POESIA DRAMÁTICA
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ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DE LOURDES
CORO DE
PASTORAS
Violeta suave,
Santa Maria,
O teu pranto
nos lave
De noite e
dia.
Tu que em
Belém nos deste
A graça suma,
Açucena
celeste,
Tu nos
perfuma.
Rosa d'amor
primeva,
Casta e
pudica,
Tu nos
levanta, enleva
E glorifica.
E, até que
enfim desponte
A alta
ventura,
Corra a água
desta fonte
Perene e pura.
***
PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS
DESCRENÇA
Ó moço
peregrino, deixa o abrigo
Dessa gruta
onde estás, e vem comigo
FÉ
Se porventura
queres provocar-me,
Farei que a
tua audácia se desarme.
DESCRENÇA
Lutar é
claramente o meu direito
E dele quanto
posso, me aproveito.
FÉ
Mas saiba o
mundo todo que a Descrença,
Deus manda que
a Razão também a vença.
RAZÃO
Depois de
longes terras ter corrido,
Ao puro gozo
elevo o meu sentido
E a ti
declaro, ó Fé, com alma sincera
Que um Deus
reside na celeste esfera.
DESCRENÇA
Nego.
FÉ
Negas em vão,
que â Virgem clara
À Razão
milagrosamente ampara.
RAZÃO
Foi a serena
estrela matutina
Cujo esplendor
ainda me ilumina,
Que me mostrou
na noite espessa e escura
A etérea luz
que o coração procura.
O homem,
quando primeiro os olhos deita
Na criação
magnífica e perfeita,
Pergunta
sempre donde vem o mundo,
Donde vêm o
alto céu e o mar profundo?
DESCRENÇA
A criação não
conheceu começo,
Mas sempre
foi.
RAZÃO
A tal mentira
avesso,
Não pôde o
entendimento e jamais ousa
A origem
duvidar de qualquer coisa.
DESCRENÇA
De que haja
Deus, jamais me persuado,
O mundo por si
mesmo foi criado.
RAZÃO
Ouve, não é
possível que a confusa
Matéria antes
de ser faça ou produza:
Medita, que
verás como evidente
Nada pôde
existir eternamente
Nem nada se
criou, de tal maneira
Que uma só
conjectura é verdadeira
Das três que a
mente humana nota e estuda,
Que outra
alguma não há que nos acuda.
Eis a verdade
sempiterna e viva
Donde a santa
doutrina se deriva:
Um Criador
augusto e soberano
Criou o céu e
a terra como oceano.
DESCRENÇA
E quem criou o
Criador?
RAZÃO
Atende,
Para que a
eterna luz se recomende
E esse vão
pensamento logo passe
De que um Deus
porventura doutro nasce.
E assim,
parando o estéril argumento,
Sendo eu Razão
que a Fé também sustento,
Aos que
Esperança a Caridade impele,
Faço que um
Deus supremo se revele
Sem princípio
nem fim, soberbo e forte,
Mandando ao
céu, à terra, à vida e à morte.
FÉ
Foge,
Descrença. E tu, Razão, venceste,
Auxiliada só
da Mãe celeste
Que entre as
sombras da dúvida nos guia
Com o suave
nome de MARIA.
RAZÃO
Se falei bem,
somente peço e rogo
Que o santo
amor de Deus domine logo,
Pois é mais
justo e o céu assim obriga
Que o sinta a
Fé, mas a Razão o diga.
***
SOLILÓQUIO DE ADÃO
Dum profundo
letargo me levanto
E ainda sinto
um lânguido quebranto.
Sou, não era e
contudo me parece
Que sempre
fui. Oh quem fará que cesse
Este mistério
tão remoto e escuro
Que em vão com
o pensamento ver procuro,
Pois não sei
apesar de todo empenho
Quem sou,
aonde vou nem donde venho.
***
FALA DE MIGUEL
MIGUEL
Oh quão ditoso
és tu que na alma sentes
As virtudes
sublimes e excelentes:
A fé que
vivifica e fortalece
A influição
dum hino ou duma prece;
A esperança
que pinta os mais risonhos,
Os mais suaves
e os mais lindos sonhos;
E a caridade
enfim que o peito abrasa
Na pura chama
da celeste casa.
