O sonho de uma noite de Natal
Tradução Luiz Macedo.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020)
Eu havia terminado um conto sombrio como os breves e tristes dias de inverno,
que então pesava sobre meu país. Deixei cair a pena e comecei a passear pela casa.
Era noite. Lá fora pronunciava-se
uma tormenta. A neve caía em flocos espessos. A rua estava deserta, e encostando-me
à vidraça eu via apenas uma lanterna pendurada a uma porta do outro lado da
rua, e agitada pelo vento. Aquele espetáculo era tão profundamente desolador
que, afastando-me da janela, apaguei a lâmpada e fui deitar-me.
Então, na escuridão que invadia
todo o meu quarto, os sons da noite se fizeram mais nítidos. O relógio contava
os segundos, mas por vezes o zumbir da neve, lá fora, afogava seu rumor. Em
vão, o tique-taque apressado, incansável, voltava a dominar os murmúrios do
inverno; e aquele tique-taque seco, monótono e teimoso, em sua marcha para a eternidade,
impunha-se a meu cérebro, ressoava dentro dele.
Não podendo dormir, pensava nas páginas
que acabara de escrever. Era uma narração muito simples: a história de dois
velhos tímidos e doces, dois abandonados pelo destino. Ele — cego; ela, sua
esposa, humilde e fiel.
Uma madrugada, na véspera de Natal,
saíram de seu sórdido abrigo e foram mendigar pela casaria da vizinhança, para
ver se obtinham com que comprar um pouco de alegria e conforto para o dia, entre
todos, santo.
Movidos por essa esperança, percorreram os arredores, crentes de que poderiam voltar, à hora da Missa do Galo, com os bolsos cheios de dádivas feitas em nome do Senhor. Mas foram tão escassas as esmolas que nem sequer compensaram a caminhada, e era já muito tarde quando o triste casal compreendeu que tinha de voltar a seu casebre sem fogo para se aquecer e apenas com o indispensável para não passar fome.
Retomaram, pois, o caminho de seu
abrigo, ela adiante, ele com a mão apoiada à sua cintura. Vinham lentamente, na
escuridão da noite. As nuvens encapotavam o céu; o vento dançava com a neve, e
o caminho parecia cada vez mais longo. É que a velha se deixara iludir pela
alvura sempre igual do solo e, em vez de tomar pelo atalho que convinha,
seguira ao longo do vale.
O velho irritava-se.
— Ainda não chegamos? Estou vendo
que não chegaremos antes da meia-noite.
Ela respondia que estavam perto.
Sabia que se tinham perdido e queria ocultar-lhe. Mas tanto andou em vão que
teve de confessar com um tom melancólico na voz:
— Em nome de Cristo, perdoa-me. Eu
me enganei, tomei outro caminho... E o pior é que agora não sei onde estamos.
Vamos parar um pouco para repousar.
— Mas vamos ficar gelados...
— Que importa!... Nossa vida não é
tão doce que dê pena de perdê-la. Eu preciso descansar um pouco.
O velho cedeu, suspirando.
Sentaram-se na neve, encostados um
contra o outro, e ficaram imóveis, como duas trouxas de farrapos. A neve que
caía incansável começou a cobri-los e a mulher, menos agasalhada que o marido,
não tardou a sentir-se tomada por um sono irresistível.
Sentindo que ela se apoiava mais
fortemente sobre seus ombros, o homem assustou-se:
— Minha velha, mas: olha que vais ficar
gelada.
Porém ela já adormecera e balbuciava
coisas incompreensíveis, sem despertar.
O velho volta-se e tenta erguê-la,
repetindo seus alarmados conselhos. Como não o conseguisse, ergueu os braços e
brada por socorro. Ninguém o ouve, mas os sinos, ao longe, começam a repicar.
— Minha velha — insiste o cego,
sacudindo os ombros de sua pobre companheira — os sinos já estão tocado para a
missa. Levanta-te... Olha que vamos chegar tarde...
Mas a mulher mantinha-se imóvel.
Então, resignado, sentindo-se também
invadido pela sonolência mortal, o cego sentou-se de novo ao lado de "sua
velha" e uma última súplica passou por seus lábios:
— Senhor! Acolhe a alma de teus
servos. Ambos somos pecadores mas confiamos em tua misericórdia.
***
Recordando essa história, sorri,
contente comigo mesmo, certo de que ela enterneceria meus leitores. E, embalado
pelo tique-taque do relógio, comecei a cochilar.
E então, sem saber ao certo se
estava dormindo ou acordado, vi a claridade vaga da janela aumentar, tomar um
tom azul e fosforescente, ampliar-se, formando um quadro imenso, e aí surgirem
pouco a pouco alguns vultos, a princípio confusos, inconsistentes. Mas logo
seus contornos se foram acentuando e desenhando formas familiares a meus olhos.
Eram crianças, mulheres, velhos —
todos miseráveis e tristes.
— De onde vêm essas sombras e o que
representam? — perguntei a mim mesmo, tentando em vão emergir dos abismos do
sono.
Uma voz perguntou por sua vez:
— Não nos reconheces?
Procurei distinguir no meio daquela
multidão lamentável. Vi então um grupo que, com passo vacilante, tomava a dianteira
de todas as sombras. Era um velho cego, apoiado à cintura de uma mulher também
já idosa, que me fitava com ar de censura.
— Não nos reconhece? — repetiu ela
com voz severa. — Nós somos os heróis dos contos, que passas a vida escrevendo;
somos os tristes e desgraçados filhos de tua imaginação!... Ali estão os dois
meninos, que fizestes morrer de frio, diante das janelas de uma casa onde
brilhava, magnífica e opulenta, uma árvore de Natal. Aquela mulher, ali, é a
desgraçada que fizeste morrer sob as rodas de um trem, quando corria pela rua, ansiosa
por levar aos filhos um presente de Natal. Aquele ancião...
Eu ouvia, contemplado, pálido de
horror, as sombras lúgubres e silenciosas que desfilavam sem cessar ante meus
olhos.
Por que vinham todas elas
alucinar-me nessa noite? Que queriam de mim? Que pretendiam?
— Responde tu mesmo a essas
perguntas — bradou a velha, lendo em meu pensamento. — Por que escreves essas
coisas? Para que vives inventando essas desgraças, essas tristezas? Que
pretendes com isso? Desfazer o que resta de fé e esperança no coração dos
homens? Tirar-lhes a confiança na redenção, mostrando-lhes somente o mal?
Aniquilar o desejo de viver, apresentando a existência como um suplício sem fim
e sem remédio?
Eu estava consternado... Seria
mesmo assim tão culpado? O que faço não é o que fazem todos os escritores? Especialmente
nos contos de Natal, procuramos todos imaginar cenas bem tristes, bem tocantes,
para despertar em nossos leitores sentimentos compassivos, abrir os corações à piedade...
— É mentira! — bradou a velha. —
Mentira ingênua e ridícula. Então pretendes, com dores e misérias, despertar
bons sentimentos nos corações acostumados a desgraças reais? Idiota! Pensas
enternecer, com tuas pobres fantasias os homens, que não se comovem ante a
realidade miserável de todos os dias?...
O resto do sonho foi uma confusão,
que não consigo recompor; mas pela manhã, quando despertei, meu primeiro
movimento foi correr à mesa onde deixara as tiras de papel escritas na véspera.
Rasguei-as sem tornar a lê-las; atirei os pedaços pela janela e eles esvoaçaram no ar claro como mariposas.
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