Minh'alma é como um deserto,
Por onde o romeiro incerto,
Procura uma sombra em vão;
E como a ilha maldita,
Que sobre as vagas palpita,
Por onde o romeiro incerto,
Procura uma sombra em vão;
E como a ilha maldita,
Que sobre as vagas palpita,
Queimada por um vulcão!
A vida de Fagundes Varela, diz
Agripino Grieco, foi tão poética quanto os seus versos. "Foi a vida de um
lírio desvairado, de um contemplador de nuvens, de um pescador de estrelas na
água. Mas, quanta poesia há nesse homem,
quanta humanidade nesse poeta!" Mas, quanta resignação daqueles olhos
amortecidos pela insônia se resumia toda angústia humana:
Tornei-me o eco das tristezas todas,
Que entre os homens achei...
Que entre os homens achei...
No "Cântico do Calvário"
aflora, dolorida, desilusão do poeta de "Noturnas":
Ai! doido sonho!... Uma estação passou-se
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó...
E noutra parte, ele, que no dizer de
alguém, fora "bela figura loura, afável e comunicativa," começa a
pensar como:
Tudo é dúbio e trevoso, tudo é falso;
Uma cousa há real — ninguém o nega —
Uma cousa há real — ninguém o nega —
É a morte somente!
Edgard Cavalheiro, na magnífica biografia
de Fagundes Varela, estuda o meio social, a época; mostra a Pauliceia do século
passado, com seus estudantes, seus poetas, sua garoa; mostra a Faculdade de
Direito de São Paulo, com uma mocidade inquieta, pronta a todas as inovações,
disposta a todos os sacrifícios — essa Faculdade onde a sombra capenga de Byron
no decênio de 60 a 70 pairava ameaçadora e fatal...
Poeta na mais pura expressão da
palavra, Fagundes Varela, de emotividade dolorosa que era, foi o dono da mais
poderosa sensibilidade do grupo byroniano. Compunha com uma facilidade
assombrosa, como de improviso, não tinha tempo para corrigir as suas produções.
O poeta do "Evangelho nas Selvas" esbanjou a mocidade, gastou
perdulariamente a vida, deixando obra um tanto irregular.
Sílvio Romero diz que não sabe o que
mais admirar em Varela, se o lirismo de fantasiar vago, dolente, aéreo e
humano, cheio de doçuras e sonoridades, alguma coisa de impalpável e quimérico,
de vaporoso e dúbio, como os sonhos de um espírito alheado da realidade, ou o poeta
cristão, ou o descritivo ou, ainda, a forma de seus versos brancos, os mais
belos da língua portuguesa.
Para Clovis Leite Ribeiro, Fagundes
Varela, com seus versos brancos rigorosamente melódicos, com seus versos
seguros no valor pictórico dos vocábulos e ricos de imagens, marca o momento de
transição entre o romantismo e o parnasianismo.
Fagundes Varela não foi apenas o paisagista
vigoroso e firme, não foi apenas o lírico da dúvida e do pessimismo
influenciado por Musset e Byron; atingiu também com o seu lirismo regionalista
modulações surpreendentes pela brasilidade das imagens em versos como:
Pelas rosas, pelos lírios,
elas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!
elas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!
No "Evangelho nas Selvas",
Varela atinge o máximo do colorido, de movimento, de luz e de riquezas fônicas,
como se vê quando:
O ministro de Deus, medita e ora
Na sossegada ermida; um velho padre.
De longa barba e descorado rosto,
Antigo companheiro, hoje de volta,
Na sossegada ermida; um velho padre.
De longa barba e descorado rosto,
Antigo companheiro, hoje de volta,
Sentado à porta sobre dura pedra,
Folheia grossa Bíblia. De joelhos
Folheia grossa Bíblia. De joelhos
A seu lado, Naída, atenta e muda,
Considera as gravuras primorosas.
Considera as gravuras primorosas.
Divorciado, pode-se dizer, da vida,
diz José Teixeira de Oliveira, o autor de "Cantos do Ermo e da
Cidade" passava longos meses desaparecido em excursões solitárias por
lugarejos e fazendas do interior, o que explica de certo modo o seu gosto pela
natureza:
Como é suave o aroma das florestas!
