Os anõezinhos feiticeiros
Honório Pereira e Leandro Pacheco saíram um dia de casa, para correr mundo, até encontrarem onde pudessem ganhar honradamente a vida.
Ao cabo de muitas semanas de jornada, à hora do anoitecer, enquanto caminhavam, cansados de tanto andar, ouviram imprevistamente os sons longínquos de uma deliciosa música, cada vez mais distintos, à proporção que se iam aproximando.
Era uma harmonia estranha, mas tão suave ao mesmo tempo, que esqueceram a fadiga sentida depois de tão longa e penosa viagem, para se encaminharem à toda pressa em direção ao lugar de onde pareciam vir aqueles dulcíssimos sons.
A lua brilhava majestosa e clara, quando chegaram à encosta de um monte.
Aí viram numerosos grupos de pequeninos dançando alegres, de mãos dadas, fazendo roda como na brincadeira da “Sinhá viuvinha das bandas dalém”.
No centro achava-se um velhinho, mais bem vestido que os outros, imponente, com a sua longa barba muito branca, que lhe chegava quase até os joelhos.
Assim que o velho – naturalmente o rei dos Anõezinhos – avistou os dois companheiros, fez-lhes amistosos sinais com a mão, para que se aproximassem, e os dançarinos abriram a roda dando passagem franca.
Leandro, que era um pouco corcunda e ousado, como a maior parte das pessoas assim defeituosas, penetrou no círculo, sem a menor hesitação. Pereira, mais acanhado e tímido, vendo a resolução do camarada, resolveu-se a imitá-lo.
Fechou-se em seguida a roda dos alegres foliões, que recomeçaram com as suas músicas, bailados e cantigas.
Os dois aventureiros estavam admirados. Era a primeira vez que viam homens e mulheres, perfeito como todo o mundo, com a única diferença que o mais alto não chegava a ter um metro de altura.
Contemplavam com espanto aquela cena, quando o anãozinho-chefe tirou do bolso um grande navalha, e dirigiu-se para eles.
Ficaram transidos de medo, mais mortos do que vivos, pensando que iam ser assassinados.
O velhote, sem pronunciar palavra, agarrou os dois viajantes – primeiro um e depois o outro – e, num abrir e fechar de olhos, raspou-lhes completamente as caras e as cabeças, dizendo depois:
— Vocês fizeram muito bem em consentir que eu os barbeasse. Em paga vou dar-lhes um presente. Levem consigo um bocado daquele coque que ali está.
Apontou para um monte de carvão, que havia a um lado, e os dois, obedecendo, encheram os bolsos de pedras de vários tamanhos, embora não pudessem saber para que lhes serviriam elas.
Saindo dali, caminharam para a vila mais próxima. Na estalagem em que pernoitaram, de tão fatigados que estavam, dormiram assim mesmo vestidos, esquecendo até de tirar os pedaços de carvão de pedra que haviam guardado nas algibeiras.
Pela manhã, ao despertarem, quando iam levantar-se, sentiram-se extraordinariamente pesados, quase sem poderem mover-se. Lembraram-se então do presente dos anõezinhos e foram vê-los.
Em vez de pedaços de coque, feios e pretos, foi com surpresa e contentamento que encontraram lindíssimos e enormes diamantes de extraordinário brilho e fabuloso valor. Em lugar também das cabeças peladas e caras lisas com que se tinham deitado, viram-se de novo com bons cabelos e belas barbas.
Estavam ricos, mas o corcunda Leandro Pacheco não se contentou com a sua sorte.
Não quis prosseguir a viagem naquele mesmo dia, e mal anoiteceu, dirigiu-se sozinho – porque Pereira não o quis acompanhar – para a montanha onde encontrara os anõezinhos.
Chegado aí, repetiu-se ponto por ponto a cena da véspera. Depois que o chefe dos anões o barbeou, mandou-o apanhar carvão. Pacheco, que se tinha prevenido, encheu dois grandes sacos, transportou-os dificultosamente, arfando de cansaço, suando com abundância, até a hospedaria.
Na manhã seguinte, despertou cheio de curiosidade, pela madrugada ainda, e correu pressuroso a ver os sacos, mas só encontrou as mesmas grosseiras pedras que tinha catado na véspera. Ficou desesperado, mas lembrou-se que ainda era muito rico, possuidor dos brilhantes da primeira noite.
Foi contemplá-los; eles, porém, haviam tornado à sua primitiva forma e ele estava outra vez pobre, paupérrimo, como saíra da sua aldeia.
Para cúmulo do caiporismo e castigo de sua desmedida ambição, viu-se sem um só fio de barba e de cabelo, e a sua corcunda crescera, muitíssimo desenvolvida.
Honório Pereira, porém, consolou-o, pondo à sua disposição metade dos diamantes que possuía, depois de aconselhá-lo que, para o futuro, não fosse ambicioso de riquezas, e se contentasse com a sorte.
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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2021)
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