TARDES
Olhai que tardes estas!
Tardes de outono, tardes de agonia...
Começa o novo sono das florestas...
Deixai dormir os robles e as giestas,
Que acordarão um dia.
Lá desliza o Mondego a murmurar
As doces melopeias do passado,
(Que hoje só ele as pode relembrar...)
— Lendas de antigas moiras a cantar
Idílios de outras eras, ao luar
Ou à radiosa luz do sol dourado...
Lá desliza o Mondego a murmurar...
Só podem perceber-lhe as melopeias
As ervinhas rasteiras e as areias...
Olhai os desgrenhados salgueirais,
Curvados a cismar por sobre as águas...
Parecem trovadores medievais,
Chorando em velhas rimas novas mágoas...
Nas cordilheiras pardas e distantes
Adensam-se uns vapores transparentes,
Doirados, luminosos, flutuantes,
Sobre as carquejas ásperas, dormentes...
Na poeira luminosa do sol-pôr
Agacham-se quietinhas, silenciosas,
Dormindo num beatífico torpor,
A casaria, as árvores, as rosas...
Há uma indescritível atonia
Nas vagas tintas que o sol-pôr produz,
— Como um grande soluço de agonia,
Que lentamente se tornasse em luz...
Andam no ar acentos vagabundos
De fados lacrimosos,
Como endechas de poetas moribundos,
Ao luar, pelos ermos lutuosos...
Olhai que tardes estas...
Tardes de outono, tardes de agonia...
Vai dormir o carvalho das florestas
Para acordar um dia...
AOS ANJOS DA POESIA!...
Ó anjos da poesia, ó cândidas beldades,
Irmãs dos querubins, — ó núncias do céu,
Que me acenais ao longe, ao fundo das idades,
Cantando heroicamente as velhas potestades
Nas cordas triunfais da lira de Tirteu,
E soluçando doces, místicas saudades
Nas cordas pastoris da citara de Orfeu...
Que outrora, celebrando os feitos dos guerreiros
Em versos festivais, homéricos, divinos,
Andastes a cantar pelos flóridos outeiros
Da Grécia sonhadora, e à sombra dos loureiros,
Sentadas nos ilhéus dos golfos azulinos;
E andastes a gravar na casca dos olmeiros
Uns versos amorosos, brandos, pequeninos...
Que voastes para a Itália, e andastes com Virgílio
Por sobre o mar-Egeu, à flor das ondas lisas;
E chorastes com ele as lágrimas do exílio;
E lhe fechastes, morto, o veludíneo cílio
Daquele olhar, que viu tão largo sem balizas...
E assististes talvez ao mágico concílio
Das líricas vestais, das virgens Pitonisas
Vós que inspirastes Tasso e o formidável Dante,
Sentado a meditar ao pé das catedrais,
Levando-o pela mão a ver a casta amante,
A cândida Beatriz, que deslizava hiante
Na trágica mudez dos giros infernais...
Falastes com Petrarca à réstea flutuante
Das noites de luar, das noites medievais...
Que destes alma e vida aos versos de Camões,
O indômito guerreiro, o excelso trovador;
Que lhe inspirastes doces, trêmulas canções,
Nas grutas orientais, nos ermos, nas soidões,
— Canções cheias de fogo e trágicas de dor;
Vós que haveis insuflado aos grandes corações
Os carmes da tragédia e os cânticos do amor...
Ó anjos da poesia, ó cândidas beldades,
De tranças luminosas, loiras como o trigo,
Que me acenais ao longe, ao fundo das idades,
Cantando heroicamente as velhas potestades
Na citara de Homero — o olímpico mendigo...
Eu canto o sofrimento, e as crenças, e as saudades,
Ó líricas beldades ideais, sede comigo...
JORNADA TRÁGICA
A vida é uma colina
Cheia de escuras e fragosas sendas,
E emergindo da tépida neblina
Das ilusões, dos sonhos e das lendas...
Vinde comigo, ó férvidos amantes
Da Verdade, da Paz, do Bem, da Glória...
Vamos subi-la, — heroicos viandantes,
De olhos fitos nas páginas da História...
Ó pálidos poetas desgrenhados,
Que andais, à luz do luar,
A percorrer atalhos ignorados,
Esfarrapando sonhos, a cantar...
Eu quero vos mostrar serenamente,
Como um asceta antigo, solitário,
A perspectiva ingente
Da vida — este Calvário...
OS MISERÁVEIS
Tendes olhos de ver. Olhai... — Ao fundo,
Nas bocas tenebrosas das cavernas,
Não vislumbrais um turbilhão imundo
De larvas, num grasnido gemebundo
Feito de raiva e maldições eternas?
— São os ladrões, ferozes valdevinos,
Cujo instinto são ódios e sangueiras!
Alta noite, os seus olhos de assassinos
Fosforejam bravios, reptilinos,
Entre as sarças das velhas carvalheiras...
