O encontro de Capitão com o Caipora
Corria o ano da graça de 1915, quando o jovem Zózimo, saltando num cavalo de pau que improvisara por puro divertimento, corria como um "Quixote" por entre o grosso capim de uma extensa lagoa que circundava a velha fazenda.
— Eia! Avante Rocinante! — bradava alto, empunhando numa das mãos uma vara verde que parecia simular uma espada.
O velho Chico, que
a tudo observava escondido detrás de uma árvore, não resistiu a ocasião e
gritou em tom de gracejo:
— Muito bem capitão!...
Avante, avante!...
O rapaz, que até
então não pressentira a presença do pai, interrompeu bruscamente a brincadeira e abaixou a cabeça.
O velho, notando o constrangimento do filho, retirou-se rindo muito de toda
aquela grotesca pantomima.
Zózimo, tão logo o
pai ausentou-se, montou novamente em seu alazão de madeira e saiu em disparada
por entre o mato, gritando louco de satisfação:
— Avante, capitão!...
Esse passatempo transcorreu assim pouco mais de meia hora. Quando, enfim, deu por si já se achava bem no meio de uma mata densa e desconhecida. De repente, viu como que uma sombra a correr num
contínuo vaivém por entre os arvoredos. O
estranho movimento vinha sempre acompanhado de assobios, de estalar de galhos, de
um cheiro inebriante de fumaça e de um grito fanhoso, que dizia:
— Ecou!... Ecou!...
Ecou!...
Não havia dúvida,
pensou o moço, é o Caipora.
Zózimo, que conhecia
muito bem as malvadezas daquele monstrinho cabeludo, tratou logo de se
precaver, retirando do bolso um pedaço de fumo, com o qual seguiu caminhando em
busca de uma clareira conhecida, pela qual pudesse se safar daquela trilha
apavorante. Porém, quanto mais andava, mais perdido se via no meio daquele matagal espesso e medonhamente trançado. Quando,
enfim, topou num lugar que lhe parecia familiar, viu aparecer de supetão diante
de si a figura grotesca do Caipora montado no seu porco caititu. O monstrinho
peludo, que fumava um grosso cachimbo de barro, acercou-se dele e foi logo pedindo
fumo.
— Me dá fumo!
O moço, que já se
havia precavido para esse encontro, estendeu a mão e lhe entregou um pedaço de
fumo de corda.
— Me dá mais!
Que fazer, se não
havia mais fumo? Correr era impossível, pois eram de todos conhecidas as
peripécias daquele diabinho peludo, que
certamente não deixaria impune o aventureiro que ousasse evadir de sua presença
sem o seu devido consentimento.
— Acabou — respondeu o rapaz um tanto apreensivo, mas logo acrescentou: — Vou buscar mais em casa, se você deixar.
— Quero mais! — insistiu o capetinha peloso.
— Em casa tem mais — repetiu Zózimo todo trêmulo.
— Tô esperando, vá correndo — respondeu o Caipora visivelmente impaciente. E completou: - Se não voltar ligeiro, deixa estar que você me paga!
O moço sabia muito bem
do que seria capaz o Caipora caso não
cumprisse a promessa que a ele ali fizera. Então correu como um louco em
direção à fazenda. Chegou lá esbaforido e suando em bagas. Pegou sem demora, na
dispensa, meio metro de fumo e retornou correndo como um desesperado. Quando chegou
no matagal, o Caipora ainda estava lá montado no seu porco-do-mato. Este foi
logo perguntando:
— Trouxe meu fumo?
— Sim, toma! — respondeu Zózimo, entregando ao guardião da floresta o pedaço do rolo preto.
O monstrinho então tomou do fumo e o levou às
narinas. Em seguida fez um gesto de agradecimento e saiu em disparada,
gritando:
— Ecou, Capitão!... Ecou, Capitão!... Ecou, Capitão!...
Reza a lenda que foi
a partir deste dia que o célebre fundador de Capim Grosso passou a ser chamado
de "Capitão".
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