2/24/2023

Ecos da Minha Alma (Poesia), de Josefina de Castro Fonseca


ECOS DE MINHA ALMA


DEDICATÓRIA 

Poesias dedicadas a Sua Majestade a Imperatriz, e publicados com o fim de ser o seu lucro aplicado a bem das famílias pobres dos bravos da nossa armada, falecidos na guerra do Sul.



À SUA MAJESTADE A IMPERATRIZ

Quando, oprimida por cruel saudade,
A ti piedade com fervor pedi,
De pronto a chaga, pela dor causada,
Cicatrizada no meu peito eu vi.

Do pobre ente, que nem tu sonhavas,
E mal pensavas que existisse então,
Pungentes mágoas acalmou, graciosa,
Tua piedosa, benfazeja mão!

Desde esse instante, em florescente palma.
Dentro em minha alma a gratidão brotou;
Desde esse instante a protetora santa
A esposa encanta, que feliz tornou.

Qual moribundo, quando a lousa toca,
E um santo invoca, que salvá-lo vem,
O seu tesouro de maior valia
Grato lhe envia, por tamanho bem,

Assim minha alma, que remir quiseste,
Quando lhe deste da ventura a flor,
Vem, quanto, avara, entesourou na vida,
Agradecida, em tuas mãos depor.

Aceita o mimo, porque o mimo é nobre,
— Embora pobre seja a mão que o dá; — 
Mimo é de uma alma, Imperatriz amada,
Onde gravada tua imagem está.


À SUA MAJESTADE A IMPERATRIZ

Formosa estrela de Itália,
Que vieste, do Brasil
O céu, tão cheio de encantos,
Tornar inda mais gentil;

Que deixaste o velho mundo,
Suas grandezas, seu povo,
Para vir noutro hemisfério
Aditar um mundo novo;

Depois que meiga te vejo
Fulgurando na Bahia,
Nesta plaga que Moema
Encheu de tanta poesia,

Acho-a mais leda, mais bela;
E, pois que mais me seduz,
Não me roubes este enlevo,
Privando-a da tua luz!

Mas ah! como em minha terra,
Que tantas glórias encerra,
Hás de ostentar teu fulgor,
Se além dois anjos mimosos,
Que te reclamam saudosos,
Carecem do teu amor?

Dois serafins que o Eterno
Ao teu carinho materno,
Tão providente, deixou,
Como doce recompensa
Da dor que sofreste, imensa,
Quando outros dois te levou.

Vai, Arcanjo de bondade,
A sua, a tua saudade,
Pressurosa mitigar!
Possam lágrimas de ausência
Desses anjos de inocência
As carícias enxugar!

Possam eles, exercendo
As virtudes de seus pais,
Acalantar, caridosos,
Dos desgraçados os ais!

É assim que seus diademas
Um dia mais fulgirão,
Imitando a do Calvário
Sublime, santa missão.

Então teus votos ardentes
Serão, Teresa, cumpridos,
Vendo os dois anjos cobertos
Das bênçãos dos desvalidos.

Eu, que só tenho no mundo
O amor grato e profundo,
Com que meu peito enriqueço,
A ti, que deste-me a vida,
Numa esperança perdida,
Esse amor puro ofereço.

Como a Santa milagrosa,
Que nesta vida penosa
Nos aceita a devoção,
Acolhe tu, adorada
Imperatriz sublimada,
Meu hino de gratidão!

 

IMITAÇÃO DO SR. ABOIM

Se eu fora da Trácia o Vate sublime,
A lira afinara para só te cantar;
Se eu fora o pintor de Itália famoso,
Quisera o teu rosto para mim copiar.

Se eu fora a fontinha, que corre indolente,
E sobre conchinhas se vai espraiar,
Então me verias, correndo anelante,
Teus pés delicados risonha beijar.

Se eu fora um infante gentil, inocente,
Só tuas carícias quisera lograr;
Se sono tranquilo meus olhos cerrasse,
No teu brando seio quisera pousar.

Se eu fora a violeta, que sob as folhinhas
Esconde os encantos que Deus lhe quis dar,
A ti me mostrara, e sobre teus lábios
Meus puros perfumes quisera entornar.

Mas eu não sou fonte, pintor, ou violeta,
Nem vate, que possa teu nome exaltar;
Apenas sou triste mulher, que te adora
O mais que na terra se pode adorar.

 

À LAMENTÁVEL MORTE DE D. JÚLIA FETAL

Estavas, bela Júlia, descansada,
Na flor da juventude e formosura,
Desfrutando as carícias e ternura
Da mãe que por ti era idolatrada.

A dita de por todos ser amada
Gozavas, sem prever tua alma pura,
Que, por mesquinho fado, à sepultura
Brevemente serias transportada!

Mas ah! de um insensato a destra forte
Dispara sobre ti, Júlia querida,
O fatal tiro, que te deu a morte!...

Dos olhos foi-te a luz amortecida,
E do rosto apagou-te iníqua sorte
A branca e viva cor com a doce vida. 

 

FRANCINA
(Glosa improvisada)

MOTE

Ou são quatro as belas graças,
Ou Francina uma das três.

Tu, Francina, que ultrapassas
Qualquer mortal em beldade,
És de Citera a deidade,
Ou são quatro as belas graças.
Com a tua alvura embaças
Do jasmim a candidez;
Quem te contempla uma vez,
Diz, das Carites tão belas,
Que ser quatro devem elas,
Ou Francina uma das três.

 



A ANGELINA

Como tu és.

Angelina és tão formosa,
Como a rosa
Em fresca aurora de estio;
És pura como a corrente,
Transparente,
Do mais cristalino rio.

És qual estrela brilhante,
Rutilante,
No Armamento azulado;
Faz da terra um paraíso
Teu sorriso,
O teu sorriso engraçado.

Tua voz harmoniosa,
Maviosa,
Iguala à do rouxinol;
São teus olhos tão formosos,
Luminosos
Como dois raios do sol.

Tu és tão meiga e inocente,
Como o ente
Na madrugada da vida;
És tão grata e prazenteira,
Qual primeira
Prova de amor não mentida.

És leda como a menina,
Pequenina,
Pelos jardins a folgar;
És suave corno a brisa,
Que ameniza
Linda noite de luar.

És casta como o materno
Beijo terno
Na face do filho amado;
És divina como um canto,
Sacrossanto,
Por serafins modulado.

És doce como a esperança,
Que descansa
Na alma do fiel cristão;
Dos anjos a santidade,
A bondade,
Reside em teu coração.

 

À NOITE

Teu ar merencório, ó noite querida,
Agrada infinito ao meu coração;
Que as tristes ideias, que a mente me ocupam,
Casar melhor vejo com a tua solidão.

Apenas desdobras teu manto de anil,
Assim recamado de lindas estrelas,
Minha alma, enlevada, bendiz o Autor
De tantos prodígios, de noites tão belas.

Eu gosto de ver-te, amiga deidade,
Porque só contigo é que ouso ser franca;
De ti, só de ti confio os queixumes,
Que a sorte adversa do peito me arranca.

Tu és adorada daqueles que devem
Pungentes angústias no seio ocultar;
Daqueles que contam somente por dita
Poderem bem livres à dor se entregar.

À voz agoureira das aves noturnas,
Aos sons doloridos do mar gemebundo,
Ai! como respondem suspiros do aflito,
Que sem esperanças reside no mundo!

Teu ar merencório, ó noite querida,
Agrada infinito ao meu coração;
Que as tristes ideias, que a mente me ocupam,
Casar melhor vejo com a tua solidão.

Enquanto os mais entes, felizes, desfrutam
O brando repouso que dá-lhes Morfeu,
Eu velo, e medito nas mágoas acerbas
De que a desventura meus dias encheu.

Só tu testemunhas o pranto de angústia,
Que extremo infortúnio me faz derramar;
Só tu me tens visto da morte invocando
O único alívio, que posso alcançar.

Desta alma, que pena, tu tens escutado
Os prantos que verte, as queixas que exala;
Mas inda não sabes quanto é cruciante
A dor insofrível, que nela me cala.

Vem, noite, querida de quantos procuram
Pungentes angústias no seio ocultar;
De quantos, queixosos, aspiram somente
Poderem bem livres à dor se entregar.

No brando silêncio tu sempre hás de ver
O pranto brotar-me dos olhos cansados;
O pranto que aos risos prefiro daqueles
Que, cegos, se julgam mimosos dos fados.

 

À ANGELINA
(No seu álbum)

Não foi, querida Angelina,
A formosura divina,
Tão mimosa e peregrina,
Que em tua face se ostenta,
Que fez nascer no meu peito
O sentimento perfeito,
Pelo Senhor tão aceito,
Que cada vez mais se aumenta.

Não é por seres donosa,
Qual purpúrea e linda rosa,
Que abre fragrante e viçosa
De aurora ao desabrochar,
Que meu coração te jura
Perene, intensa ternura,
Tão meiga sempre e tão pura
Como o teu languido olhar.

Foi, sim, tua alma sublime,
Que abomina o feio crime,
Que a miséria não oprime
Com desdenhoso rigor;
Foi ela, morada pia,
Onde a virtude irradia,
Que, com tanta idolatria,
Granjeou meu terno amor.

Mas, meu anjo idolatrado,
Neste amor tão elevado,
Talvez me tenha enganado
Por não conhecer de feito,
Se amável e primorosa
És por seres virtuosa,
Ou se a virtude é formosa
Por existir no teu peito.

 

À SOFIA

Do que gosto.

Eu gosto de ver o mar azulado
Douradas areias sereno banhar;
Eu gosto de vê-lo bramir iracundo
E sobre rochedos a fúria quebrar.

Eu gosto de ver um céu de safiras,
Um céu de janeiro com almo luar;
Eu gosto de vê-lo bem negro e medonho
Terrível mostrando querer desabar.

Eu gosto de ver o sol radiante
No roxo horizonte formoso assomando;
Eu gosto de vê-lo, da tarde no termo,
A fronte abrasada no mar mergulhando.

Eu gosto de ver a triste rolinha
Carpir do consorte saudades na ausência;
Eu gosto de vê-la amante, extremosa,
Manter dos filhinhos a tênue existência.

Eu gosto de ver a rosa entreaberta,
E mais — rociada das gotas do orvalho;
Eu gosto de vê-la, nos dias de inverno,
Em triste desmaio pendente do galho.

Eu gosto de ver o níveo cordeiro
Na relva viçosa mansinho dormindo;
Eu gosto de ver o tigre indomável
No centro das matas sanhudo rugindo.

Eu gosto de ver um campo esmaltado
De belas florinhas, que espalhara odor;
Eu gosto de vê-lo bem árido, inculto,
Sem flor, sem perfumes, que inspiram amor.

E mais que do sol, do céu, do cordeiro,
Do campo, da rosa, da rola e do mar,
Eu gosto de ver da linda Sofia
Um riso nos lábios, divino, pousar.

 

À VIOLETA

Gentil florinha mimosa,
Que desabrochas viçosa,
És oriunda do céu?
Quem te deu esse perfume,
Que ao jasmim causa ciúme?
Quem tal feitiço te deu?

Foi de Deus a destra santa,
Que deu-te meiguice tanta,
Que te deu tão linda cor?
Foi o seu saber profundo,
Que te fez descer ao mundo
Como um símbolo de amor?

Se o Eterno, num sorriso,
Te colheu no paraíso,
Onde vivias tão pura;
Se, no seu sopro celeste
A terra um dia vieste
Adoçar nossa amargura;

Por que, modesta florinha,
Ocultas recatadinha
A tua divina essência?
O teu segredo é traído;
Esse aroma tão subido
Te denuncia a existência.

Quando ao universo baixaste,
Por que esse nome mudaste,
Que te cabe de direito?
Tu, que até foges às brisas,
Melhor que outra simbolizas
O sublime — amor perfeito. — 

Oh! não deixes que outra flor
Use o nome encantador
Que possuías no céu;
A presumida bem sabe
Que esse nome a ti só cabe,
Que esse nome é todo teu.

Tem ela maior frescura,
Mais tocante formosura,
Tem o teu celeste odor?
Vive acaso, flor querida,
Como tu, casta, escondida,
Retratando o puro amor?

Cativa a sua lindeza
Mais que a tua singeleza,
Encanto de quem te vê?
Tem, aos olhos da poesia,
Para atrair, a magia
Do teu raro não-sei-quê?

Porque, modesta florinha,
Ocultas, recatadinha,
A tua divina essência?
O teu segredo é traído;
Esse aroma tão subido
Te denuncia a existência.

Retoma, pois, flor celeste,
Esse nome que tiveste,
Que te cabe de direito;
Tu, que até foges às brisas,
Melhor que outra simbolizas
O sublime — amor perfeito. — 

 

MEUS DESEJOS
(A Angelina)

Eu quisera dizer-te, meu anjo,
Quanto és por minha alma adorada;
Eu quisera mostrar-te que trago
Tua imagem no peito gravada.

Eu quisera, que a sabia natura
Seus primores para ti reservasse;
Eu quisera, que o Deus de bondade
De mil ditas teus dias coroasse.

Eu quisera, de todo o universo
Sobre o trono melhor te assentar;
Eu, enfim, desejara ser homem
E poético amor te ofertar.

Só em ti, enlevado, veria
O meu voto mais caro cumprido;
Quando uma alma, que a minha entendesse,
Ao Eterno eu houvesse pedido.