Pelas trevas, ao som dos temporais,
Quando os ventos ululam nas florestas,
Vão agrupar-se às portas dos casais,
Afiando os mortíferos punhais,
Coçando-os pelas mãos nervosas, lestas...
— São também vagabundos, — os ciganos,
De barbaças intonsas e nojentas,
Esguedelhados, rotos e marranos,
De testa cancerosa envolta em panos,
Escorrendo matérias fedorentas...
Coitados! Em magotes pelas praças,
Para colher esmolas miseráveis,
Esbracejam ridículas negaças
E rouquejam exóticas chalaças,
Retorcendo as bocarras execráveis...
Pobres ciganos! De olhos estoirados,
Pernas podres e faces caboucadas,
Lá vão a correr mundo, atormentados,
De estômago vazio e pés pisados
Dos duros pedregulhos das estradas...
São inda as torturadas das rameiras,
As pobres raparigas sem pudor,
Que se espojam nas frígidas lameiras,
Ao sol, à chuva, às rijas ventaneiras,
Sem alma, sem destino, sem amor!
São míseros farrapos encharcados
No lodo da torpeza verminada!
Ah! homens, egoístas derrancados!
E ainda vos julgais civilizados,
Ó luxuriosa, estúpida manada!
Não lastimais as pobres meretrizes,
Que andam na lama, a chafurdar de rojo?
Chamai à dignidade as infelizes!
— Ó rapazes, tapemos os narizes;
Sigamos para cima. Isto faz nojo!
OS REBELADOS
Quedai-vos. Escutai... Eu ouço (ao certo!)
Rugidos formidáveis,
Quais se o Inferno se abrisse aqui perto
E vomitasse do bocal aberto
O brado dos tormentos infindáveis...
Já sei, já sei... — É a estranha turbamulta
Dos homens revoltados,
Que salta, brame, despedaça, insulta,
Como uma formidável catapulta
Feita de homens bravios, desvairados...
São revolucionários contorcidos
Em grossos turbilhões,
De olhos raivosos, trágicos, ardidos,
Agitando no ar balsões erguidos
Ao sol sangrento das rebeliões.
Filhos do ódio, filhos da desgraça,
Não tem amor nem esperança!
Esguedelhados, negros, pela praça,
Rangendo os dentes, gritam a quem passa:
— Vingança, só vingança, só vingança!
Deixá-los trovejar pelos outeiros...
Oh! Deus lhes mande a paz!
Subamos mais acima, ó companheiros...
(Outono... — Olhai que lindo tempo faz...)
CAVADORES
Ao longe — vedes? — os cavadores,
Filhos do campo, filhos da leiva,
De olhos escuros e cismadores,
Olhos ingênuos de trovadores...
— Cantam os campos, cantam as flores,
Cantam a seiva...
Por horas mortas (céu estrelado...)
Eles lá vão
Lavrar a terra, guiar o arado,
De olhar bondoso e resignado
Posto nos olhos do manso gado,
Posto no chão...
Vem as chuvadas, as inverneiras;
Rugem os rios, incham ribeiras;
Alagam campos, alagam leiras...
Vede a desgraça!
Que há de ele fazer? — De olhar dorido,
Mal almoçado, pior vestido,
Senta-se à porta, esmorecido,
A ver quem passa...
Vem o calor do sol dourado
Queimar-lhe o pão!
Que há de ele fazer, o desgraçado
Do lavrador? — Vai pró eirado,
De aspecto triste, de olhar pasmado,
Cismar na vida, descorçoado,
Queixo na mão...
Estala a guerra; levam-lhe o filho.
Crescem os ratos, trincam-lhe o milho...
— Oh! forte praga de ratazanas! —
Branqueja a neve, ruge a nortada...
Lá vai a telha desmantelada
Das alpendradas mais das choupanas!
Ouvide ainda maior desgraça...
Tinha uma filha, — que doce graça
De rapariga...
Nas largas noites, junto à fogueira,
Lume bendito sobre a lareira,
Ela fiava (gentil fiandeira...)
O linho branco da sua estriga...
Até ao tardo cantar do galo
— Não imaginam, — era um regalo
O pai velhinho vê-la fiar...
Rufam chuveiros fortes lá fora...
(Ai! Anjo Bento, Nossa Senhora
Seja c'os que andam a esta hora
Sobl'as águas turbas do mar!)
Ela era a vida da sua vida;
Ela era o lume do seu olhar,
— Lume bendito que n'alma brilha.
Como ele lhe queria — rola querida
Nem temos nada que admirar,
Porque era filha...
Mas sucedeu que em certo dia
(Dia aziago... Ele nem podia
Pensar em tal de olhos enxutos!)
Passou por lá um rapazão...
(Grande patife! grande ladrão!)
Leva-lhe a sua consolação:
Rouba-lhe a filha, e em troca então
Deixou-lhe a dor, — só dor e lutos!