Ergue, pois, a
Adonai os teus louvores,
Porque não
serás digno, se não fores
Grato a quem tudo
manda e determina
Na vida
humana, angélica e divina.
E, porque
tenhas a noção bem clara
De quanto o
Criador em ti prepara,
Vê como em
criatura tão pequena
Com sabia mão
Ele dispõe e ordena
Na alma as
três faculdades, e os sentidos
Cinco que se
acham no teu corpo unidos.
Mas primeiro
olha o espírito sublime
Em que a
imagem de Deus se grava e imprime
Nele vês a
memória que em traslado
Presenta aos
olhos o prazer passado,
E logo o
entendimento alto e profundo
Que nos define
a natureza e o mundo,
Com a vontade
livre e não sujeita
Que escolhe o
bem e todo mal rejeita.
Agora atenta
na matéria nua
Na qual a
essência etérea continua:
Nela se
encontra a vista com que notas
As coisas ou
vizinhas ou remotas,
As sete cores
e as mil formas várias
Em céu e
terra, em plantas e alimárias,
Pelo ouvido
percebes as suaves
E alegres
vozes das canoras aves,
O murmúrio das
ondas e o som brando
Dos zéfiros
que em giro vão voando.
E pelo o
olfato docemente gozas
O aroma
d'açucenas e de rosas
E a fragrância
sutil, leve e fugace
Que de
violetas e cravos nasce.
E olha mais
longe e admira aquelas frutas
Nas videiras,
d'orvalho nunca enxutas,
Vê também a
colmeia onde é composto
O doce mel que
tanto agrada ao gosto.
E enfim, para
que o tacto se conheça,
De leve toca
nesta relva espessa,
Nesta de
flores matizada alfombra
Que frondoso
arvoredo cobre e ensombra.
Bem vês, Adão,
em que o viver consiste,
Desde que os
olhos atônitos abriste.
Dá graças,
pois, a Deus, porque consagre
E confirme
inda mais este milagre,
Pois um
sublime espírito uniu todo
A um baixo
corpo, feito só de lodo.
***
OS SETE DONS DO ESPÍRITO SANTO
MIGUEL
Ditoso Adão,
eu te bendigo e louvo
E louvo o teu
amor sincero e novo.
E em prêmio
dele é bem razão que tenhas
Os sete dons
divinos, já que empenhas
O teu esforço
em só servir Àquele
Que sempre ao
bem nos leva e nos impele,
Para que enfim
no empíreo recebamos
A áurea coroa
e os viridentes ramos.
E, para que a Adonai
vivas sujeito,
Guarda a
sabedoria no teu peito,
O intelecto e
o conselho que te ampara,
A alta
ciência, a fortaleza rara
E a piedade
milagrosa e meiga
Que com o
temor de Deus em ti se arreiga.
Ao céu cerúleo
o teu olhar levanta,
Porque é lá
que verás a pátria santa
E a morada
estelífera e secreta
Onde todo
desejo se aquieta.
***
HINO INAUGURAL
CORO
Louvemos Adonai
alto e perfeito
E o seu nome
sublime bendigamos
Ao som de tuba
e lira saudosa.
E do mais
fundo e mais interno peito
Erga,
harmoniosíssimos reclamos
Tudo que
entorno sente, vive e goza.
A música
chorosa
Aos etéreos
espaços se levante
E, ora grave,
ora aguda,
Celebre a cada
instante
Aquele que do
empíreo nos ajuda;
Pois virtude
não há mais meritória,
Senão que se
repita
Esta infinita
— e sempiterna glória.
Louvem-no o
sol brilhante e a branca lua,
A noite escura
e o luminoso dia,
As estrelas de
prata e os astros d'ouro,
O fresco
orvalho, a nuvem que flutua,
A umedecente
chuva, a neve fria
E o verão
deleitoso e duradouro.
Dos céus se
abra o tesouro
E lá da parte
onde se estão formando
Da nevoa os
densos muros,
Venham
descendo em bando
As mansas
auras e os favônios puros.
