Que soe o hino de Arquíloco a cujos acentos estavam tão habituados os ares
finos e azuis da Olímpia que, mal auletrides e citaredos o rompiam entre as
nuvens doiradas da poeira da arena revolvida, logo os ecos o iam redizendo
antes mesmo que os cantores o entoassem.
Que soe o hino de Arquíloco celebrando a vitória dos atletas que, com o poder do músculo robusto e ágil, conquistaram a glória que fica perpetuada na inscrição tabular.
Os tempos são outros — já os poetas não se levantam entre o povo, com a lira enramada de oliveira pálida, o olhar ardente de inspiração, saudando os heróis da luta — hoje a poesia é gemedora e fraca: arrula e suspira, não freme como nas eras pujantes, quando muito atita, porque lhe falta o heroísmo de outrora que fazia do poeta um glorificador.
O homem definha e com a consumpção que lhe vai entibiando o corpo, a alma se lhe torna fraca, pusilânime, sem fé.
Já que os cantores contemporâneos preferem a molície do amor à valentia da peleja, um beijo ao arrojo seguro de um disco de bronze, o abraço languido à formidável tensão nervosa que exige um pugilato, a carícia de um olhar úmido ao flamejar dos olhos de adversários que se medem, um gorjeio de mulher voluptuosa ao rouco bramir do auriga que, no estádio, excitava as parelhas da rápida quadriga, uma promessa lasciva ao desafio heroico, gênios do passado e tu, maior de todos, moço tebano, cantor sagrado dos grandes feitos de Efarmósio, vencedor nos jogos píticos, nemeus e ístmicos, empresta o teu gênio imortal a um dos vates que melhor compõem a estrofe com a imagem que a ilumina e com a rima que a enfeita para que ele dignamente descante o renascimento do culto e da beleza do Homem.
Salve! salve ainda heróis do páreo forte que vindes levantar, com o vosso exemplo, a alma abatida dos mancebos pátrios.
Um povo não se robustece na inércia. A mesma árvore, prisioneira pelas raízes, tem o vento como lanista que a obriga a exercitar-se: abalam-se-lhe os galhos, retorce-se-lhe a coma, a cativa debate-se violentamente como o leão que passeia na jaula e salta corcoveando para expandir a sua força nervosa.
O rochedo cravado tem o mar que o fustiga — a terra é como a Atalanta do espaço: corre vertiginosamente e se perde do sol que a vence, deixando-o nas brumas do inverno, é porque se curva para apanhar os frutos do outono que o Hipomenes flamejante lhe atira.
O homem, que se devia impor pela força como a mulher se impõe pela graça, porque ele deve ser como o cedro e ela como a palmeira, copia os ademanes femininos e, a pretexto de ser esbelto, amaneira-se, fugindo a todo o exercício, com receio de que se lhe calejem as mãos ou se lhe tufem os músculos endurecidos como os do Hércules Farnésio e o resultado é termos uma mocidade dessorada, tíbia, muito encalamistrada, muito oleosa e trescalante, mas incapaz de um ato de energia, passiva por fraqueza, humilde por desalento.
A culpa, em verdade, não é dos moços senão dos pais que os criam nos refolhos domésticos, atabafados, para que o ar não lhes dê tremuras, para que o sol não lhes creste a cútis e, desse choco o que sai é uma ninhada a piar medrosa e transida, que encara a vida com medo e, à primeira dificuldade, encolhe-se e deixa-se morrer covardemente. Se os governos das sociedades modernas não entendem, como o ríspido Licurgo, que o infante é um bem da pátria que o deve afeiçoar, desde a idade mais tenra, ao destino que lhe cabe, que é o de ser um cidadão útil na paz, como elemento de prosperidade e na guerra como elemento de defesa, cuidem, ao menos, de mostrar aos pais que os exercícios são a melhor medicina e a moral mais sã — ganham com eles o corpo e a alma, desenvolvem-se a força e a coragem, uma que é o fruto da robustez, outra que é a flor da energia.
Felizmente parece que a mocidade já se vai insurgindo contra o regime desmoralizador.
Coalha-se o mar de embarcações esguias que disputam a carreira na arena verde e móbil; corpos arrojam-se ao encontro da vaga e lá vão por ela às braçadas rijas, ora levantados nas cristas espumantes, ora desaparecendo nos sulcos; as bicicletas afrontam os andurriais, trepam às serras, descem aos vales, atravessam florestas em viagens longas, de Estado a Estado; a pela elástica parte como uma bala da cesta dos fundibulários; cruzam-se floretes e sabres em punhos de esgrimistas; turmas flanqueiam as paralelas, correm outras ao lawn-tennis. Ali é um trapézio que oscila, além é um corpo que volteia na barra; mais longe vai o ginete sorvendo o ar dos prados frescos, levando um cavaleiro louro e moço e no campo, sobre a erva rasa, correm os teams, disputando a bola que bate, salta e voa perseguida, indo de um a outro, repelida, numa ânsia desinsofrida de vitória que dá à face dos lutadores a cor alegre e formosa da saúde.
É exercitando-se nesses jogos enérgicos que o homem aprende a vencer na vida: o hóplita dançava a pyrrhica sob o peso derreante das armas.
O grego era um povo esteta que admirava o corpo formidável de Sóstrato dormindo nu, estirado na erva verde e cheirosa do Parnaso; o grego corria aos ginásios para aplaudir os gladiadores, a Hélade atroava quando um mancebo conquistava, em Argos, a taça de bronze e as coroas ornavam o timelo trágico como a borda da biga triunfante.
Hoje, porém, raros são os que prestam culto à robustez, — as raças sucumbem anêmicas, o Adão atual não se parece com o colosso de argila dura cuja ossada era de rude granito — é uma figurinha de terracota, mais para a peanha do que para a arena.
Nem todos os pais querem ver os filhos nesses exercícios — a maioria prefere ver os seus mirrados pimpolhos, muito apertados em umas casacas que lhes dão o ar de grandes gafanhotos negros, fazendo numa sala voltas sutis de valsas. Felizmente, porém, começam a aparecer os jovens reacionários, os que se revoltam contra essa vida abafada e mole de plantas de estufa e correm, com o peito forrado por uma camisa de malha, os braços nus, as pernas nuas, ao ar livre reforçando-se ao sol que é o grande juiz e o apologista da força.
É preciso pensar um pouco no Homem que é o responsável pelo mundo, que é o fiador do Progresso. Não basta que sobre as vertentes das colinas e nas verdes planícies cresçam palácios de nobre arquitetura, alastrem relvedos de parques, refuljam serenos lagos; que, por toda a parte, circulem ativamente os veículos elétricos, que haja monumentos nas praças, centros de sabedoria, casas de diversão, casernas e hospitais, é necessário que haja homens, homens que não fiquem avassalados pelas maravilhas, homens que não sejam ridículos ao lado das magnificências, homens, enfim, dignos da cidade, do país em que nasceram e no qual brilham pelo esforço e pelo espírito.
Que diria o estrangeiro que, ao saltar no caos de
uma cidade toda de mármore, com avenidas de cedro, faiscante de focos elétricos,
visse pelos degraus dos templos, nas raízes robustas das árvores, nos
peristilos dos palácios, uma população enfezada, a tiritar de frio, macilenta e
lívida? Sorriria ou daria por mal empregada tanta beleza... Pois temos um meio
de evitar esse ridículo deprimente e o meio é belo e é nobre e nos foi dado por
um povo que é um dos orgulhos da humanidade — o inglês. Aceitemo-lo e
tornemo-nos dignos desta grande pátria, que é, como um jardim exuberante de
Titânia... habitada por pigmeus.
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