As joias
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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O Sr. Lantin, encontrando a
senhorita em um evento na casa do seu chefe de seção, enamorou-se perdidamente
dela.
Era filha de um cobrador da
província, já falecido. Tinha vindo a Paris com a mãe, que frequentava algumas
famílias na vizinhança, com a esperança de casá-la. Eram ambas pobres e
estimáveis, tranquilas e suaves. A rapariga parecia o tipo absoluto da mulher
honesta, a quem o rapaz sonha em confiar a sua existência.
De uma beleza modesta, possuía o
atrativo de um pudor angélico, e o sorriso imperceptível que não lhe abandonava
os lábios parecia um reflexo do seu coração.
Todos a admiravam e as que a
conheciam, repetiam continuamente:
“Feliz aquele que a desposar. Não
se se pode encontrar melhor”.
O Sr. Lantin, então ajudante de
primeira classe do ministério do interior, com três mil francos por ano de
vencimentos, pediu a sua mão e casou com ela. Foi de uma felicidade incrível...
Ela mantinha a casa com tanta
habilidade e economia, que viviam quase com luxo. Não havia gentileza, nem
atenção que ela não dispensasse ao marido; e o encanto da sua beleza era tão
grande, que seis anos depois do casamento, ele estava ainda mais enamorado do
que nos primeiros dias.
Só duas coisas desagradavam ao marido:
a sua paixão pelo teatro e pelas joias falsas.
Suas amigas (conhecia algumas
senhoras de empregados modestos) procuravam-na para as primeiras representações
ou para as peças em voga e ela arrastava o marido, que se cansava muito com
esses divertimentos, depois de um dia de trabalho. Então ela lhe pediu que a
deixasse ir com alguma senhora do seu conhecimento, que pudesse voltar com ela.
Foi preciso tempo para habituar-se a este sistema, que lhe parecia
inconveniente; decidindo-se por fim por complacência e ela lhe ficou muito agradecida.
Ora, esta paixão pelo teatro
suscitou nela a necessidade de enfeitar-se. Seus vestidos continuavam simples e
de bom gosto sempre; e a graça irresistível, humilde e sorridente, aumentava um
novo encanto à sua simplicidade. Mas habituou-se a pendurar às orelhas duas
grossas pedras do Reno, que imitavam diamantes, a trazer colares e braceletes
de pedras falsas.
O marido que se aborrecia um pouco
com esta mania pelas pedras falsas, repetia-lhe:
— Querida, quando não se tem meios
de comprar joias verdadeiras, não se apresentam outros adornos senão o da própria
graça, que são ainda as melhores joias.
E ela respondia sorrindo:
— Que queres? É o meu vício,
agrada-me tanto. Sei que tens razão, mas não me corrijo. Como eu adoraria as
joias...
E fazia passar pelas mãos os
colares de pérolas, brilhar as facetas de cristal lapidado, repetindo:
— Mas vê só como são bem
trabalhadas. Até parecem verdadeiras.
Ele sorria declarando:
— Tens gostos de cigana.
Algumas vezes, à noite, quando
estavam junto do fogão, ela colocava sobre a mesa em que tomavam chá, a pequena
caixa de marroquim que escondia o seu “tesouro”, na frase do Sr. Lantin, e
punha-se a examinar aquelas joias falsas com uma atenção apaixonada; colocava
um colar no pescoço do marido, para rir de todo o coração, exclamando: “Como
estás ridículo”. Depois atirando-se aos seus braços beijava-o repetidamente.
Uma noite de inverno foi ao teatro
e quando voltou à casa tremia de frio.
No dia seguinte tossia e oito dias
depois morria de uma pneumonia.
Lantin quase a seguiu; o seu
desespero foi tão forte que, em um mês, seus cabelos embranqueceram. Chorava
noite e dia, com a alma dilacerada por uma dor intolerável, cheio de
recordações do sorriso, da voz e dos encantos da pobre morta.
O tempo não lhe diminuía a mágoa.
Muitas vezes, durante as horas de trabalho, enquanto seus companheiros
reuniam-se a discutir os assuntos do dia, seus olhos se enchiam de lágrimas e
soluçava. Havia conservado intacto o quarto da sua pobre mulher e todo o dia a
ele se recolhia para pensar nela; a mobília, os vestidos ocupavam o seu antigo lugar.
Mas a vida tornava-se intolerável para ele.