Malditos sejam os valdevinos
Que andam as jovens a desonrar!
Santos velhinhos, boas famílias,
Guardai dos lobos as vossas filhas
Dentro do lar...
Vede a desgraça enorme e crua
Do paciente do lavrador!
— Triste batalha! —
Que há de ele fazer? Que vida a sua!
Que há de ele fazer na sua dor?!
O Pai-do-Céu o ajude e valha...
***
Bons lavradores! Chorando ou rindo,
Dizem que vida assim não há...
Vamos, rapazes, vamos subindo;
Deixai-os lá...
OS MENDIGOS
Sentados pelas orlas dos caminhos,
Olhai os lacrimosos pobrezinhos...
Doentes, velhos, rotos, corcovados,
Alforjes para os ombros, resignados,
Pernas secas, cambaias, retorcidas,
Contando-se uns aos outros suas vidas,
— Olhai que inigualáveis odisseias...
Aquelas engelhadas caras feias,
Escaveiradas, sujas, com barbaça,
Contraem-se num rictus de desgraça
Riscado pelo dedo da miséria...
Sob a abóbada azul, celeste, etérea,
Sem palácios, sem camas, sem pousadas,
Desde o sol-posto à luz das alvoradas,
Percorrem várias terras a pedir
Côdeas de pão...
à noite vão dormir
Sobre a palha dos velhos alpendrais,
Juntamente cos ratos e os pardais,
E cos escrofulosos canzarrões
(Expulsos da cozinha pelos patrões)
Repartindo com eles das esmolas,
Que tiram lentamente das sacolas...
E comem de uma vez jantar e ceia...
Ainda assim vós não fazeis ideia
Como eles são felizes, os mendigos...
No estio vão deitar-se pelos trigos,
De bandulhos pró ar, a meditar
Nas velhas aventuras, ao luar,
Dos tempos da bizarra mocidade,
De que inda tem uns restos de saudade...
Rastejam pela terra as salamandras;
Chilreiam delambidas as calhandras,
Picando por ali o louro grão...
Que pacifica, ideal consolação
A existência deles descuidada:
— Pedir, rezar, comer, dormir... Mais nada.
Tardes mornas...
As nuvens, pelo azul,
São flotilhas, que vogam para o sul,
Em demanda das Índias encantadas
Onde vivem sereias, silfos, fadas...
No outono, passam líricas manhãs
Ferrando os dentes podres nas maçãs;
E em tardes murmurosas vão-se por
Nos ermos, murmurando com fervor
As perfumadas orações antigas
Ensinadas pelas mães (pobres mendigas,
Que o bom Deus desde há muito já lá tem...)
Oh! Nunca esquecem orações de mãe...
Chilreiam cotovias nos valados...
Nas largas noites invernais, coitados,
É que eles sofrem gelos e frieiras!
Por horas mortas, quando as ventaneiras
Lhes fogem c'os colmados das cabanas,
Abandonam a enxerga das choupanas,
E vão-se recostar pelos portais
Aonde o frio os mortifica mais!
O vento ulula rouquidões e pragas...
Andam no ar escuridões presagas,
Que põem calafrios na espinha...
Maldita chuva! — Quanto mais se aninha
O pobrezinho, mais se ensopa e alaga!
Ó santa primavera, Deus te traga...
Primavera! Que tardes deleitosas
Andam no ar ondulações radiosas,
Exalações miríficas das flores...
Que perfusão esplêndida de cores
E os pobres, pelas tardes perfumosas,
Coroam-se de mirtos e de rosas,
E atafulham de rosas a sacola...
Santa abundância, abençoada esmola
A tua, ó primavera do Senhor...
— Alvorada de rosas e de amor...
OS POETAS
Acima companheiros!
Alegres como airadas borboletas,
Visitemos os pálidos poetas,
Que andam a cismar entre os loureiros...
Seu vulto aos céus se alteia...
Vede-os, rapazes, vede-os... — São aqueles
De olhar ardente! — Vede-os, como eles
Trazem nos olhos o clarão da ideia!
Nas faces desmaiadas
Veem-se indícios da vigília estoica,
Que passam a cantar em rima heroica
As antigas batalhas porfiadas...
Seus olhos amoráveis
Andam tristes, vermelhos de chorar,
Em noites silenciosas, ao luar,
As desgraças dos povos miseráveis...
Espíritos do bem,
“Almas de fogo, que um vil mundo encerra”
Como os denominou quem foi na terra
Entre os maiores trovador também...
Ó pálidos poetas,
Eu vos saúdo, ó almas desditosas,
Cantores das batalhas ou das rosas,
Coroados de lauréis ou de violetas...
O TUBERCULOSO
Além, sentado à sombra das ramadas,
No musgo dum rochedo,
Cisma um jovem de faces desmaiadas
Tão magro que põe medo...
É o tísico. Nos olhos encovados,
Doridos de sofrer,
Vê-se a resignação dos desgraçados
Cansados de viver...
