2/12/2023

O cajado do pastor (Fabulário), por Iba Mendes


O cajado do pastor

Certo homem pastoreava suas ovelhas no alto de uma colina, quando notou um cortejo real que passava pela estrada próxima. De repente viu o rei descer de sua carruagem e ir caminhando até ao pé do montículo onde ele estava. Aproximando-se, o soberano fez sinal para que ele descesse, ao que o pastor, com receio de que seu rebanho se dispersasse,  gritou lá de cima: 

- Perdão, majestade! mas receio que minhas ovelhas fiquem aqui sozinhas e se percam.   

O rei admirou-se muito da atitude ousada do homem, e  resolveu ele mesmo subir o pequeno monte. Ali chegando disse: 

- Então preferiste ficar com teu rebanho a atenderes ao chamado de teu rei? Muito bem!  Não serás punido por isso. Ao contrário, tua lealdade e coragem me impressionaram deveras. É de alguém com tais qualidades que necessito para meu conselheiro. Que me dizes? 

Por um momento o homem pensou em recusar o convite real, porém, vendo ali uma oportunidade para ajudar o seu sofrido povo, aceitou a proposta com uma ressalva. 

- Grande rei, aceito com satisfação vosso convite. Peço, porém, uma semana a fim de colocar em ordem as coisas de minha família. 

Decorrido esse tempo, o pastor compareceu de cajado à mão ao palácio real, sendo ali recebido com muitas pompas e honrarias. 

À medida que passavam os anos, ele crescia sobremaneira no conceito do rei, que o elevou às mais altas dignidades, sendo considerado seu melhor e mais leal amigo.  Isso, contudo, trouxe-lhe grandes dissabores, pois muitos nobres, movidos pela inveja, tramaram astutamente contra ele. Em vista disso, passaram a observar todos os seus movimentos, a fim de encontrar motivos para denunciá-lo ao soberano.

Era hábito do pastor, sempre depois da meia-noite, adentrar num aposento secreto do palácio. Seus inimigos viram ali a ocasião oportuna para dar cabo aos seus malignos planos. Reunidos com o rei, acusaram o conselheiro de roubo ao erário real, acrescentando que tudo estava escondido num aposento secreto, do qual só ele tinha acesso. 

Embora o rei duvidasse da denúncia, achou por bem esclarecer o fato. À meia-noite, viu o pastor dirigir-se ao seu aposento desconhecido. Quando este abriu a porta de ferro, o rei apresentou-se de súbito, dizendo que  queria conhecer seu quarto. Entrando, o rei estacou surpreso. Sobre uma velha mesa de madeira viu uma simples bengala de pastor. 

- Que significa isso? - perguntou o soberano. 

-  Majestade! Esta é a mesma bengala de quando apascentava meu rebanho.  Vejo-a  aqui todos os dias, para nunca esquecer minha origem humilde. É só isso! 

O rei admirado, abraçou-o afetuosamente. E, como não tinha herdeiros, fê-lo o sucessor do trono. Quanto aos seus caluniadores, a esses expulsou-os todos do seu reino. 


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Iba Mendes (Fevereiro, 2023)

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