O ordenado que nas mãos da mulher, chegava para todas as necessidades da família, não era agora suficiente para ele sozinho.
E perguntava então a si mesmo, que
faria ela para dar-lhe vinhos excelentes, iguarias escolhidas, que agora não
podia conseguir com seus modestos vencimentos.
Fez algumas dívidas e procurou dinheiro
como um homem reduzido a expedientes. Certa manhã, quando estava sem vintém, e
faltava ainda uma semana para o fim do mês, lembrou-se de desfazer-se do
“tesouro” da mulher, pois no fundo do coração conservava ainda uma espécie de
rancor por aqueles ouropéis. Cada vez que o olhava experimentava um sentimento
de desgosto que escurecia a recordação da esposa. Procurou entre as joias, que
usara até o último momento, a que ela parecia preferir e decidiu-se pelo colar,
que podia valer, pensou ele, seis a oito francos, porque era na verdade bem
trabalhado. Pô-lo no bolso, foi para o Ministério e em caminho procurou um
ourives que lhe merecesse confiança. Encontrou um, e ficou um pouco envergonhado
de exibir a sua miséria e de vender um objeto de tão pouco valor.
— Sr. disse ao negociante, desejo
saber quanto vale este objeto.
O ourives pegou no colar,
examinou-o, estendeu-o no balcão, tomou uma lente, falou em voz baixa ao
caixeiro, tornou a colocá-lo no balcão e pôs-se a olhá-lo de longe para ver o efeito
que fazia.
O Sr. Lantin, aborrecido com toda
esta mímica ia dizer: “Sei bem que não tem grande valor”, quando o ourives lhe
disse:
— Senhor, este colar vale de doze a
quinze mil francos, mais eu não posso comprá-lo sem que me explique a sua procedência.
O viúvo arregalou os olhos, espantado,
como se não tivesse compreendido:
— Como?
O outro respondeu-lhe em tom seco,
ignorando o motivo do seu espanto:
— Pode procurar outro que lhe dê mais. Para mim
vale no máximo quinze mil francos. Pode
voltar aqui se não encontrar melhor oferta.
Lantin, aturdido, desesperado,
retomou o colar e saiu, obedecendo a uma confusa necessidade de ficar só e refletir.
Mas apenas chegou à rua, sentiu necessidade
de rir e pensou: “Que imbecil: Se eu tivesse aceitado a sua oferta! Ali está um
ourives que não sabe distinguir o verdadeiro do falso”.
Foi a outro, que ficava na
embocadura da rua de La Paix. Este apenas viu a joia exclamou:
— Oh! Conheço bem este colar. Fui comprado aqui.
Lantin, perturbadíssimo, perguntou
quanto valia.
—Vendi-o por vinte cinco mil
francos e estou pronto a dar-lhe já, por ele, dezoito mil francos, com tanto
que, em obediência a uma disposição legal, me diga como está de posse dele.
Desta vez Lantin não pôde se
conter:
— Mas, repare bem, atentamente; pensei
até agora que fosse falso.
O joalheiro disse:
— Queira ter a bondade de dizer-me
seu nome.
— Chamo-me Lantin, sou empregado no
Ministério do Interior e resido à Rua dos Mártires nº 16.
O joalheiro abriu um livro,
procurou e disse:
— De fato, este colar foi mandado
para o endereço da Sra. Lantin, Rua dos Mártires, 16, em 20 de julho de 1876.
Os dois homens fixaram-se; o empregado
aturdido de espanto e o ourives desconfiando de que fosse algum ladrão.
Este último pediu:
— Quer ter a bondade de entregar-me
este objeto por 24 horas. Passo-lhe recibo.
— Pois não.
E Lantin saiu com o recibo no
bolso.
Atravessou a rua, viu que se
enganava, tornou a descer para as Tolherias, passou o Sena, tornou a notar que
estava enganado, voltou aos Campos Elísios sem uma ideia precisa na cabeça.
Esforçou-se para raciocinar, para compreender: sua mulher não podia comprar um objeto
de tal valor. Mas então, era um presente! Quem o havia dado? E por quê? Uma dúvida
terrível assaltava-o.
— E esta! Mas então todas as outras
eram presentes.
Parecia-lhe que a terra tremia.
Estendeu os braços e caiu sem sentidos.
Tornou a si em uma farmácia para
onde o haviam conduzido. Foi para casa. Até a noite chorou desesperadamente, mordendo
um lenço para não gritar. Depois deitou-se, fatigado, cheio de mágoas e dormiu
um sono pesado.
