POESIA LÍRICA_______________________
ODE À LÍNGUA PORTUGUESA
Língua minha, se agora a voz levanto,
Pedindo à Musa
que me inspire e ajude,
Somente soe em
teu louvor o canto,
Inda que a
lira seja fraca e rude;
E tudo quanto
sinto na alma, e digo,
Já que na alma
não cabe,
Contigo viva e
acabe — só contigo.
Língua minha
dulcíssona e canora,
Em que mel com
aroma se mistura,
Agora leda,
lastimosa agora,
Mas não isenta
nunca de brandura;
Língua em que
o afeto santo influi e ensina
E derrama e prepara
A música mais
rara-e mais divina.
Língua na qual
eu suspirei primeiro,
Confessando
que amava, às auras mansas
E agora choro,
à sombra do salgueiro,
Os meus
passados sonhos e esperanças;
Na qual me fez
ditoso em tempo breve
Aquela doce
fala
Que outra
nenhuma iguala — nem descreve.
Língua em que
o meu amor falou d'amores,
Em que
d'amores sempre andei cantando,
Em que modulo
os mais encantadores
E deleitosos
sons de quando em quando
E espalho
acentos inda nunca ouvidos
De mágoas e de
gozos,
Queixumes
amorosos — e gemidos.
Sempre e
sempre te eu veja meiga e pura
Naquela
singeleza primitiva,
Naquela
verdadeira formosura
Que farei que
no verso meu reviva.
E, se apenas
um pouco se revela
Desse encanto
jucundo,
Há de mostrar
ao mundo — quanto és bela.
Outros andam o
teu sublime aspecto
D'ornamentos
estranhos encobrindo
Sem saber o
que tens de mais secreto,
De mais
maravilhoso e de mais lindo:
Em ti já não
se nota o mesmo agrado
E eu não te
reconheço,
Se o teu valor
e preço — é rejeitado.
Quanta e tamanha
dor me surge e nasce
De nunca ouvir
aquele antigo estilo,
Mas eu fiz que
ele aqui se-renovasse,
Para que o
mundo enfim pudesse ouvi-lo.
E com todo o
poder d'engenho e d'arte
Foi sempre o
meu desejo
Ver-te qual te
ora vejo — e celebrar-te.
Ah! como assim
me enlevas e me encantas,
Ora chorando e
rindo, ora gemendo;
E, se te
outros ofendem vezes tantas,
Embora
solitário, eu te defendo:
Eu te
defenderei sem ter descanso
E em luta não
inglória
Tu verás que a
vitória — e a palma alcanço.
E em pago
disto peço que me imprimas
Maior ternura
na alma e não ma agraves;
Dá-me versos
dulcíssimos e rimas
Eternas,
peregrinos e suaves:
Dá-me uma voz
melodiosa e amena,
Para que noite
e dia
Diga a minha
alegria — e a minha pena.
E não quero um
som alto e retumbante
Para cantar
d'amor ao inundo atento,
Pois não há
língua que d'amor não cante,
Mas, nenhuma
traduz o meu tormento;
Nenhuma se
conhece que traslade,
Afora tu
somente,
Do coração
doente — a saudade.
***
SONETO I
Poeta fui e do
áspero destino
Senti bem cedo
a mão pesada e dura,
Conheci mais
tristeza que ventura
E sempre andei
errante e peregrino.
Vivi sujeito
ao doce desatino
Que tanto
engana, mas tão pouco dura,
E inda choro o
rigor da sorte escura,
Se nas dores
passadas imagino.
Porém, como me
agora vejo isento
Dos sonhos que
sonhava noite e dia
E só com
saudades, me atormento;
Entendo que
não tive outra alegria
Nem nunca
outro qualquer contentamento,
Senão de ter
cantado o que sofria.
SONETO II
Ditoso quem
foi sempre desamado
Nem nunca na
alma viu pintar-se o gozo
Que lhe
promete estado venturoso
Para depois
deixá-lo em triste estado.
Já me de todo
agora persuado
De que não
pôde haver brando repouso
E do afeto
mais doce e deleitoso
Se gera às
vezes o maior cuidado.
Não quero boa
sorte nem sonhá-la,
Pois logo
passa, apenas se revela,
Com uma dor
que outra nenhuma iguala.
Mas quem
desconheceu benigna estrela,
Se não teve a
alegria d'alcançá-la,
Nunca teve o
desgosto de perdê-la.
SONETO III
Amar é desejar
o sofrimento
E contentar-se
só de ter sofrido
Sem um suspiro
vão, sem um gemido
No mal mais
doloroso e mais cruento.
É vagar desta
vida tão isento
É deste inundo
enfim tão esquecido,
É pôr o seu
cuidar num só sentido
E todo o seu
sentir num só tormento.