E, ou quando
surja a luz ou já não arda,
Seja com voz
sonora
Bendito agora
— e sempre quem nos guarda.
Louvem-no as
fontes e águas cristalinas,
Os regatos e
lagos prazenteiros,
Os caudalosos
rios e oceanos,
Louvem-no os
vales, montes e colunas,
Louvem-no as
serras, louvem-no os outeiros,
Os campos e
vergéis ledos e ufanos.
Os cedros
soberanos,
Os salgueiros,
carvalhos e ciprestes
Derramem mil
louvores
E com as ervas
agrestes
Esparjam doce
aroma as lindas flores.
E pelas moitas
que entre as veigas crescem,
Das fugidias
aves
Os mais suaves
— hinos nunca cessem.
Louvem-no os
peixes e os répteis estranhos,
Os basiliscos
e os dragões daninhos,
Os tigres e os
leões feros e atrozes.
Louvem-no as
águias, louvem-no os rebanhos
D'ovelhas e de
castos cordeirinhos,
Os bravos
touros e os corcéis velozes.
Sejam as
várias vozes
Da criação
numa só voz unidas
E juntas
espalhadas
Nas aéreas
guaridas
E nas terrenas
e úmidas moradas.
Desde o alto
céu até ó mar profundo
Tudo quanto
nos ouve,
Bendiga e
louve — o Criador do mundo.
Louvem-no em
meigo e magoado treno
Adão sublime e
os filhos da futura
Geração
d'Israel soberbo e santo:
Ruben ditoso,
Simeão sereno
E com Levi que
só do templo cura,
Judá, coberto
do purpúreo manto.
E ergam também
o canto
Zabulon, Issacar
e Dan, seguidos
De Gad que ao
claro assento
Eleva ais e
gemidos
Com Aser e
Neftali em ritmo lento;
A quem José
com Benjamin responde:
Qual eco em
selva ou gruta
Diz o que
escuta — e não se sabe donde.
Louvem-no em
diviníssimas cadências
Os serafins,
em flamas abrasados,
Os querubins e
os tronos gloriosos.
Dominações,
virtudes e potências
Gemam e
juntamente principados
Com arcanjos e
anjos digam os seus gozos.
Os sons
maravilhosos
Partam e
docemente irão subindo,
Contínuos e
canoros,
E com prazer
infindo
Suspirem sem
cessar os nove coros.
E no universo
soe eternamente
Uma voz
sobre-humana,
Cantando
hosana — a Eloá onipotente.
***
NASCIMENTO DE EVA
Nestes jardins
que o Paraíso abarca,
Do homem Adão,
primeiro patriarca,
Há de gerar-se
nova criatura
Duma
composição perfeita e pura:
Eva, a mulher
sempre amorosa e branda,
Que obedece ao
consorte com quem anda
E, delicada e
débil, casta e honesta,
Menos força e
mais graça manifesta
E, sendo
semelhante e diferente,
As mesmas
coisas doutro modo sente.
Esta há de ser
aquela que se ufana
Duma Filha
serena e soberana,
Luz e
esplendor do céu, do mar, da terra
E de quanto o
universo guarda e encerra,
Que, assim
como da aurora nasce o dia,
D'Eva também
há de nascer Maria.
***
EVA EM PROCURA DE ADÃO
EVA
Anjos do céu que
estais aqui comigo,
Dizei-me onde
se encontra o meu amigo.
Os olhos são
mais lindos que as estrelas,
As faces
mostram duas rosas belas
E os seus
lábios encerram tal doçura,
Que. vencem
qualquer flor singela e pura.
E, quando o
seu sorriso voa entorno,
É como aroma
deleitoso e morno,
E, quando a
sua voz d'amores fala,
Os passarinhos
vêm para escutá-la.
Anjos do céu
que estais aqui comigo,
Dizei-me onde
se encontra o meu amigo.
CORO
Como é formosa
a criatura nova
Que o divino
poder revela e prova,
Tão inocente,
ingênua, tenra e branca,
Do seio
saudosos ais arranca
E, em amoroso
fogo toda acesa,
Sofre e não
sabe ainda o que é tristeza.