Um raio de sol despertou-o;
levantou-se para ir ao trabalho.
Era duro trabalhar naquele estado
de espírito; podia desculpar-se com o chefe e escreveu-lhe. Depois viu que
precisava voltar ao joalheiro; sentiu-se cheio de vergonha. Esteve refletindo
muito tempo, não podia deixar o colar com aquele homem. Vestiu-se e saiu. Fazia
um tempo lindo.
O céu azul estendia-se sobre a
cidade, que parecia sorrir. Lantin, pensou, olhando aquela gente, aquela vida.
— Como se é feliz, quando se é
rico. Com dinheiro pode-se sufocar a dor; vai-se onde se quer; viaja-se, distrai-se.
Oh! Se eu fosse rico.
Lembrou-se que estava com fome, pois não comia
desde a véspera. Mas o seu bolso estava vazio e lembrou-se do colar. Dezoito
mil francos!... Já era dinheiro! ...
Voltou para a Rua de La Paix.
Dezoito mil francos! Vinte vezes
quis entrar na loja, mas a vergonha detinha-o sempre. Entretanto, tinha fome,
muita fome e estava sem vintém.
Decidiu-se bruscamente, atravessou
a rua correndo para não refletir e entrou no ourives.
O joalheiro apressou-se em oferecer-lhe
uma cadeira, com uma gentileza sorridente. Até os caixeiros olhavam-no de
soslaio.
O negociante declarou:
— Estou pronto a pagar a soma que lhe
ofereci.
Então o joalheiro foi a um cofre,
retirou dezoito bilhetes de mil francos, contou-os e os entregou a Lantin, que passou
o recibo e com a mão trêmula pôs o dinheiro no bolso.
Ia sair, mas voltou-se para o
negociante, que sorria sempre abaixando os olhos.
— Tenho, tenho, disse, outras joias
que couberam na mesma herança. Convir-lhe-ia comprá-las?
— Decerto, senhor.
Um dos caixeiros saiu para rir;
outro assoou o nariz com toda a força.
Lantin impassível respondeu:
— Hei de trazê-las. E tomou um
carro para ir buscar as joias.
Quando voltou, uma hora depois,
ainda não tinha almoçado. Puseram-se a examinar os objetos, um a um. Quase
todos tinham sido comprados ali. Lantin ora discutia, zangava-se, exigia que lhe
fossem mostrados os livros de venda e falava sempre mais alto à medida que a
soma se elevava.
Os dois grandes brilhantes dos
brincos valiam vinte mil francos, os braceletes, trinta e cinco mil; broches, anéis
medalhões, dez mil; um fio de esmeraldas e safiras, quatorze mil, um solitário
preso a uma corrente de ouro, formando um colar, quarenta mil; tudo junto elevava-se
à cifra de cento e vinte seis mil francos.
O ourives declarou com uma bonomia irônica:
— Tudo isto pertenceu a uma pessoa
que empregava todas as suas economias em joias.
Lantin respondeu gravemente:
— E um modo como outro qualquer de empregar o
dinheiro.
Saiu. Quando chegou à rua sentia-se
tão leve, que podia saltar sobre uma estátua que se erguia, alta, no centro de
uma praça.
Foi almoçar no Voisin e bebeu vinho
de vinte francos a garrafa.
Depois tomou um carro e deu um passeio
pelo Bois.
Olhava para os outros carros com um
certo desprezo e tomado pelo desejo de gritar aos que passavam:
— Eu também sou rico; tenho duzentos
mil francos.
Lembrou-se do emprego e fez-se conduzir
ao ministério. Foi resolutamente ao chefe e disse:
— Venho apresentar-lhe a minha
demissão. Acabo de herdar trezentos mil francos.
Foi apertar a mão dos velhos companheiros
e confiou-lhes logo os seus projetos de vida nova.
Depois jantou no Café Inglês.
Achando-se perto de um senhor, que
lhe pareceu muito distinto, não resistiu ao desejo de lhe dizer, com certa
imodéstia, que tinha herdado quatrocentos mil francos.
Pela primeira vez na vida se
aborreceu no teatro e passou a noite em festanças.
Seis meses depois tornava a casar.
A segunda mulher era honestíssima, mas
tinha um gênio impossível. Desta vez não foi muito feliz.
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