocar no umbigo,
Como um Amadis de Gaula entrei na briga;
Pentelho com pentelho ambos unidos,
Presa a voz na garganta, ardente fogo
Exalávamos ambos; Nise bela
Ou fosse natural, ou fosse de arte,
O peito levantado, ansiosa, aflita,
Tremia, soluçava, e os olhos belos
Semimortos erguia: a cor do rosto
Pouco a pouco murchava; era tão forte,
Tão ativo o prazer, que ela sentia,
Que, cingindo-me os rins com os alvos braços,
Tanto a si me prendia, que por vezes
O movimento do cu me embaraçava;
Com as alvas pernas me apertava as coxas,
Titilava-lhe o cono, e reclinada
Quase sem tino a lânguida cabeça,
Chamando-me seu bem, sua alma e vida,
Faz-me ternas meiguices, brandos mimos;
Férvidos beijos, mutuamente dados,
Anelantes suspiros se exalavam;
Era tudo ternura; e em breve espaço
Ao som de queixas mil, com que tentava
Mostrar-me Nise um dano irreparável,
Senti-me quase morto em todo o corpo;
Uma viva emoção senti gostosa
Dentro em minha alma: férvidos prazeres
O peito vivamente me agitavam;
Os olhos, e a voz amortecida,
Os braços frouxos, quase moribundos,
Lânguido o corpo todo, enfim mal pude
Saber o que fazia...Eis de improviso
Tornando a mim mais forte, e mais robusto,
Tentei de novo o campo da batalha;
Como um bravo guerreiro, que se abrasa
No cálido vapor, que exala o sangue
Que ele mesmo esparziu entre as falanges
De inimigos cruéis, que vence, e mata;
Assim eu, abrasado em vivo fogo
Que de Nise saía, me não farto
Da guerra, que tentei de novo a aperto,
De novo beijo os seus mimosos braços;
Beijo-lhe os olhos, a mimosa boca,
Os níveos peitos, a cintura airosa;
Nise outro tanto me fazia alegre,
Estreitava-me a si por vários modos;
Ora posto eu por baixo, ela por cima,
Para dar doce alívio aos membros lassos;
Ora posto de ilharga, sem que nunca
O voraz membro do lugar saísse,
Onde uma vez entrara altivo e forte,
O membro, que em tal caso era mais duro
Que alva coluna de marmóreo jaspe;
Até que enfim, depois de não podermos
Nem eu, nem Nise promover mais gostos,
O brando sono, sobre nós lançado
Os seus doces influxos brandamente,
Os olhos nos cerraram. Uns leves sonhos
Vieram animar os nossos sentidos,
Até que chegou a fresca madrugada,
Em que à casa voltei de onde saíra;
E voltando outra vez à pobre cama,
Dormi o dia inteiro a sono solto.
A ARTE DE AMAR
OU PRECEITOS E REGRAS AMATÓRIAS
PARA AGRADAR ÀS DAMAS
I
Se, lascivos do mundo, amais sem arte,
Lede meus versos, amareis com ela.
Tu, louro Apolo, me tempera a lira,
Tu, branda Vênus, a cantar me ensina.
Quanto nos reinos de Plutão deseja
Tântalo ardente mitigar a sede;
Quanto suspira Prometeu, que Jove
Os duros ferros, com que o prende, rompa;
Tanto deseja a feminina turba
Ao corpo varonil unir o seu corpo;
Tanto suspira por que mão lasciva
Meiga lhe toque nas colunas lisas,
E que mimoso, petulante dedo
Lhe amolgue os tesos seus virgíneos peitos.
Em Junho ardente pelo seu consorte
Clama, suspira em verde ramo a rola;
Em gelado Janeiro clama triste
A doméstica tigre por marido;
Brama nos campos em sereno maio
Mansa novilha por amado touro.
Sábia Natura o débil sexo excita.
Torpes desejos com ardor provoca;
Mas sempre firme e simulada nega
Carnal impulso geração de Pirra.
Busca Diana Endimião nos bosques,
Mas finge ousada perseguir as feras;
Ardente Vênus só prazer respira,
Mas os seus favores solicita Marte;
Serrana humilde reclinar deseja
Nos doces braços de um vaqueiro o colo;
Mas dele foge, na montanha, esquiva,
Com ele o baile festival recusa.
II
Tu, próvido Licurgo, ou quem primeiro
À vaga turba legislou dos homens,
Severo alçando temeroso ferro
Duro reprimes da natura os gritos;
A face mulheril, imóvel de antes,
Pudibundo rubor e pejo destes;
Mas ah! Não tema varonil caterva
Femíneo pejo, sendo eu o seu mestre.
