POESIA ÉPICA___________________
COMEÇO DO TRIUNFO
Era no tempo,
quando a terra perde
O alvo manto
de neve e a doce Flora
Adorna o
bosque e esmalta o campo verde.
Nos ares se
ouve a música sonora
De Progênie
que lá vai, lânguida e lenta,
Tornando aonde
Filomela mora.
Eis sobre o
manso e livre de tormenta
Assento das
nereidas saudosas
Um triunfo aos
meus olhos se apresenta.
Coberto só de
lírios e de rosas,
Aurifulgente
carro vem trazido
Por mil
pombinhas meigas e amorosas.
Nele com o
ledo e trêfego Cupido,
Está Vênus;
serena e sorridente
A cujo raro
encanto andei rendido.
E o seu olhar
se alonga no ambiente,
Como uma clara
estrela matutina
Começa a
cintilar suavemente.
E o seu
sorriso voa na campina
Como um jasmim
que docemente caia,
Quando Favônio
a leve rama inclina.
E entre ondas
de perfume que se espraia,
Vêm as Graças
gentis em brando adejo:
Eufrosina e
Tália com Agláia.
E as horas
imortais admiro e vejo
Diceia,
Eunômia e Irene com a formosa
Musa que ainda
acende o meu desejo.
Esta é quem só
d'amores vive e goza,
Esta é quem
faz que eu só d'Amores cante
Em melodia
doce e dolorosa.
***
FALA DA MUSA
Caro amador,
nunca houve quem te visse,
Senão tratando
só do afeto puro
Que amor manda
que sempre se cobice.
O mesmo bem
procuras que procuro,
E em pago do
teu longo sofrimento
Aqui verás
pintado o teu futuro.
Ouve-me, nunca
viverás isento
D'arte ou
d'engenho e sempre terás na alma
Da poesia o
brando sentimento.
Terás a doce
avena que te acalma,
E a belicosa
tuba que te anima,
Para que
alcances sempiterna palma.
E voando no
espaço, lá de cima
Espalharás em
sonoroso canto
O que nunca se
disse em verso ou rima.
Nunca te
faltará do monte santo
A proteção
benigna e benfazeja
Das nove musas
a quem amas tento;
Que eu te
prometo que o Parnaso seja
Em teu favor e
desta vida escura
Evites a
vulgar e vil peleja.
Sentes comigo
a mesma desventura
E o mesmo gozo
e, cheia de gemidos,
Na mesma
língua a tua voz murmura.
Ah! nunca de
mim sejam esquecidos
Os acentos da
música celeste
Que vencem e
arrebatam os sentidos.
E como sempre
assim cantar quiseste,
Em sons ou
d'amargura ou d'alegria,
Farei que o
teu amor se manifeste.
E erguerás
nesta vida fugidia
Um monumento
como outrora os houve,
Contra que o
duro tempo em vão porfia.
E embora a
gente humana te não louve,
Hás de viver
contente, conhecendo
Que Polínia te
inspira e Apolo te ouve.
***
APARIÇÃO DE AFRODITE
Já se escutam
sussurros e clamores
Contra, os de
Luso, a tal empresa afeitos,
Quando aparece
a deusa dos amores
Que traz em
laços corações e peitos;
E, olhando
aqueles dons encantadores,
Os numes
imortais ficam sujeitos
E o próprio
Zeus se espanta e maravilha
Da formosura
que lhe mostra a filha.
Como abelhas
em voo diligente
Saem da
colmeia, cheia d'áureos favos,
De madrugada,
quando no oriente
E os derrama
os seus cabelos flavos:
Pousam aqui e
ali suavemente
Em brancas
rosas e vermelhos cravos:
Desta arte
beijos vão subindo entorno
Ao colo
ebúrneo, palpitante e morno.
E como pombos,
revoando à tarde,
Quando a noite
começa e o dia finda,
Descem com a
luz do último raio que arde,
Pela celeste
altura etérea e linda;
E o doce ninho
que os proteja e guarde,
Este acha logo
e aquele busca ainda:
Assim de toda
parte ao seio brando
Suspiros
amorosos vão chegando.