Tu então realizarás, meu anjo,
Meu querido ideal amoroso;
Tu me deras do céu as delícias;
Eu seria o mortal mais ditoso.

 

A SAUDADE

Saudade! gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho,
Que me estás repassando o íntimo peito
Com dor, que os seios de alma dilacera,
— Mas dor que tem prazeres.

Garret: Poema “Camões”.

No meu seio uma flor de esperança
Cultivei com desvelo perfeito;
Mas o rijo tufão da desgraça
Arrancou-me a florinha do peito.

Ela foi num abismo funesto
De cruel desengano cair,
E após veio a mais negra saudade
Com espinhos minha alma pungir.

Tu ao menos, ó flor de infelizes,
Tu ao menos não me hás de deixar;
Se a desgraça plantou-te em meu peito,
Dele mais te não pode arrancar.

Essas vãs alegrias do mundo,
Esses gozos que o mundo aprecia,
Eu os troco, saudade adorada,
Pela tua fiel companhia.

Enquanto eu existir, do martírio,
Viverás, para me dares a palma;
Se a ventura tentasse levar-te,
Levaria contigo minha alma.

Tu ao menos, ó flor de infelizes,
Tu ao menos não me hás de deixar;
Se a desgraça plantou-te em meu peito,
Dele mais te não pode arrancar.

Nem espero que mude meu fado;
E se atento em meu triste futuro,
Nele vejo — indizíveis angústias
Um sepulcro cavando-me escuro!

Praza a Deus, que com tantos desgostos,
Minha pobre razão não feneça;
Que a saudade me não desampare,
Nem seu doce motivo eu esqueça.

Sim, permite, Senhor, que em minha alma
Ache sempre uma imagem querida,
Que, a despeito da sorte mesquinha,
Me atormente, encantando-me a vida.

Que essas vãs alegrias do mundo,
Esses gozos que o mundo aprecia,
Da saudade adorada eu os troco
Pela doce e fiel companhia.


A AURORA BRASILEIRA
(Em resposta à poesia “A Madrugada”, do Sr. João de Lemos)

Quando tu, luso cantor,
Na tua lira dourada
Modulaste com primor
Uma linda — madrugada,
Por que dizer não quiseste,
Que a aurora que descreveste
No teu hino tão gentil,
E esse mar de lisa prata,
Que os arvoredos retrata,
Eram só do meu Brasil?

Por que dizer não havias,
Que esse nascer prazenteiro
De puros, formosos dias,
Era do céu brasileiro?
Deste céu abençoado,
De belo anil esmaltado
Pela mão do Criador;
Que ledo nos apresenta
Na formosura que ostenta,
Um milagre do Senhor?!

Que tem noites tão formosas
De prateado luar?!
Que possui manhãs de rosas,
E tardes... de arrebatar?!
Tu, por acaso, ignoravas
Que a madrugada pintavas
Da minha terra natal?
Ou, — cego do pátrio amor,— 
Julgaste que esse primor
Era do teu Portugal?

Vem, no céu do meu país,
Ver bela aurora de estio
Como se mostra feliz,
Como se mira no rio!
Vem vê-la, mimosa abrindo
O transparente véu lindo,
Viçosas flores soltar,
E dos olhos lacrimantes
Mil pérolas, mil diamantes
Sobre todas derramar!

Vem ver das trancas formosas,
Por leve brisa onduladas,
Descerem cândidas rosas,
Violetas delicadas!
Jamais nesse Portugal
O teu sonho divinal
Realizado gozaste...
Vem; porque só minha terra
As maravilhas encerra
Do quadro, que debuxaste.

Vem ouvir o harmonioso,
O doce canto aflautado
Do sabiá mavioso,
Sobre o raminho pousado.
Vem ver os voláteis todos
Festejarem de mil modos,
Com folguedos e cantares,
A fagueira madrugada,
Que, de flores adornada,
Perfuma os límpidos ares.

Vem contemplar a lindeza
Deste Brasil tão jucundo;
Vem ver sua natureza,
Que é a mais bela do mundo;
Vem ver seu sol descoberto,
Num céu de nuvens deserto,
Deslumbrante de fulgores;
Vem aqui ver como o Eterno,
Até nos dias de inverno,
Veste o campo de verdores!

Diz-me, vate lusitano,
O céu do Portugal teu
E como o americano
Anilado, puro céu?
Diz-me, se na plaga tua
É tão diáfana a lua,
Se é tão meiga, tão gentil?
Se brilha em noites tão belas,
Tão opulentas de estrelas,
Como as do rico Brasil?

Se o seu raio iluminado,
Por sobre um mar transparente,
Pelas águas embalado
Se estende tão docemente?
Se doura o cume dos montes;
Se beija o cristal das fontes
Com tanto enlevo e doçura;
Se do templo na vidraça
Reflete com tanta graça
A face de luz tão pura?

Tens nos prados tanto viço?
Nos frutos tanto sabor?
Na vida tanto feitiço?...
No coração tanto amor?...
Vem, ó Bardo, vem asinha
Na mimosa pátria minha
A tua alma extasiar;
Neste clima brasileiro,
Vem sob um céu prazenteiro
Nova existência gozar.

Oh! vem, sublime Poeta,
Ver o meu solo natal;
Que de Deus a mais dileta
É a terra de Cabral!
Vem da minha terra amada
Ver a linda madrugada,
Ver do céu a perfeição!
Vem contemplar uma lua,
Que sabe, mais do que a tua,
Responder ao coração!

 

A DESPEDIDA
(À Elisa)

Tu, Elisa, te vais e me deixas,
E me deixas profunda saudade;
Sem querer, despedaças o peito,
Que te vota a mais santa amizade.

Quando penso que vais, minha Elisa,
Habitar tão distante de mim,
Eu pergunto ao meu Deus: “Que te hei feito
Para iroso punires-me assim?

Tu, Senhor, que és tão bom, porque roubas
 O consolo de minha existência?
 Por que fazes que mísera eu sofra
 O terrível martírio da ausência?

Não me leves a amiga sincera,
Que me tem extremosa afeição;
Esta amiga, que irmã considero,
Bem querida, do meu coração.

Ah! consente, Senhor, que ela fique,
E que viva para sempre a meu lado;
Que de perto eu adore as virtudes
De que tens a sua alma adornado.”

Eis, Elisa adorada, as palavras,
Que dirijo incessante ao Senhor,
Tendo o rosto de pranto inundado,
Tendo o peito partido de dor.

Mas ainda me anima a esperança
De que Deus minha prece ouvirá,
E das lágrimas tristes que verte
Meu amor, piedade terá.

E se a minha oração fervorosa
Pelo Eterno não for atendida;
Se, apesar de implorá-lo, chorando,
Ordenar tua dura partida;

Eu te juro que sempre hei de amar-te
Com a mais terna e profunda afeição;
Eu te juro, fiel, tua imagem
Guardar sempre no meu coração.

 

MINHA LIRA
(À Angelina)

Fui, Angelina querida,
De amizade estremecida
Na bela corda tocar;
Mas, por mais que desejasse,
Nunca um som, que me agradasse.
Pude da lira tirar!

Angelina, a minha lira,
Triste, mui triste suspira,
Suspira com aflição;
A pobrezinha, — coitada! — 
Não sabe repetir nada
Do que diz meu coração.

Não sabe num canto lindo,
— O meu coração ouvindo, — 
Dizer seu sentir profundo;
Dizer que muito te quero,
Que em adorar-te me esmero,
Que és meu consolo no mundo;

Que a par de ti sou contente,
E esqueço uma dor pungente — 
Ela não sabe dizer;
Que dissipas o desgosto,
Que às vezes me alaga o rosto,
Que às vezes me faz gemer;

Que olvido amarga saudade
Nos transportes de amizade
Que tu me dás a fruir;
Saudade, que, não te vendo,
Me entrega a martírio horrendo
Na dor que me faz curtir.

Não diz que, só a teu lado,
Doce prazer, não gozado,
Minha alma gozar alcança;
Não conta que te dedico
Um peito de afetos rico,
Rico de tua lembrança.

Para que me serve a mim,
Esta lira de marfim
Cordas de ouro possuir,
Se este sentir de meu peito
Ela não sabe com jeito,
Com perfeição exprimir?

Por que a pobre lira minha
Há de ser assim mesquinha,
Há de ter tanta rudeza?
Por que, na dourada corda,
Com doçura não transborda
Do meu afeto a grandeza?

Quanto não é dura a sorte,
Que uma amizade tão forte
Me não consente expressar!
Que lira me dá tão bela,
Depois de arrancar-me dela
O mago dom de encantar!

Para que me serve a mim,
Esta lira de marfim
Cordas de ouro possuir,
Se este sentir de meu peito,
Ela não sabe com jeito,
Com perfeição exprimir?

Ah! se a ela a sorte avara
Der um dia uma voz clara,
Uma voz toda divina,
Então, com terna doçura,
Dirá a doce ternura
Com que te adoro, Angelina.

 


SONETO 
(Imitação)

Se é triste, no inverno úmido e frio,
Ver a aurora gentil, crepes vestindo,
Oculto em véu nublado o rosto lindo,
Carpir saudades do formoso estio;

Se é triste ver a fonte, ver o rio
Essa dor, esse luto refletindo;
Ver o pobre botão da rosa abrindo
Sem cheiro, e tinto de palor sombrio;

Se é triste a rola ver, que, consumida,
Do consorte infiel chora a mudança,
Na roupagem das matas escondida;

Mais triste é trazer sempre na lembrança,
Viva, a imagem da dita apetecida,
E ter no coração morta a esperança.

 

AO SR. DR. ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

Lendo teus versos mimosos,
Primos cantos maviosos,
Ao Senhor graças rendi;
Sim, fiquei-lhe agradecida
Por dar-te o berço da vida
No país onde eu nasci.

No teu canto há tal brandura,
Há tão melíflua doçura,
Que do céu vindo parece;
Parece dele emanado
Esse gênio sublimado,
Que à tua mente esclarece.

Eu, Poeta, te bendigo
Por seres fiel amigo
Da terra do meu amor;
Por louvares as palmeiras
E as aves brasileiras,
Eu te bendigo, Cantor.

Bendigo a voz soberana
Dessa lira americana,
Que o prazer me infiltra na alma,
Quando diz que, na lindeza,
Essa terra portuguesa
À de Cabral cede a palma.

Da nossa pátria querida,
Pintas nos bosques mais vida,
Nas várzeas pintas mais flores;
Pintas no céu mais estrelas,
E nossas vidas mais belas,
Mais abundantes de amores.

No teu canto há tal brandura,
Há tão melíflua doçura,
Que do céu vindo parece;
Parece dele emanado,
Esse gênio sublimado,
Que à tua mente esclarece.

Esse autor da — Harpa do Crente,
Que nos diz tão docemente
Do desterrado as tristezas;
Esse Poeta estrangeiro,
Louvor teceu verdadeiro
De tua musa às lindezas.

Ele, ó Vate, conheceu
Que tinhas no livro teu
Toda a tua alma entornado;
Ora ardente, impetuosa,
Ora sentida e queixosa,
Carpindo azares do fado.

Eu creio que Deus te ensina
Essa linguagem divina,
Em que aos anjos soe falar;
Só Ele o gosto te inspira,
Com que vibras essa lira,
Que tanto sabe encantar.

Torrentes de poesia,
De suave melodia,
Das cordas dela derramas,
Descrevendo os atrativos
De olhos negros, expressivos,
Desses olhos que tu amas;

Desses olhos, que de amores
Dizem tão lindos primores,
Faliam com tanta paixão;
Às vezes quedos brilhando;
Outras vezes abrasando,
Qual incendido vulcão!

Esse teu canto gentil
Tenho lido vezes mil,
Vezes mil tem-me encantado;
E bem feliz me sentira,
Se, como tu, possuirá
Engenho tão elevado.

Se ouvisse Deus minha prece,
Se conceder-me quisesse
Um engenho igual ao teu,
Voz como a tua tão pura,
Que deixa ouvir na doçura
As harmonias do céu;

Quando o teu gênio, Poeta,
Visse, veloz como a seta,
Do céu as portas transpor;
Quando unisses lá teus hinos
A esses cantos divinos,
Que se entoam ao Senhor;

Teria, como desejo,
Seguido o rápido adejo
De teu estro na amplidão;
Transbordando de alegria,
Com ele penetraria
De Deus na sacra mansão!

Lá com os anjos entoara,
Em voz, como a deles, clara,
Mil louvores ao Senhor;
Depois, ao teu gênio unida,
Cantara a pátria querida,
A terra do meu amor.

 

AO SR. AUGUSTO FREDERICO COLIN

O tosco produto de mente acanhada
Quiseste num canto sublime exaltar;
Ao som desacorde de lira tão rude
Harmônico acento quiseste chamar.

Teu gênio inspirado, que ao céu se remonta,
Que, estrela formosa, no espaço já brilha,
Benévolo honrando das musas a filha
Lhe anima o talento, que apenas desponta.

Um hino lhe deste de tanta poesia,
Que o Vate de Inês, se ao mundo tornasse,
Ouvindo-te as notas tão meigas, tão doces,
Talvez que esse hino mimoso invejasse.