Sussurra a aragem fria pelas heras
Um canto gemebundo,
Como a música etérea das Esferas
Nos âmbitos do mundo...
Caem as folhas mortas, retorcidas,
Revelhas pela relva;
E as avezinhas calam-se, transidas
De frio, pela selva...
Desmaia ao longe o sol... — Que tardes estas
De mágoas tão profundas!
Andam no ar exalações funestas
Das rosas moribundas...
Coas chuvas engrossaram as ribeiras.
Lá passam a gemer,
Levando os esqueletos das roseiras,
Que acabam de morrer...
Erguem-se ao ar as ramas desnudadas
Das árvores agrestes;
E as aves vão piar desconsoladas
À sombra dos ciprestes...
Os ciprestes! — Só eles com o inverno
Não perdem o vigor...
Bem mostram que no mundo é sempiterno
O sofrimento, — a dor!
A tosse (ei-lo a tossir!) rasgar-lhe o peito
Em bruscas convulsões,
Arrancando-lhe o sangue já desfeito
Dos pútridos pulmões!
A infância, a mocidade... — esperanças mortas...
Como isso já lá vai!
Assim expiram ilusões absortas
No hálito dum ai!...
Pobre tísico! — Os olhos encovados,
Doridos de sofrer,
Fitam as coisas, brandos, resignados,
Dispostos a morrer...
ORFÃOZINHOS
Crianças — olhai-as — perto,
Desmaiaditas a rir...
Nos olhos um céu aberto,
Nos lábios rosas a abrir...
Não tem mãe, não tem lume.
Sua lareira é o caminho,
— Como ninhadita implume,
Morta a mãe longe do ninho.
Crianças que não tem lar
Onde o carinho reluz
Nunca aprenderão a amar,
— São como as rosas sem luz...
Ouço dizer que as crianças
(Anjos de olhar manso e puro...)
São chilreantes esperanças
Dum deslumbrante futuro...
Mas estas, que a rua cria,
Magrizelas, definhadas,
— Quem me assegura que um dia
Não hão de ser desgraçadas?
Crianças órfãs, sem mãe,
Já nascem com sua cruz,
Como nasceu em Belém
O Deus Menino, Jesus...
— “São rosas a abrir mimosas
As criancinhas...”— Pois sim!
Só se nós chamarmos rosas
Ás florinhas do alecrim...
NOIVOS
Além cismam dois noivos,
Fitando ao longe a curva azul do céu
C’uns olhos muito tristes, como goivos
À flor duma ilusão que já morreu...
Quem pode adivinhar
As coisas em que cismam, que mistério?
— Pensam na nostalgia do luar,
Beijocando os rosais do cemitério...
Ouvide: — Ela, a sorrir,
Pergunta com brandura:
“Quem primeiro de nós irá dormir
Naquela sepultura?...”
O BOÊMIO
Cai sobre as coisas um luar de prata,
Luar bendito, que enlanguesce, enleia...
Vem ao longe uma airada serenata,
Soluçando uma antiga melopeia...
Lá vem o tocador. É um vadio,
De guitarra chorosa ao tiracolo...
Passa as noites cantando pelo frio
Cantigas de saudade e desconsolo...
É um boêmio, dos parias desgraçados,
De olhos profundos, vagos, erradios
Que vivem a cantar pelos eirados,
E morrem afogados pelos rios...
É dessa raça antiga, vagabunda,
Que atravessava todas as nações
Composta de uma incrível barafunda
De cômicos, mendigos e ladrões...
Ei-lo, — o rebento dessas raças mortas,
(Esparge-se o luar na solidão...)
Cantarolando à lua, pelas portas,
Cantigas de saudade e de paixão...
NOIVA MORTA...
Num sonho angustioso, eu vi passar por entre as oliveiras desoladas um
caixão branco, com muitas fitas roxas...
Era ao sol-posto. Pelo céu, uns farrapitos de nuvens, roxeadas pelo
sol agonizante, pareciam goivos sepulcrais a desfolharem-se amarguradamente,
desconsoladamente...
Atrás do caixão carpiam-se muitas virgens, vestidas de luto, olhos
ardidos pelas lágrimas...
E eu disse para as virgens:
Ó virgens, quem é aquela
Que levam prá sepultura?
Virgens, virgens! Quem é ela,
Tão nova e tão sem-ventura?!
E as virgens, desgrenhadas, lacrimosamente responderam-me:
É a linda morgadinha,
Que levam a enterrar...
Morreu ontem, à noitinha,
Ao despontar do luar...
Era a mais rica e mais bela,
Mais enlevada de amor;
E morreu... Que sorte a dela!
Não faz ideia, senhor...
De que valeu ser tão cheia
De inteligência e beleza?!
Chora tudo lá na aldeia:
Que tristeza! Que tristeza...