E qual o
caminhante no deserto
Que ouve os
múrmuros sons dalguma flauta,
Ou qual o
pescador que leva perto
Dos cantos da
sereia a barca incauta;
Parece o mundo
um paraíso aberto
Ao viajor
cansado e ao triste nauta:
Desta arte
Citereia nos fascina,
Erguendo a voz
em súplica divina:
Ó grande padre
Zeus, é bem notório
O amor que
tenho ao peito lusitano
Que
ousadamente dobra o promontório
Sem medo a
tempestade, morte ou dano;
E agora quero,
em prêmio não inglório
Do seu
atrevimento mais que humano,
Levá-los longe
da estação severa,
A pátria da
perpetua Primavera.
Já fiz surgir
uma ilha nunca vista
Em meio do
oceano, amena e doce,
Onde o audaz
coração, dado a conquista,
Pelos amores
conquistado fosse;
E aí, longe de
tudo que contrista,
Guiei as
invencíveis naus, e trouxe,
Onde se
repousassem das fadigas
De mares e de
terras inimigas.
Mas, se lhes
dei lugar tão benfazejo,
Para que enfim
um pouco descansassem,
Mais merecem,
segundo entendo e vejo,
E peço que sem
guerra avante passem;
Pois agora é o
meu único desejo
Que vivam onde
eternos gozos nascem,
Em deleitosos
sonhos duradouros
Mirtos verdes
juntando aos verdes louros.
E a ti,
sublime padre Zeus, entrego
O futuro da
minha gente amada,
Faze que pelo
tormentoso pego
Mansamente
navegue a lusa armada.
E, se alguém
com furor maligno e cego
Contra os
nautas levanta a voz, e brada,
Não lhe
creias, pois tudo te assegura
Que é fruto só
d'inveja baixa e escura.
***
FALA DE HERMES
Desta arte
fala o padre soberano
Que a tudo
manda e ordena sabiamente,
Parte-se
Poseidon irado e insano,
E a lânguida
Afrodite ri contente;
Vai, pois,
ilustre capitão, sem dano,
Que Zeus aos
Lusos navegar consente
Aonde a
Primavera enternecida
Há muito que
te chama e te convida.
Vai pelo mar
azul à verde terra
Tão fértil,
tão fecunda e tão formosa,
Em cujo seio a
natureza encerra
Tudo que o
coração deseja e goza;
Em cujo
bosque, vale, prado e serra
Corre um
perfume d'açucena e rosa,
Em cujas
grutas frescas e quietas
Hão de morar
as musas e os poetas.
Disse e qual
andorinha que em procura
Voa d'ameno e
deleitoso clima,
Vendo uma
branca vela na água pura,
Dos céus desce
e lhe vem pousar em cima;
Mas em seguida
pela etérea altura
Com asa mais
leve a revoar se anima:
Desta arte
subiu lépido e ligeiro,
Pelo caminho
lácteo o mensageiro.
***
DESCRIÇÃO DA PÁTRIA DA PRIMAVERA
Por um declive
saudoso rio
Entre as
penhas desliza lentamente,
Formando um
lago claro e luzidio
No qual se
espelha a selva florescente;
Vê-se ali um
vergel verde e sombrio,
Banhado pela
límpida corrente,
Onde colher se
podem, sem embargos,
Doces laranjas
e limões amargos.
E entre mil
retorcidas trepadeiras,
Nos duros
troncos procurando encosto,
Nascem romãs,
à vista prazenteiras,
E roxos figos
d'esquisito gosto;
Em cachos
tintos pendem das parreiras
Os frutos de
que o néctar é composto,
Enquanto as
auras plácidas e calmas
Meneiam mole e
mansamente as palmas.
De ramo em
ramo voam beija-flores,
Abrindo as
refulgentes e áureas penas,
Borboletas
azuis, multicolores,
Sobem
silenciosas e serenas;
Murmura
entorno música d'amores
Em continuas e
doces cantilenas,
Derramando nos
ares o segredo
Da triste rola
e do canário ledo.
Passa o pavão
cuja beleza suma
Pincel não
pinta e pena não descreve,
Ave que sempre
acompanhar costuma
A alta esposa
de Zeus em voo leve;
E pela água,
desfeita em pura espuma,
Nadando o
cisne vem, da cor da neve,
Ave sagrada a
Citereia, e santa,
Que vive muda
e, quando morre, canta.
Abelhas com
sussurros sonorosos
Ambrosia nos
campos vão colhendo;
No ninho
arrulham pombos amorosos,
Suaves beijos
dando e recebendo:
Quantas
delicias há e quantos gozos
Que em vão com
a mente imaginar pretendo
Olhai, do
prateado arroio à margem,
Ervas e flores
que fragrância espargem.