Teus louvores agradeço;
Mas conheço
Que os não posso merecer;
Minha musa tão mesquinha,
— Coitadinha! — 
Apenas sabe gemer.

Mas inda que gema aflita,
Não imita
Da rola o terno queixume,
Quando lhe roubam do ninho
O filhinho,
Que nele abrigava implume.

Não tem do cisne a voz pura,
Na tristura
Do derradeiro cantar;
Modulando, ao som das águas,
Suas mágoas,
Antes da vida findar.

A voz da miséria louca
É tão rouca,
Que agradar não pode a alguém;
Só tu dela dó tiveste,
E lhe deste
Canto que afiná-la vem.

Minha pobre, inculta musa,
De confusa,
Nem te sabe responder;
Teus louvores agradece;
Mas conhece
Que os não pode merecer.

Se eu tivera um engenho inspirado,
Um engenho que ao teu igualasse;
Se uma lira eu tivera divina,
Que tão bem, como tu, dedilhasse;

Oh! da pátria o amor, que admiras,
Qual o sinto no meu coração,
Nessa lira cantar altaneira
Fora o meu mais honroso brasão.

Sim; que a terra, que adoro extremosa,
A nenhuma minha alma compara;
E a ventura de amá-la, de vê-la,
Pelo trono melhor não trocara.

De — sua alma no livro — o poeta,
Retratando da pátria a lindeza,
Diz — ciúmes sofrer, se imagina
Outra terra, que a vença em beleza.

Eu, porém, que na minha contemplo
Primavera perene a sorrir,
Não concebo que possa no mundo
Um país tão formoso existir.

Quando vejo esta terra, que eu amo,
Por estranha nação ultrajada;
Quando, ingratos, alguns de seus filhos
Não se importam de vê-la abismada;


De profunda tristeza oprimida,
Choro o mal do meu belo país,
E só vivo ditosa e me alegro,
Quando altivo ergue a fronte feliz.

Pátria! Pátria gentil, feiticeira!
Terra santa, desta alma querida!
Quanto não estimara ser homem
Para inteira te dar minha vida!

Linda terra do meu berço,
Quanto me viras folgar,
Se a troco de minha vida
Te fizesse prosperar!

Embora invejoso estranho
Te atribua imperfeições;
Amara, quando os tivesses,
Esses teus mesmos senões;

Mas não os tens, pátria amada;
És formosa sem senão;
Tu, das nações do Universo,
És a mais bela nação.

Bem como a lua às estrelas
Em fulgores ultrapassa,
Assim tu, país querido,
Aos outros vences na graça!

Linda terra do meu berço,
Quanto me viras folgar,
Se a troco de minha vida
Te fizesse prosperar!

Mas não posso defender-te
Contra bélicos furores;
Só tenho, para dar-te, um peito,
Que por ti morre de amores;

Um peito, que ardente e louco,
Sabe por ti palpitar;
Que exulta com teus triunfos,
Que chora com teu penar.

Tu és a cópia formosa
Do paraíso de Adão;
Tu, das nações do Universo,
És a mais bela nação.

A ti, Vate, que prezas meus versos,
Eu na lira tentara cantar,
Se essa lira divina tivera,
Que tu sabes tão bem dedilhar.

Mas, que importa que louve teu gênio
Nestes cantos tão rústicos meus,
Se os humildes insetos da terra
Também erguem louvores a Deus?

Eu, Poeta, aprecio e admiro
De teu gênio o superno condão;
Pasmo, ao ver amplo voo elevá-lo
A etérea, imortal região!

Tua lira, por Deus afinada,
Como harpa de Arcanjos ressoa,
Se amarguras entoa da vida,
Se de amor as delícias entoa.

Um caminho juncado de rosas,
O Senhor ordenou-te seguir;
Para ti, com justiça, prepara
Escolhido, brilhante porvir.

Oh! prossegue na senda de glória
Que te abriu o Supremo Juiz!
Não recues, se houver nela espinhos;
Os espinhos serão teu matiz!

 

FALA-TE?
(À Angelina)

O que te diz, doce amiga,
O que te diz essa estrela,
Que em tuas longas vigílias
Sempre te ri, meiga e bela?

Essa estrela que, mimosa,
No firmamento fulgura;
Em que fitas meigos olhos,
Repassados de ternura?

Que através de claro vidro
Nas insônias te aparece,
Qual companheira extremosa,
Que de ti jamais se esquece?

Vem as lembranças queridas
Do passado te avivar?
Ou as venturas, que sonhas,
Te promete realizar?

Se assim é, porque tão triste
A contemplas, suspirando,
E de Ofir líquidas pérolas
Estão teus olhos destilando?

Acaso não acreditas
No que essa estrela te diz?!
Tão bela, tão virtuosa,
Receias ser infeliz?

Ah! receias que te engane
A companheira mimosa,
Que em tuas longas vigílias
Sempre te ri carinhosa?!

Que, com dolosos protestos
Ela te queira iludir?
Que, fraudulenta, procure
De quimeras te nutrir?!

Desterra esses vãos temores;
Vê como te olha enlevada;
Confia na mensageira
A ti por Deus enviada.

E por que hás de em tua alma
Aninhar cruel suspeita?
Refletida nessa estrela
Não sabes quanto és perfeita?

Havia o Senhor criar-te,
Adrede, gentil e pura,
Para que fosse a desgraça
Partilha da formosura?

Não o creias, não o temas;
Deus, que te fez tão formosa,
Quer, Angelina, que sejas
Quanto bela, venturosa,

Deixa chorar seu destino,
Quem não tem, como tu tens,
Uma estrela, que, luzindo,
Lhe vaticine mil bens;

Quem o seu astro querido
No céu não pode avistar,
Senão coberto de nuvens,
Que o privam de fulgurar;

Quem do passado só guarda
Recordação, que o lacera;
Quem aborrece o presente;
Quem do porvir nada espera.

Tu, porém, anjo, acredita
No que essa estrela te diz;
Tão bela, tão virtuosa,
Não temas ser infeliz.

 

A PEDIDO
(Para um álbum)

Eu engenho não tenho sublime,
Que te possa o que sinto, expressar;
Minha lira não tem a doçura,
Com que deve teus dotes cantar.

Para dizer-te somente, que és bela,
Não se hão de meus lábios abrir;
Que a lindeza, que tens no semblante,
Esta frase não pode exprimir.

O teu rosto, que as graças enfeitam,
Chamar belo — é mui fraca expressão,
Ele aos olhos o tipo apresenta
De sublime, ideal perfeição.

Eu não sei nesta folha querida
Dedicar-te um louvor que me agrade;
Nela apenas escrevo um protesto
De extremosa, sincera amizade.

 

O DELÍRIO

Já o sol esconde a fronte
Por detrás de altivo monte,
Deixando lá no horizonte
Vestígios do seu fulgor;
Já nessas nuvens douradas,
Nessas fitas abrasadas,
Deixa as ardentes pegadas
Do seu ardente esplendor.

A noite já se avizinha,
E vem achar-me sozinha
Entregue à saudade minha,
Que me fadou sorte ingrata!
Saudade que, mais se aumenta
Logo que o dia se ausenta,
E mais profunda e violenta
Me desespera, me mata!

Por que dizes, Luso Vate,
Que da tarde no remate,
O nosso coração bate
Com doce melancolia?
Por que ousaste afirmar,
Que era belo então cismar
Essa ventura sem par,
Cheia de terna poesia?!


Tu não disseste a verdade;
Não luz a felicidade
A quem profunda saudade
Negreja no coração!
Não! não desfruta tal dita,
Quem da ventura é proscrita;
Quem sofre a dor infinita
De desgraçada paixão!

Feliz no termo do dia,
É quem uma alma tem morna;
Onde essa melancolia
Doce, o crepúsculo entorna;
Mas quem no peito veemente
Palpitar contínuo sente
Abrasado o coração,
Quem toca, amando, à loucura,
No que tu achas ventura,
Não pode achar-te razão!!

Quando o sol no firmamento
Mais brilhante resplandece,
Diminuir o tormento
Em nosso peito, parece;
Esse tumulto do dia,
Tão despido de poesia,
Como que impede o pensar;
Do negro fel da desgraça
Não esgotamos a taça,
Que o seu calor faz secar.

Como, pois, grande Poeta,
Pode fruir doce calma,
Quem, com a noite ervada seta
Penetrar sente em sua alma?
Sim, como cismar venturas
Pode, quem mais amarguras
Sorve no cálix de amor,
Nessas horas de ansiedade,
Em que mais punge a saudade,
Em que mais recresce a dor?!

Não creias, Vate, contudo
Que me apraz a luz do dia
Porque serve-me de escudo
Aos assaltos da agonia;
Não! eu só desejo e adoro
Estas horas em que choro
Com tão intenso penar;
Porque amo com delírio
O incessante martírio
Desta loucura de amar!!

 

AO AMOR

Amor! teu nome querido
Quanto é doce proferir!
Mas quanto não é mais doce
No coração te sentir!

Nume, que as almas abrasas
Com a chama dos fogos teus;
Imensa como o oceano,
Infinita como Deus!

Não seres ilimitado,
Fora loucura pensar;
Ao teu despótico império
Quem pode um termo assinar?

Nos corações onde reinas,
Tens poder misterioso;
Ao bom, as vezes, mau tornas;
Tornas ao mau, virtuoso!

Ou feliz, ou desgraçado
Possuir-te é bem superno,
Quer ao céu nos arrebates,
Quer nos despenhes no inferno!!

Inferno?!... ao seio onde existas
Pode tal nome caber?
Pode sofrer dele as penas
Quem na alma altares te erguer?!

De tuas magas virtudes
A mais celeste, a mais pura,
É permitires que achemos
No sofrimento a doçura!

É fazeres que teus golpes
Queiramos antes sofrer,
Que sentir no peito um vácuo
Que mais nada pode encher!

Do mundo as realidades,
Que mais cobiçadas são,
Amor! amor! eu não troco
Por uma tua ilusão!

Amor! qual eu te imagino
Nos dourados sonhos meus,
És um resumo das glórias,
Das harmonias de Deus!

 



PORQUE TE AMO
(À Angelina)

Eu te amo, porque és bela,
E singela
Como a estrela
Do matinal, primo albor,
Quando, a aurora aparecendo,
Vai perdendo,
Vai perdendo o seu fulgor.

Porque és como a fonte pura,
Que murmura
Com doçura
Por seixinhos discorrendo;
Como entreaberto jasmim
Num jardim
Grato aroma rescendendo.

Porque tens nos olhos divos,
Expressivos,
Atrativos,
Atrativos de matar,
Quando estão meio-cerrados,
Enlevados...
Enlevados a cismar!...

Porque teu nevado seio,
Terno anseio,
Com receio,
Com receio faz mover;
Porque escondes um segredo.
Que tens medo,
Que tens medo de dizer.

Eu te amo porque entendes
E compreendes
Do Bardo o doce cantar;
Porque folgas de escutá-lo;
Porque gostas de imitá-lo,
E sabes apreciá-lo
Em seu poético amar.

És dos Poetas o sonho,
Que, risonho,
Mais lhes enche os corações.
Enlevado no teu riso,
O Trovador, de improviso,
Um anjo do paraíso
Descreve em suas canções.

 

O CÉU DE AGOSTO
(A meu irmão J. B. de Castro Rebelo)

De teu belo natal prazenteiro
Vi o dia feliz despontar;
Vi a aurora no vasto horizonte,
Mais formosa que nunca, assomar.

Era linda, qual rósea capela
Sobre a fronte de vigem louçã;
Era tão perfumada, e tão leda,
Como festa de igreja cristã.

Ela estava com a doce alegria
Debuxada na face gentil;
Alegria, que é só das auroras,
Como esta, do nosso Brasil.

Eu, então, venturosa julguei-me,
Vendo-a assim pelo céu passear;
Mas, após, de tristeza uma nuvem
Veio minha ventura toldar.

E sabes qual o motivo
De tão súbita tristeza,
Quando toda a natureza
De galas se revestiu?
Sabes por que pesarosa
Via, — quase lacrimosa,— 
Essa aurora tão formosa,
Que lá do céu me sorriu?

Era um pincel encantado,
Que minha alma cobiçava
Para o céu, que assim primava
Em lindezas, — copiar.
Era o pincel milagroso
De Rafael portentoso,
Que o seu nome glorioso
Até aos astros fez chegar.

Ah! se de Itália o Apeles,
Naqueles arroubos santos,
Porventura um céu de encantos
Alguma vez desenhou,
— Por certo me não engano — 
Desse gênio italiano,
O talento soberano
Com o céu do Brasil sonhou.

Sim, com o céu americano,
Que tão puro resplandece,
Que nele habitar parece
O Senhor com os anjos seus.
Ah! que se o céu contemplara
Da nossa terra tão cara,
O ateu não mais negara
A existência de Deus.

Não, se o manto de safiras,
Que envolve o céu prazenteiro
Deste agosto brasileiro,
Ele pudesse avistar;
Se visse da lua cheia,
Quando a noite é quase meia,
Com que doçura passeia
O raio argênteo no mar;

Essa existência divina
Revelada lhe seria;
Sua alma despertaria
Da crença eterna ao clarão.
Então, à fé convertido,
Encantado, arrependido,
Exclamara embevecido:
— Creio em ti, meu Deus! perdão!

