A leitura dos trabalhos interessantíssimos de Maximiano de Lemos e Jorge Faria "Camilo e os Médicos" e os "Criminosos e Degenerados em Camilo" despertaram-nos a curiosidade de conhecer o que o genial romancista pensou e escreveu acerca dos professores.
Essa curiosidade serviu-nos de
agradável pretexto para relermos mais uma vez toda a obra do insigne escritor e
assim verificamos que, se a ironia de Camilo, impiedosa e irreverente, não
poupou por vezes alguns professores, em muitas passagens das suas obras eles
são tratados com verdadeira simpatia. Camilo manifesta até por aqueles que
foram seus mestres uma grande veneração, reconhecendo mesmo que, se pouco
proveito tirou dos seus ensinamentos, isso foi porque nunca passou dum
estudante vulgar, para não dizer medíocre.
Um dos mais pitorescos
professores primários de que nos fala Camilo é nada menos do que descendente de
33 monarcas, — Antônio Manuel de Antas de Vasconcelos e Castro, — o autor dum
curioso manuscrito que o nosso romancista comprou por oito tostões, em Braga,
na livraria que foi do Padre Fortunato.
Esse manuscrito intitula-se Aparato Genealógico de Antônio Manuel de Antas
de Vasconcelos e Castro, Mestre Escola Régio, e Professor de Aritmética e Arismética
e Gramática, conforme o mesmo autor escreve na Escuminhão com que encerra o seu extravagante trabalho.
Antônio Manuel nasceu em 13 de junho
de 1794 e era filho de Joaquim Caetano de Antas de Vasconcelos Castro de Góis
Rego de Barbosa da Cunha e de D. Maria Joaquina Teixeira da Costa.
Apesar da sua elevada estirpe,
nasceu, viveu e morreu pobre. Os seus contemporâneos e discípulos afirmavam,
porém, que Antônio Manuel "vivia conformado com a miséria, como homem de
bem e honrado de vez."
"Como qualquer simples
mortal que não tivesse cinquenta e três monarcas na sua família, Antônio
Manuel, — diz Camilo — atamancava mal sua vida, era amiúde palpado pelo mão
adunca da miséria, e, para nenhuma entreaberta de esperança lhe sorrir, os
filhos nasciam-lhe aos pares.
Veríssimo e José nasceram juntos;
Escolástica e Helena também. Não sei se é lapso do historiador de seus
infortúnios, se realidade: o certo é dizer ele que sua filha Helena nasceu em
11 de dezembro de 1820 e morreu em setembro do mesmo ano! Se isto não é
equivoco, não pode ir mais longe a origem da desgraça de uma família! morrerem
as meninas antes de terem nascido."
O artigo de Camilo em que se fala
do pobre professor, intitulado "O Parente de cinquenta e três monarcas",
foi publicado primeiramente no "Brinde aos Senhores Assinantes do Diário
de Notícias", em 1867, e mais tarde incluído no volume "Coisas leves
e pesadas".
O nosso amigo Antônio da Gosta
Leão fê-lo publicar em folhetins no Diário
de Notícias (30 de abril e 1 de maio de 1924) dos quais tirou uma separata
acrescida de elucidativa nota bibliográfica.
Outro professor universitário
vergastado impiedosamente por Camilo foi o Dr. Adrião Pereira Forjaz de
Sampaio.
Quem era este professor, di-lo o
nosso colega M. Cardoso Marta, em "Cartas de Camilo".
A razão por que Camilo zurziu o Dr. Adrião
traduz-se bem pela leitura da carta que o brilhante escritor lhe dirigiu em 19
de março de 1862 justificando a rejeição do diploma de sócio honorário do
Instituto de Coimbra, pelo fato de terem aparecido nada menos de cinco favas
pretas na votação da respectiva proposta.
Esta carta é um verdadeiro modelo
de ironia e de bom humor, um esplêndido pedaço de prosa desopilante que se lê
com bastante agrado.
Até o mestre-escola tão
satirizado e tão injustamente coberto de ridículo no tempo em que viveu Camilo é
poupado pelas suas ironias contundentes. Considera-o por vezes modelo de
virtudes, como aquele bondoso João Veríssimo Vieira de O Demônio do Ouro, que recolhe e perfilha o pobrezinho Manuel,
filho da Carlota Courelas, que morrera tísica e abandonada pelo seu sedutor, o libertino
padre Bento da Mó.
É uma figura de grande relevo
moral, cheia de abnegação e de inteireza de caráter a desse ignorado professor
da Póvoa de Lanhoso, que a verberante imaginação de Camilo nos sabe desenhar
como verdadeiro "homem de bem, e suficientemente entendido no seu
magistério."
A contrastar com a modéstia de
João Veríssimo, encontramos em "A queda dum anjo", um dos mais
engraçados romances da série camiliana, a prosápia daquele verboso e
interessantíssimo mestre de primeiras letras, o Sr. Braz Lobato, o antigo
donato do convento dominicano de Vila Real e brioso ex-sargento das milícias de
Mirandela "sujeito que sabia mais história romana do que é permitido a um professor
da preciosa e capitalíssima ciência de ler, contar e escrever..."
Embora seja uma figura episódica
do romance, é delineada com traços de flagrante verdade.
Calixto Eloi de Silos Benevides
de Barbuda, o pitoresco morgado de Agra de Freimas, nascido ao alvorecer do
século XVIII, na aldeia de Caçarelhos, no termo de Miranda, ao escrever à morgada
de Travancos, D. Teodora de Figueiroa, sua prima e esposa, faz esta apreciação
pouco lisonjeira acerca de mestre Braz Lobato: "Quanto ao mestre-escola e
à sua exigência do habito de Cristo, devo dizer-te que o mestre-escola é um
asno."
Mas Calixto Eloi sempre lhe foi
fazendo a vontade, para lhe apanhar os votos.
Pudera! O mestre-escola era um
influente político de valia.
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ELOI DO AMARAL
ELOI DO AMARAL
16 de março de 1925.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020).
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