É nascer qual
humilde carpinteiro,
De rudes
pescadores rodeado,
Caminhando ao
suplício derradeiro.
É viver sem
carinho nem agrado,
É ser enfim
vendido por dinheiro
E entre
ladrões morrer crucificado.
SONETO IV
Mata-me, puro
Amor, mais docemente,
Para que eu
sinta as dores que sentiste
Naquele dia
tenebroso e triste
De suplício
implacável e inclemente.
Faze que a
dura pena me atormente
E de todo me
vença e me conquiste,
Que o peito
saudoso não resiste
E o coração
cansado já consente.
E como te amei
sempre e sempre te amo,
Deixa-me agora
padecer contigo
E depois
alcançar o eterno ramo.
E, abrindo as
asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor,
escuta que eu te chamo,
Divino Amor,
espera que eu te sigo.
***
CANTIGA I
Nestes
sombrios recantos,
Nestes
saudosos retiros
Desliza um rio
de prantos
E corre um ar
de suspiros.
(VOLTA)
Tenho na alma
dois moinhos,
Um é d’água,
outro é de vento;
Ambos juntos e
vizinhos
Estão sempre
em movimento.
E giros tantos
e tantos
E tantos e
tantos giros
Dão ao
primeiro os meus prantos
E ao segundo
os meus suspiros.
CANTIGA II
Passarinho lisonjeiro
Cuja voz o
espaço invade,
Se vives em
liberdade,
Passo a vida
em cativeiro.
(VOLTAS)
Vejo-te voar
nos ares
Alegre, as
asas batendo,
E o motivo não
entendo
De tanto me
lastimares;
Pois a não ser
prisioneiro
Ninguém, a mim,
me persuade;
Pela tua
liberdade
Não troco o
meu cativeiro.
Preferes o teu
estado
E o meu
destino prefiro;
Voas
livremente em giro,
Trazem-me em
grilhões atado.
Só no dia
derradeiro
Hei de me
soltar, pois há de
Ser-me morte a
liberdade
E é-me vida o cativeiro.
Mas, se me
tens em desprezo,
Ainda assim te
perdoo;
Sobe pelos
céus em voo
E deixa-me à
terra preso.
E isso tudo eu
te requeiro
Que no canto
se traslade:
Louva a tua
liberdade,
Que eu louvo o
meu cativeiro!
***
ESPARSA I
Há no meu
peito uma porta
A bater
continuamente;
Dentro a
esperança jaz morta
E o coração
jaz doente.
Em toda parte
onde eu ando,
Ouço este
ruído infindo:
São as
tristezas entrando
E as alegrias
saindo.
ESPARSA II
Colhes rosas no jardim
E desfolhas
malmequeres
Porém, se bem
me quiseres,
Olha e tem
pena de mim:
Quando em mim
os olhos pões,
Vês que em
tormentos insanos
Ando a colher
desenganos
E a desfolhar
ilusões.
ESPARSA III
Amor me faz
esperar,
Esperança me
faz rir,
O riso me faz
chorar,
O choro me faz
sentir;
O sentir me
faz sofrer,
O sofrer me
causa dor,
A dor me dá um
prazer
E o prazer
cantos d'amor.
(MOTE)
Olha para os
olhos meus,
Que os meus
olhos te dirão
As penas do
coração.
(GLOSA)
Tu me não
ouves gemer
Em tortura e
desprazer,
Mas há
tristezas mortais
Neste meu
peito e jamais
Deixarei de
padecer.
Os sonhos,
voando aos céus;
Já me disseram
adeus —
E a escura
mágoa sem fim,
Se ainda a não
viste em mim,
Olha para os
olhos meus.
Cuidados,
tormentos vis
Que humana
língua não diz,
Desassossego
sem paz,
Tudo isto neles
verás
E quanto sou
infeliz.
Hás-me
conhecer então
Esta dura
condição;
Talvez chegues
a chorar,
Vendo o
profundo pesar
Que os meus
olhos te dirão.
A dor que há
dentro de nós,
Às vezes é tão
atroz,
Que no
suplício cruel
A boca se
enche de fel
E a garganta
perde a voz.
Quero, pois,
soltar em vão
Suspiros que
na alma estão,
Porém, se
falar não sei,
Nos olhos te
mostrarei
As penas do
coração.
***
VILANCETE
Com lembranças
do meu bem
Sozinho estive
a chorar
Entre o
sol-posto e o luar.
(VOLTAS)
Na hora mais
triste que sei
Das horas que
vêm e vão,
Saudosamente
espalhei
Suspiros do
coração;
Pois que me
nascia então
Uma mágoa
singular
Entre o
sol-posto e o luar.