Qual sol
dourado sobre clara neve
Na fronte os
crespos fios caem de leve.
Os olhos donde
a luz raios envia,
Espalham mais fulgor
que o próprio dia.
E das faces e
lábios lentamente
Se derrama um
aroma puro e ardente.
Bem como surge
a aurora leda e grata
Ou como a lua
na água se retrata:
Desta arte o
olhar, cheio d'amor infindo,
Entre as
louras pestanas vai luzindo.
Bem como a cotovia
alegre canta
E o rouxinol
suspira em mágoa tanta:
Desta maneira
o seu falar é doce,
Como se acaso
magoado fosse.
Como as auras
tranquilas e serenas
Espalham nó ar
fragrância d'açucenas:
Desta arte os
seus suspiros, revoando,
Deitam olor
delicioso e brando.
Como enxame
d'abelhas que prepara
Os frescos
favos d'ambrosia rara:
Deste modo na
boca só lhe coube
Néctar que
amor não deixa que se roube.
E também como
a rola meiga e mansa
D'afagar os
filhinhos não se cansa:
Desta arte,
leve como uma asa d'ave,
Acaricia a sua
mão suave.
Ditoso quem te
amar, Eva formosa,
Pois nos teus
braços brandamente goza
Doce prazer
que nunca se define,
Por mais que
nos encante e nos fascine,
E, embora
dentro da alma se reserve,
Cada vez mais
aumenta na alma, e ferve.
EVA
Anjos do céu
que estais aqui comigo,
Dizei-me onde
se encontra o meu amigo.
Em sonhos me
ele veio não sei donde
Nem sei agora
em que lugar se esconde.
Bem como a
ovelha perde o cordeirinho
Que ao longe
corre, mísero e mesquinho,
E com uma dor
e desprazer tamanho
Em busca dele
deixa o seu rebanho
E não sossega
na áspera peleja,
Até que
novamente o encontre e veja:
Desta maneira
irei por toda parte,
O meu amado
esposo, a procurar-te.
***
FALA DE ADÃO
ADÃO
Amar e não
viver, senão amando,
Quem pôde
imaginar gozo mais brando?
Quando brilha
nos olhos a ternura,
Toda desfeita
em luz serena e pura,
Quando nasce
nos lábios a promessa
E o coração a
suspirar começa,
Quando o
sorriso fala e o beijo canta
Numa quietação
suave e santa,
Amor não deixa
mais que amor nos doa,
E alma com
alma pelo espaço voa.
Vem, casta
esposa minha, irmã formosa,
Aonde com a
açucena cresce a rosa,
Aonde o cravo
se une à violeta,
Antes que maio
novos dons prometia.
Dize que me
amas sempre, amiga minha,
Abril
maravilhoso se avizinha
E docemente os
verdes campos junca
De malmequeres
que não morrem nunca.
Prendem-me os
teus cabelos ao teu peito
E nunca este
prazer seja desfeito.
De mil flores
a vida se perfuma
E nunca cesse
esta delicia suma,
Mas antes
sempre noite e dia aumente
Cada vez mais
constante e mais ardente,
Quando emudece
a entrecortada fala
E o olhar
vagos desejos assinala,
Quando amor
faz que mais amor se adquira
E coração a
coração suspira.
***
EPITALÂMIO
CORO
O glorioso
dia, hora e momento,
Quando entre
violetas e boninas
A mulher pareceu
ao lado do homem.
No verde prado
e no cerúleo assento
Não há flores
mais frescas e mais finas
Nem astros que
mais docemente assomem.
Os tempos não
consomem
O etéreo gozo
que nasceu com ela,
Nem o pudor
constante
Que às vezes
se revela
No súbito
rubor do almo semblante.
E em nenhuma
outra parte se depara
Coisa mais
linda e pura
Que a
formosura — milagrosa e rara.
A luz do sol
lhe beija os olhos belos
E o chão que
lhe sustenta o peso brando,
Disto mais
alegria ainda sente.
Com os leves e
longuíssimos cabelos
O vento brinca
e o rio, murmurando,
Lhe dá pérolas
claras da corrente.