 

À FONTINHA

Por que estás assim queixosa,
Qual triste lamentação,
Que sobre a campa do morto
Solta aflito coração?
Por que suspiras, fontinha,
Por que gemes, pobrezinha?

Temes que desta montanha,
Em cuja base murmuras,
Algum pedaço, rolando,
Turve-te as águas tão puras?
Receias, que um sol ardente
Te esgote a clara nascente?

Não; choras o amor-perfeito,
Que junto a ti floresceu,
E balouçando se via
No argênteo espelho teu;
Estás saudosa carpindo
Esse amor, que era tão lindo!...

Em vão sua imagem buscas
No teu liquido cristal;
O furacão, que arrancou-te
O mimoso original,
Nem uma folha te deixa,
Que minore a tua queixa.

É por isso que, saudosa,
Qual triste lamentação,
Que sobre a campa do morto
Solta aflito coração,
Assim tu gemes, fontinha,
E suspiras, pobrezinha.

Acaso possuis uma alma,
Que lhe conheça o valor,
Tu que choras tão sentida
Pela perda dessa flor?
Se a possuis, deves queixar-te;
Não pretendo consolar-te.

Eu quero só minhas lágrimas
Com teus prantos confundir;
Quero meus tristes queixumes
A teus queixumes unir;
Quero contigo viver,
Porque te vejo sofrer.

Quero sentir no meu peito
Os ecos de lua dor;
Quero suspirar contigo;
Partilhar teu dissabor,
De tua melancolia,
Quero beber a poesia.

Com a dor eu simpatizo,
Porque a dor também conheço;
Eu sei o que são angústias,
E de ti me compadeço;
Também saudades eu tenho,
Que aliar às tuas venho.

Minha saudade é tão negra,
Qual noite tempestuosa;
É negra a tua saudade
Como veste lutuosa;
Ambas têm a cor da sina
Que nos coube, tão mofina!...

Eu quero, pois, minhas lágrimas
Com teus prantos confundir;
Quero meus tristes queixumes
A teus queixumes unir;
Quero contigo viver,
Porque te vejo sofrer.

O formoso amor-perfeito,
Que a teu lado floresceu,
Que, tão lindo, refletia
O argênteo espelho teu,
Vazio um lugar deixou,
Onde a saudade brotou.

Mas não temas que te deixe
Esta florinha querida;
O próprio tempo que passa,
De tudo extinguindo a vida,
Por ela debalde corre;
Porque a saudade não morre!

E a saudade que é minha,
Como os ais — do sofrimento, —
Como o riso é — da ventura, — 
E — da desgraça — o lamento,
Quando a lousa do sepulcro
Meu corpo exangue esconder,
Há de, fiel, a meu lado,
Qual na vida florescer.

 

UMA QUEIXA

É um dos milagres cie amor o fazer que
achemos prazer no sofrimento, e olharíamos
como a maior desgraça, um estado de indiferença
e de esquecimento, que nos tirasse
todo o sentimento de nossas penas.

J. J. Rousseau.

Meu Deus! por que derramaste
Dor tamanha em minha vida?
Por que afagar me deixaste
Uma esperança querida,
Que havia ser-me arrancada,
Que tinha de ver perdida?

O porvir, que, lisonjeira,
Me prometia risonho,
Por que tu me não consentes
Gozar ao menos num sonho?
Por que o envolves em trevas,
Por que o fazes tão medonho?!

Ah! Senhor! dá-me de novo
Esses anos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em que eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz;

Que, de flores esmaltado,
Um caminho me apontava,
O qual percorrer comigo
Fagueira me assegurava,
E conduzir-me à ventura,
Que dele no fim raiava!

Então eu supunha lenta
Do tempo a fugaz carreira,
Que eu bem quisera tão rápida
Qual fantasia ligeira,
Más que tanto me afastava
Dessa ventura fagueira.

Como anelante aguardava
O termo dessa tardança,
Animada de contínuo
Por enganosa esperança,
Em que minha alma depunha,
Cega, inteira confiança!

É que, então, mal suspeitava
Que saudades sentiria
Desse tempo de folguedos,
Que tão lento parecia;
Tempo que a meiga inocência
De prazeres me tecia.


Hoje recordo saudosa
Esses anos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em que eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz.

Ai! da ventura o caminho,
Que me sorria tão perto,
Vi sem flores, sem aromas,
E só de espinhos coberto!...
Abandonou-me a esperança,
Que para mim o tinha aberto!

Esta ideia do passado
A dor me torna mais forte;
Angustiada pranteou
Os tratos da dura sorte;
Mas, para findar meus males,
Ao Senhor não peço a morte.

Não peço; que não n’a quero;
A morte é — tudo olvidar; — 
Gelo, que o peito entorpece,
Que o priva de palpitar;
É — termo de sofrimentos; — 
Mas também é — não amar. — 

Não, não peço; que prefiro
Tudo no mundo sofrer — 
A origem de meus males
No peito apagada ter;
Quero, embora me atormente,
Este penado viver.

Sorte! sorte! se desejas
Ferir-me com mais rigor,
Contra mim teus golpes vibra,
Multiplica a minha dor;
Priva-me embora de tudo,
Deixa-me só meu amor!

 

TUA LIRA
(Ao A. F. Colin)

Deu-te o Senhor uma lira,
Que suspira
Com seráfica doçura;
Deu-te o mimo mais querido,
Mais subido,
Que dar pode à criatura.

Quando os meigos sons desata,
Arrebata,
Extasia os corações,
Que ao céu se vão elevando,
Escutando
Tão doces modulações;

Doces como a meiga lua,
De véu nua,
Que, nas noites de janeiro,
Mostra a face tão formosa,
Tão mimosa,
No puro céu brasileiro;

Como os trenos afinados,
Escapados
Da frauta na solidão,
Por leve aragem trazidos
Aos ouvidos,
Ou antes ao coração.

Qual a onda, que se espraia
Pela praia
Queixumes a murmurar,
Qual saudosa filomela,
Terna e bela,
Endechas a gorjear;

Assim a tua voz soa,
Quando entoa
Carmes cheios de tristura;
Assim falia a tua lira,
E suspira,
Com seráfica doçura.

Tu herdaste a voz queixosa,
Maviosa,
Que Bernardim desferia,
Quando lá de sua terra
Sobre a serra,
Fundas saudades carpia;

Quando, de dor esmagado
E cortado,
Via o mísero infeliz
O baixei que se alongava,
E levava
Sua fiel Beatriz

A Beatriz que ele amava,
Que adorava
Com esse exaltado amor,
Que, santo e místico, bate
Só do Vate
No peito cheio de ardor!


Tu herdaste a voz queixosa,
Maviosa,
Que Bernardim desferia,
Quando lá de sua terra
Sobre a serra,
Fundas saudades carpia.

Ah! se minha musa triste
Não ouviste
Louvar-te em cadente lira,
É que à minha triste musa
Deus recusa
O gênio, que à tua inspira.

Bem quisera a sem-ventura
A doçura
De tua lira imitar,
E dizer-te o enlevo imenso,
Com que penso
Nos teus versos de encantar.

Mas em vão a pobrezinha
Se amesquinha
Neste impotente querer;
Em vão; que bem que sobejo,
O desejo
Suprir não pode ao saber.

Assim, não sabe a coitada
Dizer nada,
Que possa agradar-te; não:
Mal concede-lhe o destino,
Dar-te um hino
De devota gratidão.

 

TEUS OLHOS
(A Angelina)

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim e que são;
Às vezes luzindo serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão.

A. G. Dias.

Estrelas, que bordais o véu da noite,
O que sois, que valeis ante seus olhos?

F. Moniz Barreto.

I
Angelina, teus olhos tão pretos
Em teu rosto brilhando incendidos,
São dois negros, gentis diamantes,
Pelo astro do dia feridos.

São dois negros, gentis diamantes,
Que das mãos do Eterno saíram,
E que, os ares rompendo ligeiros,
Sobre nívea açucena caíram.

Sobre ela mais negros parecem,
Que madeixas de grega formosa,
E se a grega avistara teus olhos,
De avistá-los gemera ciosa;

Que teus olhos tão belos, tão pretos,
Em teu rosto brilhando incendidos,
São dois negros, gentis diamantes,
Pelo astro do dia feridos.

São mais negros que as trevas, que cercam
Tristes dias do cego, aziagos;
Mais brilhantes que a nítida estrela,
Que serviu de farol aos três Magos.

II
Assim como num mar proceloso,
Frágil barca, do vento à mercê,
Ora vê-se arrastada aos abismos,
Ora às nuvens erguida se vê;

E, querendo lutar com a tormenta,
De baldados esforços redobra,
Que, batida por túmidas vagas,
Infeliz, sem remédio, soçobra;

Assim nesses teus olhos tão negros,
Em teu rosto incendidos a arder,
Não podendo escapar ao perigo,
Vai a triste razão perecer!

São teus olhos fatais à mesquinha,
Quando fervem, qual mar em furor;
São fatais, se a cismar se desfazem
Em torrentes de meigo langor.

Os teus olhos, às vezes, parecem
Com insólito ardente luzir,
Outros olhos buscar abrasados,
Onde possam seus raios fundir;

Outros olhos, que as chamas reflitam
Dessa negra pupila brilhante,
Respondendo à mudez eloquente
De teu mágico olhar fascinante.

III
Qual nos vastos desertos da Arábia,
O sedento, infeliz viajor,
Que não acha uma fonte, que possa
Mitigar-lhe da sede o ardor;

E que sente crescer-lhe esse fogo,
Nem ao menos achar sombra amiga,
Onde o brando bafejo das auras
O console de tanta fadiga;

Assim fica quem vê os teus olhos
Em teu rosto incendido brilhando,
Como o Sol abrasado da Arábia
Com seus raios ardentes queimando.

Quem teus olhos ver pode animados,
Sem de amores mil vezes morrer?!
Se, qual barca no mar proceloso,
Neles vai a razão perecer!

Inda aquele, em quem frio, e bem frio,
Coração, quase gelo, pulsasse,
E o amor, tão estranho à sua alma,
Vã palavra no mundo julgasse;

Apesar de gelado, se vira
Esse fogo, que os olhos te inflama,
De um amor, que julgava impossível,
Sentiria abrasar-se na chama;

E ficara, bem como, na Arábia,
O sedento, infeliz viajor,
Que não acha uma fonte, que possa
Mitigar-lhe da sede o ardor!

Angelina, são teus olhos
Dois escolhos,
Onde naufraga a razão;
Atrai o seu mago encanto,
Qual das sereias o canto
Atraía à perdição!

Quando inflamados a arder,
Que poder
Há de a eles resistir,
Se, nos raios, que dardejam,
Os corações só desejam
Inteiros se consumir?

A seu magnético lume,
Mal presume
Que fugir pode, a razão;
Que, na porfiada lida,
Sucumbe a alma vencida
Por tamanha tentação.

E não só quando brilhante,
Deslumbrante,
É teu olhar tentador;
A perdição leva o peito,
Quando se move desfeito
Em torrentes de langor!...

Quem há, pois, à tua vista,
Que resista,
Que se não deixe tentar?
Que não deseje contente
Nessa lânguida torrente
Seus ardores afogar?...

E dessa negra pupila,
Que cintila
Com tão frouxo cintilar,
Como a luz enfraquecida
De uma lâmpada esquecida,
Que ninguém veio animar,

Ir no raio desmaiado,
Com ousado,
Sôfrego, lábio colher
De vida tênue parcela,
Que essa pupila tão bela
Em se parece conter?

Resistir a tal encanto
Nem um santo!
E que santo se esquivar
Ao teu olhar poderia,
Que só a Deus não teria
O mago dom de tentar?!

A seu magnético lume,
Mal presume
Que fugir pode, a razão;
Que, na porfiada lida,
Sucumbe a alma, vencida
Por tamanha tentação!!

 

AO MEU CORAÇÃO

Por que estás tão apressado,
Coração, a palpitar?
Queres, deixando meu peito,
Por esses ares voar?
Queres do meu pensamento
A carreira acompanhar?

Queres, misero insensato,
Este desejo cumprir?
Intentas da fantasia
Os amplos voos seguir?
Buscas, vencendo a distância,
Tua saudade extinguir?...

Esta saudade tão funda,
Tão viva, tão pertinaz,
Que te faz tão desgraçado,
Que tão ditoso te faz?
Que tanto te amarga às vezes,
Que às vezes tanto te apraz?

Pretendes tu, pobre louco,
Tuas dores aumentar?
Desejas ao lado — Dele— 
De martírios te fartar?
Queres nos olhos, que adoras,
Mais desenganos buscar?

Se ao excesso do tormento
Tivesses de sucumbir,
Quem tanto havia de amá-lo,
Deixando tu de existir!
Quem ousaria contigo
Em firmeza competir?

E ele, onde poderia
Tão soberano reinar?
Onde iria sua imagem
Obter tão devoto altar,
E tão desvelado culto,
Tão fervoroso, encontrar?

Deixa ir só meu pensamento,
De seus voos na amplidão;
Quem sabe se ao lado doutra
O acharás, coração?
Morre embora de saudade;
Porém de ciúme... não!

 

OS POSTIGUINHOS
(Ao Sr. Visconde da Pedra Brinca)
.
Deus singelos postiguinhos
Fez-te Angelina notar;
Dizendo que eu os amava,
Também os quiseste amar.