Corta o duro machado erguido tronco,
Mas vejo sempre pulular vergônteas;
Diques forçosos contra o mar se elevam,
Mas além deles delfins mansos nadam.
Pode mais do que as leis a Natureza,
Prática o mundo só o que ela dita;
Faz-se escondida enquanto a não descobrem;
Eu sutil mestre a descobri-la ensino.
Ah! Não me chamem críticos austeros
Dos boas costumes corruptor profano,
Ah! Não me mande César irritado
No frio Euxino a viver com os Getas.
Outra coisa não faz duro colono
Com liso arado, quando rompe a terra;
Dura côdea o calor nativo impede,
O ferro a rasga, e o calor transpira.
III
Vós, mancebos, correi, correi ligeiros
Do Tibre às margens férteis, e mimosas.
Tão imóveis me ouvi, mas não tão surdos;
Direi primeiro como amor se enleia,
Depois como se faz propícia Vênus.
Tu, oh Jove imortal, tu, pai dos deuses,
Sábio me inspira, que não basta Apolo.
É verde louro fugitiva Dafne,
Amor ingrato do queixoso Febo;
Tu, selvático filho de Saturno,
Só tu não temes desdenhosas iras;
Ou chuva de ouro a bela Dánae molhas,
Ou touro manso linda Europa roubas.
A face mulheril formosa e pura
Cobrem de pejo avermelhadas rosas;
Ou dedo juvenil destro as desfolhe,
Ou cálido vapor soprando as murche;
Então lasciva, sem rebuço exposta
Fácil se entrega, sem temor se arroja;
Então tu, louro Apolo, serás Dafne,
A ninfa fugitiva será Febo.
Após o bruto filho de Neptuno
Correrá Galateia os verdes mares;
Assim foge de Circe o grego Ulisses,
Assim foge de Dido o pio Eneias.
Porém, primeiro, sutilmente a inflama;
Se acaso ardente, devorante fogo
Torrar os bofes, consumir entranhas,
Natura acode com forçoso impulso,
E mais depressa se afugenta o pejo;
Mais depressa o calor do sol derrete
Pálida massa de esfregada cera;
Mais cedo rompe aríete forçoso
Torres antigas, ruinosos muros.
IV
Se branco rosto, que formoso esmaltam
Preciosos rubis, azuis safiras,
Face morena, que engraçados ornam
Dois pretos olhos, com que as Graças brincam;
Se airoso gesto, movimento lindo,
Se honesto modo, se sisudo termo
Feriu os teus olhos no teatro, ou templo,
Eia, mancebo, os tens amores, corre!...
Em pé ligeiro te sublima, e ergue;
Da vasta chusma simulado escapa.
Ou destro finjas cérebro revolto,
Ou falso mostres abafado o peito;
Logo modesto dirigindo os olhos
À branda Tirse, para os seus repara;
Vê se inocentes ao acaso vagam.
Ou se inquietos com destino giram;
Se porventura teu rival encontras.
Ânimo forte, desmaiar não deves;
Mais honrosa será tua vitória,
Tens para o carro triunfal cativo.
V
Era consorte de Vulcano, Vênus,
Mas dos favores seus é digno marte;
Com vergonha do sórdido ferreiro
Preso nas redes fica o deus da guerra;
Quais no prado melífluas abelhas
Correm voando de uma flor em outra,
Nem sobre o casto rosmaninho pousam,
Nem sobre o timo matinal descansam;
Tais, oh mancebos, mulheris desejos
Correndo voam de um amor em outro.
Nem destro Ulisses seu correr impede,
Nem rico Midas suas asas prende;
Oh tu cerúlea, cristalina Tétis,
Quando revolta não serás tão vaga?
Oh tu soberbo, furioso Noto,
Quando liberto não serás tão doido?
São mais constantes de um carvalho altivo
As livres folhas, quando Bóreas sopra,
Tremulam menos nos extensos mares
Flâmulas soltas, que maneia o vento.
Se tu mancebo, por acaso agradas,
Vive seguro, em teu rival não cuides;
É velho amante, tu amante novo;
Pode mais do que amor a novidade;
De novo ardia por Helena Páris,
Por isso foi de Menelau contrário.
VI
Mas é preciso que sutil e ardido
Primeiro excites a atenção de Tirse.
Com gesto alegre o teu amor exprime,
Falem os teus olhos, todo o corpo fale;
Mudo lhe diz que te assombra, e pasmam
Do seu semblante a formosura e a graça.