Cismava nos áureos planos
Do seu próximo noivado:
E fez só dezoito anos
Pelo setembro passado...
Mais infeliz nunca vi!
Em vez de noivar, morreu...
O bom Deus qui-la pra Si:
Levou-a da terra ao céu.
Ela era o anjo da graça,
Sempre a sorrir e a cantar...
Tudo passa! tudo passa...
Morreu! — Deixai-nos chorar.
Em noites de escamisadas,
Que se faziam pela aldeia,
Soltava canções airadas,
Ao clarão da lua cheia...
Tardes mornas de novenas,
Quando íamos enfloradas,
Como irisadas falenas,
Como rolas desvairadas...
Ela era a flor da alegria,
Boca rubra, olhar de luz...
Roubou-a a morte sombria!
Roubou-a... Jesus! Jesus!
Chorai, ó brancas falenas;
Chorai, brisas murmurosas;
Chorai, ó rolas serenas;
Chorai, relvas; chorai rosas...
De que nos vale a beleza,
Que a morte pode roubar?!
Ai! — que vida, que tristeza.
É só penar, só penar!
E eu, muito comovido, muito triste, disse às virgens, com lágrimas na
voz:
Tendes razão, raparigas...
Que valem sonhos, encantos,
Loucas ilusões antigas?...
Tudo se desfaz em prantos!
Aquela tenra florita,
Desfolhada pela morte...
— Não lhe choreis a desdita.
Não pranteeis sua sorte...
Pois, donzelas, quem nos diz
A nós — corações airados,
Que ela não foi a feliz,
E nós os desventurados?...
Pois, afinal, esta vida,
Mesmo à luz ideal do amor,
Sempre incerta e combalida,
— O que é ela, senão dor?!
Uma tristeza mortal
Repassa as nossas folganças...
Ai! cachopas, ai! crianças,
Nem é bom falar em tal...
Quando ides p’rás romarias,
Entre murtas e alamedas,
Como doidas cotovias,
Chilreando airadas, ledas,
Não pensais nesta agonia,
Que nos punge o coração...
— Levais a alma irradia,
Ceguinha pela ilusão...
Mas à noite, junto ao leito,
Cismais, à luz do luar,
Em tanto sonho desfeito...
E desatais a chorar!
A vida é uma dor infinda!
Por isso eu vos digo a vós
Que essa defunta tão linda
Foi mais feliz do que nós...
É dela a paz celestial.
(Olhai que faces de arcanjo...)
Morreu santa, virginal,
Santa e pura como um anjo
***
Ó tísicas lacrimosas,
Que à tardinha, a passear,
Sfalfaditas de chorar,
Dizeis queixumes às rosas...
Tendes saudades da vida?
Para quê? — Não vale a pena...
Gozareis a paz querida
Da celeste luz serena...
E o luar irá beijar
As vossas campas musgosas.
Que doce amigo o luar,
Ó tísicas lacrimosas...
***
E vós, cachopas, que assim
Pranteais a que morreu,
Não soluceis, porque enfim
Ela é um anjo no céu...
E olhai: — se a desonra um dia
Vos tem de vir, (Vossa mãe
Morreria de agonia...)
— Mais vale morrerdes também
E as virgens, acenando-me um adeus, sufocadas pelas lágrimas, lá foram
seguindo o caixão, como anjos do desespero, soluçando em coro:
Chorai, ó rolas serenas;
Chorai, brisas murmurosas;
Chorai, ó brancas falenas;
Chorai, relvas; chorai, rosas...
Chorai, estrelas cadentes
Como lágrimas de luz...
Chorai, ó águas correntes...
Ai! Jesus! Jesus! Jesus!
O DOIDO
Olhai ao longe os ervaçais distantes,
Vereis uma figura desvairada,
Esbracejando rábida na estrada
Com maneiras sinistras, delirantes...
É um louco enrodilhado em panos rotos,
Que anda por aí fugido aos manicômios:
Tem fome; vai, por isso, aos gafanhotos,
E, se os encontra, apanha-os e come-os.
Iroso, magro, sujo, esguedelhado,
Passando a urrar por entre as oliveiras,
É a relíquia talvez dum revoltado,
Que pregou sedições pelas ladeiras...
Vede-o... De olhos bravios e sangrentos,
De mão crispada para os céus erguida,
— É bem a sombra trágica da vida,
Que vaga pelo mundo, a passos lentos...
Quando na rama ululam ventaneiras,
E a chuva tamborila nas vidraças,
Passeia, em noite escura, pelas ladeiras,
Profetizando trágicas desgraças...
Vagueia pelo campo, a horas-mortas,
E a adormece nas encruzilhadas,
Quando os sapos, de negras pernas tortas,
Rastejam pelas rosas orvalhadas...
Convive cos fantasmas vagabundos,
Entre as sombras dos altos carvalhais...
Por isso sabe os mistérios profundos
Dos sombrios destinos dos mortais...