A rosa ali se
vê purpúrea e bela,
Nasce-lhe a
cândida açucena ao lado.
A roxa violeta
se revela,
E o cravo,
d'amadores estimado;
Do alto cai o
jasmim qual nívea estrela,
Em redor a
bonina esmalta o prado,
Cresce também
(notai o estranho efeito)
Junto do
malmequer o amor-perfeito.
Perto a
camélia ou branca ou rubicunda
Com o
rosmaninho e a tulipa viceja
D'olores o
alecrim o espaço inunda,
Rescende a
madressilva benfazeja;
E, para que
com a mágoa se confunda
Algum prazer,
é bem razão que esteja
Com o triste
goivo o mirto imorredouro,
A hera
perpetua e o sempiterno louro.
E com a
magnólia e a passionária santa
Floresce a
parasita sem aroma,
E o girassol
que a vista ao céu levanta
Onde Febo
dourado surge e assoma;
E aquela
desejada e rara planta
Que adormece a
quem dela as folhas coma,
Pintando em
sonho um gozo etéreo e ignoto:
Doce e
maravilhosa flor do loto.
***
CATÁLOGO DAS MUSAS E DOS POETAS
Aqui a vossa
língua bela e branda
Que da latina
fonte se deriva,
Há de
escutar-se, pois o fado manda
Que novamente
aqui floresça e viva;
E quer que a
doce música se expanda,
Não alcançando
fama fugitiva,
Mas, apesar do
tempo que o consome,
Com a vossa
língua dure o vosso nome,
E, para que o
reclamo se levante,
Entorno
murmurando mansamente,
Dalgum ditoso
coração amante
Ou magoado
coração doente,
Do Olimpo há
de enviar o grão tonante
As musas para
o novo continente,
Sem cujo
auxilio a sonorosa lira
Não canta, não
soluça nem suspira.
No Hélicon donde surge a fonte clara
Que do alado
corcel a origem teve,
E no Parnaso a
cuja linfa rara
A imorredoura
inspiração se deve,
O coro das
donzelas se prepara
A atravessar o
mar sereno em breve
E, se bem o
futuro desenrolo,
Há de vir-lhes
à frente Febo Apolo.
Bem como
pombas assustadas, quando,
Repousando nos
ramos duma fronde,
Ouvem o
caçador que vem chegando
E atrás dum
tronco d'árvore se esconde;
Num só momento
vão partindo em bando
Pelos espaços
sem saber aonde:
Desta arte, um
pouco esquivas e confusas,
Irão à nova
terra as nove musas:
Clio que os
tempos idos rememora,
Euterpe com o
cálamo, Tália
Que ri sempre,
Melpómene que chora,
Terpsícore
que as leves danças guia;
Erato, dada a
Amores, a canora
Polínia,
Urânia, dada à astronomia
E Calíope cujo
fogo santo
Da tuba
retumbante inspira o canto.
Da Grécia hão
de trazer a alta doutrina
Da arte
imortal, segundo vejo e espero,
Lá donde se
ouve a música divina
Do velho pai
da poesia, Homero,
E o som que o
magno Píndaro me ensina,
E Ésquilo,
mestre da Tragédia austero,
E o queixume
que espalham sem repouso
Sófocles
brando e Eurípides choroso,
Virão à
Itália, assento sempiterno
D'engenhos
peregrinos, pátria santa,
Onde com o bom
Horácio e Ovídio terno
Virgílio
sonoroso a voz levanta;
Onde Alighieri
pinta, céu e inferno
E Petrarca
suspira em mágoa tanta,
Onde canta
Ariosto sorridente.
E Tasso geme
dolorosamente.
E passarão
pela Provença bela,
Terra dos
amorosos trovadores,
De cuja suavíssima
querela
Voam ainda os
sons encantadores;
Ali toda a
ciência se revela
Da suprema
alegria e dos amores,
Nem se podem
sentir outros cuidados,
Senão de
corações enamorados.
Verão também
Castela onde Cervantes
Tem nos lábios
o riso e a dor no peito,
Onde o grão
Lope, como nunca dantes,
Traz o fogoso
Pégaso sujeito
E Calderón em
versos elegantes
À branda
influição se mostra afeito,
Bebendo em
copa d'ouro a água perene
Das fontes de
Castália e d'Hipocrene.