Porém mais
fortemente
Que fogo,
terra, ar e água Adão sublime
Guarda no seio
o afeto
Que entende e
não exprime,
Tanto é sacro,
inefável e secreto.
E mais ainda
faz que ele se enleve
Cada rosa que
nasce
Na lisa face —
entre jasmins de neve.
Ei-los que se
olham e já d'onda em onda
Soa dos ternos
peitos o segredo,
Ei-lo que
chega, ela, porém, se esquiva;
Ei-lo que
espera em vão que ela responda,
E para quase,
mas um riso ledo
Faz que o
contentamento lhe reviva.
Então de
fugitiva
Ela se torna
mais mimosa e mansa
E assim, mole
e benigna,
Enlanguesce e
descansa
E a amar e a
ser amada se resigna.
E, como em
braços do álamo a videira,
Eva com Adão
forte
Beija o
consorte, — meiga e lisonjeira.
Ó ditoso
himeneu, ó novo encanto
Que une dois
corações num só desejo
E
simultaneamente acende e acalma.
Ó momento
d'amor suave e santo
E mais que
todos grato e benfazejo
Cuja eterna
lembrança fica na alma.
A viridente
palma
Dê sombra em
horas plácidas e amenas
E deste campo
infindo
Brotem mil
açucenas
E do alto
venham mil jasmins caindo.
E, ou seja em
verde vale ou verde outeiro,
Cantem as
flores todas
As castas
bodas — do casal primeiro.
***
LOUVORES DE MARIA
GABRIEL
Desde o alto
céu até, à baixa terra
Nenhuma
criatura guarda e encerra
Tanta virtude
e encanto nunca visto
Como a Virgem
que deu à luz o Cristo.
Filha do Pai e
Mãe do Filho e Esposa
Do Espírito
que nela se repousa,
Das três
Pessoas derivando a graça
Que nunca
diminui nem nunca passa.
Como a violeta
amável e modesta
À verde
alfombra os seus matizes presta
Quase que sem
querer, mas um perfume
Tão suave e
sutil em si resume,
Que outra
cheirosa flor a não supera
De quantas faz
brotar a primavera:
E como a rosa
que, d'orvalho cheia,
Inclina a fronte
e ainda se receia
D'olhar o sol
que no cerúleo espaço
Espalha os
raios d'ouro não escasso,
E, escondida
entre a mole e imóvel erva,
No seio as
raras pérolas conserva:
Desta maneira
a Esposa, Mãe e Filha
Ante a santa
Trindade surge e brilha.
CORO
E qual do
girassol a flor estranha
Que, quando o
louro dia as terras banha,
Os rubros
resplendores vai seguindo
E à hora em
que descem no oceano infindo,
Com sentimento
e com amargura chora,
Até que nasça
novamente a aurora:
Desta arte o
coração, em mágoa posto,
Procura o
brilho do formoso rosto
E a alma se
torna dócil e tranquila,
Quando o
sereno olhar no céu cintila.
E qual a
cotovia em voo brando
Estende as
asas pelo espaço, quando
O clarão da
alva estrela matutina
As fugitivas
nuvens ilumina,
E, toda cheia
d'alegria e gozo,
Do alto
derrama um som maravilhoso:
Assim a voz
queixosa a cada instante
Em mansa
melodia gema e cante
E o saudoso
reclamo nunca cesse
Do amor
ardente que no peito cresce.
E qual o
beija-flor a flor deseja
Que mais
mimosa e mais melíflua seja,
E errando voa
entre purpúreos cravos,
Passionárias
azuis e lírios flavos,
Até que chegue
ao milagroso loto
Excelso,
inatingível e remoto:
Não doutro
modo o afeto casto e raro
À meiga Virgem
pede brando amparo
E todo se
desfaz, leve e risonho,
Num admirável
e inocente sonho.