E há quem o visse, em horas tormentosas,
Ao lívido clarão das trovoadas,
Sentado sobre as rochas alterosas,
De longas cabeleiras desgrenhadas...
Vai passear de noite ao cemitério
A trautear umas toadas lentas,
Como se um velho vínculo funério
O prendesse às ossadas fedorentas...
Se acaso os sinos dobram a defuntos,
O doido rompe em fundo soluçar,
Resmungando nuns místicos assuntos,
Que acabam num raivoso praguejar.
É amigo dos bichos e das rosas...
De manhã vai colhê-las orvalhadas,
E ajunta-as num monte, às chapeladas,
Como se fossem pedras preciosas...
Como vedes, seu rosto é negro, horrífico!
No verão, quando o sol arde nas ladeiras,
Vai-se deitar nas cálidas torreiras,
E adormece num sono beatífico...
Para fugir aos negros manicômios,
Esconde-se nos úmidos esgotos;
Se tem fome, procura gafanhotos,
Apanha-os e come-os...
OS FILÓSOFOS
É tempo de seguirmos para cima,
Rapazes; vamos lá:
Que o tempo é um tesouro que se estima,
Pois é pra isso que o bom Deus o dá.
De olhos profundos, a fitar o chão,
E quedos, quais bramânicos teosofos,
Há uns vultos ali, na solidão,
Imersos em letal meditação...
Olhai, — são os filósofos.
Os rostos secos, magros de cismar,
Cobrem-nos sórdidas barbaças feias;
Vê-se nos olhos fúlgidos brilhar
O fogo das ideias...
Pela estrada da nevoenta antiguidade
Vem já de muito longe essa legião,
Esquadrinhando com sofreguidão
O rastro da Verdade...
No céu da Grécia antiga, — azul, profundo,
Cintila com olímpico clarão
A tríade infindável da Razão,
Iluminando os ângulos do mundo:
— Aristóteles, Sócrates, Platão...
Esses gênios enormes, admiráveis,
Esses homens de fundos olhos virgens,
Empregaram esforços formidáveis
Por descobrir os Fins mais as Origens...
E algo eles fizeram com efeito:
— Legaram-nos a nós muitas verdades,
Como grânulos de ouro imperfeito,
Refulgindo na noite das Idades...
Nesse tempo, porém, não viera ainda
Do misterioso Empíreo esse clarão
Pedido tantas vezes por Platão:
— A voz de Deus com a Verdade infinda
Que rompesse as caligens da Razão...
.......................................
Olhai-os hoje ainda... — Olhos erráticos,
Fitos não sei em que visões distantes,
Parecem velhos ermitães lunáticos,
Leitores de alfarrábios esquipáticos,
Sepultos na poeira das estantes...
Surge agora a grandíssima questão,
Que eles (coitados...) querem resolver
Depressa, quanto antes, — bem ou mal...
É a questão do nosso coração,
Deste vago e nostálgico sofrer
Que eles designam dor Universal...
Este mal, — esta dor, este martírio,
Pertence essencialmente ao coração
Como pertence às pétalas do lírio
Aquela cor tão linda de paixão...
Porem não acreditam, e pretendem
Que o homem, de nascença, é imaculado
Como as viçosas pétalas, que estendem
As açucenas para o sol dourado...
E assim andam tentando realizar
Cá sobre a terra a plena felicidade,
Pondo o homem na peanha dum altar,
Fazendo dele uma autodivindade...
E o mundo, no mais vil materialismo,
Desfaz-se numa infanda corrução,
E, guiado pela rédea do Egoísmo,
Precipita-se no fundo dum abismo
Onde arde um cataclismo,
Onde rouqueja a fulva sedição!
E passa à flor das coisas a gemer
— Qual bocejo de quem acorda tarde —
O tédio genial de Schopenhauer,
O imenso pessimismo de Leopardi...
De olhos profundos, a fitar o chão,
Esfíngicos como índicos teosofos,
Olhai os cismadores da soidão,
Em filosófica meditação...
Coitados dos filósofos!
FIGURAS ANTIGAS
Mais dois passos acima, só dois passos,
E atingiremos a região querida
Onde palpita já, sob os espaços,
A luz da eterna vida...
Aplainam-se de rosas os caminhos
À luz dum sol mais vivo e triunfal;
Como que ouvimos músicas de ninhos
Nas franças do sarça!...
Há uma paz bendita, religiosa,
Nesta zona altaneira da colina...
Que esplêndida paisagem majestosa
Coa vista se domina...
Passam ao longe as sombras vagarosas
Dos domadores dos povos e dos perigos,
Erguendo-se das páginas nublosas
Dos cronicons antigos...
Vede-os... Guerreiros e legisladores,
Caudilhos triunfais das velhas raças,
Olhando para o mundo, ameaçadores,
De níveas barbaças...
Moisés — esse gigante — ao longe, olhai,
(Aspecto decidido, audaz, profundo...)
