1/15/2023

Tourada em família (Conto), de Emília Eduarda

 

O Sr. Eusébio, acreditado negociante em Penafiel, chegou ao Porto com sua esposa e sua filha no comboio das dez da manhã. Desde a primeira tourada na Serra do Pilar que as duas senhoras não largavam o bom do homem.

— Todos vão aos touros, só nós ficamos para aqui, dizia a mulher.

— Um divertimento tão chic! acrescentava a menina. O pai é um bárbaro, um unhas de fome!

— Ora adeus! resmungava o Eusébio. Se queres touros trata de arranjar marido. O negócio vai mal, não dá para tudo.

Mas tanto apertaram com o pobre homem e tais razões empregaram que ele resolveu trazê-las um domingo, e cumpriu a sua promessa, saltando com a família na estação de Campanhã. Chegados ao hotel, o Eusébio, que trazia apetite, preparava-se para ir para a mesa, quando nisto lhe disse a filha com modo enfadado:

— Então o pai vai almoçar! Eu ouvi dizer que há tanta influência… O melhor é ir já comprar o camarote.

A mulher foi da mesma opinião.

Em vista disso, Eusébio, lamentando o não poder almoçar, cheio de poeira e de calor, atravessou a ponte e comprou já com prêmio a um contratador o almejado camarote. Voltou ao hotel caindo de fraqueza, mas o criado disse-lhe bruscamente, arrumando os copos:

— Já passou a hora dos almoços, agora é esperar pelo jantar.

A mulher e a filha acharam razão ao criado.

— Está bem, esperarei, respondeu ele, resignando-se e engolindo em seco.

Davam quatro horas quando o negociante lembrou que seria tempo de ir fazer bem à barriga, obtendo em resposta que a mesa redonda era às cinco e meia.

— Então é melhor irmos indo, papá, propôs a menina calçando as luvas com dificuldade.

— Mas eu morro de fome!

— És feito de manteiga, homem! lhe disse a esposa prevenindo-se contra todas as necessidades para o caminho. Vamos. Eu quero apanhar tudo de chapa sem perder pitada.

Eusébio, com uma cara muito constrangida, lá foi com a mulher e a filha a caminho da Serra.

Quando entraram no camarote tinham já passado as cortesias.

— Perdemos o mais bonito! exclamou a mãe. Eu dou o cavaco pela entrada do cavaleiro…

Mal apareceu o primeiro boi na praça a menina, muito pálida, fugiu assustada para o fundo do camarote, gritando:

— Ai! Tenho medo do bicho! Venha para aqui, mamã!

A mãe seguiu-lhe o exemplo.

— Ó filha, vem ver. Meteram-lhe agora um par de ferros! disse Eusébio, vexado pelo chinfrim que faziam as duas.

— Pobre bichinho! Não somos nada neste mundo! lamentou a mulher com as lágrimas nos olhos.

— Então se não queriam ver era escusado cá virmos.

— E o papá gostaria que lhe metessem também um par de ferros?

— Ó menina, salvo seja!…

Nisto o povo entusiasmado berrou:

À unha! à unha!

Eusébio não pôde conter-se e correu a ver a pega, dizendo à família:

— Venham admirar, não há perigo, a fera está catrafilada.

As duas senhoras iam a chegar-se, tremendo, quando ele bruscamente as empurrou para o fundo do camarote, exclamando:

— Não vejam! O boi pôs o moço de forcado num estado que as senhoras não devem ver!…

Ouvindo isto a consorte caiu desmaiada numa cadeira, e a filha, presa de susto, sentiu-se agoniada.

O comerciante, vendo este despropósito e sorrindo-lhe a ideia do jantar, chamou um trem e pespegou com a família no hotel, gritando da porta:

— Salta o jantar!

— Agora só se for o chá, respondeu secamente o criado. A mesa redonda já lá vai e não há nada para comer.

Eusébio, fulo de raiva, exclamou:

— Isto é um desaforo! Traga-me já a conta que me quero ver daqui para fora quanto antes.

O criado obedeceu prontamente. Eusébio leu: "Quarto, almoço, jantar e ceia para três pessoas, 4$500 réis."

— Quatro mil e quinhentos réis! Que grande ladroeira! Quatro mil e quinhentos réis!… Mas eu não comi nada!

— Estivesse às horas, respondeu tranquilamente o criado. E faça favor de se aviar senão perde o comboio da noite.

Eusébio, cheio de cólera… e de fome, voltou-se então para as duas e exclamou:

— Ora veem? Eu só quero que vocês me digam quem é que foi o verdadeiro touro nesta tourada!

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