E eu dizia: “O
sol morreu;
Não me vê
gemendo assim,
A lua, oculta no céu,
Não sente pena
de mim.
O dia teve o seu fim
E a noite está por chegar
Entre o
sol-posto e o luar.
Já chorei
muito a sofrer
Saudades longe
de ti,
Porém nunca em
desprazer
Senti o que
sinto aqui!
E desta arte
conheci
Quanto é mais
triste — chorar
Entre o
sol-posto e o luar.
***
TROVAS COM ECO
Debaixo desta
alta fronde
Ninguém me
ouvirá gemei"
Com a tristeza
e desprazer
Que dentro da
alma se esconde.
(Eco)
Onde?
Chorai, olhos
meus, chorai,
Que eu não
abafo o que sinto;
No coração
quase extinto
Quanto
tormento me vai!
(Eco)
Ai!
Eco saudoso e brando,
Que tens
compaixão de mim,
Se sabes gemer
assim,
Andas acaso
penando?
(Eco)
Ando.
Dura sorte o
céu te deu,
Mais eu sou
mais desgraçado,
Pois quem por
ordem do lado
Tem pesar
igual ao meu?
(Eco)
Eu.
***
COPLAS
Que me roubou
o amor cego?
O sossego.
E esta vida
triste e escura?
A ventura.
E o fado cruel
e iroso?
O meu gozo.
Comigo os dias
quem passa?
A desgraça.
A chorar quem
me condena?
Uma pena.
E quem me traz
desmaiado?
Um cuidado.
Desta arte, em
queixas desfeito,
Contra o meu
destino brado,
Trazendo
dentro do peito
Desgraça, pena
e cuidado.
Desta arte
vivo entre a gente
Onde está o
céu risonho?
No meu sonho.
Onde o gosto
benfazejo?
No desejo.
Onde a paz
serena e mansa?
Na esperança.
Desta arte já
não maldigo
O bem que se não
alcança,
Pois tenho
ainda comigo
Sonho, desejo
e esperança.
***
ENDECHAS
Quantas vezes
choro
Sem saber por
quê
E o pranto
sonoro
Se ouve e não
se crê.
Em nenhuma
parte
Vejo mal ou
bem,
Nem prazer que
parte,
Nem pesar que
vem.
Mas noites e
dias,
Tardes e
manhãs
Voam fugidias
Estas queixas
vãs.
Risos sem
começo,
Lágrimas sem
fim:
Se tanto
padeço,
Que será de
mim?
Duma pena
ignota
Mágoa singular
Que se sente e
nota
Pelo suspirar.
Pois, se os
olhos seco
E não choro
mais,
Inda se ouve
um eco
De saudosos
ais.
E em qualquer
retiro
Destes que bem
sei,
Sem querer
suspiro
Onde já
chorei.
Onde acharei
pranto
Para tanto dó?
Ai que já não
canto,
Desde que vivo
só.
Mas para
lamentos
Haverá razão?
Cuidados
cruentos
Nunca
tornarão.
Estas queixas
mansas
Que espalhando
estou,
São talvez
lembranças
Do que já
passou.
Mas a dor
fugindo
Cessa e já não
é;
Surge amor
infindo
Com esperança
e fé.
A alma se
traslada,
Voa para o
céu,
Doce pátria
amada
De quem já
sofreu.
Um anjo me
guia,
Me leva e
conduz
Para ver Maria,
Para ver Jesus.
Onde tudo é
gozo
Que não vejo
aqui,
E serei
ditoso,
Já que padeci.
Onde em brando
riso
Tudo se desfaz
E a dor
suavizo
Em serena paz.
Onde a
primavera
É meiga e
gentil
E um bem que
se espera,
Se transforma
em mil.
Onde num
desmaio
Doce e
encantador
Entre abril e
maio
Nasce o eterno
amor.
Onde se ouve a
pura
Voz celestial,
Bem como
murmura
Fonte de
cristal.
E a fragrância
amena
Pelo espaço
azul
Vence a da
açucena
Nos jardins do
sul.
Onde se
prepara
Ao coro fiel
A mais santa e
rara
Hóstia
d'Israel.
Doce manjar
d'alma
Que o Senhor
bendiz,
Me alenta e me
acalma
E me faz
feliz.
E como duma
ave
Os suspiros
meus
Em queixa
suave
Vão aos pés de
Deus.
Dos olhos
sentidos
A lágrima cai,
Sobem os
gemidos
Aos pés do meu
Pai.
Todo me enche
e invade
Lânguido
prazer,
Em felicidade
Deixai-me
morrer.
No mundo
mesquinho
Tudo é só
pesar:
Ao meu pátrio
ninho
Deixai-me
voar.
Onde veja o
amante
E perpetuo bem
E com os anjos
cante
Glória a Deus.
Amém.
---
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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