Se o meu amor conhecendo,
Deles tanto gostas já;
Sabendo o que vou contar-te;
Teu afeto aumentará.

Quero dizer-te uma cousa...
Mas de a dizer tenho medo:
Para que fique tranquila,
Te peço guardes segredo.

Nem das paredes confies
Aquilo que eu te contar;
Que, se o souber, Angelina
Há de comigo ralhar.

Me há de chamar palradora;
Há de queixar-se de mim;
Há de ficar arrufada,
E não quero vê-la assim.

Esperando que observes
O sigilo que te peço,
Mais sossegada, atai cousa
A revelar-te começo.


Sabe que nos postiguinhos,
— Que também quiseste amar,— 
Todos os dias risonha,
Vai-se Angelina mirar.

Neles vai, com desculpável,
Requintada faceirice,
Procurar a afirmativa
Do que o espelho já lhe disse.

Se visses nesses momentos
Os seus meneios gentis,
E radiar nela toda
A mocidade feliz,

Ficaras embevecido
Esse quadro contemplando,
Que a mais doce das venturas
Te iria na alma infiltrando.

Ficaras, qual eu me sinto,
Quando a vejo assim faceira
Em frente dos postiguinhos
A menear-se ligeira.

Tu, porém, que ver não podes
Esse quadro encantador,
Que debuxado parece
Por mão do travesso Amor,

Imagina-o, se puderes;
Que, depois de o imaginar,
Juro que hás de um idolatra
Dos postiguinhos ficar.

 

MINHA ESTRELA

Eu a vi, mas passando apressada,
Qual meteoro brilhante a luzir;
Eu a vi, e estampada em minha alma
Se ficou para enquanto existir.

A. F. Colim.

Eras tu, eras tu, que eu sonhava...

A. Herculano.

Houve um tempo em que eu buscava,
No firmamento estreitado
A estrela, à que ligado
Meu destino Deus pusera;
Mas logo as vistas baixava,
Desanimada, abatida;
Que o astro da minha vida
Luzir não via na efêmera.

Meu pobre coração louco
Em vão tentava animar-me,
E nova esperança dar-me,
Que não podia durar;
Sim em vão; que dentro em pouco
Os quadros, que a fantasia,
Risonhos, pintado havia,
Vinha o pranto desbotar.
Assim via ir-se escoando
O meu viver neste mundo,
E com desgosto profundo
Irem-se as noites no céu...
Essas noites que, passando,
Uma após outra, arrancavam
As esperanças, que brotavam
No puro coração meu.

Mas ele, sempre teimoso,
Com a maior perseverança
Plantava nova esperança,
Pensando colher-lhe a flor!
Não sabia o desditoso
Que às sevas leis da má sorte —
Da terra o poder mais forte
Não ousa obstáculos por!

Em vão pretendia a mente
Ao meu doido coração
Os conselhos da razão
Fazer atento escutar;
Em vão dizia ao imprudente
Que teima tão prolongada,
Nesta vida limitada,
Era insano delirar.

A nada ouvidos prestava,
E, na mais louca porfia,
Logo que a noite estendia
Sobre a terra o imenso véu,
Ansioso ele procurava
Ver o seu astro radiante
Entre o cortejo brilhante,
Que passeava no céu.

E ia assim consumindo
Nesse cansado desejo,
Triste, mesquinho sobejo
De vida tão gasta já;
De vida que, à luz eu vindo,
Neste oceano de dores,
Num de seus ímpios rigores
Fadara-me a sorte má.

Mas um dia em que assomando,
Tinha a noite desdobrado,
Nítido manto esmaltado
Todo de estrelas mimosas,
A minha não divisando
Entre o concílio luzido,
Que do meu país querido
As noites faz tão formosas,

“É impossível — dizia — 
 Que Deus se lembre de mim,
E minha alma deixe assim
Curtir tamanho pesar!
Deus, que as dores alivia
Com seu influxo divino,
Por que, vendo o meu destino,
Não quer a minha abrandar?

Todos têm a sua estrela
Mais formosa, ou menos bela?
Podem conversar com ela,
E admirar-lhe o fulgor;
Mas a minha onde está?.. onde?.
Por que me foge e se esconde?...
Por que meiga não responde
Ao meu reclamo de amor?

Deixa, meu Deus, que eu a veja,
Inda que um instante seja,
E que tão risonha esteja,
Qual tenho-a visto a sonhar;
Que possa, de hoje em diante,
A lembrança desse instante,
 Num doce enlevo constante?
A minha vida aditar.

 Ah! Senhor! tem piedade,
Por tua suma bondade,
Desta cruel ansiedade,
Que me tortura o viver!
Se te move meu tormento,
Deixa, sequer um momento,
Que eu possa no Armamento
Minha estrela amada ver!”

Depois triste, desolada,
Amargo pranto vertia,
Que, mais que a voz, exprimia
Minha aguda, intensa dor...
E essa pena exacerbada
Vendo lá do santo Empíreo,
Deus ao meu longo martírio
Quis piedoso termo pôr.

Sim — o pranto caudal, que dos olhos
Pela angústia brotava arrancado,
Conseguiu que o Senhor derrogasse
Os decretos cruéis de meu fado.

Através da torrente de lágrimas,
Que turvava o cansado olhar meu,
Vi, mais linda que as outras estrelas,
Minha estrela luzindo no céu.

Eu a vi como a tinha sonhado,
Como a tinha pedido ao Senhor,
Um composto de mimo e doçura,
Um esmero mimoso de amor.

Um instante somente durara
Tão suave, tão grata visão...
Apagou-se, bem como se apaga
Do relâmpago o breve clarão!

Mas que importa que Deus a deixasse
Um instante somente luzir,
Se eu a vi, e estampada em minha alma
Me ficou para enquanto existir?

Que me importa, que os olhos do corpo
Não n’a possam no céu avistar,
Se com os olhos desta alma eu a vejo
Dentro em meu coração fulgurar?

Sim— que importa, se eu sei que ela existe?
Se eu a vi me sorrir com ternura?
Se da nuvem opaca, que a cobre,
Minha mente atravessa a espessura,

E a vê, qual eu tinha sonhado,
Qual eu tinha pedido ao Senhor,
Um composto de graça e doçura,
Um esmero mimoso de amor?!...

Sou feliz, porque guardo a lembrança
De seu meigo, encantado sorrir,
Que me deixa zombar dessa nuvem,
Que a meus olhos a quer encobrir!

 

O SR. VISCONDE DA PEDRA BRANCA À AUTORA

Uns olhos cantaste, Adélia,
Em versos tão primorosos,
Que deixaste os olhos todos,
Desses olhos invejosos.

Esses olhos, que cantaste
Na lira que o mesmo Apolo,
Arrebatado do canto,
Veio pendurar-te ao colo,

São dois gentis diamantes,
Que caíram lá do céu...
Mas isso é da natureza;
O que tem eles de seu?

Que sentimentos exprimem?
Dó, gratidão, ou bondade?
Alguma vez neles viste
Amor, ternura, verdade?

Senti, ao ver esses olhos,
Um deslumbrante clarão,
Que fere como o do raio,
E passa como o trovão.

Os dois gentis diamantes,
As duas belas estreites,
Luzem, cintilam e brilham;
Porém o que dizem elas?

 

NÃO SEI
(Ao Sr. Visconde da Pedra Branca)

Não sei se acredite, se vá duvidando
Que os olhos não mentem.

J. Palma.

Uma pergunta fizeste-me,
A qual não sei responder;
Tu pretendes que te explique
O que mal posso entender:
Não sabendo se é exato,
Como, o que penso, dizer?

Num labirinto de ideias
Minha mente confundida,
Sem luz, que lhe aclare as trevas,
Em que se acha envolvida,
Em dúbio estado divaga,
Sem atinar com a saída.

Tu, sim, que melhor conheces
O humano coração,
Que tens mais experiência
Deste mundo de ficção,
Deves saber se esses olhos
Exprimem verdade, ou não.

Com perfeição eles sabem
Amor, ternura exprimir;
Mas sei eu se então refletem
Do coração o sentir?
A mentira, da verdade,
Como neles distinguir?

Às vezes, quando, mais ternos,
Mais desfeitos em langor,
Na doce expressão revelam
Um paraíso de amor,
Eu penso existir na terra
Um dos anjos do Senhor.

E como então não ter crença
No que me diz esse olhar?
Acaso os olhos de um anjo
Pode a mentira manchar?
Quando os julgo tão divinos,
Posso deles duvidar?

Ah! eu jamais perderia
Esta fagueira ilusão,
Se neles sempre encontrasse
Tão angélica expressão;
Se às vezes não deslumbrassem
Como do raio o clarão.

Se, quando mais abrasados,
Mais ardentes a luzir,
Parecendo estarem de alma
Todo o fogo a refletir,
Os lábios lhes não viessem
O que dizem, desmentir!

Se confirmassem os lábios
Desses olhos a expressão,
Se aqueles fossem de fogo,
Quando estes de fogo são,
Minha mente não ficara
Em tamanha confusão.

Mas, como o fogo dos olhos
Acreditar, no momento
Em que os lábios me asseguram
Ser gelado o sentimento?!
Querer ver quais são os falsos,
Não é buscar um tormento?

De gelo a palavra, oposta
Das vistas à chama ateada,
Faz-me pasmar, sem que saiba
O que me torna assombrada;
Se o raio ardente das vistas,
Ou se a palavra gelada!

Se são os lábios, se os olhos
Que mentem, dizer não sei;
Do labirinto, em que vivo,
Desde que sabê-lo intentei,
Que fio tirar-me pode?
Como dele sairei?

Tu, pois, que melhor conheces
O humano coração,
Que tens mais experiência
Deste mundo de ficção,
Deves saber se esses olhos
Exprimem verdade, ou não.

Não me dirijas perguntas,
Às quais não sei responder;
Não pretendas que te explique
O que mal posso entender;
Vem antes, com tuas luzes,
Minha mente esclarecer.

 

SAUDADE
(À Elisa)

Ela foi-se, e com ela foi minha alma.

Não roce os lábios meus nem mais um riso;
Meu terno coração ralai, saudades!

Bocage.

Já realizados, Elisa,
Vejo os temores que eu tinha:
Tu partiste, me deixaste...
E como te foste azinha!
Sem te ver, anjo querido,
Quanto é triste a vida minha!

Essa casa tão alegre,
Quando por ti habitada,
Essa da santa virtude
Encantadora morada,
Hoje é triste como a lousa
No cemitério isolada!

O silêncio, que a rodeia,
Eu quebro, quando te chamo,
Quando invoco o doce nome
Daquela, que tanto amo;
Mas só os ecos respondem
Ao meu saudoso reclamo!

Contemplando essas paredes
Inanimadas e frias,
Que a cada instante me lembram
As passadas alegrias
Desses — que juntas gozamos — 
Risonhos, ditosos dias,

Minha profunda saudade
Inda mais sinto aumentar:
Meu coração oprimido
De dor parece estalar,
Pressentindo que o passado
Não se possa renovar.

Esse cruel fado inimigo,
Que de mim te separou,
Por que deixou-me uma vida,
Que tão infeliz tornou?
Oh! maldito seja ele,
Que a viver me condenou!

Oh! maldito seja ele,
Que tanto me faz sofrer:
Que mudou minha ventura
Num contínuo padecer;
Que te arrancou de meus brados,
E me deixa inda viver!

De que me serve esta vida,
Que levo tão torturada?
Como hei de agora sofrê-la
De angústias tão repassada?
Ai de mim! como arrastá-la
Se me ficou tão pesada!

Se eu possuirá a certeza
De que vivias feliz,
Mais resignada aceitara
Lei, que o fado impor-me quis;
Mas tu sofres quanto eu sofro;
O meu coração mo diz.

Tu semelhas, minha Elisa,
Da rosa o pobre botão,
Cujo ramo foi lascado
Por furioso tufão,
E vai triste emurchecendo
Debruçado para o chão.

E eu o que sou, meu anjo,
Senão botão desgraçado,
Que pende triste, sem viço,
Do pobre ramo lascado?
Bem irmãs somos nas dores;
É bem irmão nosso fado.

Eu passo a vida sozinha,
Tua ausência a lamentar;
A pedir a Deus um dia,
Em que te possa abraçar;
A curtir uma saudade,
Que me não pode matar!

 

O SONHO

Que lindo sonho que eu tive
Esta noite em meu dormir!
Oh! quem me dera que os sonhos
Não costumasse mentir.

Por que não fiquei dormindo,
Se estava um sonho tão lindo
Meu coração a embalar?
Por que essa voz desabrida
Arrancou-me à doce vida,
Que desfrutava a sonhar?

No sonho eu realizava
As venturas, que sonhava,
Velando em meditação;
Nele via partilhado
Este sentir abrasado,
Que me queima o coração.

Como feliz me não cria,
Quando a prova recebia
De constante, ardente amor!
Como então julguei bem pagos
Esses dias aziagos,
Que passara entregue à dor!

Fui ditosa, em extremo ditosa,
N esse instante passado a dormir;
Em lugar da saudade, em meu peito
Vi a flor da esperança se abrir!

Sonho! sonho, que assim me iludiste,
Um momento me dando feliz!
Apesar de cruel me enganares,
Quanto meu coração te bendiz!