Enfim chegam
ao ninho lusitano,
Ledo berço da
triste saudade,
Onde a alma só
d'amores sente o dano,
Mas onde tudo
a amores persuade;
Onde Camões
sublime e soberano
Faz que por
toda parte se traslade
O clangor da
trombeta nunca ouvido
Ou da avena o
dulcíssimo gemido.
Daqui no
argênteo carro d'Anfitrite
(Que Poseidon
irado já descansa)
Hão de partir,
e Éolo assim permite,
Pela vaga do
mar cerúlea e mansa;
E sem perigo
extremo que se evite,
Irão
alegremente, na esperança
De que Zéfiro
brando as leve e traga
Ao doce porto
e desejada plaga.
Assim como o
áureo sol resplandecente,
Quando reina
nos céus a noite escura,
Ainda meio
oculto, lentamente
Vai derramando
os raios pela altura
E em seguida,
surgindo de repente,
Enche o espaço
de luz serena e pura:
Tal da treva
negríssima e sombria
Há de nascer
de novo a poesia.
***
FINAL DA ALEGORIA
Tal como quem,
nutrindo uma esperança
Em meio desta
vida, triste e incerta,
Dorme, iludido
na ventura mansa
Que do anelado
bem lhe faz oferta;
Nas no momento
mesmo em que ele o alcança,
Abrindo os
olhos, súbito desperta
E, perdendo o
prazer doce e risonho,
Não pôde crer
que tudo foi um sonho:
Desta arte
Clóris, quando não mais pinta
O que repete a
fala tão sonora,
Um não sei que
faz que saudades sinta,
Vendo a clara
visão voar embora:
E, acabando
cansada e meio-extinta,
Suspira sem
querer e quase chora,
Porém, olhando
logo a Lusa gente,
Vence o
desgosto e ri serenamente.
Qual terno
beija-flor que deixa o ninho
Com a cara
consorte e filho implume,
De rosa em
rosa no jardim vizinho
Colhendo o
néctar, cheio de perfume;
Aias depois,
revoando o passarinho
Aonde todo o
amor se lhe resume,
Com os seus em
paz repousa benfazeja
E dali nunca
mais partir deseja:
Tal a meiga
alegria vai fugindo
Da alma
cândida, amável e sincera,
Mas logo torna
em riso ao rosto lindo
E ao coração
que ardentemente a espera;
Puro
contentamento está sentindo
A gentil e
mimosa Primavera,
Porque da
língua lusitana sabe
Não sofrerá
que a poesia acabe.
Pois nela
manda o céu que, nova e nua,
A formosura
helênica admiremos
E o latino
vigor se restitua
Segundo a tradição
que conhecemos:
Enfim a glória
antiga continua
E estes
maravilhosos dons supremos
A língua para
si recebe e toma
Da bela Atenas
e da forte Roma.
Musas, não
mais! O último som derramo
E já se apaga
a flama em que me alento,
E não vos peço
imarcescível ramo
Em prêmio do
imortal atrevimento:
Mas dai-me
sempre aquilo que mais amo,
Musas, nunca
deixeis que viva isento
De branda
poesia um peito brando
Que anda os
vossos louvores celebrando.
E tu, suave
citara canora,
De cujas
cordas tiro a melodia,
Ou quando em
mim uma saudade mora
Ou quando uma
esperança me alivia:
Pende ao meu
lado sempre como agora
Em jucundo
prazer ou dor sombria,
Para que eu
possa leda ou tristemente
Dizer em verso
tudo que a alma sente.
E vós que vã
cobiça não condena
A uma perpetua,
dura e áspera luta,
Vós que a
filha de Zeus, Palas Atena,
No templo
consagrou da arte impoluta,
Vinde comigo à
Arcádia doce e amena
Onde continua
música se escuta,
Vinde viver
sem mágoas e sem danos,
Claríssimos
engenhos soberanos.
E olha,
coração meu, vê quanto gozas,
Quando o
sublime canto se traslada;
Nascem louros
ainda, nascem rosas
Para trazer a
fronte coroada;
E, porque
Apolo e as Musas amorosas
Tenham sempre
na terra uma morada,
Sobre colunas
dóricas levanto
Um novo
Parthenon eterno e santo.
---
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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