2/11/2023

A sentença (Fabulário), de Iba Mendes


A sentença

Conta-se que um rapaz atoleimado, tinha por costume sempre manter a cabeça raspada. O estranho hábito, no entanto, trazia-lhe um grande dissabor. É que as muriçocas, por serem muito abundantes naquelas paragens, o atormentava sobremaneira com frequentes picadelas. Em vista disso, o pobre diabo tomou uma resolução deveras inusitada: apresentou-se a um juiz da cidade e expôs-lhe o seu caso. O magistrado, que já conhecia suas maluquices, atendeu-o de pronto e, esforçando-se para mostrar seriedade, sentenciou:

-  No uso de minhas atribuições, concedo-lhe o pleno direito de matar a paulada todo mosquito que encontrar. 

O tolo, muito satisfeito com esta resolução, quis exercer ali mesmo o seu direito. Vendo um mosquito pousar sobre a careca do meritíssimo, tomou de um bastão e sem delonga tascou-lhe um certeiro golpe  bem no meio da testa.  Ainda tentaram socorrer o agonizante, mas o ferimento foi tão profundo que o levou à morte ali mesmo.  Preso, o maluco fora levado a julgamento um mês depois. Ele, porém, exigiu duas testemunhas, as quais confirmaram a sentença do juiz morto, que lhe havia autorizado a matar a paulada todo mosquito que encontrasse. Diante disso, o outro magistrado não teve remédio senão conceder-lhe a liberdade. 


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Iba Mendes: Fabulário (fevereiro de 2023)

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