A tentação do Padre Alfredo
Conta-se que o Padre Alfredo, em certo dia, ia montado no seu burrinho com destino a Capim Grosso. Assim que passou pelo povoado de Vaca Brava, sentiu uma fome devoradora, e nada levava consigo que pudesse saciá-la. Seguindo mais adiante, numa curva, deparou-se com um velhinho de barbas longas e brancas, o qual sentado num velho tamborete assava no espeto um peru tenro e gordo. O assado exalava um cheiro tão inebriante que o bom Padre não resistiu. Apeou rapidamente do animal e foi direto ao idoso, crendo ser ele uma providência enviada pelos céus para suprir sua imediata necessidade.
— Boas tardes, bom velhinho, que o Senhor seja contigo!
O ancião, que a esta altura beliscava com imenso gosto o petisco saboroso, correspondeu com uma cortesia ao cumprimento:
— Muito boas tardes, viajante! Parece com muita fome, não?
O sacerdote, que sentia suas entranhas roerem com a voracidade de um leão faminto, não hesitou em achegar-se a ele e pedir-lhe algum bocado.
— Certamente. Chegue-se, sente-se aqui! — continuou o idoso, oferecendo ao outro um tamborete com assento de couro, o qual parecia estar ali exatamente com esta única finalidade.
— Oh, graças a Deus! — exclamou o religioso afagando com ambas as mãos a barriga. — Estou caindo de fome.
— Então, que faz vossa reverendíssima neste fim de mundo a essas horas, sem ter nada para comer? — perguntou o velho, enquanto fatiava vagarosamente a ave suculenta.
— Milito pela causa de Cristo — respondeu o missionário, fixando os olhos na bela iguaria e evocando mentalmente os manás enviados por Deus aos israelitas durante a longa jornada pelo deserto. E concluiu para si que aquele peru assado, surgido assim numa hora tão propícia e de uma maneira tão inusitada, não seria outra coisa senão um maná mandado por Deus para ele, tal qual fizera a Moisés depois da fuga do Egito.
E quando o velho ia oferecendo ao padre uma fatia de peru na ponta de um garfo de duas pontas, indagou-lhe se de fato acreditava que aquele peru era uma bênção de Deus, acrescentando ainda que o diabo também era capaz de realizar milagres e prodígios. E concluiu sarcasticamente:
— O senhor acredita no diabo, padre?
O sacerdote, notando que os pés do velho se assemelhavam aos de um bode e que dele exalava um odor semelhante ao de fósforos queimados, meteu depressa a mão dentro da sua batina branca e tirou de lá um vidrinho com água benta, respondendo com firmeza:
— Isso é o que vamos ver!
Dizendo isso, destampou o frasquinho e, num movimento rápido, borrifou sobre o outro algumas gotas do líquido abençoado, gritando bem alto:
— Vade retro, Satanás!
Neste instante, o velhinho, que nada mais era do que o próprio diabo disfarçado e que estava ali para induzir o padre ao pecado da gula, deu um grande estouro e desapareceu nos ares juntamente com o peru assado, deixando para trás um cheiro acre de enxofre e muita fumaça preta.
O padre levantou-se ligeiro, fez o "pelo sinal" e saiu na direção do burro. Quando ergueu os olhos para montar no animal, eis que viu bem à sua frente um enorme pé de jaca abarrotado de frutos maduros, cuja fragrância fez aumentar ainda mais o apetite do santo homem.
Horas depois chegou ele a Capim
Grosso com a barriga cheia e o burrinho carregado da abençoada fruta.
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