***
ORAÇÃO DE RAFAEL
RAFAEL
Pelo anúncio
arquiangélico e jucundo,
Profetizando o
Salvador do inundo
Que virá
redimir de toda pena
A mesma gente
indigna que o condena:
Pela visitação
suave e grata,
Quando o
louvor se espalha e se, dilata,
Glorificando a
castidade pura
Donde há de
renascer toda a ventura:
Pelo natal de
Cristo que prevejo,
Com um
inefabilíssimo desejo;
Quando
retumbam no ar os novos hinos,
Versos d'amor
e cânticos divinos:
Pela
apresentação no excelso templo
D'Aquele cuja
glória já contemplo,
Quando em tons
magoados o profeta
Chora e
lamenta a dor longa e secreta:
Pelo encontro
do qual me maravilho,
Da saudosa Mãe
com o meigo Filho,
Quando Deus
faz que à terra se traslade
A etérea luz
que ao bem nos persuade:
Na hora da
tentação negra e sombria.
CORO
Roga por nós,
ó Virgem Mãe Maria.
RAFAEL
Pela agonia do
Messias no horto,
Na mais
profunda mágoa todo absorto,
Erguendo ao
Pai a angustiosa prece,
Para que nunca
a humana glória cesse:
Pela
flagelação dura e importuna
Do justo
Salvador, preso à coluna,
No horrendo
sacrifício levantando
Os olhos para
o céu sereno e brando:
Pela cruel
coroação de espinhos,
Quando os
algozes feros e mesquinhos
Batem naquela
fronte nobre e augusta
Que nenhum
medo turva nem assusta:
Pela cruz santa
que Jesus carrega,
Seguido pela
gente bruta e cega,
Três vezes
sopesando o lenho rude,
Sem que
ninguém acaso o ampare e ajude:
Pelo momento
doce e derradeiro,
Quando,
pregado no áspero madeiro,
O Filho do
Homem com ânsia mansa e calma
A Deus entrega
entre suspiros a alma:
Na hora da
tentação negra e sombria.
CORO
Roga por nós,
ó Virgem Mãe Maria.
RAFAEL
Pela
ressurreição de Jesus Cristo,
Dos olhos
lacrimosos nunca visto,
Em alegria
plácida e profunda
Transbordando
de luz que os céus inunda:
Pela ascensão
do Filho glorioso
Ao claro
assento d'infinito gozo,
Quando o Padre
celeste na áurea esfera
Entre ondas de
esplendor o aguarda e espera
Pela vinda do
Espírito sagrado
Aonde se reúne
o grão senado
Dos discípulos
castos e eloquentes
Os quais irão
salvar nações e gentes:
Pela tua
assunção maravilhosa,
Quando entre
nuvens d'ouro, neve e rosa
Voas, pelos
espaços transportada,
À região da
eterna madrugada:
Pela coroação
alta e sublime,
Quando a
Trindade sacrossanta exprime
O triplo amor
que se consagra e vota
A ti, Rainha
egrégia e ainda ignota;
Na hora da
tentação negra e sombria.
CORO
Roga por nós,
ó Virgem Mãe Maria.
RAFAEL
Roga por nós,
Virgem Maria, e escuta
Os contínuos
suspiros de quem luta,
Em ti cuidando
e só por ti gemendo
Neste combate
formidando e horrendo.
Tu nos protege
sempre e tu nos salva,
Ó para nós
farol e estrela d'alva!
E se no eterno
pensamento vives,
Dessa visão
divina não nos prives,
Mas surge como
o véspero flutua
Entre o
dourado sol e a argêntea lua,
Do dia marca o
derradeiro instante
E com o
reflexo raro e rutilante,
Pousando aqui
e ali, veloz e vago,
Treme de leve
no cerúleo lago.
***
VITÓRIA DE MIGUEL
Anjos, ouvi a
narração da luta
Contra a
maldade e astucia baixa e bruta
E o sublime
triunfo nunca visto
Para glória e
louvor de Jesus Cristo.
E que também
retumbe nó universo,
Depois de
derrotado o arcanjo adverso,
Das armas e
das tubas o ruído,
Saudando o
vencedor nunca vencido,
E em toda
parte celebrado seja
Miguel,
invulnerável na peleja.