Ora de espanto se amorteça a face,
Ora se acenda com venéreo fogo;
O mesmo efeito teus contrários fazem,
Todos o orgulho mulheril incensam;
O forte sexo para si reserva
De Febo os louros, de Mavorte as palmas.
Em carros triunfais nunca viu Roma
Matrona ilustre de Cesárea casa;
Sós entre a chusma mulheril as Musas
À sombra dormem de Apolíneos louros;
Ao sexo lindo só agradam mirtos,
Verdes arbustos, que cultiva Vênus.
Só entre a chusma varonil Cupido
Da Cípria deusa pode entrar no templo;
A porta guardam Fúrias irritadas,
Que em vez de lanças arrepelam serpes,
Com dente venenoso rasgam, mordem
Alheio sexo, que arrostá-las ousa.
Posto que fosse lindo o amor de Vênus,
Morreu da sua mordedura Adônis;
Provando a fúria da raivosa Aleto,
Foi convertido em tenra flor Narciso.
VII
Mas onde corre o meu batel ligeiro!
Ferrando a vela para trás voltemos.
Mancebos, que me ouvis, sabei somente
Que neste laço se surpreendem todas.
Se acaso entrasse nesta rede de ouro
Lucrécia mesma ficaria presa;
Não seria Penélope tão casta,
Se os seus amantes lhe chamassem bela.
Esta glória somente querem todas,
Com fervoroso ardor todas a buscam;
Nem sobre as margens do Eufrates César
Mais pela glória marcial suspira.
Apraz a Vênus variar de forma,
Também Cupido de ser vário gosta;
Um gesto sempre doce se aborrece,
Às vezes vale muito um desagrado.
VIII
De teu rival, mancebo, nota o modo,
E tu sempre diverso modo segue;
Não basta ter somente amante novo,
É também necessária nova forma,
Se ele inquieto namora, tu sisudo,
Se indecente se mostra, tu modesto;
Se triste se apresenta, tu alegre;
Se acanhado se mostra, tu mais livre,
Mas toma sempre virtuoso gesto,
Só lhe pareça o teu amor fraqueza.
Não há no mundo tão lascivo monstro
Que a virtude não preze mais que o vício;
E julga sempre a feminina turba
Deles alheio quem se mostra casto;
A flama do Ciúme também queima.
E torna brandas mulheris entranhas;
Nem víbora raivosa, que pisada
Do vago caminhante se exaspera,
Nem besta furiosa, em cujas faces
O nu selvagem crava a seta aguda,
Mais iradas se acendem, do que a turba,
Quando ciosa se exaspera, e arde.
O ciúme foi ferro, a cujo golpe
Banhou o seu sangue, oh forte Pirro, as aras,
Foi ele a chama, que abrasou Sémele;
Em feroz urso transformou Calixto;
(Eu mesmo, eu mesmo...Mas a dor me impede,
Tu, soberbo rapaz da Idália, o diz!
Ah! Formosa Corina! Não te engano,
Só me abraso por ti, só por ti morro!..)
Porém sulquemos novos mares, fuja
O nosso veloz batel longe da praia.
IX
Mancebo, deixa o teu rival; só cuida
Em combater da bela Tirse o peito.
Do teatro se corre o largo pano,
Aberta a cena principia o drama.
Temerário, não deves ver tranquilo
Da peça teatral o sábio jogo;
É Cupido rapaz, não tem sossego,
Não perde a ocasião o que amor busca;
Para os olhos de Tirse te encaminha,
Neles a cena figurada nota;
Se por acaso lágrimas derrama
Tu de choro também as faces banha;
Finge ao menos secar com alvo lenço
O terno pranto, que verter não podes;
Se irritada parece, toma fogo,
Se com assombro pasma, tu te assombra.
X
Mas que novo segredo amor me inspira!
Que sábias regras, que preceitos novos!
Filho de Vênus, e de Marte filho,
De teus altos mistérios serei vate!
Forma novos oráculos em Cipro;
Por eles tenha esquecimento Delfos.
Namorado mancebo, amor te fala,
Ouve com filial respeito as vozes.
Posto que tu na cena Dóris ouças,
Altos prodígios, maravilhas novas,
A voz soltando bela, e sonorosa
Com que suspenda sibilantes ventos,
Não pasmes, nunca chores, ser não queiras
Réu desditoso de tão negro crime;
Cheia Tirse de inveja, não perdoa,
Mais depressa seria o mar estável.
A nação feminil sustenta sempre
Entre si crua sanguinosa guerra;
Ainda no berço brandamente dorme,
Ainda com o leite maternal se nutre,
Já da cova sombria o negro monstro
Que come verdes enroscadas serpes.