Eu bem sei quanto dói a lembrança
De que foi tudo isso ilusão;
Eu bem sei que ninguém correspondi:
Aos extremos do meu coração.

Se, porém, acordada penando,
Levo os dias tão triste a gemer,
Eu o sonho abençoo, querido,
Que um instante me deu de prazer.

Dá-me, meu Deus, a promessa
De outra noite como essa,
Que me fizeste gozar!
Tudo sofrerei contente,
Com a esperança somente
De assim outra vez sonhar.

Ah! quem dera fosse infindo
O sonho que era tão lindo,
Meu coração a embalar!
Maldita a voz desabrida,
Que arrancou-me à doce vida,
Que desfrutava a sonhar!

 

O SR. ANTÔNIO GONÇALVES DIAS À AUTORA

— Donde vens, viajor?
— De longe venho.
— Que viste?
— Muitas terras.
— E qual delas
Mais te soube agradar?
— São todas belas;
Fundas recordações de todas tenho.

— E admiraste o que?
— Ah! onde as flores
Cada vez a manhã tornam mais linda,
Onde gemeu Paraguaçu de amores,
E os ecos faliam de Moema ainda;
Ali, Safo cristã, virgem formosa,
A vida aos sons da lira dulcifica:
De escutar a sereia harmoniosa,
Ou de vê-la, a vontade presa fica.

 

AO SR. VISCONDE DA PEDRA BRANCA

Que preceito tirano me impede
De voar pressurosa a teus lares?
De poder, na ventura de ouvir-te,
Extinguir da saudade os pesares?

Da saudade tão viva e profunda,
Que, qual serpe, minha alma envenena;
Vem tu, pois, esmagar este monstro,
Que a tormentos cruéis me condena.

Com tuas sabias palavras
Vem me ensinar a esquecer
Este mundo de mentiras,
Em que forçam-me a viver.

Ele, como tu bem sabes,
Tem costumes sociais,
Que nos privam de fazermos
O que desejamos mais.

Em vão contra tais usanças
Pretendo me rebelar;
A elas cedo; sou débil;
Não posso lutas travar.

Tu, porém, podes rir, caro amigo,
Deste mundo de enredos cruéis,
Como o nauta animoso, que canta
Afrontando do mar os parcéis.

Sim; tu podes zombar neste mundo
Dos costumes que julgas tiranos,
Desprezando os espíritos fracos,
Que os aprovam, que os seguem insanos.

Vem ensinar-me a esquecer
Destes usos sociais,
Que, sem razão, nos proíbem
O que desejamos mais.

 

UMA SÚPLICA
(A meu pai)

A ti, Pai, fui uma graça
Com timidez implorar;
Mas, de vê-la indeferida,
Tive o profundo pesar.

Temendo desagradar-te,
Se o pedido renovasse,
Roguei a Deus que a maneira
De te mover me inspirasse.

Meu Deus! — aflita eu dizia — 
Ensina-me o que fazer,
Para o — sim —, tão desejado,
De meu bom Paizinho obter.

Outra vez falar-lhe nisto,
Ir desgostá-lo receio;
Tu, Senhor, que tudo podes,
Aponta-me um melhor meio.

Tu, que a dor bem conhecestes,
Que me encheu o coração,
Quando vi minha esperança
Malograda por um— não;

Um triste— não — que me impede
De correr, como desejo,
Para matar a saudade
De quem tanto ver almejo;

De algum de teus belos anjos
Me empresta a afinada lira,
 Que alcançar breve o — sim— possa,
Por que minha alma suspira.

Quando ao Senhor esta prece
Eu aflita dirigia,
Ele, cheio de bondade,
Julguei que me respondia:

— Para de teu pai obteres
— Essa graça, que apeteces,
— Uma das liras dos anjos
— Emprestada não careces;

— Vai com essa, que possuis,
— Junto a ele dedilhar;
— Que, condoído de ouvir-te,
— Há de o — não — num— sim — mudar.

Seguindo o santo conselho,
Que supus dado por Deus,
Vim dedilhar minha lira,
Ajoelhada aos pés teus.

Os sons queixosos lhe ouvindo,
Terás compaixão de mim?...
Em vez do — não — tão amargo,
Dar-me-ás um doce — sim?... 

 

QUE CHUVA!
(Ao Sr. Visconde da Pedra Branca)

Que chuva, querido amigo,
Tão importuna e tão má!
Ah! quanto nos contraria,
Não te deixando vir cá!

Cada noite, ao recolher-me,
Sinto fagueira esperança
De que a manhã do outro dia
Seja manhã de bonança.

Mas qual! a manhã seguinte,
Para adrede atormentar-me,
Toda chuva, toda vento,
Vem do sono despertar-me!

Imagina como fico,
Quando acordo ao som pesado
Das grossas pancadas d’água,
Caindo sobre o telhado!

E acaso supões que este
Das gotas dela me abriga?
Pensas que um sólido forro
Me defende da inimiga?

Estás em completo erro;
Que a chuva invadindo tudo,
Nem as telhas, nem o forro,
Podem servir-me do escudo.

Nunca vi, querido amigo;
Dias assim tão iguais,
Tão irmãos, tão parecidos,
Para desesperarem mais!

Sabes o que será isto?...
Dilúvio teremos novo?...
Punir — Deus pretende acaso
Os pecados do seu povo?...

Como prevenir desgraças
Nenhum mal pode fazer,
Vê se arranjas um barquinho
Para o que puder suceder.

 

ACRÓSTICO

Anjo, que me apareceste
Nesta vida de aflição,
Gênio bom, que me puseste
Esta fé no coração,
Linda estrela, que fulguras,
Inveja causando às mais,
No teu éden de venturas
A caso escutas meus ais?...

 

POR QUE DUVIDAS?

Para mim és tu só o universo;
Soe embora o bulício do mundo;
Que este existe somente, onde existes:
Tudo o mais é um ermo profundo.

A. Herculano.

Por que não me acreditaste?
Por que duvidas de mim?
Nas terras, por onde andaste,
Alguém já te amou assim?
Já encontraste no mundo
Alguém, que amor tão profundo
Te pudesse dedicar?
Coração, que mais ardesse,
Que um teu suspiro soubesse
Com mil suspiros pagar?

Quem tanto tempo a lembrança
De um sonho havia guardar,
Sem a menor esperança
De o poder realizar?
Quem, com tamanha ternura,
À sombra de tarde pura,
Teu nome repetiria,
Embevecida julgando
Que te estava contemplando
Nos horizontes, que via?!

Ai! quem à noite velando,
Em ti assim pensaria?
E para em ti estar pensando,
Quem, quem tanto velaria?!
Quem já formou tão risonhos,
Tão lindos, dourados sonhos,
Entretida a meditar?
Quem, desde tão curta idade,
Com tanto amor e saudade,
Por ti verias chorar?!

Quem, dos bailes no tumulto,
Se acharia tão sozinha
Com o pensamento, que oculto
Do seio no fundo tinha?!

Quem, neles, com mais tristeza,
Duma invejou a beleza,
Doutra as prendas invejou,
Para atrair os olhares,
Que te via esperdiçares
Com a que nunca te amou?!

Os males de tua vida
Quem partilhar quereria
Com a ternura estremecida,
Com que os eu partilharia?
Ah! quem tão fervidamente
Rogaria ao Onipotente,
Para deles te isentar?!
Nadando em santas delicias,
Do coração as primícias
Quem assim te havia dar?!

Só eu um coração dar-te podia,
Cujos sonhos mais doces fossem teus,
Como de alma é a mística poesia,
Como no céu os anjos são de Deus.

Só eu podia dar-te um coração,
Que afagasse tão terno à tua imagem,
Como à flor escondida no botão
Afaga, carinhosa, a branda aragem.

Só eu um coração podia dar-te,
Tão rico de ternuras e de amores,
Que nos gozos soubesse acompanhar-te,
E desvelado mitigar-te as dores.
Não, não é uma mentira;
Este coração, que à lira
Por ti, só por ti me inspira,
Todo, todo, te entreguei;
Podes com mimo adorá-lo,
Como um tesouro guardá-lo;
Podes também desprezá-lo,
Que inda assim te bendirei.

Te bendirei — não te minto — 
Pelo, que hoje em mim sinto,
Desconhecido sofrer...

Quem dantes crer me faria,
Que essa paixão, que eu nutria,
Viesse ainda a crescer?!...

Ela, ai de mim! — aumentou-se,
E a tal extremo elevou-se,
Que já não posso ocular;
Do meu coração o espaço
E já hoje bem escasso
Para tamanho amor guardar.

Por que não sei explicar-te
O que ora se passa em mim?
Ai! por que não sei provar-te
Que nunca sofri assim?!
Na minha vida passada
Tua imagem adorada
Nunca me fez tanto mal;
Nunca me deu um tormento,
Convulso, louco, violento,
Que fosse ao que sinto, igual!

De sono tão agitado,
Por que um instante passei?
Com o peito dilacerado
Por que, tremendo, acordei?
Ah! não creias que te engano
No meu delirar insano,
Que não sei bem expressar:
Nessa insônia de amargura
Deu-me a cruel desventura
Uma ideia de matar!

Era a ideia desgraçada
De que, breve, te veria
Só nos sonhos da abrasada,
Delirante fantasia!
Ah! dissipa-me este medo;
Não te demores; vem cedo,
Se não por amor, por Deus,
Salvar-me desta ansiedade,
Desta medonha saudade,
Verdugo dos dias meus!

 

ACRÓSTICO

Abriste em fresca manhã
No meio das outras flores,
Gentil florinha louça,
Extasiando os amores...
Lírio do céu, que viés te
Incensar o mundo meu,
NO puro seio trouxeste
Almos prazeres do teu!

 

EU TE AMO

Careço de li, meu anjo,
Careço do teu amor,
Como da gota do orvalho
Carece no prado a flor.

G. Dias.

Lembra-te a hora bendita
Em que o nume, com carinho,
Te derramou na minha alma
Como a sombra no caminho.

Lamartine.

Astro, que tão poucos dias
O meu mundo alumiaste,
Tu, que nele refulgias,
E tanto me fascinaste,
Por que fugiste tão cedo?
Por acaso houveste medo
De mais tempo aqui brilhar,
E foste, então, teus fulgores,
Distante de teus amores,
Noutra plaga derramar?

Não vês que a débil plantinha,
Privada do teu calor,
De saudade se definha,
Se definha de langor?
Não vês que viver não pode,
Se um raio teu não acode
A sustentar-lhe o viver?
Não vês que, sem teu cuidado,
Este pesar extremado
Bem cedo a fará morrer?

Por que a dor lhe não evitas,
Que a vai consumindo assim?
Mais que esta a terra, que habitas,
Tem atrativos para ti?
Por isso lá permaneces?
É por isso que te esqueces
Da plantinha emurchecida,
Sem reparar que da triste
Aos tufões já não resiste
O tênue fio de vida?!

Não; não são os encantos da terra,
Que te atraem, que te prendem, meu bem;
É a lei de invencível destino,
Que distante de mim te retém.

E que encanto encontrar poderias,
Que atrativo acharias aí,
Se de amor lá não vive quem faça
Tão subidos extremos por ti?

Nem quem busque mirar-se em teus olhos
Com a profunda, indizível ternura,
Com que meu coração, enlevado,
Nesse espelho mirar-se procura.

O que nos teus olhos leio,
Ninguém o soletra, eu creio,
Ninguém o entende, anjo meu;
Ninguém sabe a frase linda,
Que Deus, com bondade infinda,
Neles para mim escreveu.

Não viste a frase querida
Nos meus olhos refletida,
Quando encontravam os teus?
Não viste-a na minha alma escrita,
Com devoção infinita,
Após o nome de Deus?

Nos meus risos de ventura,
Nos meus prantos de amargura,
Não n’a viste transluzir,
Quando, do mundo esquecida,
De minha alma toda a vida
Fui nos teus lábios sumir?!

Ah! dos Ecos da minha alma
Quando as folhas percorreste,
Essa frase encantadora
Impressa nelas não leste?

Não n’a viste nessa — Queixa?
Nessa do — Sonho — ilusão?
Nos gemidos da — Saudade?
No — Delírio — da paixão?

Nessa palavra, que a esmo
Caía dos lábios meus,
E que tão mago sorriso
Desafiava dos teus?

— Eu te amo — não leste mil vezes
No receio, com que eu evitava
Teu olhar, em que o siso perdia;
Que tão ébria de amor me prostrava?

Quando falas com o astro das noites,
E de amor meigo olhar nele fitas;
Quando em brando silêncio o contemplas,
E nos nossos amores meditas;

Minha vista suspensa não vês
Lá nos raios fulgentes da lua,
Com enlevos de amor infinito
Procurando encontrar-se com a tua?

E depois, numa só confundidas,
Repassadas de imensa ternura,
A cismar como atônitas ficam,
Futurando sublime ventura?!

— Eu te amo — meus olhos te dizem,
E te dizem meus lábios também;
Teu olhar me responde: — Eu te amo-
No suave volver que ele tem.

Quanto amor cá na terra imaginas,
Quanto julgas que o céu pode ter,
De teus olhos ressumbra, meu anjo,
Resumido no doce volver.

Ah! volta, volta depressa!
De teu olhar o condão
Mc livre deste martírio,
Que me rala o coração.

