O ENCONTRO DE FERRINHO COM O CAPETA EM CAPIM GROSSO
I – A HISTÓRIA
José de Barros, conhecido por
“Ferrinho”, foi um rico e famoso bandido morador do Junco, distrito baiano
pertencente à cidade de Jacobina, na Bahia. Nos anos 80 do século passado, foi
responsável por aterrorizar a população da região, a qual era periodicamente
submetida aos seus métodos bizarros de violência. Conta-se, por exemplo, que
numa determinada ocasião, ele obrigou a mulher, Cleonice Soares da Silva, a
andar pelas ruas sobre um cavalo, toda nua. A intenção do facínora era ficar
observando se algum homem ousava olhar sua companheira, a fim de poder
eliminá-lo com um tiro. Relata-se dele, ainda, que era comum jogar
propositalmente uma caixa de fósforos ao chão e ordenar a pessoa próxima que a
pegasse, sob pena de morrer caso se recusasse a fazê-lo. Verdade ou não,
sabe-se que as barbaridades cometidas por Ferrinho enchiam todo o povo de
terror, uma vez que era temido até mesmo pela polícia, que evitava pegá-lo.
Pessoalmente (tinha eu cerca de dez anos) lembro tê-lo visto no povoado de
Quixabeira, rindo e tomando cachaça num bar. Meu pai, que chegou a negociar um
cavalo com ele, citava seu nome como se falasse de um respeitado coronel.
Segundo Edivanjo Alves Campos, que narrou sua história num cordel intitulado
“Crime na Fazenda Juazeiro”, o temido bandido tinha por patrão um certo
Benedito. Quando este faleceu, ele se apossou de suas terras, expulsando de lá
a própria sogra, mãe de Cleonice. De acordo com uma notícia publicada em jornal
do tempo, Ferrinho foi morto em junho de 1984, na Fazenda Regina, de sua
propriedade, quando juntamente com a jovem esposa, foram executados com vários
tiros por quatro pistoleiros, que, no entanto, pouparam a filhinha do casal de
um ano de vida, bem como sua babá, na época uma menina de apenas 14 anos de
idade. Essa mesma babá, com a ajuda de amigos, cuidou da criancinha até a
chegada dos avós maternos, que moravam no Estado de Pernambuco. Ainda sobre sua
morte, uma testemunha ocular do fato afirmou ter visto o cadáver do malfeitor,
cujo crânio ficou totalmente esmigalhado pela quantidade de tiros que recebeu.
II – A ESTÓRIA
Até aí os fatos. Agora a ficção, o
folclore, o encontro que teve Ferrinho com o Capeta, quando ele retornava de
uma de suas inspeções noturnas, na região de Pedras Altas, onde pretendia
executar mais uma de suas façanhas de rapinagem de roubo a gado.
Ao se aproximar do contorno de Bonfim,
em Capim Grosso, já era alta madrugada e ventava muito. A lua, completamente
cheia, projetava seu brilho sobre o vasto matagal circundante, e clareava toda
a extensão da longa estrada. Ferrinho vinha a trote largo num belo cavalo
preto, o qual roubara uma semana antes nas redondezas de Quixabeira. Consultou
o relógio e notou que os ponteiros estavam parados. De repente sentiu como se
estivesse sendo seguido. Olhou para trás e viu apenas uma sombra, como de um vulto
de um homem alto e de olhos brilhantes, mas sem uma aparência definida. Embora
não manifestasse publicamente temor de assombrações ou coisas do outro mundo,
nutria ainda no seu âmago alguns resquícios de antigas superstições, de modo
que fez o “pelo sinal” três vezes e esporou o animal para que corresse mais
depressa. O cavalo, porém, não obedeceu ao seu comando e refugou bruscamente
soltando um estridente relincho. Assustado, Ferrinho levou a mão à cintura e
fez menção de pegar o revólver. Olhou em volta de si e viu vindo ao longe,
encaminhando-se para ele e andando em zigue-zague, o mesmo vulto que lhe
aparecera antes. Não hesitou. Sacou a arma e apontou na direção da estranha
figura. Esta, no entanto, parecia não se incomodar com a ameaça e continuou em
marcha, agora fazendo umas cabriolas e rindo bem alto.
– Alto lá! Quem está aí? – gritou
Ferrinho com a arma em punho.
– Ah, então não sabe, ingrato? –
respondeu o outro, gargalhando e dando repetidas piruetas pelos ares.
– Chega dessa brincadeira! – disse o
bandido e atirou para onde estava o estranho, que continuou tranquilamente
seguindo em sua direção, agora andando de quatro e berrando feito um pai de
chiqueiro.
Mais que depressa, Ferrinho esporou repetidas
vezes o pobre cavalo, que num pulo alucinado saltou para frente e saiu em
disparada. Andou mais um pouco e, quando se aproximava do contorno de Jacobina,
indo na direção do Junco, eis que sente duas mãos peludas abraçando-lhe pelas
costas. Olhou rapidamente para trás e viu, aterrorizado, bem sentado na sua
garupa, um ser monstruoso, com mãos feito garras, rabo longo, dois pontiagudos
chifres no meio da testa e com um forte hálito de enxofre. “É o Capeta”, pensou
consigo, enquanto em grande desespero apeava do animal e saía correndo na
direção de um matagal próximo.
Ali chegando, ainda com a arma em punho
e bastante ofegante, escondeu-se depressa numa moita de taquara, permanecendo
por lá alguns minutos, quase sem respirar. Assim esteve, quando, repentinamente
tudo clareou em volta de si, como se o sol aparecesse no pleno resplendor do
meio-dia. Ergueu-se e tentou correr novamente, mas já era muito tarde: num pulo
brusco o Capeta saltou sobre ele e o lançou por terra, sentando em seguida
sobre seu dorso e apertando-lhe o pescoço com as mãos.
– O que você quer de mim? – disse
Ferrinho. – O que você quer? — repetiu agora quase sem voz.
– Ora, ora!... — respondeu o tinhoso,
aliviando lentamente as mãos do pescoço do criminoso. – Então você esqueceu o
nosso pacto?
De repente uma recordação súbita lhe
passou pela cabeça: lembrou-se de uma brincadeira que fizera ainda na
juventude, quando teve seu dedo furado por um fragmento de madeira. Havia ali
num curral próximo uma caveira de um bode. Tomou-a entre as mãos e esfregou, em
forma de cruz, o sangue do dedo sobre o esqueleto, jurando em seguida: “Se um
dia eu ficar rico, prometo entregar-lhe minha alma!”
O Capeta logo notou o que se passava
naquele momento no íntimo do temido bandido. Largou-o por completo e, enquanto
sumia na direção do vento, gritou lá dos ares:
– Não se esqueça: brevemente virei
buscar sua alma!
Escusado dizer que o pacto cumpriu-se
integralmente. Passados alguns anos, Ferrinho enriqueceu mediante,
principalmente, o roubo de gado e pela prática de diversos golpes. Quanto ao
Capeta, esse incumbiu quatro pistoleiros para dar cabo ao famoso bandoleiro,
cumprindo assim sua promessa.
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