5/16/2020

Uma boa lição (Resenha sobre o poeta Gomes Leal)


Uma boa lição

Agora, se permitem, deixem-me lembrar aqui um velho poeta, de que ninguém mais fala, quer no Brasil, quer em Portugal, onde nasceu. Refiro-me a Gomes Leal. Por extenso: Antônio Duarte Gomes Leal. Poucos poetas tiveram, lá e aqui, a sua notoriedade barulhenta. Rival de Guerra Junqueira. Menos brilhante e mais fecundo.

Em geral, as glórias literárias morrem primeiro nos grandes centros; depois é que se exaurem e extinguem na província. Daí ter eu recolhido, na minha São Luís, ali pelos anos 30, um rastilho da glória literária de Gomes Leal, quer como poeta lírico, quer como poeta panfletário, e ainda como poeta profundamente cristão.

Como poeta cristão, mereceu os louvores de nosso Agripino Grieco, num dos mais belos capítulos de São Francisco de Assis e a poesia cristã, quando é ali louvado ao lado de Antero, de Antônio Nobre e de João de Deus, para nele reconhecer a existência simultânea de um comediante e um paladino.

Vitorino Nemésio, que lhe consagrou todo um livro, recompondo-lhe a biografia nos seus lances mais significativos, como panfletário, como poeta lírico, associou nos louvores ao poeta a seleção de seus poemas, comprobatórios do clarão de gênio que os iluminava,

De ludo quanto li sobre ele, para fixar-lhe a figura singular, como boêmio, como poeta, como figura humana, vale lembrar aqui um pequeno episódio, contado por Albino Forjaz de Sampaio, que de perto conheceu, e dele nos dá notícias no último volume de sua História da Literatura Portuguesa Ilustrada.

O pequeno episódio, quase escondido na resenha biográfica, define com nitidez Gomes Leal, para nos deixar sentir, não mais o panfletário de A canalha e da Troça à Inglaterra, que culminaria com o Anticristo, mas o poeta de Claridades do Sul, compenetrado de seu papel na boa marcha da questão operária e de sua função pedagógica na modificação da ordem social.

Daí a veemência com que, excedendo-se no vigor polêmico, injuriou num soneto certo político português. Este, aguerrido, achou melhor mover um processo contra o poeta, chamando-o à barra do Tribunal, para que viesse provar o que afirmara nos seus 14 versos contundentes.

Intimado pelo juiz, ali apareceu Gomes Leal. Grandalhão, rebelde, mas manso. E quando o magistrado o interpelou sobre as injúrias ao político, o poeta respondeu, com um ar de espanto:

— Estranho muito este processo, meritíssimo. Muito. Posso ter carregado a mão, reconheço. Posso, Perfeitamente. Mas eu esperava que o meu desafeto replicasse ao meu ataque com igualdade de armas. Se eu escrevi contra ele um sondo, era outro soneto que ele devia escrever contra mim!

Ai está a boa lição do poeta. Em vez da ação, na justiça portuguesa, a resposta no soneto.

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JOSUÉ MONTELLO
Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1991.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)

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