A princesa dos cabelos de ouro
Quantos séculos correram depois da história
que vamos narrar, não sei, nem pessoa alguma poderá sabê-lo, só se sabe que,
por esse tempo, existiu o reino das Maravilhas, e nele uma jovem tão linda, que
nada neste mundo se podia comparar. Chamava a princesa dos Cabelos de Ouro,
porque os seus cabelos eram louros, tão louros, que pareciam feitos de raios de
sol, e tão grandes e crespos que chegavam aos pés.
O seu nome, porém, era Mirtes.
A princesa andava sempre com os cabelos
desenastrados; tinha uma coroa de flores na cabeça, e usava vestidos bordados a
ouro, diamantes e pérolas, de sorte que, quem a via, ficava logo apaixonado
pela sua formosura.
Existia em Gabor, país vizinho, um rei ainda
moço e solteiro, chamado Frederico, e possuidor de extraordinária riqueza.
Sabendo da existência da princesa dos Cabelos
de Ouro, conquanto nunca a tivesse visto, ficou apaixonadíssimo, resolvendo
enviar um embaixador pedindo-a em casamento. Para isso mandou preparar um carro
de ouro, puxando por cavalos brancos, e seguido de mais de cem criados,
recomendando que lhe trouxessem a princesa Mirtes, a todo o custo.
O embaixador chegou ao reino das Maravilhas e
entregou a mensagem. Mas, ou porque nesse dia não estivesse de bom humor, ou
aquela comitiva toda não lhe parecesse a ela suficiente para uma princesa tão
linda, o fato é que respondeu que agradecia muito ao rei Frederico, tão alta
distinção, mas que não pensava ainda em casar.
O embaixador saiu, da corte muito triste por
não regressar com ela para Gabor, voltando com todos os presentes que levara da
parte de seu senhor.
Mirtes, que era sensata, sabia que uma moça
não deve receber presentes de um rapaz, mas, para o rei não tomar essa recusa,
como ofensa, aceitou apenas uma carta de alfinetes.
Assim que o embaixador chegou à cidade, onde
era esperado impacientemente, todo o mundo se afligiu por não haver ele trazido
a princesa dos Cabelos de Ouro; e o rei chorou, sabendo do resultado da
embaixada.
***
Ora, havia na corte um pajem de beleza
extraordinária, tão lindo que era conhecido pelo apelido de Formoso.
Todos o estimavam muito, menos os cortesãos
invejosos que se incomodavam com a preferência que lhe dava o rei Frederico
encarregando-o dos seus mais importantes negócios.
Formoso, estando uma vez a conversar num
grupo, onde se falava da volta do embaixador, criticando de sua inépcia em
comissão tão melindrosa, sem refletir no que dizia, assim se externou:
— Se o rei me tivesse enviado em embaixada à
princesa dos Cabelos de Ouro, estou certo que a traria comigo.
Não faltaram alcoviteiros que fossem ao rei e
dissessem:
— Saiba vossa real majestade que o pajem se
gaba de ser capaz de trazer a princesa dos Cabelos de Ouro, assim que vossa
majestade o mande. Considere bem vossa majestade no seguinte: Formoso, com isso
quer ter a pretensão de ser mais belo que o nosso rei, pensando que se a
princesa o visse, o amaria tanto que o acompanharia.
O rei ficou desesperado ouvindo tão pérfida
intriga, e exclamou:
— Ah! esse pajem brinca com a minha desgraça!
Pois bem: prendam-no na torre grande e que o deixem lá até morrer de fome.
Os soldados do rei foram à casa de Formoso,
que já nem se lembrava mais do que dissera; arrastaram-no à prisão, e aí
fizeram-lhe as maiores atrocidades.
O pobre rapaz só tinha um bocado de palha
para se deitar; e teria morrido de sede se não fosse uma pequena fonte que
corria perto da torre onde estava preso.
Um dia em que já não podia mais, exclamou
suspirando:
— De que se queixa el-rei meu senhor? Nunca
fui infiel, nunca o ofendi. Por que estou preso, quase a morrer de fome?
Frederico, por acaso passava perto da torre.
Quando ouviu a voz daquele que tanto estimara, parou para ouvi-lo, apesar dos
vassalos que estavam ao pé do rei e que odiavam Formoso, dizerem:
— Não lhe dê ouvidos, real majestade. Não sabe
que Formoso é um tratante?
O rei respondeu:
— Deixem-me quero ouvi-lo.
Tendo escutado aquelas queixas, as lágrima
subiram-lhe aos olhos.