Já no terreno
próprio e bem-disposto
Estão os
combatentes rosto a rosto,
Quando ao som
da trombeta que se espera,
Lúcifer salta
qual veloz pantera
E, andando em
roda, com a fina ponta
A Miguel
ameaça que traz pronta-
A espada e
juntamente pronto o escudo
E sem mover-se
em pé, severo e mudo,
Somente os
olhos do adversário fita,
Buscando
ocasião que lhe permitia
Dar um seguro
passo mais avante,
Na mão direita
o gladio rutilante.
Em vão Lúcifer
tenta desarmá-lo,
Miguel do medo
não conhece o abalo,
Mas antes em
coragem vai crescendo,
Cada vez mais
feroz e metuendo.
Qual áfrico
leão soberbo e forte
Irosamente
espalha entorno a morte
E, erguendo
aos céus o formidável uivo,
Erriça todo o
pelo crespo e ruivo
E logo se
arremessa sem detença,
Até que rompa,
fira, abata é vença:
Tal o arcanjo
belígero e robusto
Com ardente
olhar infunde frio susto
No inimigo
que, vendo força tanta,
Três vezes
cai, três vezes se levanta
E por fim em
letárgico repouso
Jaz aos pés de
Miguel vitorioso.
***
VISÃO DA
SANTÍSSIMA TRINDADE
CORO
Que visão
majestosa se apresenta,
Subindo pelo
espaço lenta e lenta?
A visão da
amantíssima Trindade
Cujo ardor
tios inunda e nos invade:
Deus Padre, o
Criador onipotente,
Deus Filho, o
Salvador da humana gente,
Deus Espírito
santo e sempiterno,
O Glorificador
que vence o inferno.
Quem nos dará
ligeiras penas e asas
Para deixarmos
as campinas rasas
E como cisnes
que pelo ar vizinho
Vão revoando
para o doce ninho,
Antes que em
duro e doloroso trance
A águia cruel
e pérfida os alcance,
Pousam numa
enseada mansa e curva
Cujo claro
cristal nunca se turva:
E também como
cervos malferidos
Que abafam os
tristíssimos gemidos
E,
traspassados duma aguda seta,
Numa carreira
célere e inquieta
Vão
ansiosamente à fresca fonte
Onde não há
perigo que os afronte:
Assim subamos
para o sólio puro
Onde entre
Deus e os anjos não há muro.
Então, do
nosso Criador mais perto,
Veremos como
num espelho aberto,
Do empíreo
descerrando-se as cortinas,
Mais
claramente as perfeições divinas:
A potência que
cria o céu e a terra,
A sapiência
que tudo abarca e encerra,
A bondade que
toda mágoa abranda,
Para que
dentro da alma não se expanda,
A imensidade
que não tem limite,
A providencia
que prever permite,
A justiça que
pune, sendo boa,
Com a
misericórdia que perdoa,
E com a
beneficência que governa,
A infinidade e
a caridade eterna.
MIGUEL
E dessa
caridade que esperamos
A áurea coroa
e os viridentes ramos.
Cantai, anjos,
cantai com alegria,
Glorificai Eloá
noite e dia.
E o saltério
do amor maravilhoso
Exprima o
nosso indefinível gozo,
Acompanhado em
melodia amena
Com harpa e
lira, com trombeta e avena,
Para que todos
juntamente em coro
Louvemos Adonai
imorredouro.
GABRIEL
Anjos, agora
aos claros céus voemos
E lá nos
claros céus descansaremos.
RAFAEL
Anjos, à alta
mansão vinde comigo,
Deus nos
espera no celeste abrigo.
***
APOTEOSE
MIGUEL
Qual íris,
rutilando no áureo espaço,
Sobe num voo
vagaroso e lasso:
Desta arte a
Virgem Mãe surge sem susto
Diante de Adonai
soberbo e augusto.
CORO
Salve, ó
Senhora,
Cheia de
graça!
Luz que nos
doura,
Não se
desfaça:
Mas docemente,
Plácida e pura,
No peito
aumente
Rara ventura.
Ó tu, mais
nobre
Dentre as
donzelas,
Bem que se
encobre,
Tu nos
revelas:
Jesus, Menino
Meigo e
risonho,
Mimo divino,
Divino sonho.
