6/24/2021

O papagaio encantado (Conto popular), de Figueiredo Pimentel

 

O papagaio encantado

Longe, muito longe daqui, lá para as bandas onde o sol nasce, dizem que existia maravilhoso país, diferente em tudo e por tudo do nosso. 

Governava-o um soberano, um rei, que fez a felicidade dos seus súditos, pelos generosos dotes de coração que abrigava; pelo seu amor e respeito à Justiça, ao Direito, à Liberdade, à Igualdade e à Fraternidade; e, sobretudo pela sua grande sabedoria. 

Chamava-se Marval, e tinha três filhas, qual delas a mais bonita: a primeira tinha por nome Alice, – a do meio – Rosa, e a terceira, – Amanda. 

Um dia ordenou-lhes o pai que elas lhe contassem todos os dias, pela manhã, o sonho que por acaso, cada uma tivesse durante a noite. 

As meninas receberam essa ordem com certa estranheza. Contudo, como eram mui obedientes, prometeram cumprir o que lhes era mandado. 

À noite, antes de se deitarem, em conversa, começaram a discutir aquela ordem absurda e tão fora de propósito. 

Dizia Alice, a mais velha: 

 Estou admirada da ordem que o nosso pai nos deu, manas, tão esquisita é ela; e nem sei que farei amanhã, se acaso sonhar uma tolice, como às vezes sucede a gente sonhar. Com certeza terei pejo em narrá-la. 

— Eu não, disse Rosa, não tenho vergonha alguma de meu pai, e contarei tudo, se tiver algum sonho. 

— E eu, falou Amanda, a caçula, já que, é a vontade do meu pai, dir-lhe-ei tudo nem que saiba zangar-se ele depois comigo. 

No dia seguinte, pela manhã, Marval mandou, dizer às moças que já estava à espera, para elas lhe contarem os seus sonhos. 

As duas primeiras nada tinham sonhado, por isso nada disseram. Amanda, porém, sonhara que por aqueles dias havia de se casar com um príncipe muito lindo e muito rico, senhor de um país onde as casas eram de ouro e pedras preciosas, e que cinco reis haviam de lhe beijar a mão, achando-se entre eles seu pai. 

O monarca, zangadíssimo com a filha, declarou que se ela sonhasse outra vez semelhante coisa, e tivesse coragem de lhe relatar outro sonho, assim tão soberbo, mandaria matá-la. 

As duas irmãs ficaram tristes, quando souberam do sonho de Amanda e foram lhe pedir para não contar outro, que por ventura tivesse, no mesmo sentido, sendo nesse caso preferível mentir. 

— Papai disse que te mandaria matar. Ora, bem sabes que palavra de rei não volta atrás. Por isso acho bom nada mais lhe narrares. 

No dia seguinte a menina quis enganá-lo. Mas como não sabia mentir, chegou-se para ele chorando muito, e lhe contou entre lágrimas, o sonho da véspera, que se repetira naquela noite. 

Marval enfureceu-se com a desobediência da filha, pensando, que ela estava procedendo propo­sitadamente. Mandou, pois, que os criados a levassem para uma floresta distante, e a matassem; trazendo-lhe o dedo mindinho, como prova de sua morte. 

As irmãs, tendo notícia da sentença, de joelhos, pediram ao rei que a perdoasse, pois se Amanda havia contado o sonho, foi porque lho tinha sido ordenado; que elas duas lhe haviam aconselhado não repetir a narração, mas, como era muito verdadeira, não quis mentir, e confiara na bondade do pai para absolvê-la. 

— Antes papai a mande presa para a torre dó castelo, opinou Rosa, sem poder sair, senão uma vez por ano. 

Continuando a suplicar o perdão da irmã, ou, pelo menos, a comutação da pena, Rosa e Alice inventaram mil castigos. O rei, todavia, foi inflexível; não revogou a ordem, e as meninas saíram dali com o coração cheio de dor, pela próxima perda da irmãzinha que tanto estimavam. 

No outro dia, assim que rompeu a madrugada, a princesa Amanda partiu para a Floresta Negra, toda de luto, com um véu preto, que lhe cobria completamente o rosto, a ponto de torná-la desco­nhecida. 

Ordenara-lhe Marval o uso desse véu, para que a corte ignorasse o fato, e não começasse a propalar a sua maldade. 

Os próprios criados de confiança, que foram designados para matar a princesa, não sabiam quem era aquela moça toda de preto, com um véu tão espesso, que não deixava ver sequer a sua fisionomia. 

Antes de chegarem à Floresta Negra, os emissários reais encontraram uma velhinha, uma mendiga, que todos os dias ia receber esmolas que Amanda lhe dava. 