Abriu a porta da prisão e chamou o seu pajem
favorito.
Formoso veio muito triste se ajoelhar aos pés
do rei dizendo:
— Que lhe fiz, senhor, para me tratar tão
cruelmente?
— Zombaste de mim e do meu infortúnio,
dizendo que se eu te houvesse enviado como embaixador à princesa, trazê-la-ia
com certeza.
— É verdade, disse Formoso, eu teria feito a
princesa conhecer as qualidades de tão ilustre monarca, e estou persuadido que
ela não recusaria aceitar o meu ilustre rei por esposo. Suponho que isto não é
caçoar nem falar mal de vossa majestade.
Frederico achou que não tivera razão para ser
tão cruel.
Mandou que lhe tirassem os ferros e levou-o
consigo, arrependido da maldade que fizera.
Depois de mandar Formoso jantar em sua
companhia, chamou-o aos seus aposentos e lhe disse:
— Ainda amo apaixonadamente a princesa
Cabelos de Ouro, e apesar da recusa que tive, não desanimo de me vir a casar
com ela. Queres ser meu embaixador?”
— Senhor, respondeu o pajem: Estou pronto
para cumprir vossas ordens. Se quiserdes partirei amanhã.
— Amanhã, não, disse o rei: quero mandar uma
embaixada mais rica do que a primeira.
— Perdoe-me vossa majestade, mas não desejo
levar comitiva alguma. Desejo apenas que me mande dar um bom cavalo e as cartas
que devo entregar à princesa.
O rei abraçou-o, vendo a disposição com que
estava ele de o servir.
No dia seguinte de manhã, Formoso partiu sem
pompa nem ruído, pensando no meio que empregaria para fazer Mirtes dar o sim.
Levava consigo uma pasta, onde havia tudo
quanto era necessário para escrever: papel, pena, tinta, lápis, etc., e quando
vinha à sua cabeça um bonito pensamento, escrevia-o no seu livrinho de notas
para o não esquecer e poder dizê-lo à princesa.
Assim procedendo o fiel pajem, pensava apenas
na maneira de ser agradável à princesa para ver se ela consentia em se casar
com seu amo.
Uma manhã, passando ele por um prado
extensíssimo, apeou-se do cavalo em que ia montado, e sentou-se em uma pedra, à
margem do rio que atravessava o campo. Admirava a beleza do lugar quando viu
uma piaba pular fora da água e debater-se durante alguns segundos.
O pobre peixinho ia morrer quando Formoso o
apanhou, atirando-o ao rio.
Assim que a piaba se sentiu outra vez na
água, nadou rapidamente para longe da margem, voltando, porém, logo após para
dizer:
— Formoso, agradeço-te muito o serviço que
acabas de me prestar. Se não fosses tu, estaria morta. Talvez algum dia te
pague esta dívida.
Disse e desapareceu.
O pajem ficou admirado de ver um peixe falar,
mas não se importou mais com o caso e seguiu viagem.
Em outro dia viu um corvo perseguido por uma
águia.
O corvo voava para um lado e para outro, mas
sempre perseguido. Estava prestes a cair no bico do seu inimigo, quando o rapaz
que assistia àquela luta apanhou a espingarda e fazendo boa pontaria, matou a
águia.
Vendo-se livre, o corvo fugiu para longe,
dizendo:
— Formoso, livraste-me de uma morte certa. Se
não fosse o teu socorro estaria nas garras do meu perseguidor. Nada valho; sou
apenas um pobre corvo, mas talvez algum dia te possa pagar esta dívida, porque
não sou ingrato.
Mais admirado ficou ainda Formoso, vendo um
pássaro falar.
Seguiu adiante e já estava muito distante,
quando ouviu uma coruja piando desesperadamente.
O pajem disse consigo:
— Eis aí uma coruja que está piando demais.
Com certeza caiu em algum laço que caçadores armaram.
Adiantou-se mais e viu uma grande coruja
presa numa armadilha colocada no galho de uma árvore.
Tirou da bainha uma faca, que trazia e cortou
o barbante que a prendia.
— Não é necessário, Formoso, fazer discursos
para agradecer o bem que me acabas de fazer. Sou uma coruja que para nada
presta. Mas, se algum dia precisares de mim, estarei pronta para te servir.
Talvez ainda te pague este benefício que me fizeste.
Foram estas as três aventuras mais
importantes que aconteceram ao jovem pajem Formoso, no trajeto de Gabor até o
palácio do reino das Maravilhas, onde residia Mirtes, a linda princesa dos
Cabelos de Ouro.
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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2021)
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