Das cristas chamejantes do Sinai
Falando para o mundo.
Em duas pedras ergue a Lei impressa,
Apregoando-a irado, trovejante!
Os relâmpagos nimbam-lhe a cabeça
Num halo deslumbrante...
— Avante para a vida, para a glória,
De encontro aos Filisteus, aos Moabitas
E acendem-se na esperança da vitória
Os seus Israelitas...
E em marcha heroica, triunfal, radiosa,
Pisando os areais, eles lá vão
Em demanda da terra pantanosa
Da santa Promissão...
EVOCAÇÕES...
Eu vislumbro uns estranhos personagens,
Arrastando umas rústicas roupetas
Por sob os toldos verdes das folhagens..
Olhai... São os Profetas.
Morreram já há muito, escalavrados
Pelas fomes e austeras penitências
Nos desertos, pelos cardos dos valados,
Ao frio, à chuva e às tórridas ardências.
Fitai-os — De cabelos desgrenhados
E grandes barbas brancas, luzidias,
Bracejam pelos cerros, inspirados
Pelo sopro genial das profecias...
É o velho Jeremias, lastimando,
Nos plainos verdoengos de Siquém,
O insondável abismo formidando
Onde vê mergulhar Jerusalém!
Ai! — Na sua lamúria contristada,
Lamúria de tristeza, de desgosto,
E bem toda uma Raça desgraçada,
Que chora o seu sol-posto...
***
Ó líricas aldeias da Judeia,
Ó rústicos trigais de Zabulom,
Ó árvores florais da Galileia,
Ó águas murmurosas do Sarom...
— Ó aldeias humildes, aninhadas
Nas encostas, por entre os palmeirais,
Que adormeceis em horas repousadas
Sob o luar das noites orientais...
— Ó trigais lourejantes, ondulados
Pelas tépidas brisas perfumosas,
Que passam, beijocando nos valados
As corolas balsâmicas das rosas...
Ó árvores escuras, sussurrantes...
Ó airosas e múrmuras palmeiras,
Que dais sombra aos cansados viandantes
Roídos das poeiras...
Ó águas do Jordão, águas sagradas,
Que rolais sobre a areia, léz-á-léz,
Suspirando umas místicas baladas
Do tempo de Moisés...
— Ó coisas orientais...
Ó brancas pombas que arrolais tão bem,
Ó hortos, ó jardins, ó olivais,
Ó lírios de Belém!
Eu quero ouvir as lástimas antigas
Dos Juízes, dos Reis mais dos Profetas
De longas barbas brancas como estrigas,
De olhos pisados, roxos quais violetas...
Contai-me essas antigas penitências,
Essas heroicas orações estranhas,
Que murmuravam sobre as eminências
Das ásperas montanhas...
Cantai-me as melopeias contristadas
Das cândidas mulheres bíblias,
Quando iam, ao clarão das alvoradas,
Para ceifa dos trigais...
Falai-me dessa Virgem toda luz,
Da mística alegria dessa Mãe,
Quando em seus braços recebeu Jesus
Na Lapa de Belém...
Falai-me dos grosseiros sacerdotes,
Dos magros e barbudos Fariseus,
E desse esgrouviado Iscariotes,
Que ousou trair um Deus!
Falai-me de Jesus e seus martírios,
Do seu último gesto de perdão,
Ó águas do Jordão,
Ó urzes do Calvário, ó roxos lírios...
AO PÉ DA LUZ
Subimos o montículo da Vida...
Somos chegados. Paremos.
Descubri-vos, rapazes, e ajoelhemos
Ante a Cruz além erguida...
Envolta numa auréola luminosa,
No topo da existência, ergue-se a Cruz:
— Tribuna inigualável, majestosa,
De onde nos fala Jesus...
Cercam-na as almas místicas dos crentes
Num círculo de prantos e orações;
Sobre as rosas astrais dos corações
Vêm os anjos curvar-se reverentes...
Corações, que são rosas redolentes
Abertas nos jardins das solidões,
Sob o influxo das doces radiações
Dos olhos de Jesus meigos e ardentes.
Ó santas almas bem-aventuradas,
Aos pés chagosos de Jesus prostradas,
Dai-me um lugar humilde ao vosso lado...
Ando a correr a via dolorosa
Do mundo, deste mundo desgraçado,
Que me tortura a alma suspirosa...
***
Rapazes! Que encontrastes vós no mundo,
Senão desgostos, lágrimas, saudade?...
Há um cancro antiquíssimo e profundo.
Que rói a Humanidade...
Esse cancro nojento, pustuloso,
Esse herpe roedor e mal curado,
De onde escorre um pus negro, venenoso,
— É o cancro do Pecado!
Esse cancro maldito dá vertigens!
Alastra pela praça, pelos lares;
Corrói as carnes lácteas das virgens,
E cria os lupanares!