Como é doce das serras a frescura!
Romântico, paisagista, havia nele
sempre um traço inequívoco da terra e da gente brasileira.
No "Evangelho nas Selvas" há
sentimento, vida íntima, sinceridade; há notável colorido de cenários, perfil
de caracteres e, sobremodo, unção piedosa. Vai da invocação à Cruz até a morte
de Anchieta, passando pela estrela guiadora dos Magos, a pintura do Batista, a
tentativa de Satanás, o arrependimento de Madalena, o sonho e a morte de Naída,
o festim de Herodes, as cenas do Pretório, a ressurreição de Jesus, com a força
do encanto e do gênio.
Se foi o maior poeta cristão daquela
época, seu cristianismo, observa Agripino Grieco, é bem de "um tom
ingenuamente popular, de rezas, de procissões, de romarias e nada encerra de asperamente
teologal de transcendências de escolástica". Compôs versos em forma de cruz
e entre delírio e mistério, enxergou símbolos da paixão divina nos ornamentos
da flor do maracujá.
Politicamente, não foi estranho à sua
época, afirmando:
O passado e o futuro são dois pontos
Que o presente examina, estuda e marca.
Em "Mauro, o escravo", os
seus versos tem a força do libelo.
"Noturnas", "Cantos do
ermo e da Cidade", "Cantos e fantasias", "Vozes
meridionais", "Pendão auriverde" e "Anchieta" ou
"Evangelho nas Selvas" são obras que possuem o lampejo do gênio. No
dizer de alguém, Fagundes Varela estudou pouco, mas produziu muito, fez boemia
intensa e casou-se.
No "Cântico do Calvário"
chorou a perda do filho, deixando-nos um poema que há de viver na memória e no
coração de quantos amam o belo e se condoem do infortúnio de um pai amantíssimo.
Oh! filho de minh'alma, último lume
Que neste céu nublado aparecia!
Que neste céu nublado aparecia!
E noutro lugar, vemo-lo como a nos
lembrar um pouco Edgar Allan Poe, quando evoca novamente o filho querido:
Eras na vida a pomba predileta,
Que sobre um mar de angustiai conduzia
O ramo da esperança!...
Dias mais sombrios de desespero vieram
à alma do poeta, entregando-se este, como refúgio, cada vez mais ao álcool,
consumindo o calor da mocidade nas tavernas.
O álcool se apresenta nessa vida, diz
Edgard Cavalheiro, como um acidente funesto para o homem, mas sem fundas
consequências para o artista. Sua poesia, serena, com vagos tons de pastoral
jamais será turvada por ele. Ela nasce, apesar do álcool; nunca por causa dele.
Fagundes Varela nasceu a 17 de agosto
de 1841, na Fazenda de Santa Rita do Rio Claro, Estado do Rio. Aos 19 anos,
depois de inúmeras viagens pelo interior de nossa pátria, em companhia do pai,
que era juiz de direito, chega à capital paulista. Ao matricular-se na
Faculdade de Direito fora saudado com entusiasmo pela mocidade acadêmica,
apesar de sua tristeza ingênita, que mais tarde aparece nos seus versos. Ainda
no primeiro ano, casa-se com Alice de Loande, jovem formosíssima. Antes de um
ano, o filho do casal, Emiliano, morre. Tempos depois deixando a esposa em Rio
Claro, transfere-se para Recife, quase perdendo a vida em naufrágio perto da
Bahia. Morre-lhe a jovem amada de tuberculose. Desgostoso, abandona os estudos,
voltando para a fazenda, em Rio Claro. Por insistência dos pais, casa-se
novamente com sua prima Belisária Lambert, mas, não muito depois, a 18 de fevereiro
de 1875, com 34 anos de idade, em Niterói, é encontrado agonizante, caído na
rua, completamente alcoolizado, para se levantar tão somente com a glória de
ter sido um dos gênios da poesia nacional.
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DANTE ALIGHIERI VITA
DANTE ALIGHIERI VITA
Revista do
Professor, fevereiro de 1952.
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