Essa velhinha, que era adivinha, ao ver passar aquela gente tão cedo, ainda de madrugada, conheceu logo a princesa, e gritou: 

— Adeus, princesa Amanda, minha benfeitora, filha do muito poderoso rei Marval! Desejo-lhe muitas venturas. Vá depressa, que seu noivo está à sua espera!... 

A moça, que ia muito triste, pensando na sua sorte desgraçada, mais triste ficou, por se lembrar que a pobrezinha ia passar sem esmolas. 

Não obstante não poder parar, nem um segundo, sob hipótese alguma, a carruagem que ia, teve ela ainda tempo de atirar uma moedinha, que se achava acaso no bolso do vestido. 

A velha, compreendendo o bom coração da menina, exclamou: 

— Deus nunca desampara os bons, princesa Amanda! Nossa Senhora há de acompanhá-la e protegê-la! 

Ora, entre os criados que haviam ido levar a princesa, para matá-la na Floresta Negra, achava-se um, de nome João, já velho, que a tinha criado. Sabendo, pelas palavras da mendiga, que a moça a quem levavam para assassinar tão cruelmente, ser a sua querida, a sua extremosa, sua dileta filhinha, – como ele chamava e considerava a princesa, – protestou logo no não-cumprimento da ordem real, sucedesse o que sucedesse. 

Firme nesse propósito, logo que o cortejo chegou à entrada da Floresta Negra, João disse aos seus companheiros que fora ele o encarregado de matar a moça; e por isso que o esperassem ali, pois não precisava de ajudante para tal serviço. Levou a menina para longe, no meio da mata, e como estimava muito a princesinha teve pena de matá-la. Trouxe, todavia, para o rei não desconfiar, o dedo mínimo de Amanda como, prova de sua morte, e em cumprimento à ordem que rece­bera. 

Assim que a jovem Amanda se viu só, principiou a chorar de medo, porque ouvira dizer que aquela floresta era mal-assombrada. Começou a andar; e, andando muito, já bastante fatigada, chegou a um buraco. 

Aproximou-se dele, e assim que transpôs a entrada, percebeu que quanto mais caminhava, tanto mais largo se tornava ele, do mesmo modo que o terreno mais pedregoso e cheio de raízes, se cobria de relva fina e macia, que seus pés cans­ados pisavam. 

Prosseguindo sempre, deparou-se-lhe deslumbrante palácio todo de mármore cor-de-rosa, e janelas e portas de ouro. 

Sentindo-se bem, ficou residindo aí, satisfeita, almoçando, jantando e ceando, sem no entanto ver pessoa alguma, o que de algum modo a impressionava. 

A única coisa que quebrava o silêncio desse palácio, era um papagaio, que falava dentro de um quarto fechado e cujas portas jamais se abriam. 

*** 

Havia algum tempo já que Amanda ali se achava, vivendo, cada vez mais serena e feliz, apenas muitíssimo triste, quando um dia, lhe apareceu um moço, formoso, ricamente vestido. Entregou-lhe ele a chave do quarto, dizendo que po­dia abri-lo, o que fez sem mais demora. 

Foi um deslumbramento. Ficou maravilhada de ver papagaio tão grande, tão bonito, de asas tão douradas que parecia o sol, e tendo na cabeça um diamante de inexcedível preço, e lindo, lindíssimo, sem igual no mundo. 

Ao ver aproximar-se a moça, a ave sacudiu as penas, contentíssima, e disse: 

— Bons-dias, princesa Amanda, filha do rei Marval! Como vem tão bonita, tão formosa! 

 Mais formoso do que eu, és tu, meu lindo papagaio dourado... 

Ainda bem não havia terminado a última palavra, e o papagaio transformou-se no lindo moço que lhe tinha aparecido para lhe dar a chave do quarto. 

Esse moço era sua alteza o príncipe imperial Calcim, filho e herdeiro de Manarés XI, imperador da região das Pedras Raras. Fora transformado num papagaio, e deveria permanecer nesse estado até encontrar uma princesa que descobrisse o palácio subterrâneo e o desencantasse. 

Assim, meses após, celebrou-se o seu casamento com Amanda, comparecendo cinco reis tributários do imperador Manarés XI, entre os quais se achava o rei Marval para beijarem a mão da noiva. 

Todos os outros beijaram a mão da princesa, mas, quando chegou a vez de Marval, a nova imperatriz recusou-a. 

Escandalizado com tão grave injúria, à vista dos outros reis, Marval perguntou o motivo do procedi­mento da princesa. 

Calcim, querendo dar uma satisfação da recusa, perguntou a Amanda por que assim procedia com um rei tão ilustre e senhor de uma nação poderosa e amiga. 

A moça narrou, então, a sua história, que foi ouvida por todos com a máxima atenção. Marval foi muito censurado, mas, mostrando-se arrependido, obteve o seu perdão, e viveu feliz ainda muitos anos.

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