Agacha-se nos leitos conjugais;
E açulando odientos vitupérios,
Desvaira, cega, os corações leais
E faz os adultérios!
Desenvolvendo instintos de cobiça,
Instintos indomáveis, maus, ferinos,
Reprime e calca o Bem, cega a Justiça,
E forma os assassinos!
Desvaira as corrompidas gerações,
E, derrancando ódios pelas terras,
Lança os povos nas bruscas sedições:
Fomenta e acende as guerras!
Cancro que é o Mal, é o vício, é o ódio, é o fel,
Fervendo sob o disco azul dos céus...
É o filho predileto de Lusbel,
De garras encrespadas contra Deus!
Dele nasce este pélago de dores,
Este indeciso mal-estar geral,
Que os mil e um profanos pensadores
Hão designado — dor Universal!...
Ninguém acha o remédio, ó Deus, ninguém!
.......................................
Ó meus
amigos, ajoelhai e ouvi:
Remédio deste mal só Deus o tem...
Olhai a Cruz, olhai... — Reside ali.
Ali, naquele Cristo ensanguentado,
De chagas rubras como rosas vivas,
Erguendo ao alto o rosto escalavrado,
Lançando aos homens vistas compassivas...
Ali, naquele Cristo moribundo,
Pregado nos braçais daquela Cruz,
Abrindo o coração sangrento ao mundo,
Em labaredas místicas de luz...
Ali, naquele Cristo de olhos virgens
Fitos nos longes verdes da devesa
Mergulhada nas hórridas caligens
Da formidável dor da Natureza...
***
Ó pombas de Belém, voai em bando...
Espedaçai os corações de dor
À vista do mistério formidando
Da morte do Senhor!
Ó pombas de Belém, voai em bando...
Chorai, ó violetas de Jessé;
Chorai, ó madressilvas, ó martírios;
Chorai, ó roseirais de Nazaré;
Chorai, ó palmeirais; chorai, ó lírios!
Chorai, ó violetas de Jessé...
Chorai, ó almas bíblicas, antigas...
Ó sombras dos Juízes, dos Profetas;
Ó noivas a cismar entre as espigas,
Pisando as relvas verdes e as violetas!
Chorai, ó almas bíblicas, antigas...
***
Eu queria soluçar em verso brando
O martírio sem nome, formidando,
Do bom Jesus, — do Deus e Senhor nosso...
Para chorar suplício tão ferino
Eu queria ter um estro ideal, divino...
Queria... Mas não posso!
ORAÇÃO
Já que atingimos a mansão da Luz,
Prostremo-nos a orar ante Jesus...
***
Ó Criador das estrelas,
Que fulgem pelo céu além!
Fizeste coisas tão belas,
— Faze-nos santos também...
Indescritíveis torturas
Lancinam os corações!
Pois estes são sepulturas
De mil mortas ilusões...
Tuas bênçãos perfumadas
São para os nossos martírios
Qual rocio das alvoradas
P’rás urnas roxas dos lírios...
Minha pobre alma de poeta
A Ti se acolhe, Jesus...
Como airada borboleta,
Fujo das Trevas p’rá Luz...
Das tuas chagas, meu Bem,
Pende a minha imensa esperança,
Como de uns beijos de mãe
Pende a vida da criança...
Há uma dor infinita
Na alma da Humanidade:
Pois o mundo hoje gravita
Entre a dor e a impiedade!...
Quem pudera, oh! — quem pudera,
Sob o céu azul, profundo,
Ver florir a primavera
Da crença geral no mundo...
Faze Tu, ó Deus clemente,
(Basta só um teu olhar...)
De cada homem um crente,
De cada peito um altar...
Pois não fizeste as estrelas,
Que palpitam, céu além?...
Se fazes coisas tão belas,
Faze-nos santos também...
EM PAZ...
E tu, ó meu bom amigo
Das agras lides do estudo,
Foste em busca de outro abrigo
— Para ti findou-se tudo!
Finda-se tudo no mundo
P’ras almas santas, louçãs,
Que ao Mistério azul, profundo,
Vão pedir outras manhãs...
Fugiste da noite escura
P’ra célica luz vivaz!
Descansa na sepultura,
Amigo, descansa em paz.
Olha as folhas a cair
Dos carvalhos desolados:
Vai a Natura dormir
Sob os gelos branqueados...
Pelas noites de inverneira
Hás de ouvir, na terra fria,
Os mugidos de agonia,
Que soluça a ventaneira...
E em noites de serenada.
As humanas ilusões
Hão de cantar à toada
Dos bandolins e violões...
Como leite a flutuar
No sono doce das coisas,
Cairá brando o luar
Sobre a tristeza das lousas...
Ouvirás ao longe o brado
Das serranilhas cantadas
No luar de algum eirado,
Ao chorar das guitarradas...
É o sonho da vida airada,
O brando sonho fugaz...
Mas tu, ó meu camarada,
Deixa-os lá... — Descansa em paz!
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