O URUBU DE LUTO
Um velho urubu que havia perdido sua companheira numa luta com um gavião, amanheceu abatido e sorumbático. Embora naquele dia as condições climáticas e alimentícias fossem as melhores para os de sua espécie, ainda assim permaneceu enclausurado em sua toca, como se lhe faltassem fome e asas. Os companheiros, que notaram sua ausência, saíram em sua procura e o acharam chorando como um desesperado. Muito admirados, perguntaram-lhe:
- Que é
isso, meu caro? Por que estás aí a chorar nesse estado deplorável? Andas doente?
O velho abutre,
todo encolhido, respondeu com voz
embargada:
- Mataram minha amada. Estou de luto.
Os amigos, galhofeiros
como só eles, exclamaram:
- Essa é boa! Um urubu de luto!
Ao que ele
retorquiu:
- Pois é
isso mesmo. Porventura não tenho, como
os humanos, um coração? Não posso amar?
- Ora, ora!
- indagaram os companheiros. - O que é a morte senão a razão da nossa própria sobrevivência?
O viúvo,
introspectivo, responde filosoficamente:
- Sim, porque só quem nunca
foi ferido, é que zomba das cicatrizes.
Conta-se que desde esse
dia ele abandonou o bando e se tornou vegetariano.
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Iba Mendes. São Paulo, 2023.
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