Mãe sempre
amada,
Sempre
querida,
Na madrugada
Da nova vida;
Cesse o teu
breve
Voo indeciso:
Jesus te eleve
Ao Paraíso.
GABRIEL
Nasçam rosas
gentis pelo caminho,
Corram brandos
perfumes no ar vizinho,
Que todo o
brilho já se manifesta
Da Virgem
admirável e modesta.
CORO
Eis vem a
Esposa
Cândida e
calma
Em quem
repousa
Encanto
d'alma.
Rúbido pejo
O rosto inunda
Tão benfazejo
Em paz
profunda.
Flor de
laranja
Nas trancas
cheira,
Mas não lha
tanja
A aura
ligeira.
E com agrados,
Tímida e
inerte,
Cravos nevados
A mão aperte.
Salve, ó
Rainha
Mimosa e
mansa,
À alma
mesquinha
Traze
esperança:
Não transitória
Flor dum
instante,
Mas alta
glória
Inebriante.
RAFAEL
Já do seio de Eloá
não se afasta
A Virgem
meiga, encantadora e casta
E, como
claramente vejo e advirto,
No céu mais do
que o louro vale o mirto.
CORO
Juntas e
unidas,
Em voos lentos
Vão duas
vidas,
Dois
pensamentos:
Aonde nasce
Como perfume
Bem não fugace
Que amor
resume.
Ninguém na
terra
Nunca se
indigne
Contra o que
encerra
Ânfora
insigne:
Coração ledo,
Fechado cofre,
Guardas
segredo
De quem não
sofre.
Coração puro,
Supremo amparo
E forte muro,
Aos anjos
caro:
Em alegria
Com os doces
nomes
Jesus, Maria.
MIGUEL
Anjos do céu,
cantai um canto novo
A Fênix santa
que bendigo e louvo.
CORO
Vaso argênteo
d'amor, donde o jucundo
Aroma se
derrama pelo mundo,
Donde nascem
virgíneas açucenas
Olorosas,
melificas e amenas,
Os zéfiros
fagueiros perfumando
Com o eflúvio
mais sutil, mais leve e brando:
Ebúrnea torre
de queixosas aves,
Do frágil
ninho os sons altos e graves
Suavissimamente
despedindo
Com um
murmúrio saudoso e infindo,
Quando entre
nuvens róseas surge fora
A reluzente e
rubicunda aurora:
Áurea mansão
d'inúmeras abelhas,
Beijando
flores níveas e vermelhas,
De jasmim em
jasmim, de cravo em cravo
Colhendo o
néctar esquisito e flavo
Que da corola
imóvel e tranquila
Entre ondas
d'ambrosia se distila:
Porta celeste
e resplendente, aonde,
Quando o dia
claríssimo se esconde,
Durante a
noite calorosa e calma
Úmidas folhas
d'amaranto e palma
Se erguem,
sorvendo o orvalho deleitoso
Em puro enlevo
e lânguido repouso:
De ti, Maria,
vêm as esperanças
Que para nós
na láctea via alcanças,
De ti vêm os
prazeres e as doçuras
Que para nós
com afeição procuras,
Cheia de graça
rara que convinha
A quem da
corte angélica é Rainha.
A ti sobem os
sôfregos desejos
Imensos,
infinitos e sobejos
E lentamente
as ilusões e os sonhos
Pelos ares
cerúleos e risonhos.
Ó Mãe de Emanuel,
sempre querida
De quem ao
sumo gozo nos convida;
Por ti, Maria,
os duros sofrimentos
Deixam de ser
penosos e cruentos,
As
longas-dores e os extremos danos
Deixam de ser
ferinos e tiranos,
Ó Donzela
seráfica e divina,
Em ti se
encontra doce medicina:
Flor de Judá, Maria
graciosa,
Lírio sem
mancha e sem espinho rosa,
Salva-nos tu
que és cândida e impoluta,
Os nossos
hinos mansamente escuta
E com ternura
meiga e benfazeja
Roga a Jesus amado
que assim seja.
---
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2020)
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