Salta com venenosa língua, e lambe
O seu terno peito, o seu formoso rosto;
Na boca lhe vomita cru veneno,
Que para o brando coração lhe corre,
E nas veias sutis introduzido,
Com o rubro sangue lhe circula, e pulsa;
Não só famílias com famílias rompem
A paz benigna, que na terra expira;
Entre as mesmas irmãs se acende a guerra,
Por isso é hoje negro seixo Aglaura.
Até nos céus o vago monstro gira,
Minerva, e Juno fez rivais de Vênus;
Não caíram Troianos altos muros,
Só porque Páris foi roubar Helena!
Mil adúlteros tinham sem castigo
Furtado esposas, maculado leitos;
No pomo da Discórdia veio envolta
A faísca fatal, que abrasou Troia.
XI
Contudo, posto que raivosas todas
Entre si mutuamente se enfureçam,
Mancebo, não presumas que sem pena
Vejam de amor qualquer irmã queixosa.
Não houve ninfa nos Tessálios campos
Que não movessem tristes queixas de Eco;
Só Liríope vê com dor Narciso,
Em branca flor Narciso as ninfas gostam;
Quando o monstro voraz, que sai dos mares
Só contra o filho de Teseu famoso,
Quando os frisões medrosos se perturbam,
Ligeiros se embaraçam, quebram rédeas,
Hipólito gentil por terra lançam,
Raivosos, o seu formoso corpo pisam;
A crua turba mulheril de Atenas
Festivos gritos para o céu levanta,
As tranças orna de jasmins e rosas,
Vai dar a Vênus no seu templo as graças.
XII
Oh vós, monstros cruéis, geração dura!
Malignas Fúrias com formoso aspecto!
Sacerdote de amor, agora o digo,
Hoje se saiba como sois geradas.
Supremo Jove, que tirou do caos
A bruta massa, de que o mundo é feito,
Quando os homens formou, disse-lhes logo;
“De nova espécie produzi sementes;
Exista um novo sexo, em cujo seio
O nativo calor as desenvolva;
Formoso, que a prazeres vos excite,
Maligno, que a um cego amor vos leve;
Os membros todos, do seu corpo forme
Formosa Vênus em Citera, ou Cipro,
Às Fúrias fique reservado o peito.”
Mancebos!... Eis aqui por quem Cupido
Em sutis redes vos enleia todos;
Mas não vos tinja rubro pejo as faces;
Até por elas foi novilho Jove.
Se é tecido o seu peito nos infernos
É formado no céu sua cintura;
Hipólito, Narciso lições sejam.
Com eles aprendei a não ser duros.
Posto que incestuosa chama queime,
Devore o falso coração de Fedra,
Mostrai por ela que sentis ternura;
Acompanhe o seu pranto o pranto vosso.
Tão felizes agouros vendo Tirse,
De vosso peito cego amor espera.
XIII
Longo tempo Tritão ardeu nos mares
Por Tisbe de Nereu cerúlea filha;
Dos seus amores rindo a esquiva ninfa
Melhor ouvia o murmurar das ondas;
Bem como de voraz golfinho foge
Turba medrosa de miúdos peixes,
Do mancebo Tritão cruel fugia
Assim nos reinos de Netuno Tisbe.
Eis que um dia Proteu, pastor que guarda
Das águas o marítimo rebanho,
Cuja molhada fronte cingem moles
E verde-negros juncos, que o mar cria;
Em trêmulo penhasco, e ondeando enfeitam
A leve coma paludosos ramos,
Atrás do gado nadador cantava;
“Ah! Mísero Tritão, se queres Tisbe,
Em leve pó mudada Troia vinga.”
Os eternos oráculos não mentem,
Deixou de ser esquiva a loura Tisbe.
Quando Girce nas praias se queixava
Do fugitivo, do perjuro Ulisses;
Tritão da sua dor enternecido
Vingança lhe promete, chama os ventos,
Do sagrado Oceano agita as ondas,
No fundo seio as gregas naus soçobra,
Mais preciso não foi, Tisbe se rende,
Do louco amante para os braços corre.
Mil beijos lhe recebe, e mil lhe imprime...
Deveis, mancebos, presumir o resto;
Em breve tempo todo o mar povoam
Filhinhos de Tritão, de Nereu netos.
XIV
Eis em resumo as regras necessárias,
Afim de conseguir femíneo afeto;
Delas aprendereis, destros mancebos,
A serdes cautos, prevenindo os laços
Armados por amor à inexperiência;
Pendurando assim troféus inúmeros
Ao carro triunfal da vossa glória.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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