Vem alumiar meu mundo,
Que todo trevas ficou,
Dos que o seu astro tão lindo
De aparecer-lhe deixou!


E traze à débil plantinha,
Privada de teu calor,
Que emurcheceu, consumida
De tua ausência com a dor,
A vida, a paz, a ventura,
Num teu sorriso de amor.

 

À ANGELINA,
(No seu desposório)

Anjo querido, que o pranto
Tantas vezes me enxugaste,
Tu, que de amarga saudade
O negro fel me adoçaste,
E seus agudos espinhos
Menos pungentes tornaste;

Tu, de quem a voz maviosa
Tanto eu gostava de ouvir,
Quando, exprimindo os encantos
De teu profundo sentir,
Vinha, qual sopro celeste,
Na minha alma se sumir;

Tu, que tens a voz de um anjo,
Que tens de um anjo a beleza;
Tu, que dele herdaste o nome,
Tu, que lhe herdaste a pureza:

Que és a irmã de minha alma,
Que te adora estremecida,
Cujo livro não tem folha,
Que por ti não fosse lida;


Embebe, como soías,
Nela o teu olhar tão puro,
E lê, de intensa amizade,
O que em vão dizer procuro.

Vê aí, como dirijo
Ardentes preces a Deus,
Para que enfeite os teus dias
Das lindas flores dos céus.

Possa o mortal que escolheste,
E concedeu-te o Senhor,
Realizar teu sonhado
Éden sublime de amor!

Possa ele, como espero,
Tua alma compreender,
Fazendo que os anjos tenham
Inveja do teu viver!!

 

DOR E ESPERANÇA

O sopro fagueiro de brisa macia
Teu barco movia,
Teu barco impelia
Para longe de mim;
E eu, enquanto ele levar-se deixava,
Sozinha chorava,
Sozinha acusava
Meu fado ruim.

Chorava, porque partias
Para tão longo cruzeiro;
Porque via o teu navio
De mim fugir tão ligeiro,
E tu de lá me mandares
Um triste adeus derradeiro.

Depois, como a noite seu manto estendia,
E quase envolvia
Teu barco, que ia
Correndo veloz,
Que olhar de saudade, de intensa amargura,
De terna tristura,
Com triste ternura
Minha alma lhe pôs!

Que olhar de amoroso anseio,
De tantas angústias cheio,
No teu navio fitei!
De rasgar, anjo querido,
Esse manto denegrido
Quanto o poder almejei!

“Meu Deus! meu Deus! eu dizia:
Tu, que vês quanto o adoro,
Traze depressa a meus braços
O consorte, por quem choro!

Faze que um pronto regresso
A mim, Senhor, o conduza;
Dá-me tu, que tanto podes,
O que o fado me recusa!”

Quando à noite em nossos lares
Tão solitária me achei,
E o lugar, em que te via,
Tão vazio contemplei,
Com que pungente saudade
Tristes prantos renovei!


Cheguei a pedir ao vento...
— Que insensato pensamento! — 
Me viesse arrebatar,
E que me fosse a teu lado,
No sopro mais perfumado,
Ditosa e leda pousar!

Se tu, meu ídolo amado,
Se tu pudesses então,
Embebendo as tuas vistas
Dentro do meu coração,
Ver como o dilacerava
Da saudade a negra mão,

Oh! que bem conhecerias
O que dizer-te não sei;
Oh! que jamais duvidaras
Do amor que te jurei,
Nesses olhares de fogo,
Com que tua alma queimei.

Sim, verias que te amo,
Quanto à flora a primavera;
Quanto a mãe ao tenro filho,
Pelo qual morrer quisera.

Qual o que tinha Moisés
A palavra do Senhor;
Qual o que na cruz sentia
Dos homens o Redentor;
Dedicado, ardente, imenso,
Assim é o meu amor!

Como pela luz o cego,
Pela pátria o exilado,
Pelo céu, da fé o mártir,
Pela vida o condenado,

Suspiro porque haja breve
Tua ausência de findar,
E que esta sede de ver-te
Possa em teus olhos matar.

Inda quatro longos dias
De insofríveis agonias
A separar-nos estão!...
Bias, que mais e mais crescem;
Que quatro séculos parecem,
Que lentos passando vão!

Oh! praza a Deus que infinita
Sejas tu, hora bendita,
Que nos deves reunir;
Que assim nos terás vingado
Da tirania do fado
Que teima em nos perseguir!

Então esta pobre vida,
De tantos males tecida,
Poderemos esquecer;
E a nossa oblação mais pura
A Deus, por tanta ventura,
Agradecidos render.

 

EM 10 DE DEZEMBRO DE 1854
(Aos anos do Sr. Visconde da Pedra Branca)

Se falta o estro, o coração sobeja;
A bem do coração desculpa o canto.

V. da Pedra Branca.

O pó, que toda a envolvia,
Da lira fui sacudir,
E as cordas enferrujadas
Com todo o esmero polir,
A ver se algum som mais doce
Delas podia extrair.

Eu buscava à minha lira
Dar tão sublime expressão,
Que de amizade mais pura
Fosse a fiel tradução;
Um eco, que repetisse
As falas do coração.

Mas a lira, a pobre lira
Tanto tempo abandonada,
Apesar dos meus esforços,
Ficou tão desafinada!...
Do que o meu coração disse
Não soube repetir nada.

Em vão supliquei às musas
Que a viessem afinar;
Não me ouviram; ou quiseram
Destarte me castigar,
Por tanto tempo passado
Sem eu delas me lembrar.

Só dos filhos prediletos,
Que por elas estremecem,
Para Ornar as nobres frontes
De flores capelas tecem;
São eles, que os seus tesouros,
Tão cobiçados, merecem.

A estes pertence em hinos
De suave melodia
Louvar-te, no aniversário
De teu natalício dia,
As virtudes, que minha alma
Com devoção aprecia.

Não irá, pois, minha lira
Unir seus acentos rudes
Aos sons doces, maviosos
De sublimes alaúdes,
Que, afinados pelas musas,
Aplaudem tuas virtudes.

Sim; que saudade tão funda
Meu coração despedaça,
E de tão negra tristeza
Verte nele amarga taça,
Que, o canto que eu desferisse,
Seria um canto sem graça.

Não vá, pois, esta saudade,
Que sinto na alma a gemer,
Com as rosas de tua aurora
Triste contraste fazer;
Nem misturar seus suspiros
Com os risos de almo prazer.

 

ÚLTIMO ADEUS
(A morte do Sr. Visconde da Pedra Branca)

Não morreu! volveu só a terra à terra!
O que era frágil cinza, a sepultura
No avaro seio para sempre se encerra!

Mendes Leal.

I
Cortada pelos gemidos,
Pelos soluços sentidos
Da mais profunda saudade,
É a triste despedida,
Que hás de, em meus versos carpida,
Receber na eternidade!

E o adeus derradeiro
De um coração verdadeiro,
Que muito te quis na vida;
Último adeus de quem jura
De ti guardar a mais pura,
Lembrança nunca esquecida.

Ai! por que fatal acaso
Só do sol no triste ocaso
Um reflexo pude ver?!
Frouxo reflexo de um raio,
Que a palidez do desmaio
Já de todo ia esconder?!

Cheguei tarde... apenas pude
Sobre o fúnebre ataúde,
Em pranto os olhos fitar!...
A gratidão, a amizade,
A dor de extrema saudade
Resumia nesse olhar.

O cálix da desventura,
A transbordar de amargura,
Que eu tragasse a sorte quis;
Rasgando com violência
Do meu livro da existência
Uma folha bem feliz!


Nessa folha afortunada,
Por tuas mãos preparada,
Tinhas escrito — amizade; — 
Dela o que resta? somente
Uma lembrança na mente;
No coração a saudade!

Ai! por que fatal acaso
Só do sol no triste ocaso
Um reflexo pude ver?!
Frouxo reflexo de um raio,
Que a palidez do desmaio
Já de todo ia esconder!

II
Àqueles que tanto amaste,
E cá na terra choraste,
Lá no céu te vais unir;
Vais ver o filho adorado,
Cuja perda terminado
Fez-te crer o teu porvir.

E longo tempo assim creste;
Mas no futuro morreste
Quando teu filho morreu?
Não; que Deus para consolar-te,
E da perda compensar-te
Um novo filho te deu; 

Mimosa flor de inocência,
Que do tronco da ciência
Num rebento despontou.
No porvir sentiste a vida,
Quando a florinha querida
Tão gentil desabrochou.


III
Da filha e mãe extremosa
A dor o filho sorria,
O valor não conhecendo
Do tesouro que perdia!

Mãe quando uni dia d esse bem superno
O preço avaliar,
Irá com o pranto do chorar materno
Seu pranto misturar,

Quando mais tarde à sombra da ramagem
Dos chorões do jazigo,
For queixumes carpir, beijando a laje
Que cobre o extinto amigo,

Irei dizer-lhe, das lições lembrada
De se venerando pai,
Que, se o corpo do justo volve ao nada,
O espírito para o céu vai.

Que esse, que, tão em flor, deixou-lhe a vida,
Teve, entrando os umbrais da eternidade,
A recompensa ao justo prometida,
Que lhe adoçou dos filhos a saudade.

 

UNS OLHOS
(Num álbum)
Num semblante peregrino
Dois olhos castanhos vi,
Tão ternos, tão matadores,
Outros jamais conheci.

Do sol ardente não tinham
O deslumbrante fulgor:
Mas, como a serena lua,
Moitas falavam de amor.

Brilhavam com a luz suave,
Que alumia o coração;
Do divino olhar dos anjos
Tinham o doce condão.

Olhos, que assim possuíam
Tão poderosa magia,
Quem, depois de os avistar,
Por eles não morreria?!...

 

CANTO PATRIÓTICO

I
A lira, já condenada,
Talvez, a silêncio eterno,
Hoje desperta, animada
Da pátria ao grito materno.
Se jazia adormecida,
Não tinha perdido a vida,
Podia ainda acordar;
Firme o coração, que outrora
Do Brasil cantou a aurora,
Nunca deixou de pulsar.

Nunca; e palpitando estreme
Por ver-te, ó pátria, exaltada,
De indignação hoje treme,
Vendo-te assim humilhada!
Ai de mim!... fraca mulher,
Que tanto almeja poder,
E que só pode almejar!...
Esta fraqueza — bem vejo —
Amortalha o vão desejo,
Que sinto de te vingar.

Desde o começo da vida,
Como a luz dos olhos meus,
Tenho amado, estremecida,
Todos os primores teus.
Corno hei de, pois, indolente,
Ver um pérfido insolente
Nodoar teu pavilhão,
Sem que deseje, indignada.
Ver tanta injuria lavada
No sangue desse vilão?!

II
Qual foi o fado, que te deu, sinistro,
Esse Ministro, quebrantado e velho,
Que, ouvindo insultos dos mandões britanos,
Aos longos anos não pediu conselho?!

Que deixa, inerte, deslustrar a vitória,
Que a nossa história juvenil, proclama?!
Que aos louros, ganhos por briosa gente,
Deixa ao descrente marear a fuma?!

Que culto, ó pátria, eu não rendera ao velho,
Se fora espelho dos heróis de outrora!
Se na resposta, que em teu nome dera,
Mostrar soubera quanto és livre agora!

Não creia, entanto, o insular ousado
Ter-nos manchado com seu vil insulto;
Que os descendentes de leais guerreiros
Não são cordeiros de um rebanho inútil.

Os que souberam, com gentis façanhas,
Da força e manhas triunfar dos lusos,
Depois de livres, como o sol dos bravos,
Hão de hoje, ignavos, se curvar a intrusos?!

III
Já da tragédia medonha
Do Monarca do oceano,
Porque o cobre de vergonha,
Não se recorda o britano!
Sim, dos seus abandonada,
A guarnição malfadada,
Preza do fogo e do mar,
Perecera horrivelmente,
Se o brasileiro valente
Não n’a fosse resgatar.

Para opróbrio seu nos mares,
Outro caso ainda existe,
Que nas crônicas vulgares
Um nome lhe dá bem triste:
Foi quando à Vasco da Gama,
Não do incêndio na chama,
Mas da procela no horror,
Em socorrer vacilara,
E essa glória deixara
Do brasileiro ao valor.

Que valem ébrias armadas
Dessas raças aviltadas
Pelo nefando egoísmo?
Que valem canhões raiados
Contra peitos couraçados
De ingente patriotismo?

Lê, britano, a tua história,
Nela aponta qual a glória,
Que te faz tão orgulhoso!
E teres dado à mesquinha,
De Escócia infeliz rainha,
Um cadafalso afrontoso?!

Glorificam-te as lembranças
Dessas míseras crianças,
Filhas do quarto Eduardo,
Mandadas asfixiar,
Com barbarismo sem par,
Pelo perverso Ricardo?!

Nem valeu aos inocentes
Serem dois anjos dormentes
No mesmo leito abraçados;
Que esse quadro, tão do céu,
Não tocou, não comoveu
Os peitos dos condenados!!

Vê na página sangrenta,
Que o brilho inda mais aumenta
De teu dourado brasão,
Rolar de Carlos primeiro,
Por mão de algoz traiçoeiro,
A cabeça pelo chão!

Quantas cenas horrorosas
Mancham as folhas anosas
Da medonha história tua!
Se nas brenhas a escutassem,
Talvez que as feras pasmassem
De uma fereza tão crua!

Monstro, que na África ardente
Vais o negro libertar,
E deixas, incoerente,
Em teu seio vigorar
Lei iníqua, revoltante,
Dando ao marido o poder
Da própria mulher vender
No leilão mais aviltante!!

Ímpio, que, após tantos crimes,
As outras nações oprimes
Pelo nefando egoísmo,
Contra teus canhões raiados
Temos peitos couraçados
De ingente patriotismo!

Temos a honra, a bravura,
Temos na alma a fé mais pura
Para vencer-te na liça;
Temos um solo invejado,
Um Soberano ilustrado,
Temos de Deus a justiça.

 

O SR. FRANCISCO MONIZ BARRETO À AUTORA
(No aniversário de seu natalício)

Mais terno canta o sabiá flautado;
Veste-se o prado de melhor matiz;
Mais dos regatos o cristal se alisa;
Mais doce a brisa seus amores diz.

Mais bela é a flor, e mais perfume exala;
O céu mais falia a quem no Eterno crê;
Do ser criado pelo Ser Divino
Em tudo um hino o pensamento lê.

Do sol no disco, que mais luz derrama,
Um nome à fama recomenda o céu;
Nome, que a noite, mais gentil, revela
Em cada estrela, que lhe borda o véu.

“Adélia!” dizem os celestes hinos,
Os doces trinos do plumoso Orfeu;
De aura murmura o perfumado bafo — 
“Adélia...” e Safo um brado eterno deu.

Honra, baianos, do Parnaso à rosa,
Que esta endeusa região cristã!
Bardos! a hora da homenagem soa:
Uma coroa — à nossa ilustre irmã!

Nela — eis cumprido o que eu predisse outrora,
Quando na aurora de sua idade a ouvi...
Lá — dos romeiros do Senhor — na estância,
Quanta fragrância em seu poetar senti!

Fulge-lhe o estro, que a modéstia esconde,
Quando responde ao português Cantor:
Quem não inveja, na linguagem sua,
A nossa lua a nos falar de amor?!

Os lindos olhos de Angelina bela,
Nas frases dela, inda mais lindos são...
É, para as almas, sua lira rara
Mágica vara de imortal condão.

Lágrimas tristes a sua arpa arranca,
De Pedra branca lamentando o fim...
Glória ao poeta, que tivera a sina — 
De voz divina para cantá-lo assim!

Contra a britana prepotência ousada,
O plectro, irada, vem, por fim, brandir:
Nesse hino, em prol de sua livre terra,
Clarim de guerra nos parece ouvir!

É o adejo de seu gênio imenso — 
Queimado incenso, que se eleva a Deus:
Por Ele ungidos — os seus lábios santos
Vertem, nos cantos, todo o mel dos cens.

De poetisa à rescendente palma
Une a de uma alma, como poucas tem;
De mãe, de esposa, em vivo amor acesa,
De uma pureza dos vergéis do Éden.

Honra, baianos, do Parnaso à rosa,
Que esta endeusa região cristã!
Bardos! a hora da homenagem soa:
Uma coroa — à nossa ilustre irmã!

 

À EXCELENTÍSSIMA SRA. D. EUDALINDA A. F. BULHÕES
(No seu álbum)

Da pátria o gemido triste,
Quando tu, virgem, ouviste,
Na minha lira sentiste
Tanta dor repercutir,
Que, vendo-a chorar magoada
Sua terra nãovingada,
A julgaste despertada
Para nunca mais dormir!

Mas ah! como te enganaste
No juízo que formaste!
Foi o gemer que escutaste
Do pranto ungido da dor;
Final centelha de lume,
Que a fala de óleo consume,
Ou derradeiro perfume,
Que se desprende da flor.


Não penses, virgem querida,
De novo chamar à vida
Esta lira que, perdida,
Jaz do olvido no pó;
Se acordou de sono largo,
De tão profundo letargo,
Foi para, com pranto amargo,
Carpir sua pátria, só.

Hinos dar-te eu não espero;
Do coração, porém, quero
Um voto ardente e sincero,
Por ti, ao céu enviar:
Possa, mimosa donzela,
A tua rósea capela,
Da virtude a flor singela,
Pura sempre conservar!

 

A EXCELENTÍSSIMA SRA. D. BRASÍLIA BOTELHO
(No seu álbum)

Uma flor, por mim plantada,
Queres aqui, de poesia;
Mas onde achá-la, se o gênio
Essa flor somente cria?

Houve tempo, em que das musas
Fui docemente afagada;
Hoje debalde as invoco;
Comigo não querem nada!

Para ser harmoniosa,
De cultura a voz carece;
Sem cultura, da poesia
A flor em botão fenece.
Este botão, que definha,
Já sem aroma e sem cor,
Plantá-lo aqui no teu álbum
Todo galas e primor,
Fora grinalda de rosas
Mesclar de um goivo de dor;

Sim; que entre flores viçosas
Colocar botão mirrado — 
Fora entoar triste endecha
Em festim de batizado;
Fora o pranto de viúva
Entre os risos de noivado.

Assim, Brasília, em teu livro
Apenas posso depor — 
Da mais terna simpatia
A mimosa e casta flor,
Que brota espontânea de alma,
Sem carecer de cultor.

 

MEU ANJO DA GUARDA

Anjo, que sempre me guardaste na alma,
Nítida a palma de infinito amor,
Oh! quanto esta alma não tornaste bela,
Plantando nela da poesia a flor!

Que flor mimosa, perfumada e pura!
Quanta doçura me não fez libar
Na dor, causada pela atroz lembrança
De sem esperança neste mundo amar!

Sim; jamais pode, do sofrer no meio,
De que tão cheio o meu passado é,
De alma, guardada por ternura imensa,
Fugir-me a crença, vacilar-me a fé.

Tu me fizeste dês de tenra idade
Sempre a verdade com pureza amar;
Jamais deixando que a mentira ímpia
Ousasse um dia os lábios meus nodoar.

Quando de pranto me alagava o rosto
De um mal suposto a cruciante dor,
Só tu fazias, me enxugando o pranto,
Que achasse encanto em meu penado amor.

As mil belezas de uma noite pura
Tu com brandura me fazias ver,
E em cada estrela, que lhe ornava o manto,
Um nome santo, embevecida, ler.

O mar, o rio, a cristalina fonte,
O horizonte a se estender sem fim;
No céu a lua a deslizar-se amena,
Bela e serena, pelo azul cetim;

A linda aurora, adelgaçando a treva,
Quando se eleva perfumada aos céus,
E vai da noite descobrindo, a medo,
Tanto segredo, ao suspender-lhe os véus;

As avezinhas, que em maviosos trinos,
Cadentes hinos ao Eterno dão;
A borboleta a doidejar, incerta,
Da rosa aberta, ao infantil botão;

As maravilhas, que natura encerra
No céu, na terra, no profundo mar;
Tudo, meu anjo, tudo a mim mostraste,
E me ensinaste a compreender e amar.
Newton ilustre, em atrevido adejo,
Achando o ensejo de chegar aos céus,
E, temerário, o divinal mistério
Do mundo etéreo surpreendendo a Deus;

Franklin, ousando, em arrojado ensaio,
Fazer que o raio lhe obedeça à lei;
Ele, o amigo tão leal do povo,
Do mundo novo libertando a grei;

E Gutenberg, que, inventando a imprensa,
De glória imensa o seu brasão encheu,
E da ciência o salutar progresso
Ao orbe, opresso pela ignorância, deu;

Camões, por Lísia tão chorado ainda,
De Inês tão linda o imortal Cantor,
Carpindo as mágoas da infeliz infanta,
Mártir santa de extremoso amor;

Quanto de nobre, generoso e grande
O gênio expande, que admirar-nos vem;
Quanto de enlevo o pensamento cria;
Quanta harmonia o coração contém;

Se me arrebata, se extasia e enleia
Esta alma cheia de infinito amor,
Anjo! a ti devo, que a tornaste bela,
Plantando nela da poesia a flor.

Graças, meu anjo! de feliz esposa,
De mãe ditosa, que hoje sou, oh! sim,
Deste-me a glória, me guardando na alma,
Nítida a palma de um amor sem fim!

A santidade deste amor sublime,
Que esta alma exime de que a toque o mal,
Ilesa e pura, do Senhor ao abrigo
Leva contigo no meu ai final.

 

CASTO PATRIÓTICO

De novo, pátria querida,
Te ouvindo aflita gemer,
Minha lira, entristecida,
Vem partilhar teu sofrer;
Sim, de novo vem provar-te
Que o sentimento de amar-te,
Inato em meu coração,
Embora volvam os anos,
Não teme do tempo os danos,
Não sofre mudança; não.

Meu Brasil! como te adoro!
Como é fiel o meu culto!
Tuas mágoas como choro!
Com teu prazer como exulto!
Noutro tempo, quando eu tinha
Só a pobre lira minha,
Confidente de meus ais,
Cada dia dei-te um canto,
Com amor profundo e santo,
Qual sentia por meus pais.

Hoje esposa e mãe, ditosa,
Penso no consorte, ausente
Pela missão gloriosa
De vingar-te do insolente;
E nem eu teria amado
Aquele, que, denodado,
Não corresse voluntário
A imolar sua vida,
Por mais doce e apetecida,
Da pátria no santuário.

Ao teu primeiro reclamo
Ele apressado partiu;
Nem assim menos te amo,
Porque a mim te preferiu.
Oh! se meu filho estivesse
Numa idade, em que pudesse
Combater o vil caudilho,
Pátria — por Deus eu to juro, —
Com o mesmo amor firme e puro
Eu vira partir meu filho.

Se, porém, débil infante,
Ele percorrer não vai
A larga estrada brilhante
Por onde marcha seu pai,
Um dia, inda que mais tarde,
No santo fogo, em que arde
Aquele, a quem deve o ser,
Há de, também se acendendo,
Pela pátria combatendo,
Desafrontá-la, ou morrer.

Tens, Brasil, em cada filho
Um defensor esforçado,
Que aviva, morrendo, o brilho
Desse teu áureo passado;
Que dá seu sangue mais puro,
Para se escrever no futuro
A tua famosa história;
Que, na extrema agonia,
Solta notas de harmonia
Para os teus hinos de glória.


Por que assim vergas tua fronte altiva,
Tão pensativa, qual cismar de amor?
Quando teus filhos se enobrecem tanto,
Buscas no manto te envolver da dor?!

Ergue-a de novo; e essa fronte nobre
Não mais se dobre; que tão livre é;
Tem no Monarca, que te rege os fados,
Qual teus soldados, esperança e fé!

Contempla ufano o teu audaz Barroso,
Esse famoso, endeusado herói.
Que, desprezando do inimigo a sanha,
Com força estranha o seu poder destrói.

Nelson, Miltíades da mansão celeste,
Pasmando deste portentoso feito,
Mandam, depois de arrebatados vê-lo,
De Riachuelo ao vencedor seu preito.

Contempla ainda o Almirante invicto,
Que, no conflito trepidar não sabe,
Quando a tarefa de vencer inimigos,
Com mil perigos, por condão lhe cabe.

Leão na força e generoso ânimo,
Ei-lo magnânimo isenção e vida
Dando aos vencidos, que imploravam graça
Na forte praça, que deixou rendida,

Queres, dos bravos, que eu prossiga ainda
Na lista infinda, meu país gentil?
Não vês a eles como a Europa inteira,
Mais justiceira, dá louvores mil?

Por que assim vergas tua fronte altiva
Tão pensativa, qual cismar de amor?
Quando teus filhos se enobrecem tanto,
Buscas no manto te envolver da dor?!

Ai! eu já sei porque gemes,
Porque tanto te amofinas;
Porque assim a fronte inclinas
Vergada pelo pesar;
Sei que dos filhos briosos
Cobardias não receias;
Que bem lhes sentes nas veias
Sangue de bravos pular.

Nem são, pátria da minha alma,
Tuas lágrimas, choradas
Porque temas as ciladas
Do paraguaio traidor;
É sobre a lápida fria,
Que te esconde o filho morto,
Que, ao céu pedindo conforto,
Vertes teu pranto de dor.

É pensando em teus guerreiros,
Em Paissandu imolados
Aos furores combinados
De Aguirre e Gomez voraz,
Que choras, louvando o anjo,
Que ao diplomata inspirara
No momento em que assinara
A doce, fecunda paz.

Choras, pátria, qual chorara
Jacó, quando o sangue vira,
Que as brancas vestes tingira
Do bom filho de Raquel;
Que outros, que a ele ficavam
Tão cheios de vida, e tantos,
Não lhe podiam os prantos
Enxugar da dor cruel!

Choras a Marcilio Dias,
Esse intrépido soldado,
Que sucumbiu denodado
Numa luta desigual;
Choras, porque ainda julgas
Ouvir de heroísmo o grito,
Que o teu raro Benedicto
Soltou na hora final.

De Iatai, Mercedes, Cuevas,
De Riachuelo as vitórias,
São feitos de armas, são glórias,
Que te devem consolar;
A esses teus filhos caros,
A esses mártires santos,
Sufrágios, em vez de prantos,
Rende, ó pátria, aos pés do altar!

Ora por eles! e essa fronte nobre
Não mais se dobre; que tão livre é;
Tem no Monarca, que te rege os fados,
Qual teus soldados, esperança e fé!


---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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